1A pesquisa foi realizada por meio de um formulário eletrônico do Google Docs. As questões incluíram perguntas compostas de alternativas, de escalas (de 0 a 5) e questões discursivas. Nenhuma das questões era obrigatória. Assim, todos puderam responder apenas questões que fossem pertinentes. As perguntas com alternativas permitiam a inserção de novas respostas.
2A divulgação foi realizada por redes sociais (Facebook, Twitter, LinkedIn), listas de discussão com grande presença de geógrafos e e-mail. O período de coleta das respostas foi entre 25 e 30 de abril de 2015. Foram obtidas 487 respostas, reduzidas para 480 após a remoção de respostas duplicadas.
3Foram construídos mapas e gráficos para visualização dos resultados quantitativos e nuvens de palavras para sintetizar as respostas das questões discursivas. Para a produção dos mapas foi utilizado o programa Philcarto (Waniez, 2018). Utilizou-se também o programa Wordle para representar os termos mais usuais com tamanhos proporcionais às respectivas frequências (Viegas; Wattenberg, Feinberg, 2009). Para isso, foi feito um pré-processamento no editor de texto que incluiu a uniformização da grafia das palavras mais frequentes, evitando-se que elas fossem contabilizadas duas vezes, no singular e no plural, ou no masculino e feminino, por exemplo, a correção de erros de digitação e exclusão de termos que não representam conceitos ou ideias.
4A idade das pessoas que responderam à pesquisa variou entre 19 e 60 anos, mas 66% tinham idade entre 25 e 35 anos, revelando grande participação de jovens. Em relação à participação no mercado de trabalho, 86% declaram-se incluídos, contra 14%, que se declararam fora do mercado. A experiência média no mercado de trabalho foi 6,7 anos. Constatou-se também um considerável desequilíbrio de gênero, com 64,6% de homens e apenas 35,4% de mulheres. Em relação à modalidade da formação, 12% cursaram apenas a licenciatura em Geografia, 32,4% apenas o bacharelado e a maioria, 56,6% cursaram as duas modalidades.
Figura 1 Tipo de vínculo profissional dos geógrafos
5O ensino foi a forma de inserção no mercado de trabalho de 28%. Os geógrafos que trabalham com registro profissional no conselho de classe foram 25,1%. Os outros incluíram principalmente analistas, especialistas e técnicos em geoprocessamento ou SIG, consultores, autônomos, pesquisadores, vendedores e voluntários. Um dado que gera apreensão é que 13% que disseram trabalhar como geógrafos, mas atuam sem registro profissional. As demais categorias são de estudantes com vínculo de bolsistas (8,6%) ou estagiários (5,5%). A maioria, 52,3%, trabalha no setor público, 39,7% no setor privado, 1,8% em ONG e 6,2% em outros setores.
Figura 2 Município de nascimento dos geógrafos
6A distribuição geográfica dos geógrafos que participaram da pesquisa segue padrão semelhante a distribuição da população brasileira, com números bem mais expressivos nos principais centros urbanos.
Figura 3 Município de trabalho dos geógrafos
7Já o mapa dos municípios de trabalho é ainda mais concentrado, evidenciando a força da polarização exercida pelos principais centros urbanos do país, e diagnosticando a falta de oportunidades de trabalho em cidades menores.
Figura 4 Escala de avaliação da formação acadêmica
8A maioria está relativamente satisfeita com a formação oferecida pela universidade, atribuindo principalmente a nota quatro, entretanto não houve grande proporção da nota máxima, apenas 9,1%. Poucos estão insatisfeitos, com 1,1% de nota zero e 5,9% de nota um.
Figura 5 Avaliação do estágio e da iniciação científica
9Ao longo da graduação houve importante envolvimento com atividades como estágio e iniciação científica, sendo que 40,8% fizeram ambos, 35,9% apenas estágio e 11,9% apenas iniciação científica. Já 11,5% não fizeram nenhum. Comparando-se ambos, o estágio contribuiu mais para a inserção no mercado de trabalho do que a iniciação científica. Isso pode ser explicado pela maior diversidade de áreas nos projetos de iniciação científicas, que incluem a pesquisa pura. Já os estágios, sobretudo em empresas, e mesmo em órgãos públicos, tendem a privilegiar atividades mais pragmáticas. Além disso, alguns estagiários são efetivados nas empresas ao se formarem. A iniciação científica, por outro lado, facilita a inserção e o desenvolvimento de projetos em programas de pós-graduação.
Figura 6 Avaliação da pós-graduação
10A qualificação acadêmica é elevada, pois 20,8% fizeram especialização, 32,1% mestrado e 20,1% doutorado. Apenas 27% não cursaram nenhum curso de pós-graduação. Essa qualificação se reflete em importante melhoria das condições de inserção no mercado de trabalho.
Figura 7 Nuvem de palavras das demandas dos geógrafos em relação a universidade
11A principais demandas que os geógrafos sentem em sua formação na universidade são a maior proximidade com o mercado de trabalho ou mercado profissional, que se reforça por meio da expectativa de mais disciplinas práticas, principalmente nas áreas de geoprocessamento e ambiental, sobre legislação e estatística, mais estágios, mais professores, melhores laboratórios e mais trabalhos de campo.
Figura 8 Auto-avaliação da capacitação profissional
12A maior parte dos geógrafos avaliou bem a própria qualificação profissional. Na escala de 0 a 5, a nota 4 foi a mais frequente, seguida pelo 3 e 5. Poucos avaliaram negativamente a própria capacitação profissional.
Figura 9 Escala de preferência por geógrafos generalistas ou especializados
13Na experiência da maior parte dos entrevistados, a preferência do mercado de trabalho é bem maior pelos geógrafos especializados do que pelos generalistas.
Figura 10 Principal área de atuação
14O geoprocessamento (33%) e o licenciamento ambiental (11,20%) foram as principais áreas de atuação dos participantes da pesquisa. O ensino foi dividido nas classes fundamental (9,5%), médio (6,5%) e superior (5,2%), e apareceram subestimados nesta pesquisa.
Figura 11 Principal demanda profissional, além do ensino
15Na percepção de 66% dos geógrafos, após o ensino, o geoprocessamento apresenta a principal demanda pelo mercado de trabalho, seguido pelo licenciamento ambiental, com 12,6%.
Figura 12 Áreas que oferecem salários mais justos
16A área de geoprocessamento aparece como a que oferece salários mais justos para 39%, seguida pelo ensino superior, com 21% e licenciamento ambiental, com 17%. É interessante notar a percepção de bons salários no ensino superior, apesar da baixa demanda.
Figura 13 Vinculo com as associações e conselho regional
17Nesta pesquisa, 68,97% dos geógrafos estão registrados no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), sendo que 52,41% estavam com a anuidade em dia e 16,56% em atraso. A grande maioria não possui vínculo com as associações. As seções da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) tinham 26,77% de associados e as Associações Profissionais de Geógrafos (Aprogeo) 13,36%. Entretanto, para 3,38%, não há AGB na região e para 12,72% não há Aprogeo.
Figura 14 Escala de satisfação com o ambiente profissional
18As notas mais frequentes na escala de satisfação com o ambiente profissional foram 4 e 3, revelando uma satisfação mediana a levemente superior.
Figura 15 Percepção da valorização profissional
19Já na escala sobre a valorização, predominam notas medianas e baixas. Apenas 7% atribuíram a nota máxima, enquanto 13% atribuíram nota zero.
Figura 16 Nuvem de palavras das demandas para valorização profissional dos geógrafos
20Foram levantadas as demandas dos geógrafos voltadas para a melhoria da valorização profissional. Os principais aspectos mencionados foram a falta de reconhecimento enquanto classe e união da categoria, de conhecimento da profissão pela sociedade, a necessidade de divulgação da atuação, das atribuições e da importância da profissão para empresas e para a sociedade, a melhoria da relação com Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e melhores salários.
Figura 17 Nuvem de palavras dos problemas que mais incomodam os geógrafos
21Os problemas levantados podem ser divididos em três grupos principais. O primeiro seriam os problemas generalizados, que incluem as faltas de reconhecimento, de liberdade, de perspectiva de crescimento na carreira, os baixos salários, problemas nas políticas públicas e falta de investimentos que melhorariam as condições de trabalho, divergências políticas, divergências entre o bacharelado e a licenciatura e entre a geografia humana e a geografia física, problemas de relacionamento com colegas de trabalho, assédio moral, falta de cooperação, excesso de individualismo, a sobrecarga de trabalho, falta de tempo para cursos de aperfeiçoamento e o apadrinhamento, popularmente chamado de QI (“quem indica”).
22Entre os geógrafos que trabalham na área técnica, incomodam o excesso de burocracia, competitividade desnecessária, decisões políticas em detrimento dos pareceres técnicos, sobretudo na área ambiental, falta de participação nas decisões, poucas oportunidades de trabalho, concentração das oportunidades nas áreas de geoprocessamento e ambiental, a instabilidade do setor privado, a baixa representatividade no CREA e a concorrência desigual com outros profissionais como engenheiros e arquitetos, empresas que não contratam como geógrafos, mas como analista, por exemplo, o machismo e o preconceito contra as mulheres.
23Já aqueles que trabalham no ensino reclamam das salas de aulas superlotadas, falta de infraestrutura, barulho, clima de pessimismo entre os colegas, alunos desmotivados, ausência da família e deficiências nos materiais didáticos. Especificamente no ensino superior, a luta por poder, o carreirismo acadêmico exacerbado, a dificuldade em desenvolver pesquisa e a ânsia por produtividade (muitas vezes mais embasada por critérios quantitativos que por qualitativos).
Figura 18 Pretensão de cargo futuro
24Em relação às perspectivas futuras, há o interesse majoritário por cargos no setor público, de 64,2%, seguido pelo trabalho autônomo, de 17,8%, e como empregador, de 10,5%. O setor privado na condição de empregado é pouco atraente.
Figura 19 Percepção da inserção dos geógrafos no mercado de trabalho
25A escala sobre a inserção dos geógrafos tem pico na nota três, uma nota mediana, sem maior predominância positiva ou negativa. Não alcança a inserção desejada, entretanto, não predominam as notas mais baixas.
Figura 20 Perspectivas futuras como geógrafo
26Os geógrafos estão otimistas em relação ao próprio futuro, pois apesar das dificuldades apresentadas, as expectativas profissionais são positivas, com predominância de notas altas. Isto não pode ser justificado pelas condições oferecidas pelo mercado profissional, mas pelo empenho pessoal da categoria que busca o aprimoramento profissional por meio da pós-graduação e outros cursos complementares.
27Os geógrafos que participaram desta pesquisa são predominantemente jovens, principalmente na faixa entre 25 e 35 anos, e cursaram tanto licenciatura como bacharelado. Há uma predominância de homens e as oportunidades de trabalho estão concentradas majoritariamente nos principais centros urbanos do país, uma restrição para aqueles que desejam trabalhar no interior. Um tema interessante para investigação futura seria conhecer os lugares de interesse dos geógrafos brasileiros para trabalho e pesquisa, nos moldes que Velut (2001) realizou para os geógrafos franceses.
28De uma maneira geral, eles estão satisfeitos com a formação oferecida pela universidade, apesar de sentirem falta de maior envolvimento da universidade com o mercado de trabalho e uma formação mais técnica, sobretudo com mais disciplinas de geoprocessamento, que apresenta a maior demanda, mas também na área ambiental, especialmente voltada para o licenciamento ambiental. Eles recorrem a cursos complementares ou o auto-aprendizado para preencher esta lacuna.
29A demanda por uma formação mais técnica oferecida pelas universidades é compreensível diante das exigências que os geógrafos enfrentam para se inserir no mercado de trabalho (Santos, 2000). Entretanto, a universidade enfrenta dificuldades relacionadas com o número reduzido de docentes e também tem a missão de desenvolver pesquisas num espectro mais amplo que as demandas do mercado de trabalho, assim como formar pesquisadores e professores.
30Na graduação, o envolvimento com atividades como estágio e iniciação científica é grande, sendo que a contribuição dos estágios foi maior para a inserção no mercado de trabalho, enquanto a iniciação científica facilita a inserção em programas de pós-graduação.
31A qualificação acadêmica é elevada, com grande proporção de pós-graduados. Então, são profissionais que se sentem bem capacitados, mas sem o devido reconhecimento de suas habilidades pelo mercado de trabalho e pela sociedade. Deste modo, levanta-se a necessidade de campanhas de divulgação da atuação da profissão.
32Eles trabalham predominantemente no setor público (52,3%) e possuem muita insatisfação com o setor privado, principalmente na condição de empregado, devido principalmente a falta de reconhecimento, baixos salários, sobrecarga de trabalho, falta de participação nas decisões e concorrência em condições de desigualdade com outros profissionais. Então, no futuro, 64,2% pretendem trabalhar no setor público, enquanto 17,8% pretendem trabalhar como autônomos e 10,5% desejam ser empregadores. Apesar do maior interesse, no setor público os geógrafos continuam convivendo com pressões de interesses políticos e empresariais e falta de autonomia para a tomada de decisões (Ab’Saber, 2007).
33Um dado preocupante é a discriminação contra as mulheres no mercado de trabalho. Elas foram apenas 35,4%, contra 64,6% de homens neste levantamento. A distribuição por sexo dos alunos de Geografia da Universidade de São Paulo, por exemplo, é de 49% de mulheres e 51% de homens (Girotto, 2017), uma proporção equilibrada. Assim, além das dificuldades já mencionadas, para as geógrafas soma-se outra barreira justamente por serem mulheres.
34Outro dado que desperta preocupação é a falta de filiação ao CREA, inclusive entre profissionais que atuam como geógrafos, que pode ser justificado pela insatisfação da relação com conselho de classe, além dos baixos salários.
35Apesar de muitos geógrafos sentirem falta de organização da categoria, o vínculo com as associações profissionais não é elevado. Mesmo entre os associados, a participação nas respectivas associações é baixa. Isso é justificado em parte pela falta de tempo, devido a sobrecarga de trabalho.
36Mesmo diante das dificuldades, as expectativas futuras em relação a carreira são positivas, não por condições favoráveis oferecidas pelo mercado de trabalho, mas pelo esforço pessoal e investimentos na própria capacitação profissional.
37Agradecimentos
38A autora agradece a todas as geógrafas e geógrafos que contribuíram para a realização desta pesquisa por meio das respostas ao questionário e pela sua divulgação, assim como o convite da Associação Profissional de Geógrafos no Estado de São Paulo (Aprogeo-SP) e da Geoplan Jr. que motivou a realização do levantamento que resultou neste trabalho.