...uneven development is a specific process that is both unique to capitalism and rooted directly in the fundamental social relations of that mode of production. (Smith, 1982: 142)
- 1 Segundo Smith (1988: 145), Lênin, na obra “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, de 1899, já (...)
- 2 Segundo Michael Lowy (1995), a expressão “desenvolvimento desigual e combinado” não aparece na obra (...)
- 3 "O fator mais importante do progresso humano é a seu domínio sobre as forças produtivas. Qualquer a (...)
1A noção de desenvolvimento desigual remete, diretamente, aos postulados marxianos acerca do capital e do desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista, mas diversos outros pensadores, partindo de Marx, avançaram nessa discussão, frequentemente atrelada ao debate teórico sobre o imperialismo do final do século XIX e início do XX, como é o caso de Vladimir Lênin (1870-1924)1, de Leon Trótsky (1879-1940)2, de George Novack (1905-1992), que postulou a “lei do desenvolvimento desigual e combinado”3 e de Ernest Mandel (1923-1995).
- 4 Publicado originalmente nos Estados Unidos, com o título “Unven Development – nature, capital and p (...)
2Trazendo este debate para a contemporaneidade e para a Geografia, David Harvey e seu discípulo Neil Smith destacam-se entre geógrafos que discutiram a noção marxiana de desenvolvimento desigual, encontrando-se no livro de Neil Smith (20084) intitulado “Desenvolvimento desigual – natureza, capital e produção do espaço” a referencia teórica fundante da análise que empreenderemos aqui.
3Segundo Smith (2008), a ideologia burguesa propalou a ideia de que o desenvolvimento desigual seria uma espécie de “lei universal da história humana” e, portanto, um processo ao mesmo tempo universal e natural, pressuposto este veementemente negado por ele assim como por Harvey (2013). Para Smith (1986: 91), uma lei which purports to explain all instances of unevenness in human experience, across time and space, is so all-embracing as to explain nothing.
4Além disso, conforme o autor, salvo o fato de que determinadas condições naturais favorecem o desenvolvimento de determinadas atividades ou usos dos recursos da natureza, é, em verdade, a divisão do trabalho na sociedade a base histórica da diferenciação espacial de níveis e condições de desenvolvimento (SMITH: 1988: 152). E é sob o modo de produção capitalista, com suas imanências e contradições, entre as quais a tendência contraditória à diferenciação e à igualização, que o processo histórico de diferenciação espacial adquire características jamais antes presentes em outros modos de produção. Assim, segundo Smith, o desenvolvimento desigual é, no mínimo, a expressão geográfica das contradições do capital.
5Para Harvey:
....o desenvolvimento da economia de espaço do capitalismo está cercado de tendências contrapostas e contraditórias. As barreiras espaciais e as distinções regionais precisam ser derrubadas. Mas os meios para atingir esse objetivo envolvem a produção de novas diferenciações geográficas que criam novas barreiras espaciais a serem superadas. A organização geográfica do capitalismo internaliza as contradições dentro da forma de valor. É isso que quer dizer o conceito do inevitável desenvolvimento desigual do capitalismo (2013: 528).
6Outros conceitos-chave para a discussão que pretendemos fazer aqui são os conceitos de concentração e centralização, relacionados à acumulação capitalista. Como lembra Smith (1988, p. 175), “a necessidade de acumulação do capital leva a uma franca expansão geográfica da sociedade capitalista, conduzida pelo capital produtivo”. A concentração social do capital, por sua vez, constitui necessidade da acumulação (Ibidem, p. 177), enquanto “a centralização completa o trabalho de acumulação” (Ibidem, p. 179). Necessário, ainda, pontuar, que, conforme Smith, “a concentração espacial e o processo de centralização referem-se à localização física do capital e é, desse modo, diferente da concentração e centralização sociais” (Ibidem, p. 176).
7No que tange às escalas geográficas, o desenvolvimento desigual manifesta-se em todas elas, embora de diferentes formas. Para Smith, três escalas primárias surgem com a produção do espaço sob o capitalismo: o espaço urbano, a escala da nação-Estado e o espaço global” (p. 196). Segundo o autor:
O impulso em direção à universalidade, sob o capitalismo, traz somente uma limitada igualização dos níveis e das condições de desenvolvimento. O capital produz escalas espaciais distintas (espaços absolutos) dentro dos quais o impulso para igualização está concentrado. Mas só pode ser realizado por aguda diferenciação e por contínua diferenciação do espaço relativo, tanto entre as escalas quanto dentro delas. As escalas por si mesmas não são fixas, mas se desenvolvem (...) dentro do desenvolvimento do próprio capital. E não são impermeáveis; as escalas urbanas e nacionais são produtos do capital internacional e continuam a ser moldadas por ele. Mas a necessidade de escalas separadas e de sua diferenciação interna é fixa. Isto oferece o último elemento básico para a teoria do desenvolvimento desigual (SMITH, 1988: 211).
8Neste sentido, Smith reafirma Soja (1980), dizendo que:
Under capitalism the relationship between developed and underdeveloped areas is the most obvious and most central manifestation of uneven development and occurs not just at the international scale but also at regional and urban scales. (1982: 142)
9No que diz respeito à noção de produção do espaço, buscamos apoio em Henri Lefebvre. Como afirma Smith (1988, 139), Lefebvre teria sido “o mais coerente, o mais criativo e o defensor mais explícito” dessa noção. Segundo Lefebvre, a produção do espaço não pode ser comparada à produção deste ou daquele objeto particular, desta ou daquela mercadoria, mesmo em se considerando que existam relações entre a produção das coisas e a produção do espaço. Ainda conforme o autor, o espaço é um produto da história, com algo outro e algo mais que a história no sentido clássico do termo (Ibidem, 2008, 62). Smith reforça esta ideia ao dizer que “nós não vivemos, atuamos ou trabalhamos ‘no’ espaço, mas sim produzimos o espaço, vivendo, atuando e trabalhando”(Ibidem, 1988: 132).
10Feitas tais ponderações iniciais, definimos como hipótese norteadora de nossa análise o entendimento de que o turismo de massa se desenvolve numa relação dialética com o desenvolvimento desigual em território brasileiro, ou seja, ele é ao mesmo tempo produto e produtor deste.
- 5 Segundo Perrota (2009), é a partir da década de 1910 que a cidade do Rio de Janeiro vai se constitu (...)
11Ressalte-se o fato de que o desenvolvimento do turismo no país se deu em tempos mais recentes se comparado àquele observado em nações mais ricas e socialmente menos desiguais. Embora haja indícios de que o turismo, enquanto prática social, já existisse no Brasil no final do século XIX, é somente na segunda década do século seguinte que seu desenvolvimento, enquanto atividade econômica, deu sinais de avanço por alguns fragmentos do território nacional5. Ao final do século XX, seja como prática social, seja como atividade econômica, não restam duvidas sobre a importância do turismo enquanto vetor da produção do espaço brasileiro.
12Assim, delineia-se o objetivo central de nossa reflexão, qual seja, o de analisar a participação do turismo na produção do espaço na escala da nação-Estado, não de forma genérica, mas na sua relação direta com o desenvolvimento desigual, tomando o Brasil como estudo de caso.
13Visando a apreensão dos legados territoriais do desenvolvimento desigual brasileiro na sua relação com o desenvolvimento contemporâneo do turismo, recorremos, a seguir, a uma breve análise histórica, destacando eventos marcantes como a industrialização e a urbanização do País.
14Todavia, por outro lado, centramos nossa análise em décadas recentes, a partir dos anos 1990, momento em que, reconhecidamente, ocorrem mudanças qualitativas importantes no desenvolvimento do turismo no pais, tais como o avanço de redes hoteleiras internacionais (PROSERPIO, 2003; SPOLLÓN, 2005), a recuperação “internacionalizada” do setor de cruzeiros marítimos (CRUZ, 2015), a reestruturação do setor de agenciamento de viagens (CRUZ, 2016) e, mais recentemente, a realização de dois megaeventos esportivos, Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, ambos com forte apelo turístico, tanto no que tange à requalificação da base material voltada ao uso turístico, como também à produção de uma imagem positiva do pais para o mundo.
15Segundo nosso entendimento, tais mudanças não podem ser compreendidas senão sob o recurso metodológico às diferentes escalas geográficas envolvidas, as quais, segundo os objetivos desta análise, são as escalas global e da nação-Estado.
16Passamos, então, a algumas reflexões sobre o desenvolvimento desigual brasileiro em busca de suas conexões com o desenvolvimento da atividade turística no País.
Independentemente dos padrões de desenvolvimento econômico pelos quais o Brasil passou, prevaleceu a estabilidade na desigualdade de repartição da renda e da riqueza entre seus habitantes…A concentração da renda e da riqueza é uma marca inalienável do Brasil (POCHMANN, 2007
17Sejam quais forem os indicadores utilizados – demográficos, de renda, IDH, rede urbana etc. – a desigualdade tanto social quanto espacial constitui característica definidora da realidade brasileira, como afirma Pochmann (2007).
18Entretanto, necessário ponderar que, no Brasil, como em qualquer outro lugar do planeta, a desigualdade não resulta das características naturais do País ou mesmo simplificadamente de sua história colonial, mas sim do “desenvolvimento desigual das forças produtivas” no seu território. Como assevera Smith:
A concentração e a centralização do capital no ambiente construído dá-se de acordo com a lógica social inerente ao processo de acumulação de capital e isto [...], leva a um nivelamento das diferenças naturais, pelo menos até onde elas determinam a localização da atividade econômica (1988, 158).
19Se necessário se faz reconhecer que o Brasil já surge como nação independente, em 1822, abrigando profundas desigualdades sócio-econômicas e sócio-espaciais, igualmente importante se faz admitir que tais desigualdades são reelaboradas nos dois últimos séculos e, especialmente, ao longo do século XX, sob o comando do processo de industrialização, no anos pós-1930, e de uma urbanização a ele fortemente relacionada.
20De acordo com Oliveira, destacando a passagem, no Brasil, de uma economia basicamente agroexportadora para uma economia em que ocorre um alargamento da base industrial, a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, sendo este:
Um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expressão do próprio novo (OLIVEIRA, 2003, 60)6.
21Nas condições acima descritas, Oliveira (2003) conclui que o sistema caminhou inexoravelmente, para uma concentração da renda, da propriedade e do poder e afirma, citando Trotsky, que a desigualdade historicamente produzida no país não é somente desigual, mas combinada.
22Para Pochmann (2007), a desigualdade no Brasil agrava-se após o fim do ciclo da industrialização nacional (1930-1980), com uma redução sensível na participação da renda do trabalho na composição da renda total do País. Em obra mais recente e que, portanto, capta resultados da expansão/intensificação de políticas sociais a partir de meados da primeira década do século XX, Guerra et al. (2015) indicam ter diminuído a exclusão social no Brasil, embora a desigualdade regional permaneça marcante, como se pode notar nas Figuras 1 e 2.
Figura 1- Proporção de domicílios por classes de rendimento domiciliar per capita (%), por Macro-Região*
* Salário mínimo em 2010 igual a cerca de 290 dólares.
Baseado em Dados do Censo Demográfico IBGE, 2010.
23Figura 2- Tipos de renda dos responsáveis por domicílios
* Salário mínimo em 2010 igual a cerca de 290 dólares. Baseado em Dados do Censo Demográfico IBGE, 2010.
Fonte: THÉRY, H., DE MELLO- THÉRY, N., 2018
24Em síntese, do processo histórico de produção do espaço – comandado pelo capital produtivo – resulta um ambiente construído que expressa, nitidamente, a concentração e a centralização social do capital no Brasil no que podemos chamar de “porção oriental”, reveladas estas por meio dos processos de concentração espacial/ centralização do capital produtivo assim como pela concentração espacial da força de trabalho.
25Genericamente, as características mencionadas nos parágrafos anteriores demarcam a concentração de capital fixo e de capital variável na porção oriental do território brasileiro embora, mais recentemente, um processo de desconcentração para o interior, abarcando estados da região Centro-Oeste e parte da Amazônia, tenha já se consolidado. Apesar desse movimento, a referida porção oriental segue sendo aquela mais contígua e com maior concentração espacial de capital produtivo no país. Além disso, evidenciam-se, no seu interior, manchas reveladoras de processos de centralização do capital produtivo fixo e imobilizado no território.
26Exemplo disso encontra-se na forte concentração da atividade industrial em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (Região Sudeste) e nos estados da Região Sul do País, assim como na distribuição espacial da infraestrutura pública voltada à circulação, como denotam as Figuras 3 e 4 a seguir.
Figura 3 – Brasil – Localização das Empresas Industriais, 2013
Fonte: THÉRY, H., DE MELLO- THÉRY, N., 2018.
Figura 4 – Brasil – Redes de Transporte, 2014
Fonte: THÉRY, H., DE MELLO- THÉRY, N., 2018
27O que pretendemos iluminar com tais ponderações é o fato de que quando o turismo, como atividade organizada, começa a se desenvolver no Brasil, principalmente a partir do século XX, é sobre um território já marcado por profundas desigualdades socioespaciais que isto se dará. Mais além, como anteriormente colocado, entendemos que a atividade não apenas será condicionada por esse legado histórico, mas ela mesma se constituirá, no tempo e no espaço, como condicionante de sua reprodução.
- 7 Por opções políticas assumidas ao longo do tempo, o Estado brasileiro privilegiou, historicamente, (...)
28No caso do transporte comercial – considerando apenas os modais rodoviário e aéreo, que são predominantes - entre 2010 e 2016, 48,3% dos passageiros se deslocaram por via rodoviária, enquanto 51,7% o fizeram por via aérea7. No que tange, por exemplo, à circulação de pessoas, todavia, é fundamental destacar que parte importante dos deslocamentos rodoviários é feita em veículo particular. Isto posto, ressalte-se a nítida concentração da malha rodoviária na porção oriental do país, o que, somado à forte concentração demográfica e de renda e à proximidade geográfica com o litoral, termina por amalgamar fatores econômicos, culturais (como a valorização da praia pelo turismo) e infraestruturais, que influenciam diretamente na concentração da atividade turística nesta porção do território nacional, reforçando, consequentemente, a desigualdade territorial historicamente produzida e resultante de um complexo feixe de fatores históricos, sociais e econômicos para muito além da atividade turística.
29Levando em conta as contradições envolvidas com este processo, passamos, então, a refletir sobre as geografias produzidas pelo turismo no território brasileiro.
30Ainda que reconheçamos que o turismo não constitui apenas uma atividade econômica, mas sim e também uma prática social, sendo eivada, consequentemente, de um conteúdo cultural, é um equívoco teórico e de método não reconhecer a concreta subordinação das lógicas espaciais que orientam o desenvolvimento da atividade a lógicas econômicas que definiram e definem o desenvolvimento desigual brasileiro.
31Podemos começar tomando como exemplo a chegada de turistas estrangeiros ao país, entre 2011 e 2013 (antes da realização da Copa do Mundo 2014, portanto), por unidade da federação. Segundo dados oficiais, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro responderam, juntos, no período, por 58,95% do total de chegadas de turistas ao País (entre 2009-2011 foram 57,78%). Conforme Cruz (2013, 284):
A histórica concentração de riqueza e de renda nesses estados, no passado, com reflexos socioeconômicos que se fazem sentir até hoje...gerou externalidades positivas ao atual desenvolvimento do turismo nesses lugares com destaque para a alta densidade de modernas infraestruturas de circulação, de equipamentos urbanos e de serviços usualmente demandados pelo setor.
- 8 Cf. BRASIL. Ministério do Turismo & FIPE, 2016.
- 9 Cf. IBGE Estados. Disponível em www.ibge.gov.br.
32Já entre 2011 e 2015, estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas-FIPE8 para o Ministério do Turismo aponta que entre as dez cidades mais visitadas por turistas estrangeiros no Brasil, a lazer, oito são litorâneas, o que nos permite concluir que os atrativos “sol-praia” desempenham um papel importante na definição das geografias do turismo internacional no Brasil (Figura 5). Importante ressaltar, também, que sete entre essas oito cidades distribuem-se por um relativamente pequeno trecho da costa brasileira, abarcando os estados do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, respectivamente o segundo e o sexto estado brasileiro com maior PIB per capita, segundo dados de 20139. Vale destacar, ainda, que a cidade do Rio de Janeiro é o principal “destino de lazer” dos estrangeiros no Brasil.
33Figura 5 – Fluxos do turismo doméstico entre estados e cidades mais visitadas por turistas estrangeiros entre 2011 e 2015
Fonte: THÉRY, H., DE MELLO- THÉRY, N., 2018
- 10 Cf. BRASIL. Ministério do turismo. Cadastur, 2017. Disponível em http://www.cadastur.turismo.gov.br (...)
34Outro indicador de que podemos lançar mão neste momento diz respeito à concentração espacial de serviços de agenciamento e operação de viagens no País. Nesse caso, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro abrigam, sozinhos, excluindo-se, portanto, os outros 24 estados da federação e o Distrito Federal, 41,49% de todas as agências de viagens e turismo do Brasil, o que exemplifica, objetivamente, a centralidade econômica desses estados10 (Tabela 1; Figura 6).
Tabela 1 – Agências de Turismo por estado, 2017
Estado
|
Número de agências
|
Estado
|
Número de agências
|
BRASIL
|
19.451
|
|
|
São Paulo
|
6102
|
Mato Grosso
|
295
|
Rio de Janeiro
|
2518
|
Amazonas
|
288
|
Minas Gerais
|
1646
|
Pará
|
265
|
Rio Grande do Sul
|
1104
|
Espírito Santo
|
264
|
Paraná
|
1043
|
Maranhão
|
237
|
Pernambuco
|
1030
|
Sergipe
|
200
|
Bahia
|
838
|
Rio Grande do Norte
|
191
|
Santa Catarina
|
698
|
Rondônia
|
162
|
Goiás
|
433
|
Acre
|
131
|
Distrito Federal
|
420
|
Tocantins
|
121
|
Ceará
|
345
|
Piauí
|
79
|
Alagoas
|
313
|
Amapá
|
64
|
Paraiba
|
304
|
Roraima
|
56
|
Mato Grosso do Sul
|
304
|
|
|
Fonte: Cadastur (2017). Organização: Rita de Cássia A. Cruz (2018).
Figura 6 – Brasil, Agências de Turismo por estado (2017)
- 11 Conforme informação disponível no sítio da Braztoa – Associação Brasileira das Operadoras de Turism (...)
35Por outro lado, apenas cerca de 0,3% dessas empresas desempenham o papel de operadoras turísticas no Brasil e respondem, juntas, por cerca de 90% do mercado nacional de viagens11, o que expressa uma incrível centralização social de capital nesse ramo de atividade no País (Cruz, 2016). Ressalte-se o fato de que esta não é uma característica exclusiva da realidade brasileira. Como apontara Sinclair, no final dos anos 1990:
One of the most striking features of tour operations is the considerable market share which is held by a small number of operators. In the USA, for example, 40 operators (three per cent of the total) controlled approximately one-third of the market for package holidays in the early 1990s (Sheldon, 1994). The degree of concentration was even higher in the UK in the same period, when 62,5 per cent of package holidays were sold by only five companies, approximating 0.05 per cent of the total (1998: 17-18).
36Considerando algumas das maiores operadoras do país, com base em informações disponibilizadas pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), vislumbra-se sua expressiva concentração espacial (Tabela 2; Figura 7).
Tabela 2 – Brasil - Distribuição espacial de algumas das maiores operadoras turísticas por estado (2017)
Brasil
ou Estado
|
Numero de Operadoras Turísticas entre as maiores do pais
|
Participação em %
|
BRASIL
|
70
|
100
|
São Paulo
|
42
|
60
|
Rio de Janeiro
|
12
|
17,1
|
Paraná
|
4
|
5,7
|
Distrito Federal
|
2
|
2,9
|
Santa Catarina
|
2
|
2,9
|
Rio Grande do Sul
|
2
|
2,9
|
Minas Gerais
|
2
|
2,9
|
Alagoas
|
1
|
1,4
|
Bahia
|
1
|
1,4
|
Espírito Santo
|
1
|
1,4
|
Mato Grosso
|
1
|
1,4
|
Fonte: www.braztoa.com.br. Organização: Rita De Cássia A. Cruz (2018)
37Como se pode notar tanto na Figura 6 (distribuição geográfica das agencias de viagem e turismo) como na Figura 7 (distribuição geográfica das principais operadoras turísticas), a distribuição espacial dessas prestadoras de serviços turísticos no Brasil é bastante irregular, sobretudo no caso das operadoras, que são produtoras de viagens. Em ambos os casos se destaca sua concentração espacial na porção oriental do país assim como o protagonismo dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
38Figura 7 – Brasil, Operadoras Turísticas, por estado(2017)
- 12 Cf. site oficial da empresa: www.cvc.com.br.
39Necessário, também, pontuar que o mercado interno de agenciamento e operação de viagens no Brasil esteve, até recentemente, sob o controle praticamente total de empresas nacionais. Recentemente, entretanto, este mercado dá sinais de que passa por mudanças. A maior operadora turística do País, a empresa CVC, teve o seu controle acionário (63,6% das ações) transferido, em 2010, para as mãos da administradora de ativos “Carlyle Group”12, empresa de origem norte-americana (CRUZ, 2016). E, mais importante ainda, é observar a geografia produzida por essas empresas. Para tanto, selecionamos três entre as maiores operadoras turísticas do Brasil e, com base em seu portfólio, cartografamos sua atuação nacional (Figuras 8, 9 e 10).
40Figura 8 – Destinos turísticos operados pelas empresas Nascimento, CVC e Flytour (2015)
41Cidades operadas por CVC, localizadas por estado
Amazonas: Manaus.
Pará: Belém.
Ceará: Fortaleza; Aquiraz; Jericoacoara.
Rio Grande do Norte: Natal; Praia de Pipa.
Paraíba: João Pessoa.
Pernambuco: Recife; Porto de Galinhas; Cabo de Santo Agostinho; Fernando de Noronha.
Alagoas: Maceió; Maragogi.
Sergipe: Aracaju.
Bahia: Salvador; Arraial d’Ajuda; Costa do Sauípe; Ilhéus; Itacaré; Porto Seguro; Praia do Forte; Santa Cruz Cabrália; Prado.
Minas Gerais: Belo Horizonte; Ouro Preto; Tiradentes; Passa Quatro.
|
Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; Cabo Frio; Angra dos Reis; Paraty; Petrópolis.
São Paulo: São Paulo; Barretos; Campos do Jordão.
Paraná: Curitiba; Foz do Iguaçu.
Santa Catarina: Florianópolis; Balneário Camboriú; Blumenau; Joinville.
Rio Grande do Sul: Bento Gonçalves; Canela; Gramado; Serra Gaúcha.
Mato Grosso: Pantanal.
Mato Grosso do Sul: Pantanal; Bonito.
Goiás: Caldas Novas.
|
42Cidades operadas por Flytour Turismo, localizadas por estado
Amazonas: Manaus; Parintins.
Pará: Belém.
Maranhão: São Luis; Barreirinhas; Tutóia.
Ceará: Fortaleza; Aquiraz; Jericoacoara; Praia do Cumbuco.
Rio Grande do Norte: Natal; Praia de Pipa.
Paraíba: João Pessoa
Pernambuco: Recife; Porto de Galinhas; Cabo de Santo Agostinho.
Alagoas: Maceió; Barra de São Miguel; Praia do Conde; Praia do Frances.
Sergipe: Aracaju.
Bahia: Salvador; Arraial d’Ajuda; Costa do Sauípe; Ilhéus; Itacaré; Porto Seguro;
|
Prado; Praia do Forte; Santa Cruz Cabrália;
Praia de Guarajuba; Imbassaí; Ilha de Comandatuba; Itacaré; Itaparica; Trancoso.
Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; Mangaratiba.
Espírito Santo: Vitória.
São Paulo: São Paulo; Itupeva.
Paraná: Foz do Iguaçu.
Santa Catarina: Florianópolis; Balneário Camboriú; Blumenau; Bombinhas.
Rio Grande do Sul: Canela; Gramado.
Mato Grosso do Sul: Bonito.
Goiás: Caldas Novas; Rio Quente.
|
43Cidades operadas por Nascimento turismo, localizadas por estado
Amazonas: Manaus.
Pará: Belém; Ilha de Marajó; Ater do Chão; Santarém
Tocantins: Palmas; Jalapão.
Maranhão: São Luís; Imperatriz; Lençóis Maranhenses; Chapada das Mesas.
Piauí: Teresina; Delta do Rio Parnaíba.
Ceará: Fortaleza; Aquiraz; Jericoacoara; Canoa Quebrada; Praia do Cumbuco; Camocim; Praia do Guajiru.
Rio Grande do Norte: Natal; Praia de Pipa; São Miguel do Gostoso; porto das Dunas.
Paraíba: João Pessoa.
Pernambuco: Recife; Olinda; Porto de Galinhas; Cabo de Santo Agostinho; Fernando de Noronha; Beberibe; Praia dos Carneiros; Tamandaré.
Alagoas: Maceió; Maragogi; Barra de São Miguel; Praia de Barra Grande; São Miguel dos Milagres; Xingó.
|
Sergipe: Aracaju; Xingó.
Bahia: Salvador; Arraial d’Ajuda; Costa do Sauípe; Ilhéus; Itacaré; Porto Seguro; Trancoso; Praia do Forte; Santa Cruz Cabrália; Prado; Morro de São Paulo; Ilha de Comandatuba; Imbassaí; Tamandaré; Caraíva; Boipeba; Península de Marau; Praia de Santo André; Praia do Espelho; Corumbau.
Minas Gerais: Belo Horizonte; Cidades Históricas; Chapada Diamantina; Araxá; Uberaba; Uberlândia; Inhotim.
Espírito Santo: Vitória; Vila velha; Guarapari.
Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; Búzios; Cabo Frio; Angra dos Reis; Paraty; Petrópolis, Teresópolis.
São Paulo: São Paulo; Guarujá; Ibiúna; Campos do Jordão; Campinas; Mogi das Cruzes; Olímpia.; Águas de Lindóia;
|
Atibaia; Ribeirão Preto; Santos; Suzano; Itapecerica da Serra; Itupeva; Lins; Mairiporã; Cambury; Cesário Lange.
Paraná: Curitiba; Foz do Iguaçu.; Londrina.
Santa Catarina: Florianópolis; Balneário Camboriú; Blumenau; Bombas; Bombinhas; Navegantes; Itapema; Gaspar; Penha; Fleixeiras; Caldas da Imperatriz; Governador Celso Ramos.
Rio Grande do Sul: Porto Alegre; Bento Gonçalves; Canela; Gramado; Serra Gaúcha; Caxias do Sul.
Mato Grosso: Cuiabá; Pantanal; Chapada dos Guimarães.
Mato Grosso do Sul: Campo Grande; Pantanal; Bonito.
Goiás: Goânia; Caldas Novas; Chapada dos Veadeiros.
Distrito Federal – Brasília
|
44Naturalmente, a geografia do turismo de massa não se restringe aos fluxos comandados pelas operadoras turísticas, mas é inegável o papel que estas empresas têm no ordenamento do território para uso turístico.
45Como se pode notar nas Figuras 8, 9 e 10, essa geografia restringe-se a um seleto número de localidades (como se pode ler na legenda que acompanha cada figura são, respectivamente, 50, 52 e 129 localidades operadas), com relativa concentração na faixa costeira e nos estados economicamente mais dinâmicos do País.
46Ao abordar a força das operadoras turísticas na definição da geografia do turismo de massa no mundo, afirma Ionnadis (1995, p. 52):
Tour operators possess significant power as coordinators centrally placed between consumers, suppliers, and destinations. These agents derive their enormous strength from their ability to command large volumes of airline seats and hotel rooms. Moreover, tour operators normally possess excellent information regarding their destinations and market segments.
47Mas as operadoras turísticas não atuam sozinhas. Pelo contrario, os processos de integração vertical entre empresas com relação direta com o setor turístico são uma marca do século XX. Em sua análise sobre o Caribe, passível de ser extrapolada para uma reflexão sobre a escala global, Patullo (2005, p. 21) afirma que:
Airlines, tour operators, travel agents and hoteliers are the key players in the tourist industry jigsaw. These three institutions, in particular the airlines and tour operators, are largely owned, controlled and run from outside the region. Sometimes, through vertical integration, they are corporately linked, controlling every stage of the tourist’s Holiday. The bigger companies continue to buy up smaller ones, but weakening competition and choice.
48O setor hoteleiro, citado por Patullo, pode ser tomado como outro indicador relevante dos processos de concentração e centralização social e de concentração espacial/centralização no setor turismo no Brasil.
49Assim como o setor da prestação de serviços de agenciamento e de operação de viagens e o de cruzeiros marítimos (CRUZ, 2015), a hotelaria diz respeito a um ramo do turismo altamente oligopolizado. A Tabela 3 expressa, em parte, o resultado da centralização social ocorrida na hotelaria ao longo, principalmente, do século XX.
Tabela 3. Dez Maiores Companhias hoteleiras do Mundo em número de hotéis
|
Companhia
|
No de Hotéis
|
No de Quartos
|
1
|
Wyndham Hotel Group
|
7.400
|
N/E
|
2
|
Choice Hotels International
|
6.500
|
500.000
|
3
|
Marriot International/Starwood Hotels & Resorts Worldwide
|
6.200
|
1.200.000
|
4
|
Jin Jiang International Hotels Group
|
6.000
|
650.000
|
5
|
Intercontinental Hotels Group
|
5.300
|
798.000
|
6
|
Hilton Worldwide Holdings
|
5.100
|
838.000
|
7
|
Accor Hotels
|
4.300
|
N/E
|
8
|
Best Western Hotels & Resorts
|
4.200
|
N/E
|
9
|
Home Inns & Hotels Management
|
2.600
|
N/E
|
10
|
Rezidor Group
|
1.400
|
224.000
|
Números aproximados.Dados extraídos das páginas oficiais das empresas na Internet. N/E: Não Encontrado.
Organização: Rita de Cássia A. Cruz (2018). Fontes: http://www.wyndhamworldwide.com/category/wyndham-hotel-group;https://www.choicehotels.com/about; http://news.marriott.com/2017/08/forbes-names-marriott-international-one-worlds-innovative-companies/; http://www.jinjianghotels.com.cn/en/: https://www.ihgplc.com/about-us/our-global-presence: http://www.hiltonworldwide.com/about/http://www.accorhotels.group/en/group/who-we-are/accorhotels-in-brief:https://www.bestwestern, com/en_US/about.html:http://media.corporate-ir.net/media_files/IROL/20/203641/Homeinns_Hotel_Group_Investor_Presentation_1Q15_5252015.pdf; http://www.rezidor.com/phoenix.zhtml?c=205430&p=irol-strategy
50As maiores redes hoteleiras do mundo possuem ou administram, juntas, cerca de 49.000 hotéis, distribuídos por lugares estrategicamente escolhidos por elas, nos “quatro cantos do planeta”. Entre essas redes, apenas Jin Jiang International Hotels Group e Home Inns & Hotel Management não possuem ou administram hotéis no Brasil. Por outro lado, a rede francesa Accor domina o mercado brasileiro entre as redes estrangeiras aqui presentes, com 288 unidades (de sua propriedade ou sob sua administração), 62,1% delas localizadas em cidades da região Sudeste e cerca de 20% (57 hotéis) na Região Metropolitana de São Paulo. A Rede Accor vem, inclusive, comandando uma tendência à interiorização da hotelaria de rede internacional no País, segundo um processo de desconcentração concentrada, dado seu explícito interesse por cidades localizadas nas regiões Sudeste e Sul que, juntas, abrigam mais de 80% dos hotéis dessa rede no Brasil.
Tabela 2 – Distribuição espacial dos hotéis da Rede Accor no Brasil
Macro-Região
|
Estado
|
Numero de Hotéis
|
PARTICIPAÇÃO RELATIVA POR REGIÃO
|
NORTE
|
Acre
|
1
|
3,8%
|
Amapá
|
1
|
Amazonas
|
6
|
Pará
|
3
|
NORDESTE
|
Alagoas
|
3
|
10,1%
|
Bahia
|
10
|
Ceará
|
3
|
Maranhão
|
3
|
Paraiba
|
1
|
Pernambuco
|
5
|
Piauí
|
1
|
Rio Grande do Norte
|
1
|
Sergipe
|
2
|
CENTRO OESTE
|
Goiás
|
5
|
4,9%
|
Mato Grosso
|
1
|
Mato Grosso do Sul
|
5
|
Distrito Federal
|
3
|
SUDESTE
|
Espírito Santo
|
8
|
62,1%
|
Minas Gerais
|
25
|
Rio de Janeiro
|
35
|
São Paulo
|
111
|
SUL
|
Paraná
|
21
|
19,1%
|
Santa Catarina
|
19
|
|
Rio Grande do Sul
|
15
|
|
Fonte: www.accorhotels.com.br Organização: Rita de Cássia A. Cruz (2018)
Figura 9 Os hoteis Accor por estado
51Nos anos 1980, o Brasil encontrava-se entre as dez maiores economias do mundo. A partir daí, com a estabilidade econômica alcançada nos anos 1990 e o crescimento econômico expressivo da primeira década do século XXI, o país torna-se ainda mais atrativo ao investimento estrangeiro.
52O interesse de empresas estrangeiras pelo território brasileiro pode ser compreendido também com base nas afirmativas de Harvey. Segundo o autor, a tentação por parte dos capitalistas de se engajarem no comércio inter-regional para alavancar os lucros derivados de trocas desiguais e colocar capitais excedentes onde a taxa de lucro é mais alta é, em longo prazo, irresistível. Além disso, continua Harvey, a tendência para a superacumulação e a ameaça de desvalorização obriga os capitalistas que estão dentro de uma região a estender suas fronteiras ou simplesmente mover seu capital para pastos mais verdes (HARVEY, 2013, p. 528).
53Em artigo publicado em 1995, Ionnadis alertava para o fato de que in recent years, the tourist accommodation sector has demonstrated increased market concentration by a few large corporations (IONNADIS, 1995, p. 52). Passadas três décadas da afirmação do autor, a concentração e a centralização social de capital no setor é fato consumado.
54Tal concentração foi alcançada, segundo Agarwal et al (2000) por meio de diferentes estratégias, entre as quais: alianças, fusões, aquisições, acordos de franquia e formação de consórcios.
55Sinclair (1991) citado por Ionnadis (1995: 55) chama a atenção, por sua vez, para a expansão geográfica das cadeias hoteleiras pelo mundo, afirmando que hotel chains seek to expand their operations in as many countries as possible to reduce their overall risk while maximizing their profits.
56Com o significativo crescimento dos fluxos turísticos ao longo do século XX e com a rentabilidade alcançada pelo setor, Britton (1982) identificou três tendências dominantes no turismo mundial: crescimento no tamanho das empresas, aumento da integração horizontal e vertical entre estas e a penetração de capital não originário ou não acumulado no setor.
57Naturalmente, enquanto prática social, o turismo interno no Brasil desenha sua própria geografia. Envolvendo deslocamentos rodoviários principalmente e hospedagem em casas de parentes e amigos, em propriedades próprias ou aluguel de residências secundárias, colônias de férias, na pequena hotelaria nacional, campings e congêneres, enfim, o chamado “turismo doméstico” tem uma topologia mais ampla e, aparentemente, mais espontânea e liberta do comando dos oligopólios aqui citados. Esta é, entretanto, apenas a aparência dos fatos.
58Os fluxos turísticos internos, se não comandados pelas empresas de agenciamento de viagens, de hotelaria e pela integração vertical entre estas e companhias aéreas, são dirigidos pelo mercado imobiliário (no caso das segundas residências), pelos sindicatos de trabalhadores (no caso das colônias de férias) e, ao fim e ao cabo, pelo Estado, que nas suas distintas esferas de poder (nacional, estadual, municipal) promove lugares à condição de “destino turístico”, melhorando infraestruturas pré-existentes, implantando novas e fazendo o marketing público desses lugares.
59Diante de tais constatações, evidencia-se a necessidade de se rever as correntes analíticas do turismo que depositam demasiada importância nos fatores culturais supostamente direcionadores dos fluxos turísticos, à luz de pressupostos da Geografia Econômica.
As tendências contraditórias para a diferenciação e para a igualização determinam a produção capitalista do espaço. Em ação, essa contradição que surge no âmago do modo de produção capitalista inscreve-se na paisagem como o padrão existente do desenvolvimento desigual. (SMITH, 1988, 149)
60Como amplamente sabido, a ‘economia das viagens e do turismo’ diz respeito, em verdade, a um conjunto de atividades econômicas que abarcam diferentes atividades industriais (como a indústria dos transportes e da construção civil), comerciais e de serviços, o que implica reconhecer que o capital produtivo no turismo encontra-se, paradoxalmente, em grande parte, fora dele, em setores com os quais o turismo mantém relações mais ou menos diretas, mas certamente relações dialéticas de dependência e influência.
61Portanto, os lugares onde o turismo se manifesta são apenas parte da geografia desenhada, em escala planetária, por um conjunto extenso de empresas que mantêm relações mais ou menos diretas com aquelas que se encontram na ponta da cadeia produtiva do turismo, como as empresas hoteleiras e de produção e agenciamento de viagens. O que é fundamental reconhecer é que por trás das paisagens materiais criadas pelo e para o turismo encontram-se divisões do trabalho historicamente sobrepostas assim como processos imanentes ao modo de produção capitalista como a tendência contraditória à expansão e à concentração espaciais. Como afirmara Smith, em relação ao movimento de vaivém do capital entre regiões economicamente mais desenvolvidas e outras menos desenvolvidas:
O capital busca não um equilíbrio construído na paisagem, mas um equilíbrio que seja viável precisamente em sua capacidade de se deslocar nas paisagens de maneira sistemática. Este é o movimento em vaivém do capital, que está subjacente ao processo mais amplo de desenvolvimento desigual (SMITH, 1988, p. 213).
62Uma discussão centrada apenas nas empresas poderia, todavia, mesmo sem desejar, ocultar o papel do Estado como ente mediador dos processos de produção do espaço pelo e para o turismo.
- 13 Cf. Banco do Nordeste. Disponível em http://www.bnb.gov.br/web/guest/resultados2.
63Pelo contrario, no caso brasileiro, o Estado foi e continua sendo o mais importante fomentador do desenvolvimento do turismo em escala nacional, por um lado como grande provedor das infraestruturas demandadas pela atividade, em especial aquelas relacionadas à circulação territorial, e por outro pela formulação de políticas de concessão de incentivos fiscais e financeiros, ações estas manifestadamente convergentes com os interesses privados e privatistas dessas empresas. Os cerca de US$ 870 milhões empregados pelo Estado13, com a co-participação do BID, no Nordeste do Brasil, é exemplo cabal de sua importância no desenvolvimento do turismo em território nacional.
64Há quase cinco décadas, Mandel (1970) já afirmara que o Estado é the major instrument of defense of the capitalist class interests today (against their class enemies, against foreign competitors, and against the menacingly explosive nature of the inner contradictions of the system). Para Smith, o Estado moderno capitalista desenvolve-se para realizar tarefas como produzir as bases infraestruturais, as leis comerciais, a regulamentação da reprodução da força de trabalho e o apoio para o dinheiro local, os quais são, segundo o autor, todos necessários no nível do capitalista coletivo mais que no do individual (1988: 205).
65Outro exemplo recente da pró-atividade do Estado brasileiro no que diz respeito à criação de condições favoráveis à reprodução do capital em território nacional é o acolhimento aos megaeventos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 no Pais, os quais, além de envolverem um gigantesco conjunto de obras de toda natureza (muitas delas inacabadas, inclusive), pulverizadas pelas cidades diretamente atingidas, trazem, no seu bojo, o explícito objetivo estatal de promover o pais como ‘destino’ do turismo internacional em escala planetária.
66O desenvolvimento desigual das forças produtivas, que legou ao Brasil uma forte concentração espacial da atividade produtiva e da força de trabalho, à qual se amalgama às concentrações urbana, demográfica, das infraestruturas e da renda é o principal motor que move o desenvolvimento do turismo de massa no pais, tanto associado à hotelaria de rede internacional e à geografia dos pacotes turísticos construída pelas operadoras turísticas, objeto de nossa análise, quanto no que tange a outras formas de turismo aparentemente libertas dessas influências.
67O que queremos dizer com isso é que o “conjunto de formas geograficamente imobilizadas de capital fixo”, “tão fundamentais ao progresso da acumulação” (Smith, 1988: 176) é ao mesmo tempo produto e produtor de novas diferenciações espaciais, seja qual for a escala da análise.
68Assim, o turismo de massa no Brasil, na sua parte que é controlada pelas operadoras turísticas e, cada vez mais, pela hotelaria de rede internacional, reproduz a desigualdade que caracteriza o País, da mesma forma que contribui, dialeticamente, para sua reprodução.
69Concluímos nossa análise com base em cinco pontos distintos embora interdependentes.
701. A circulação, uma condição essencial para a realização do turismo de massa, é comandada pelos interesses dos capitais produtivos que atuam no País e, consequentemente, influenciam, diretamente, a espacialidade dos fluxos turísticos no território. Com isso queremos ressaltar o fato de que a malha rodoviária brasileira, por exemplo, foi e continua sendo pensada, prioritariamente, em função da atividade industrial e da atividade agrícola, visando ao escoamento de mercadorias provindas de ambas. O ‘turismo rodoviário’, que responde por grande parte dos deslocamentos turísticos no Brasil, desenvolveu-se, assim, no que tange à circulação, subordinado às lógicas emanadas dessas outras atividades.
712. A hotelaria de rede internacional, que avança pelo território brasileiro, tem sua espacialidade definida, como não poderia deixar de ser, por fatores econômicos norteados pela busca incessante de lucratividade. Estar à beira-mar, por exemplo, contém, consequentemente, apenas indiretamente uma vinculação com a dimensão cultural ocidental de valorização do mar e da praia. Em verdade, uma conjunção de fatores econômicos (existência de demanda potencial ou efetiva, mão-de-obra barata, expectativa de lucro, etc.) é o que define a geografia dessas empresas no Brasil e em qualquer outro lugar do planeta.
723. Os lugares que habituamos chamar de turísticos são aqueles, portanto, em que tais lógicas, sob o comando de empresas globais ou de pequenos capitalistas que atuam nas escalas regional e local, se realizam espacialmente. Por isso, revelam em suas paisagens a presença do turismo como vetor produtor de seus espaços, com maior ou menor veemência.
734. O Estado brasileiro foi e continua sendo protagonista na produção do espaço nacional com vistas à sua adequação aos interesses do capital. Em se tratando da criação de infraestruturas para o desenvolvimento do turismo, o grande conjunto de obras viabilizadas pelo Prodetur-NE, ao longo dos anos 1990 e primeiros anos do século XXI, e, mais recentemente, o PAC Turismo (Programa de Aceleração do Crescimento do Turismo) são exemplos desse protagonismo. Embora o discurso do Estado seja o da ‘descentralização do mercado’ do turismo, o PAC Turismo previu empenhar cerca de 82% do total de R$ 661 milhões alocados no Programa em cidades já consagradas como destinos do turismo nacional e internacional, localizadas na porção oriental do território brasileiro, historicamente concentradora de riqueza e de renda. À cidade de São Paulo, sozinha, foram destinados 39% desses recursos.
745. Diante do exposto até aqui e no que diz respeito ao direcionamento espacial dos fluxos de turistas pelo território brasileiro, pode-se afirmar que os turistas ‘domésticos”, mas também e principalmente, estrangeiros, têm pequeno ou quase nulo protagonismo na definição das geografias produzidas pelo turismo no País. Tal interpretação da realidade posta não nega os fatores culturais (como a valorização do sol e da praia) envolvidos com o turismo, mas entende haver uma subordinação destes às lógicas de reprodução do capital e, ao fim e ao cabo, à constituição da sociedade burocrática do consumo dirigido, nos termos colocados por Lefebvre (2008). Portanto, parte expressiva dos indivíduos-turistas não viaja simplesmente para lugares escolhidos por tocarem suas almas e corações, mas, de forma bem menos romântica que isso, para onde o capital os deseja levar.
75Assim, concluímos reafirmando a intrínseca relação, para o caso brasileiro, entre desenvolvimento desigual - compreendido por Smith (1988) como, ‘no mínimo’, a expressão geográfica das contradições do capital, turismo, enquanto prática social e atividade econômica, e o processo conflituoso e contraditório de produção do espaço, na escala da nação-Estado.
THÉRY, H., DE MELLO- THÉRY, N., Atlas do Brasil, Disparidades e dinâmicas do território, EDUSP, São Paulo 3a edicão 2018, 392 páginas