1O ambiente costeiro traz consigo grupos sociais, carregados de identidades e cultura, aspectos com os quais se identificam, que denotam a importância do modo de vida no mar mais do que na terra. “São construções ancoradas em história e em constante evolução” (PÉRON; RIEUCAU, 1996, p. 14).
2Nesse contexto a pesca artesanal do Amapá, uma das principais fontes de proteína na dieta alimentar do ribeirinho, corresponde a mais de 90% de toda a captura efetuada nas áreas costeiras do estado, utilizando em grande parte mão de obra familiar (SILVA et al., 2016). Em Oiapoque os pescadores comercializam parte da produção no mercado local e grande parte com os atravessadores, que comercializam com “municípios paraenses (Santarém, Óbidos, Monte Alegre, Alenquer, Prainha e outros) e municípios amazonenses (Maués, Coari e outros)” (SILVA; DIAS, 2010, p. 50), além de São Paulo, Belo Horizonte e João Pessoa.
3A pesca em Oiapoque é relevante pela tradição, economia local, potencial para a exportação e diversidade haliêutica (PEZZUTO, 2015). Porém, concomitante a pesca há a preocupação com a redução do pescado, em razão da invasão de frotas de outras regiões do país e de outros países.
4Assim as justificativas para esta pesquisa são: Retratar os aspectos socioeconômicos do pescador e seus familiares, possibilitando uma reflexão e tomada de consciência sobre a atividade e suas transformações ocorridas ao longo dos anos; embora a pesca artesanal integre dimensões ambientais, políticas, biológicas, sociais e econômicas (FORST, 2009), os valores socioculturais da pesca têm sido subestimado no manejo costeiro (KHAKZA; GRIFFITHC, 2016); e, várias comunidades de pescadores estão em declínio ou em perigo de extinção devido a várias causas naturais, antropogênicas (KHAKZA; GRIFFITHC, 2016) ou pela exploração do mercado, o que resultará na perda de parte da história viva e herança autêntica (JACOB; WITMAN, 2006).
5A área de estudo localiza-se no estado do Amapá/Brasil, no município de Oiapoque, porção nordeste da América do Sul (Figura 1) e partilha uma fronteira de 665 km com a Guiana Francesa. Oiapoque (03° 49' 29" N; 51° 49' 05" O) se localizada às margens do rio Oiapoque e possui uma área de 22.625,3 Km², equivalente a 15,8% do total territorial do Estado, com população de 24.892 hab. em 2016.
Figura 1 - Mapa de localização do município de Oiapoque.
- 1 Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Amapá.
Fonte: SEMA1 (2003). Elaboração Viviane Amanajás (2017).
6A metodologia é descritiva-exploratória de natureza quali-quantitativa com uso de métodos estatísticos. A coleta de dados ocorreu de 09/2012 a 05/2014. E incluiu: pesquisa bibliográfica e documental; consulta ao Ministério da Pesca (MPA/AP) e a Colônia de Pescadores do Oiapoque (CPOZ-03); trabalho de campo; aplicação de formulário (12/2013 e 05/2014); observação direta; análise estatística; e, elaboração de mapas.
7O estudo considerou a população N= 619 pescadores (MPA/AP, 2012), com intervalo de confiança de 95%, margem de erro de + 5, proporção de 20%, e amostra de n= 177 formulários aplicados.
8É reconhecido as dificuldades na coleta e análise de dados sobre a pesca artesanal no mundo inteiro, passando pela ausência de equipe treinada em estatística, escassos centros de pesquisa, ausência de agentes de campo para a coleta das informações de desembarques, metodologias de coleta diferenciadas (MILES, 1985). Dificuldades essas que variam de acordo com país e região. Essas dificuldades geram estatísticas de pesca totalmente inadequadas, defasadas ou inconstantes. O Brasil não é diferente desse contexto. “A pesca artesanal sofre de uma carência, generalizada, de informações biológicas e, especialmente, socioeconômicas” (ALVES DA SILVA et al., 2009, p. 533).
9Os entrevistados correspondem a 28,6% da população total de pescadores de Oiapoque. Estes pescadores chegaram a região de Oiapoque no século 20, praticando uma pequena pesca costeira caracterizada como "nômade" (LAVAL, 2016). Era uma pesca praticada por habitantes do Pará. Em 1940 estes pescadores estabeleceram-se na foz do rio Cassiporé (AP), criando a vila do Taperebá (Figura 2).
Figura 2 – Mapa com a localização da Vila do Taperebá e a migração para o município de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
10A Vila era formada por habitantes das regiões costeiras e estuarinas da Amazônia: Calçoene, Amapá, Bailique - no Amapá; e Marajó, Afuá e Belém - no Pará (CRESPI; LAVAL; SABINOT, 2014). Em 1980 houve a criação do Parque Nacional do Cabo Orange (PNCO) na região onde a comunidade habitava. Após a criação do PNCO os pescadores permaneceram no local, mas depois de 10 anos viram-se obrigados (devido as regras do Parque) a migrar. O local escolhido para a mudança foi a sede de Oiapoque (Figura 3).
Figura 3 – Área urbana do município de Oiapoque com a localização das áreas de concentração dos pescadores.
Fonte: SEMA (2003). Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
11Na figura 3 apresenta as áreas de concentração da pesca. Na área leste tem-se a concentração de moradias dos pescadores, a proximidade ao rio, aos pontos de desembarque, aos pontos de abastecimento de combustível e a colônia de pesca. Na área oeste tem os desembarques e abastecimentos de embarcações de outros estados, gerando uma tensão entre os pescadores das duas áreas.
- 2 O MPA criado pela Lei 11.958/2009, para formular a política de desenvolvimento da pesca e aquicultu (...)
12A infraestrutura da cidade de Oiapoque (figura 3) é modesta, dispõe de escolas em todos os níveis de ensino (embora nenhuma com formação em pesca), posto de saúde, polícia, etc. Há carência na oferta de serviços e produtos na cidade, mas não compromete atividade da pesca, os pescadores não necessitam vir a capital para comprar equipamentos ou insumos. Entretanto, sentem falta de órgãos públicos de apoio a pesca, como a Marinha no Brasil e o MPA2.
13Dentre os entrevistados observou-se a predominância masculina na atividade (92%), reforçando o papel tradicional da pesca onde o homem é o principal gerador de renda. Mas, embora as mulheres pescadoras tenham sido minoria (n=14), não significa que não é atuante na atividade. Durante o período de campo foi observado que a família dos pescadores, em especial as esposas, atuam na pesca com outros papéis: desembarque, beneficiamento do pescado (filetar, salgar e secar) e as vezes na comercialização do pescado no mercado local, cumulando com as atividades domésticas. Esta realidade se reproduz em países como Índia, África, Chile, Argentina, Peru, França, Canadá e Uruguai (MANESCHY, SIQUEIRA; ÁLVARES, 2012).
14A maioria das mulheres ocupam postos informais e não são remuneradas pelas atividades que desempenham na pesca, embora contribuam com a renda familiar. As mulheres pescadoras desta pesquisa, são aquelas que embarcam com seus maridos (57%) como parte da tripulação ou sozinha com uma tripulação contratada (36%). Das mulheres embarcadas 57% são donas da própria embarcação. Isto significa que homens e mulheres interagem com o recurso e que o papel da mulher dentro da pesca deve ser revisto, já que participam da atividade produtiva, independentemente de estarem embarcadas, e por isso devem ser reconhecidas na divisão do trabalho.
15Dos entrevistados 50% tem 2 filhos. Os demais: 21% não possui filhos e 29% tem de 3 a 5 filhos. A maioria (79%) não deseja que seus filhos sigam a profissão (Gráfico 1). Para o futuro dos filhos almejam o estudo (25%), pois assim terão uma oportunidade de vida melhor, com emprego fixo e mais conforto.
Gráfico 1 – Porcentagem das motivações dos pescadores artesanais de Oiapoque quanto a vontade de que seus filhos sigam a profissão de pescador.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
- 3 O estudo de Cavalcante (2011) considerou amostra de 36 pescadores (n=256).
16O tempo de trabalho (Gráfico 2) na pesca dos entrevistados variou de 1 a 60 anos. O maior tempo de exercício na pesca foi para a classe com até 25 anos (77%) na profissão, refletindo a experiência do pescador e a estabilidade na profissão. De acordo com Cardoso (2005) no município de Barcelos, no rio Negro, o tempo médio na profissão é de 20,9 anos, diferenciando-se e demostrando que existe variação na média de tempo na pesca nas regiões da Amazônia. A classe etária há uma proporção entre os grupos de 31 a 40 anos (28%) e 41 a 50 anos (30%), semelhante ao estudo de Cavalcante3 (2011). A classe etária de menor representatividade é a de 25 anos (7%), apontando uma dificuldade da pesca em arregimentar jovens para a profissão. A idade avançada é comum na pesca de pequena escala, mesmo em países desenvolvidos como o Japão (TZANATOS et al., 2006), onde poucos jovens se interessam pela pesca (Gráfico 2).
Gráfico 2 - Porcentagem por idade e tempo de trabalho na pesca dos pescadores artesanais do município de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
17A escolaridade dos pescadores (Gráfico 3) é baixa, 88%, considerando: fundamental incompleto, fundamental completo e sem instrução. Revelando uma dificuldade do grupo para se encaixar no mercado de trabalho. O baixo grau de instrução na pesca é uma realidade comum (BHUYAN et al., 2016; PEIXER E PETRERE JR., 2009) no âmbito local, regional e global. Esporadicamente a Marinha do Brasil ministra curso em Oiapoque para condutor de embarcação.
Gráfico 3 - Porcentagem do nível de instrução dos pescadores artesanais do município de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
18No Amapá existem dois cursos direcionados a pesca, um na capital Macapá (Engenharia de pesca da Universidade Estadual do Amapá); e outro no município de Santana, município vizinho a capital do Estado (técnico de pesca e Aquicultura). Durante a pesquisa somente uma pessoa declarou frequentar uma dessas instituições. Isto devido à dificuldade de deslocamento de Oiapoque a Macapá, que se dá por estrada parte asfaltada e não asfaltada (figura 4), cujas viagens no verão (de junho a novembro) demoram de 6 a 10 horas e no período de chuvas (de dezembro a maio) podem chegar a até dois dias.
Figura 4 – Fotos no período chuvoso, localizados no trecho da rodovia (BR-156) que liga a capital Macapá ao município de Oiapoque, estado do Amapá, Brasil, fevereiro de 2017.
Fonte: A: Pacheco (06/03/2017), B: Santiago (06/06/2014); C e D: Alves (11/03/2017a).
19Conjuntamente investigou-se o aspecto migratório dos pescadores, que relataram ser algo comum dentro da pesca, que embora tradicional é dinâmica, se referindo a adaptabilidade da atividade em diferentes contextos. Reconhecendo que o sistema de pesca de pequena escala está envolvido em processos de grande escala muito além do local.
20A migração na comunidade pesqueira de Oiapoque é alta, 81% (144) dos pescadores migrou. Desse grupo 43% (Gráfico 4) migrou mais de uma vez e 36% migrou uma única vez. Estas migrações deram-se no âmbito municipal, estadual, interestadual e internacional. Com migrações temporárias ou de longo prazo, em distâncias curtas ou longas. Constatou-se que é um movimento que se reproduz por várias gerações.
Gráfico 4 - Porcentagem do número de vezes que os pescadores artesanais do município de Oiapoque migraram.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
21Questiona-se os motivos que o provocam a migração, são eles: pressão demográfica, dificuldade de acesso à terra, dificuldade em se equipar e comercializar produtos de pesca, a deterioração das condições econômicas no lugar de origem (DURAND; LEMOALLE; WEBER, 1989), dificuldade em se incluir no mercado de trabalho, em busca de qualidade de vida, baixa renda, falta de oportunidade para os filhos, conflitos (WEIGEL, 1985), questões ambientais, quanto a exploração excessiva do recursos pesqueiro (FAO, 2016), competição com frotas comerciais ou estratégia de pesca (TIETZE, 2016), a variabilidade geográfica e temporal do pescado (CURY; ROY, 1987). Sobre isto, os entrevistados declararam migrar a procura de pescado (64%), pois nos seus locais de origem o pescado já estava difícil. E 33% migraram quando crianças acompanhando os pais pescadores; ou já adultos para vir trabalhar com os pais; ou acompanhando os patrões nas embarcações e em busca de uma condição financeira melhor. E 3% não respondeu.
22Caracterizando essa migração dentro da comunidade de pesca de Oiapoque identificou-se a origem dos pescadores. Entre os migrantes 97% são da região Norte, distribuídos: 53,1% do Pará; 40,1% do Amapá; 4,5% do Maranhão e 1,7% do Ceará e Piauí. Identificou-se migração internacional proveniente de São Jorge (0,6%), município pertencente a Guiana Francesa.
- 4 O termo pescador nômade foi introduzido por Durand, Lemoalle e Weber (1989).
23A partir da identificação da origem desse grupo de pescadores espacializou-se a migração em direção a Oiapoque, permitindo a validação da frequência deste evento na pesca. Observou-se migrações diretas (figura 5), aquelas que o pescador migrou uma única vez; e a do pescador “nômade4” (figura 6), aqueles que migraram várias vezes até que se fixaram, neste caso em Oiapoque, local em que encontraram condições pesqueiras para a sobrevivência.
Figura 5 – Mapa das migrações diretas (migrou uma vez) dos pescadores artesanais do município de Oiapoque.
- 5 Disponível: < https://goo.gl/upmZzp>.
Fonte: IBGE5 (2014); BRGM (2003); Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
24Com a espacialização dos pescadores “nômades” (figura 6) além de verificarmos o ‘caminhar’ desse pescador por diversas cidades até sua chegada a Oiapoque, identificamos a abrangência das regiões, que se diferenciam das migrações diretas que ocorrem predominantemente na região norte.
Figura 6 – Mapa das migrações dos pescadores nômades (migraram várias vezes) da pesca artesanal do município de Oiapoque.
Fonte: IBGE (2014); BRGM (2003); Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
25A partir dos locais de migração desse pescador espacializou-se a densidade e a média por ano de migração por lugar. Com isso examinou-se o tempo médio em que as migrações iniciaram em direção a Oiapoque. Sete anos foram identificados (Figura 7), destes os mais acentuados foram: as migrações do Pará, em 1973, com média em 1995; as migrações dentro do Amapá com média em 1991; e o Maranhão também em 1999. Isso leva a conjectura que estes são os anos em que se iniciou a dificuldade em capturar o pescado nesses lugares. Silva et al. (2016) relata, ainda que não aprofundado, a presença de embarcações pesqueiras do Pará na costa do Amapá. Nogueira e Chagas (2011) estimam essa presença paraense na costa amapaense em 2800 embarcações e estima-se que mais de 54 mil toneladas de peixe deixaram o Amapá em 2013.
Figura 7 – Mapa da densidade de pescadores migrantes da pesca artesanal do município de Oiapoque.
Fonte: IBGE (2014); BRGM (2003); Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
26Outra característica comprovada é a tradição herdada dos mais velhos, por intermédio de mitos e símbolos. Referindo-se ao repasse de conhecimento de pais para filhos, onde aprendem a profissão com algum familiar, normalmente o pai, e assim mantêm viva a tradição. Em Oiapoque 74% declarou ter aprendido a pescar com algum parente, sendo: pai (50%), tios (9%), irmão (5%), marido (4%), avô (3%), primo (1%), cunhado (1%), padrasto (1%) e sogro (1%). Retratando a forte participação familiar na atividade. O aprendizado com outros pescadores representou 20%. E 6% não respondeu.
27O aprendizado do pescador com um familiar integra a ida ao mar, a elaboração e uso de instrumentos de pesca, conhecimento das espécies e das zonas de pesca. No caso de Oiapoque 68 % aprendeu com a família a pescar, além de confeccionar, usar e consertar redes. Fortalecendo a tradição e apresentando uma atividade complementar (confecção e manutenção de redes) a renda deste pescador.
- 6 O Bolsa Família é um programa de combate à pobreza e à desigualdade no Brasil. Previsto pela Lei Fe (...)
28Dos entrevistados 100% declararam que vivem da pesca, sendo a principal ou única fonte de renda para alguns. A renda do pescador é acrescida por outras fontes: programas de assistência financeira (seguro defeso - 88,3% e bolsa família6 - 11,7%) e outros trabalhos, exercidos em paralelo a pesca ou integralmente durante o período de defeso.
- 7 O seguro defeso foi estabelecido pela Lei no 10.779/2003, para a concessão do benefício de seguro d (...)
29O seguro defeso7 criado em 1992 funciona como uma assistência financeira no período em que o pescador é proibido de pescar, ficando sem o seu sustento. É uma forma de preservar espécies do ecossistema brasileiro durante o período de reprodução (período de defeso) dos peixes e contribuir para a sustentabilidade do uso dos estoques pesqueiros.
30O período de defeso para a maior parte do Brasil vai de 01/11 a 28/02 do ano seguinte. Entretanto, há variações devido as regiões e as espécies. No Amapá o período vai de 15/11 a 15/03 do ano seguinte (Portaria IBAMA nº 48/2007). O valor do seguro corresponde a um salário mínimo (SM) vigente, no caso R$ 937,00 reais (US$ 285,62 dólares). É uma renda temporária para o pescador.
31Durante o seguro defeso 50,3% dos entrevistados declarou continuar pescando e justificaram esta ação alegando que: desconhecem a lei do defeso; conhecem mais não recebem, logo não se sentem obrigados a preservar o período; conhecem a lei e recebem o seguro, porém acham o valor muito baixo para garantir seu sustento; que pescam somente para a subsistência, pois não guardam economias do período que podem pescar sem restrição. Esse comportamento foi relatado por Andrade e Midré (2011) quando investigou a degradação do recurso pesqueiro pela alta intensidade de pesca na Guatemala. Situação semelhante ocorreu na região do Pacífico Báltico, com o Bacalhau explorado mesmo no período da proibição (ALMQVIST, 2017).
32Além de continuar a pescar, eles desempenham outras atividades que na sua maioria são ofícios que aprenderam com os pais ou trabalhando como ajudantes, sem uma formação profissional formal e representam 59,9% dos pescadores. As profissões desempenhadas concomitantes com a pesca, durante o defeso ocorrem de forma integral. Além da profissão de pescador possuem uma, duas ou três ofícios que desempenham à medida que surge a oportunidade de trabalho. Esta realidade também é observada no Nordeste da Nigéria, onde menos de 5% dos pescadores tem a pesca como sua única fonte de renda (NEILAND et al., 2000).
33As profissões são diversas, e não possuem função definida, são profissões operacionais. Profissões que refletem a apropriação por processos de experiência profissional. As profissões identificadas foram organizadas em grupos: diversas e voltadas à pesca (Tabela 1).
Tabela 1 - Atividades remuneradas desempenhadas pelos pescadores artesanais de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
34Para entender os ganhos financeiros do pescador é importante compreender a organização de trabalho na pesca. Referindo-se as funções desempenhadas dentro da embarcação, pois é a partir dela que se compreende a renda e o funcionamento da pesca. A organização do trabalho na pesca funciona como uma forma de organização social. Desta forma identificou-se cinco funções: comandante, encarregado, proeiro, gelador e cozinheiro (Tabela 2). Essas funções se reproduzem em outras partes da Amazônia, por vezes com maior número de funções (FARIA JR.; BATISTA, 2006).
Tabela 2 – Funções desenvolvidas pelos pescadores artesanais de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
35A maioria dos pescadores de Oiapoque desempenham as cinco funções: comandante, encarregado, proeiro, gelador e cozinheiro. Esta característica é importante na hora de conseguir o emprego, pois como a tripulação de uma embarcação não é fixa, significa que a cada ida ao mar uma nova tripulação é formada implicando em mudanças de embarcação e de função. O que vai dizer a função que vai ocupar é a disponibilidade do momento. Isto não acontece com dono de embarcação, pois quando ele contrata tripulação, ele mantém a mesma função para si, além do que, ele acumula funções. Dos pescadores somente os geladores mantém a função. Embora exista funções distintas no momento de puxar a rede com o pescado todos os tripulantes da embarcação ajudam. Normalmente a embarcação conta com quatro tripulantes, o que significa que eles cumulam função, variando de acordo com o tamanho da embarcação.
36Conforme a função do pescador é o pagamento. Ele é feito de duas formas em dinheiro ou em pescado. Assim, de acordo com os valores declarados nas entrevistas, calculou-se um intervalo de ganho por função (Tabela 3).
Tabela 3 – Faixas de renda (R$) por viagem dos pescadores artesanais de Oiapoque.
* Os valores mudam dependendo de que função o proprietário ocupa, quando o mesmo acompanha a embarcação.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
37Os pescadores não possuem uma renda fixa, varia de acordo com: a quantidade de viagens, da captura de pescado, do porte da embarcação, do número de tripulantes, da função ocupada e do mercado quanto a comercialização. De fato, eles têm uma participação no ganho com a pesca, mas para isso, por vezes, se sujeitam a trabalhar sem remuneração visando o ganho futuro. E assim vão acumulando dívidas que ficam para serem pagas na próxima viagem.
38O número de tripulantes em uma embarcação pode ser reduzido a apenas dois, quando o proprietário acumula funções (piloto, encarregado e cozinheiro). Nesta situação, “este agente múltiplo executa uma atividade que lhe permite maximizar os rendimentos derivados do setor e monopolizar o mercado” (FARIA JR.; BATISTA, 2006, p. 135). Nessa forma social de organização do trabalho é importante esclarecer que a presença familiar é muito forte, as vezes três gerações acompanham uma viagem. Dos pescadores entrevistados 57,6% declarou ter membros da família participando da pesca. Seguindo a lógica do agente múltiplo, quanto mais funções forem desempenhadas por familiares maior será seus rendimentos. Realidade também observada na baía de Guaratuba no Paraná, onde 60 % dos pescadores tem a participação familiar na atividade (CHAVES; PICHLER; ROBERT, 2002).
39Quando observamos a renda do pescador por período de atividade no mar e por período de defeso (Gráfico 5) nota-se que das cinco funções somente três delas ganham acima de dois salários mínimos: o comandante (28,8%) e o gelador (9%); o encarregado (31%) ganha acima de 4 salários mínimos. Já o proeiro (39%) e o cozinheiro (4%), a princípio, ganham menos que um salário mínimo. Enquanto que no período do defeso, o proeiro e o cozinheiro relativamente melhoram a renda para um salário mínimo, as demais funções pioram o seu ganho de 4 ou 2 salários mínimos cai para 1.
Gráfico 5 – Comparação da renda dos pescadores entre o período de atividade pesqueira e o período de defeso dos pescadores artesanais de Oiapoque.
Fonte: Dados de campo, 2013-2014. Elaboração Viviane Amanajás (2017).
40Mas de fato o que ocorre no defeso em relação ao ganho bruto desse pescador é que a renda dele só cai. Pois deve-se considerar que em Oiapoque a média de viagens ao mês é 2. Logo essa faixa de valores de ganho pode ser dobrada, considerando que os valores se tratam de uma média. Então, mesmo as categorias com menor rendimento (proeiro e cozinheiro) acabam recebendo no período efetivo de pesca um pouco mais que um salário mínimo. No defeso 49,7% dos pescadores de Oiapoque param de pescar.
41A pesca artesanal em Oiapoque é caracterizada pela presença da mulher nas pescarias, seja formalmente nas embarcações ou informalmente nas contribuições com o beneficiamento do pescado. Logo, deve ser revisto a questão da mulher na pesca no sentido de formalizá-la na profissão, inclusive dando a ela o direito de contar tempo de serviço para aposentadoria e a receber o seguro defeso.
42A baixa escolaridade dos pescadores requer atenção, no sentido de elevar a instrução para facilitar ao pescador conhecer a legislação, lutar pelos seus direitos e aproximar-se do poder público no sentido de buscar desenvolvimento para o setor.
43A percepção dos pescadores de Oiapoque é que a pesca é uma atividade árdua, quase que sem futuro, em razão da competição pelo recurso que está aumentando, principalmente com a migração crescendo em direção a região. Isto é comprovado quando a maioria dos pescadores almeja que seus filhos não sigam a profissão da pesca. A migração dos pescadores para Oiapoque é forte, principalmente do Pará, e tem se ampliado. É importante ser analisada pois abre espaço para a presença ou ampliação de conflitos dentro do grupo pesqueiro, além de comprometer a sustentabilidade dos recursos haliêuticos.
44Em Oiapoque a pesca é uma atividade familiar, assim como em outras regiões da Amazônia, da qual todos que participaram dependem integralmente dela. Sendo importante tanto para o pescador e sua família quanto para o comércio local que se beneficia dessa renda.
45A existência de atividades econômicas paralelas é expressiva para a complementação da renda. O auxílio financeiro do programa bolsa família não foi considerado expressivo. Diferente do seguro defeso, o qual a maioria recebe. Mas, observa-se que o período do seguro defeso para os pescadores é um período de fragilidade financeira, mas que revela a preocupação do pescador com o meio ambiente, principalmente dos pescadores que param de pescar durante o defeso. Atribui-se a preocupação com a sustentabilidade do recurso pesqueiro é atribuída a tradição que o pescador possui. Tradição obtida a partir da apropriação social desse espaço que é simultaneamente um ato cultural e também produtivo.