1Os manguezais estão distribuídos na zona intertidal, entre o mar e a terra nas regiões tropicais e subtropicais no intervalo de, aproximadamente, 30° N e 30° S de latitude. Sua distribuição global é delimitada pelas grandes correntes oceânicas e a isoterma de 20 °C da água do mar no inverno (ALONGI, 2009). Esse ecossistema representa a interface entre sistemas terrestres e marinhos, que recebem entrada diária de água do mar (marés), de água doce, sedimentos e nutrientes.
2O Brasil possui a terceira maior área de manguezal do mundo (FAO, 2007). Esse ambiente contribui com a estabilização da linha de costa e reduz o impacto de fenômenos extremos, como em tempestades, furacões e tsunamis (Zhang et al., 2012; Mclvor et al., 2012a; KRauss et al., 2009; Alongi, 2008; Lacambra et al., 2008). Estudos apontam o manguezal como indicador biológico das mudanças climáticas e do aumento do nível relativo do mar (Alongi, 2002; Schaeffer-Novelli et al., 2002; Cavanaugh et al., 2014). Os manguezais ainda fornecem habitat para uma variedade de espécies terrestres, estuarinas e marinhas e serve como fonte de nutrientes e sedimentos para outros ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo algas marinhas e recifes de coral (POLIDORO et al., 2010).
3Apesar da importância desse ecossistema, os manguezais têm apresentado alterações significativas oriundas da influência antrópica no ambiente (Valiela et al., 2001; Alongi, 2002). As áreas de manguezais são cada vez menores e/ou fragmentadas, contribuindo para a perda de seus serviços e benefícios ao longo do tempo (DUKE, et al. 2007).
4Essas modificações alteram a cobertura vegetal, que por sua vez, influenciam todo o ecossistema instalado, inclusive as interações microclimáticas (Galvani; Lima, 2010; Medellu et al., 2012, Lima et al., 2013). Diante disso, o microclima pode ser um indicador de que alterações estão ocorrendo no manguezal, tanto em sua borda quanto em seu interior. No entando, os efeitos de atributos climáticos (radiação solar, chuva, evaporação, temperatura do ar, umidade e vento) são, muitas vezes, negligenciados nos estudos sobre os manguezais e, com isso, os processos atmosféricos que operam acima dos manguezais têm sido pouco estudados (MAZDA; WOLANSKI; RIDD, 2007).
5Os manguezais são influenciados por elementos atmosféricos, como a radiação solar, o vento, a chuva, a evapotranspiração, a temperatura do ar e a umidade (BLASCO, 1994; Kjerfve, 1990; Duke, Ball e Ellison, 1998; WOLANSKI, 2006; MAZDA; WOLANSKI; RIDD, 2007). Muitas explicações dos limites latitudinais para a distribuição do manguezal enfatizam a influência de controles e atributos climáticos, principalmente a temperatura do ar. Apesar das espécies de mangue possuírem diferentes limites latitudinais, muitos autores acabam por generalizar as restrições da distribuição em escala global (Woodroffe; Grindrod, 1991).
6Muitos dos trabalhos que abordam a temperatura do ar como característica limitante para o manguezal (Quisthoudt et al., 2012), são realizados com base em dados da escala regional e, muitas vezes, o local onde estão instalados os manguezais apresentam diferentes microclimas. Assim, bases de dados climáticos específicos para as zonas costeiras e o monitoramento meteorológico dessas áreas são fundamentais para aperfeiçoar estudos e o entendimento futuro sobre este ecossitema (Quisthoudt et al., 2012).
7Assim, o presente trabalho avaliou a relação existente entre os controles (estrutura da vegetação, variação da maré e sistemas atmosféricos) e atributos climáticos (temperatura do ar, radiação solar global, vento e precipitação) no manguezal localizado na Barra do Rio Ribeira-Iguape, litoral sul do estado de São Paulo.
8Os manguezais aqui estudados estão localizados no Sistema Costeiro de Cananéia-Iguape, considerado uma das áreas mais conservadas do Estado de São Paulo, devido à sua extensão e estágio de conservação (ROSS, 2002; DIEGUES, 2002; CUNHA-LIGNON et al., 2009).
9Cunha-Lignon et al. (2009), analisando a dinâmica natural e os impactos antrópicos ocorridos em áreas de manguezal no Estado de São Paulo, concluíram que os manguezais do estado sofreram distintas alterações ao longo do tempo, em função de cada trecho de segmento de costa. No Litoral Sul os bosques de mangue respondem positivamente à deposição sedimentar nas faces convexas dos canais lagunares (Cunha-Lignon et al., 2009).
10Apesar da conservação da região, estudos apontam para ocorrência de clareiras em áreas de mangue na região de Iguape, devido ao aumento de macrófitas aquáticas invasoras nesse setor, resultado da abertura do canal do Valo Grande (Cunha-Lignon et al., 2009; CUNHA-LIGNON et al., 2011). A abertura desse canal artificial ocorreu entre 1827 e 1852 e causou mudanças significativas tanto na salinidade e nos padrões de sedimentação, quanto no aporte de metais pesados para o Sistema Costeiro Cananéia-Iguape (Mahiques et al., 2009). A Figura 1 apresenta a distribuição dos manguezais e macrófitas no Sistema Costeiro Cananéia-Iguape.
Figura 1 Distribuição dos manguezais no Sistema Costeiro Cananéia-Iguape.
Fonte: Cunha-Lignon et al. (2011).
11Os atributos climáticos foram obtidos em uma torre microclimática, com duas estações meteorológicas nos manguezais da Ilha dos Papagaios, na Barra do Ribeira – Iguape/SP. Essa torre possui uma estação meteorológica instalada acima do dossel da vegetação, a 12 m de altura, com sensor de temperatura do ar, umidade relativa do ar, direção e velocidade do vento, precipitação, radiação solar global e refletida, radiação de onda longa atmosférica e terrestre; e outra estação localizada abaixo do dossel, a 2 m de altura, com sensor de temperatura do ar, umidade relativa do ar, direção e velocidade do vento, precipitação e radiação solar global. Além disso, na base da torre foi instalado um termômetro de solo, sob o substrato do manguezal. Para esse trabalho foi utilizado o período de 06/02/2011 a 31/12/2012.
12Para análise da estrutura da vegetação, delimitou-se uma parcela com 169 m², localizada ao lado da torre microclimática. Esses dados foram levantados em dois momentos: em 01/09/2012 e 24/08/2013. A caracterização das estruturas dos bosques foi feita com base em Schaeffer-Novelli e Cintrón (1986). Obtiveram-se ainda sete fotografias hemisféricas nas seguintes datas: 27/05/2011, 27/08/2011, 10/12/2011, 05/02/2012, 22/04/2012 e 14/07/2012, conforme metodologia apresentada em Galvani e Lima (2014).
13Outro fator importante analisado no manguezal refere-se ao papel da maré. Dada a interação entre as fases da lua e o nível de maré, optou-se por separar os dados de acordo com as fases da lua, visando agrupar os períodos de máxima variação da maré e os de mínima.
14Para verificar como ocorre a variação dos atributos climáticos dentro do manguezal em sistemas atmosféricos específicos, bem como entender a integração das escalas climáticas zonal, regional e microclimática, foram analisados diferentes períodos sobre influência de sistemas atmosféricos específicos. Serão aqui apresentados dois eventos selecionados: 1) 13 a 17/02/2011, com atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul e 2) 25/06/11 a 05/07/11, com a passagem de sistema frontal e atuação de massa de ar polar e seca pós-frontal.
15O índice de área foliar é uma importante característica estrutural para qualquer tipo de cobertura arbórea e não é diferente para o manguezal, visto que é no dossel que ocorrem processos fundamentais para o ecossistema, como transpiração, interceptação de chuva, fotossíntese e, ainda, fornecem matéria orgânica para a serapilheira. O menor valor de IAF registrado no manguezal ocorreu em 27/08/11, no inverno (IAF = 1,12). Em termos de porcentagem, de 27/08/11 (período de menor IAF) a 22/04/2012 (IAF mais elevado) houve um aumento de 35%. Do período de menor registro de IAF (1,12) ao mais elevado (1,71), há uma diferença de 52,7%.
16Ao se comparar o valor estimado de inverno nos dois anos, observou-se que em 14/07/12 houve um IAF mais elevado (1,58) do que em 27/08/11 (IAF = 1,12). Vale destacar que o mês de julho de 2012, apresentou uma maior precipitação do que em 2011, o que pode ter contribuído para um maior número de folhas presente no manguezal. Enquanto em julho/11 registrou-se 125,8 mm, em julho/12 esse valor foi de 243 mm. Durante o período chuvoso (primavera/verão) há um aumento significativo da produção foliar, favorecendo a formação de folhas novas, com diminuição dessa produção na estação menos chuvosa.
17Os valores de IAF obtido para o manguezal é considerado reduzido quando comparado com a floresta tropical, com valores entre 8 e 10 m²/m², o que ocorre devido ao fato das espécies no manguezal não tolerarem sombreamento. As folhas estão em sua maior parte agrupadas na parte superior do dossel. Além disso, não há espécies que formem um estrato inferior dentro do bosque (CINTRÓN; SCHAEFFER-NOVELLI, 1983).
18Ao considerar a precipitação e o IAF obtido no manguezal observou-se uma relação entre o IAF e a distribuição mensal das chuvas. Há maior produção foliar durante a primavera/verão, quando ocorre também o período chuvoso da área de estudo. No entanto, essa resposta do IAF em relação à precipitação é mais perceptível quando se relaciona com a precipitação mensal Normal (Figura 2), o que indica que a vegetação não responde a totais pluviométricos imediatamente anteriores ao mês e sim a uma variabilidade de longa duração.
Figura 2 Normal Climatológica, precipitação (P12) e IAF obtido no manguezal – Barra do Ribeira – Iguape/SP em 2011 e 2012.
19Para o período de 06/02/11 a 31/12/11, a média diária de radiação solar global acima do dossel (RG12) foi de 13,9 MJ.m-2, enquanto abaixo do dossel (RG2), a média diária foi de 4,2 MJ.m-2. Em 2012, a média diária de radiação solar global acima do dossel foi de 14,1 MJ.m-2 e abaixo do dossel foi de 4,4 MJ.m-2.
20O albedo (α) médio, que representa a relação entre a radiação solar refletida e a radiação solar global acima do dossel do manguezal, foi de 8,2 %. Esse valor é importante visto que representa a quantidade de radiação solar global que não é absorvida, mas refletida pelo sistema. O maior valor de albedo ocorreu no dia 30/06/11, com 10,6 %. Verificou-se que o albedo reduziu no período de 06/02/11 a 31/12/12, o que indica que a radiação solar global refletida está aumentando. Os mangues presentes na área de estudo apresentam um quadro de alteração ambiental acentuado. Ao longo dos trabalhos de campo tem sido verificado que a presença das macrófitas ao longo da Ilha dos Papagaios resulta no represamento de água nas proximidades da estação meteorológica, contribuindo para uma maior reflexão da radiação solar em comparação ao solo do manguezal. Também foi possível inferir que o movimento de entrada/saída da maré tem sido obstruído.
21Em 2011, a transmissividade média da radiação solar global pelo dossel (d) foi de 30,1%, variando entre 21,7% (26/05/11) e 39,4% (02/09/11). Em 2012, a transmissividade média do dossel foi de 30,7% (Figura 3
Figura 3 Transmissividade do dossel (td) em 2008, 2011 e 2012 nos manguezais da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
22Com a aplicação do teste t pareado (α = 5 %), verificou-se que os dados de transmissividade do dossel em 2008 e 2011 foram significativamente diferentes, indicando que a td em 2011 foi, em média, superior a 2008, que evidencia um ligeiro aumento da transmissividade em 2011 e que há aumento na quantidade de radiação solar que está atingindo o sensor localizado abaixo do dossel. Ainda constatou-se que os dados de 2011 e 2012 e de 2008 e 2012 também são significativamente diferentes. Essa mudança que vem sendo constatada pode estar associada ao estado de alteração do ambiente pela presença de macrófitas que impede que haja renovação da vegetação e que novos indivíduos prosperem no manguezal, conforme já apresentado na análise da estrutura da vegetação, visto o baixo número de indivíduos jovens encontrados na parcela estudada.
23Constatou-se que a transmissividade do dossel no manguezal apresenta um ciclo de variação, com redução/aumento ao longo do ano, reflexo da variação da declinação solar, que pode ser verificado nos dois anos de análise. Assim, quando o sol declina para o Hemisfério Norte (outono/inverno no Hemisfério Sul), a transmissividade do dossel tende a apresentar os menores valores. Por outro lado, quando o sol encontra-se com valores declinação negativa (primavera e verão, no Hemisfério Sul) os valores de transmissividade do dossel tendem a apresentar valores mais elevados.
24Segundo informações de Walsh (1974) e Chapman (1975), que consideram que para a existência de manguezais a temperatura média do mês mais frio deve ser superior a 20 °C e a variação sazonal não pode exceder a 5 °C, ou ainda, como Blasco (1984) que afirma que as espécies de manguezais desapareceriam quando a temperatura média do mês mais frio é inferior a 16 °C, a área de estudo apresenta variação da temperatura do ar divergente dessas informações. Considerando o período de 2011 a 2012 e a Normal Climatológica (1961-1990) para a área de estudo, constatou-se que esses dados são diferentes dos parâmetros gerais definidos por esses autores, uma vez que a amplitude térmica anual chegou a 8,8 °C, em 2011 e a 7,9 °C, em 2012 e é igual a 7,6 °C segundo a Normal Climatológica (Tabela 1).
Tabela 1 Temperatura média do mês mais quente, mais frio e amplitude anual para os manguezais da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
25A máxima absoluta registrada acima do dossel no período foi de 39,8°C, enquanto dentro do manguezal esse valor foi de 39,1°C. O desvio absoluto representa a diferença entre a temperatura máxima absoluta diária nos dois níveis, observou-se que as máximas acima do dossel foram superiores, com desvios de até 2 °C. A diferença entre os dois níveis, apresentaram picos de até 1°C. No entanto, considerando-se os valores absolutos de temperatura diária acima e abaixo do dossel, verificou-se que as diferenças foram maiores ainda de até 5°C, conforme figura 4. As maiores diferenças predominaram no inverno.
26Com o teste de hipótese não paramétrico Wilcoxon (α = 5%), constatou-se que a diferença entre os dados acima e abaixo do dossel são significativamente diferentes, com a temperatura do ar sendo mais elevada acima do dossel. Em 96,8 % dos dados diários, a temperatura média do ar foi maior acima do dossel e em 3,2 % ocorreu processo inverso, principalmente durante o verão, mas com diferença de até 0,2 °C.
Figura 4 - Máxima diferença diária entre os níveis analisados no manguezal no período de 06/02/11 a 31/12/12 – Iguape/SP.
27A temperatura do solo (Ts) mais elevada ocorreu em fevereiro, com valores superiores a 26°C. Enquanto a maior diferença mensal entre Ts e a temperatura do ar abaixo do dossel (T2) ocorreu em março/2012, com diferença de 1,87°C. Na escala diária, a maior diferença entre essas variáveis foi de 5,1°C. Em 84,3 % dos registros a temperatura do solo foi superior à temperatura do ar.
28Os valores médios diários mascaram as variações em escala horária, em alguns períodos as diferenças chegaram a 13°C, que ocorreu durante um aquecimento pré-frontal no dia 05/09/11. Às 15h40min, a temperatura do ar foi de 35,8°C enquanto a do solo foi 22,7°C.
29Considerando a diferença entre T2 e Ts, constatou-se que esses dados são significativamente diferentes, indicando que Ts foi, em média, superior à T2, o que decorre das propriedades físicas e hídricas do ar e solo. O ar apresenta um calor específico médio superior (0,240 cal/g °C) ao do solo (0,187 cal/g °C), evidenciando a capacidade diferenciada desses dois ambientes em interagir com a radiação solar, além de destacar a menor variabilidade da temperatura no interior do solo.
30O papel da maré é marcante no manguezal, contribuindo com entrada e saída de energia no ambiente. Os dois momentos diários de entrada de maré no manguezal contribuem, por vezes, com o resfriamento do ambiente, como em dias quentes durante a primavera/ verão em que a temperatura da água é inferior a do ar. Por outro lado, em outros momentos em que a temperatura do ar está reduzida, a entrada de maré pode contribuir para um aquecimento relativo desse ambiente.
31As maiores diferenças entre a temperatura do solo média e a temperatura do ar abaixo do dossel do manguezal, ocorreram durante a fase de lua nova, com variação média de 1,7 °C, mas com valor máximo de 5,4°C. Nas demais fases, a variação média foi inferior a 1°C. Na fase de lua minguante a maior diferença foi de 4,5 °C.
32No período de aquecimento diurno, a temperatura do ar apresentou valores superiores à temperatura do solo, enquanto durante a noite essa variação se inverte. Aliado a isso, percebeu-se que o solo no período noturno, também iniciou um período de resfriamento, porém esse processo foi interrompido pela entrada da maré, que contribui para uma elevação da temperatura do solo. Isso é perceptível ao longo de todas as fases da lua e nos diferentes tipos de maré. Por outro lado, durante o período de aquecimento, a temperatura do solo também é influenciada pela entrada da maré, reduzindo os picos nesses horários. Observou-se que os maiores desvios ocorreram na maré de sizígia (Figura 5), quando ocorre as maiores amplitudes de maré.
Figura 5 Desvio absoluto entre a temperatura média do ar e do solo durante maré de sizígia e quadratura, no manguezal da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
33Considerando todo o período de análise (06/02/2011 a 30/11/2012) foram registrados 3.261,9 mm acima do dossel e 2.979,9 mm abaixo do dossel, o que equivale a 8,8% da precipitação foi interceptado pelo dossel. Esse valor é bem inferior ao encontrados em outras formações florestais (Arcova et al., 2003; Thomaz, 2005; Oliveira; Dias, 2005), ou ainda inferior ao encontrado por Silva e Costa (2006), que analisou a interceptação em um manguezal do Pará, com 28%.
34Analisou-se a interceptação da precipitação em seis classes (Tabela 2), estabelecidas, considerando a climatologia regional da área de estudo. Com essa divisão, constatou-se que conforme a intensidade da precipitação aumentou, a interceptação pelo dossel do mangue diminuiu. Observou-se que a partir do intervalo ≥40 <60 mm, a interceptação passou a ser negativa.
35Tabela 2 Precipitação por classes no manguezal da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
36Ao analisar os dados mensais da velocidade média do vento, destaca-se que os maiores registros foram observados na primavera/verão, enquanto no outono/inverno houve uma diminuição da velocidade média registrada (Figura 6).
37Acima do dossel, a rajada máxima do vento (V12Max) foi de 16,1 m.s-1 em 23/10/12, enquanto abaixo do dossel (V2Max), nesse mesmo dia registrou-se 5,9 m.s-1, o que significa uma redução de 63,2%. Constatou-se um decréscimo na redução dessa atenuação ao longo do ano, apenas dois dias ultrapassaram 80% de redução e 49 dias (8,7 %) apresentaram atenuação maior que 70 % .
Figura 6 Redução das rajadas máximas do vento a 12 m em relação a 2 m, em 2011 e 2012, no manguezal da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
38A figura 12 apresenta uma síntese dos resultados apresentados ao longo do texto no período de 06/02/2011 a 31/12/2012.
Figura 7 Síntese dos dados acima e abaixo do dossel de manguezal no período de 06/02/2011 a 31/12/2012 – Ilha dos Papagaios – Barra do Ribeira – Iguape/SP.
39Para verificar como ocorre a variação dos atributos climáticos dentro do manguezal em sistemas atmosféricos específicos, foram selecionados dois períodos:
401º Período: 13/02 a 17/02/11 - Uma área de instabilidade causou chuva intensa no litoral sul de São Paulo durante esse período. Entre os dias 14/02/11 e 15/02/2011, a forte convergência de umidade para o litoral sul de São Paulo resultou em chuva ao longo do dia. Esta instabilidade foi alimentada pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e por uma frente fria no oceano (INMET, 2011). Na estação oficial de Iguape/SP, nos dias 14 e 15/02 foram registrados 152 mm, enquanto no manguezal registrou-se 176,2 mm.
41Na condição pré-frontal, observou-se que as temperaturas do solo e do ar apresentavam variação semelhante, com exceção do momento de entrada da maré, principalmente à noite, quando a temperatura do solo apresentou uma ligeira elevação em relação à temperatura do ar (Figura 8). Com a entrada da maré, a temperatura do solo se elevou e, muitas vezes, apresentou variação inversa à temperatura do ar.
42No dia 13/02/11, com intensa radiação solar global, a temperatura do ar foi superior à do solo, com diferenças de até 4,4 °C, enquanto nos demais dias, com a atuação da ZCAS e com a nebulosidade associada houve diminuição da radiação solar global no manguezal, contribuindo para que a temperatura do ar não fosse elevada de forma a ultrapassar a do solo, com essa sendo superior à temperatura do ar em até 5,5 °C.
Figura 8 Variação dos atributos climáticos (temperatura do ar, do solo, chuva e radiação solar) para o período de 13 a 17/02/11, nos manguezais da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
43O maior registro das componentes da radiação solar ocorreu no dia 13/02/11, antes da formação da ZCAS, com exceção da radiação de onda longa atmosférica, em que o registro mais elevado ocorreu no dia 14/02/11, classificado como nublado. Com a presença de nebulosidade, houve maior absorção de radiação solar pelo vapor d’água, resultando em uma maior emissão. As diferenças entre Radiação terrestre (Rter) e Radiação atmosférica (Ratm) diminuíram também no período nublado quando a superfície terrestre diminui sua emissão, por receber menor quantidade de radiação solar, que passa a ser mais absorvida pela presença de nebulosidade. Em síntese é mais perceptível às variações resultantes da atuação de ZCAS nas componentes de onda curta e menos nas componentes de onda longa da radiação. Destaca-se ainda que a temperatura do ar abaixo do dossel foi superior a registrada acima do dossel. Nesse sistema atmosférico observou-se que há inversão da tendência em que o mangue fica mais quente que o ambiente externo. Durante esse evento, a precipitação total acima do dossel foi de 183,6 mm enquanto dentro do manguezal registrou-se 205,7 mm, evidenciando uma interceptação negativa, principalmente nos dias 14 e 15/02/11.
442º Período: 25/06/11 a 05/07/11 - Nesse período registrou-se os menores valores de temperatura do ar em 2011, com 6,5 °C (29/06/11). Na estação oficial de Iguape/SP, a mínima foi de 5,1°C. Durante o dia 25/06/11, o deslocamento de linhas de instabilidades provocadas pela passagem de uma frente fria gerou 38,9 mm, no período das 08h de 26/06 às 05h de 27/06/11, em Iguape/SP (CPTEC, 2011). Tratava-se da atuação de um sistema frontal. A massa de ar fria que atuou em sua retaguarda causou acentuado declínio das temperaturas do ar (CPTEC, 2011).
45Com a aproximação de uma frente de origem polar a pressão atmosférica média diminui, até atingir um mínimo na passagem frontal, em seguida há um aumento rápido com advecção do ar frio pós-frontal. Durante a aproximação da frente a circulação do ar tropical sofre um aumento de temperatura média do ar diária pelo efeito de circulação do gradiente horizontal de pressão, conforme evidenciado no dia 25/06/11 9 (Figura 9). Após a passagem da frente, devido à entrada da massa polar, observa-se uma queda na temperatura do ar nos dias 27 a 29/06/11. Por outro lado, a temperatura do solo, mesmo com a massa de ar atuante, em alguns momentos apresentou aumento, com diferença entre os dois sensores (ar e solo) chegando até a 10 °C. À noite, a temperatura do ar, devido ao processo de resfriamento noturno, está diminuindo enquanto a temperatura do solo apresenta uma elevação, evidenciando a entrada da maré. Assim, concluiu-se que a maré, nesse nível escalar, é quem controla a variação da temperatura do solo no manguezal, que apesar de responder a radiação solar incidente, essa influência é sobreposta a entrada da maré no ambiente.
Figura 9 Variação dos atributos climáticos (temperatura do ar, do solo, velocidade do vento e radiação solar) para o período de 25/06 a 05/07/11, nos manguezais da Barra do Ribeira – Iguape/SP.
46No período, o menor valor de radiação solar global acima do dossel foi registrado em 03/07/11 (0,98 MJ.m-²). Nesse mesmo dia, o sensor abaixo do dossel registrou apenas 0,26 MJ.m-². Para a radiação de onda longa terrestre, o maior valor ocorreu em 25/06/11, classificado como parcialmente nublado, enquanto para a componente de onda longa atmosférica esse valor foi maior no dia 26/06/11, classificado como nublado, visto que há maior presença de nebulosidade. As diferenças entre Rter e Ratm diminuíram também no período nublado quando a superfície terrestre reduziu sua emissão.
47Em 28/06, houve uma mudança na direção predominante do vento. Até às 12h30min o vento era de noroeste e no período subsequente até as 17h30 foi registrado vento de sudeste. Por fim, no período das 10h às 17h, do dia 04/07, há novamente uma mudança de direção, o vento passou a ser da direção sul. Diferentemente, do que ocorreu no primeiro sistema analisado, sobre influência de uma ZCAS, nesse caso a temperatura do ar acima do dossel foi superior a temperatura abaixo do dossel.
48A precipitação total acima do dossel durante esse evento foi de 92,3 mm enquanto dentro do manguezal registrou-se 91,8 mm, o que evidencia uma interceptação de apenas 0,5%. Destaca-se ainda que com a aproximação da frente fria os ventos vão gradualmente aumentando a velocidade e desacelerando após a passagem da frente nos dias subsequentes.
49A presente pesquisa contribuiu para o entendimento da relação existente entre os controles (estrutura da vegetação, variação da maré e sistemas atmosféricos) e atributos climáticos (temperatura do ar, umidade absoluta do ar, radiação solar global, vento e precipitação) no manguezal. Verificou-se que o bosque do manguezal da Ilha dos Papagaios destaca-se pela presença de Rhizophora mangle. Constatou-se que há uma variação anual na quantidade de folhas do dossel, entre o período de menor IAF (agosto/2011) e o de maior (abril/2012), com uma relação entre os acréscimos/reduções do IAF e a distribuição mensal da precipitação. Observou-se que há um aumento da transmissividade da radiação solar de onda curta no dossel do manguezal associado a degradação do ambiente. Quanto a temperatura do ar, concluiu-se que os manguezais da Barra do Ribeira-Iguape/SP apresentam divergência quanto aos parâmetros informados nas bibliografias.
50Destacou-se o papel da maré, contribuindo com entrada e saída de energia no ambiente. Os dois momentos de entrada de maré no manguezal contribuem, em certos momentos, com o resfriamento relativo do ambiente, como por exemplo, em dias quentes dos meses de primavera/verão em que a temperatura da água é inferior a do ar. Por outro lado, em outros momentos em que a temperatura do ar está reduzida a entrada de maré pode contribuir para um aquecimento relativo desse ambiente. O dossel da vegetação ainda apresenta um importante papel na atenuação da velocidade do vento e na interceptação da precipitação. Com a análise dos sistemas atmosféricos foi possível constatar que existe interação entre as escalas climáticas no manguezal. Observou-se como os atributos climáticos se conectam e como as diferenças entre os atributos climáticos ficam mais evidentes em escalas temporais inferiores. O estudo desenvolvido auxiliou no entendimento de como as variáveis abióticas se comportam dentro do ecossistema manguezal e de como ocorrem suas relações com a estrutura da vegetação.
51Agradecimentos pelo auxílio financeiro concedido pelo CNPq