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Em busca de uma ruptura da totalidade: as fronteiras nacionais no espaço-tempo

À la recherche d'une rupture de la totalité: frontières nationales dans l'espace-temps
In search of a rupture of totality: national boundaries in space-time
Juliana Siqueira

Résumés

Les frontières nationales sont les chevauchements simultanés et cumulatifs du temps et des espaces et sont un des principaux symptômes de la nécessité qu'ont les sociétés de créer des modes de différenciation. Sur la base de ces arguments, nous soutenons que c’est une erreur de se référer aux frontières comme naturelles ou accidentelles et les extraire de leurs constructions temporelles et spatiales, en les traitant de façon homogène et non dialectique. À cette fin, sur la base de la proposition de Milton Santos que la connaissance implique l'analyse, ce qui suppose à son tour la division, nous avons opté pour la séparation de ces deux composantes, avec l'objectif ultime d'indiquer évidences de la formation temporelle et spatiale des frontières. Nous voulons aussi avec cette division montrer à quel point cette séparation est artificielle et didactique, puisque le temps et l'espace se reconnaissent et se confondent tout au long de notre argumentation.

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frontières, espace-temps, nation.

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boundaries, space-time, nation.

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fronteira, espaço-tempo, nação.
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Crédits : Thibault Boissot

1Segundo Merleau-Ponty (2011), em seu estudo sobre a “Fenomenologia da percepção”, os seres humanos não são uma consciência cognitiva pura. Somos, ao contrário, uma consciência encarnada em um corpo que não se separa do espaço e tempo em que está inserido. Somos concomitante e inerentemente espaciais e temporais.

2É inegável que o espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana e estão interligados na natureza e na sociedade. Contudo, apesar de suas relevâncias, raramente discutimos o seu sentido e tendemos a tê-los por certos e/ou autoevidentes. A respeito do tempo, que nesse contexto poderia ser igualmente atribuído ao espaço, Santo Agostinho (2000, p. 322) dizia: “Se ninguém me pergunta, eu o sei: se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.

3No campo das ciências sociais, o tempo e o espaço são percebidos e traduzidos por muitos teóricos, de modo que a evolução de suas formas pode ser apreendida como o transcurso da própria história da sociedade. A busca pela compreensão dessa dinâmica implicaria, portanto, no entendimento das diversas transformações e experiências espaço-temporais a partir do ponto de vista da prática social e, consequentemente, dos grupos que detiveram o poder de determiná-las (Castells, 1999 , p. 467).

4Simultaneamente a este embate dos diferentes padrões e escalas que definem a organização social, surge o que Harvey (1992) chama de “compressão” e Giddens (1991) de “esvaziamento” do tempo e do espaço. Estes fenômenos promovem um impacto desorientador sobre as práticas sociais que, alimentados pela busca de meios flexíveis de acumulação do capital, incorpora formas ainda desconhecidas e fraturadas por crescentes dimensões e reduzidas escalas.

5Mudanças como o incentivo à criação do mercado mundial e a ampliação das redes de circulação de pessoas e consumo, representam a partir de então um marco profundo na história do capitalismo e de suas manifestações espaço-temporais. Essa nova lógica cria uma dinâmica de experiências humanas orientadas à acronia e à atopia sem precedentes, já que as escalas espaciais e temporais são reduzidas a ponto de se falar na abolição dessas duas dimensões. Tudo se passa aqui e agora, de modo que o passado e o futuro se dissolvem, deixando o infinito presente de um mundo que parece se encolher em uma “aldeia global” (Harvey, 1992, p. 212) e desencaixar as relações sociais (Giddens, 1991, p. 31).

6Mas, afinal, como compreender e traduzir essa sociedade que, se por um lado se liquefaz no tempo e no espaço e por outro sofre com os embates sem precedentes dessas mudanças, com agravantes que atuam heterogeneamente nos diferentes extratos sociais e geram realidades híbridas e fragmentadas? A resposta não é única, mas é notável que muitos cientistas sociais pareçam convencidos de encontrá-la nos estudos sobre fronteiras nacionais, seja ela objeto central ou uma porta de entrada para a compreensão de novos processos.

7Além de funcionar como ponto de encontro de culturas, sistemas econômicos e políticos, as pluralidades de interpretações das fronteiras nacionais fazem que estas condensem elementos que as convertam em exímios lugares de observação e interpretação de fenômenos sociais. Segundo Giddens (1991, p. 28), mesmo no século XIX, áreas diferentes dentro de um mesmo Estado tinham tempos diferentes, enquanto nas fronteiras entre os países, essa situação era ainda mais nítida. Nesse sentido, os limites e as fronteiras são sobreposições simultâneas e cumulativas de tempos e espaços e configuram-se como um dos maiores sintomas da necessidade que as sociedades têm de criar modos de diferenciação.

  • 1 Este trabalho deriva da dissertação de mestrado intitulada “Fronteira e mobilidade: a Amazônia e su (...)

8Com base nesses argumentos, propomos neste trabalho1 que as fronteiras em suas mais variadas significações e representações estão fortemente fundamentadas em elementos do tempo e do espaço. Defendemos, por conseguinte, que se configura um equívoco referenciar as fronteiras como naturais ou casuais, tratando-as como homogêneas e não dialéticas.

9Para isso, o presente trabalho busca estabelecer algumas reflexões acerca do conceito de fronteira e seus desdobramentos espaço-temporais. Baseados na proposição de Santos (2012, p. 118) de que o conhecimento pressupõe análise, que por sua vez pressupõe divisão, optamos pela separação entre essas duas componentes, com o objetivo final de indicar evidências da formação temporal e espacial das fronteiras. Pretendemos igualmente com esta divisão indicar o quão artificial e didática ela se configura, já que tempo e espaço se reconhecem e confundem continuamente ao longo de toda nossa argumentação.

10Por considerarmos que a falta de reflexão na definição do objeto conduz a uma compreensão parcial das questões que permeiam o tema, bem como um reforço das limitações dos estudos fronteiriços, a separação entre essas duas categorias funciona neste trabalho como uma forma de evidenciar e contestar as escolhas acríticas – muitas vezes inconscientes – que a maior parte das disciplinas envolvidas nessa discussão fazem por uma ou outra abordagem.

Fronteira: uma categoria espacial

11O espaço inclui concepções diversas, que passam por um imaginário coletivo do Espaço (maiúsculo) das distâncias cósmicas, pelo espaço geométrico traduzível em fórmulas matemáticas até o espaço social, que representa e sustenta as práticas da sociedade.

12Analisado pelo prisma do lócus da reprodução das relações sociais de produção (Lefebvre, 1991), o espaço, durante um longo período, foi considerado como um atributo “morto, fixo, não dialético, imóvel”, em detrimento do tempo, reputado como “rico, fecundo, vivo, dialético” (Foucault, 1998, p. 159).

13Com sua melhor compreensão e a partir de uma visão ampliada de seus significados, o espaço assume uma posição de destaque entre diversas áreas do conhecimento, tais como a geografia, sociologia, história e demografia, de modo que seu conteúdo ganha abordagens críticas, que paulatinamente transpõem as barreiras disciplinares. Com isso, diversos estudiosos passam a considerar que o espaço organiza o tempo (e não o contrário) e, com este pensamento, buscam entender e solucionar os inúmeros conflitos sociais nele fundamentados.

14Entre as preocupações contemporâneas sobre o tema, frente às intensas mudanças estruturais pelas quais vem passando a sociedade estão discussões como: a conexão entre as escalas espaciais globais e locais, fruto da compressão do espaço e do tempo (Sassen, 1998; Harvey, 1992); o aumento dos fluxos de informações por meio de novas tecnologias (Castells, 1999); a efetividade das teorias que propõem a desterritorialização (Haesbaert, 2011); a diversidade e intensidade dos deslocamentos populacionais (Courgeau, 1988); o crescimento irrefreável da economia criminosa global (Machado, 2000); a exclusão social e econômica de grande parte da população do planeta (Santos, 2012); e o debate sobre o desaparecimento e/ou recrudescimento das fronteiras nacionais em suas mais variadas escalas e influências.

15Essa última, um dos pontos centrais de nossa argumentação, se coloca em dependência de todas as outras, de modo a refletir e representar contínuas tensões desdobradas espacialmente. Por isso, as fronteiras em suas variadas manifestações simbólicas e materiais posicionam-se em meio ao debate que, por um lado (e a partir da ideia do “fim das fronteiras”), justifica o processo de globalização produtor de homogeneidade social, cultural e econômica - para isso, utiliza argumentos como a crescente liberalização do comércio e de incentivos de blocos regionais, tais como União Europeia, MERCOSUL, NAFTA e APEC; e por outro, contesta este mesmo processo, que pode ser visto como construtor de barreiras e critérios de diferenciação – com argumentos como o crescente controle de alfândegas e de fluxos populacionais indesejados.

16Esta aparente contradição nos reconduz a algumas questões iniciais. Qual o papel dos estudos fronteiriços frente a estas novas transformações estruturais da sociedade? Como e por que este termo vem sendo amplamente utilizado como um dos pontos centrais de inúmeras discussões contemporâneas? Quais os recorrentes sucessos e falhas na compreensão desses processos? E por fim, por que a fronteira se configura como uma categoria essencialmente espacial? Diante desses questionamentos e conduzidos pelo esclarecimento da última questão, iluminar-se-ão os caminhos que nos apontarão a compreensão das demais.

17O primeiro ponto a se definir é como um objeto essencialmente social (a partir das perspectivas que consideram a apreensão e vivência do espaço como parte integrante da vida em sociedade, da organização e categorização sociais), a fronteira é também uma categoria espacial. Portanto, pensar a fronteira é pensar o espaço, bem como as práticas e relações humanas que nele acontecem.

18A partir dessa constatação, torna-se mais fácil imaginar por que as fronteiras – no nosso caso as fronteiras nacionais – são, por um lado, vistas por muitos como uma representação cartográfica pura e simples, marcada por esquematismos e definições precisas e, por outro e concomitantemente, como um objeto que não sobreviverá às mudanças sociais e que está em vias de desaparecer. As fronteiras, como sua dimensão gêmea, são plurais e frequentemente encontram-se fragmentadas entre diversas abordagens teóricas.

19Como nas polêmicas discussões sobre o espaço, nas fronteiras as escalas também se confundem e se relativizam. Entre as visões polarizadoras que consideram somente os níveis “alto” (universal, mundial, “sem fronteiras”, nacional) e “baixo” (local, concreto, vivido) parece haver um matiz de possibilidades que passam por categorias como “interno” e “externo”, “intraestadual” e “interestadual”, “intramunicipal” e “intermunicipal”, que torna as considerações mais ou menos equilibradas e horizontais.

20Com relação a isso, Henri Lefebvre, em seu livro A produção do espaço (1991), a partir da perspectiva que ele chama de “dialética da triplicidade”, faz uma crítica a todas as formas categóricas reducionistas ou a lógica binária. Segundo ele, sempre há um “Outro” termo, uma alternativa, um “também” “que reverbera a fim de romper a clausura categórica” e criar um “Terceiro Espaço”. Assim, a lógica que estabelece o “local” e o “global”, o “norte” e o “sul”, o “centro” e a “periferia” deve ser recombinada e ampliada em uma crítica à produção do espaço e à resignificação da vida cotidiana (Soja, 1996, p. 7).

21Além de suas divergências teóricas, este espaço onde o hibridismo se faz presente descrito por Lefebvre, também conhecido como intervalar, intersticial, do meio e de contato (Gomes, 2010, p. 44), configura-se essencialmente como espaço de troca e comunicação. Por estas características, a depender do grau de permeabilidade ou impermeabilidade dos sistemas fronteiriços, sua relevância pode variar entre as diversas escalas e conforme a simetria e assimetria de suas trocas, revelar o efeito de dominação de uma região sobre a outra.

22Fica claro, portanto, que as trocas estabelecidas entre sistemas fronteiriços são invariavelmente enviesadas (com maior ou menor intensidade) pela presença de uma fronteira política, seja por seus efeitos diretos, indiretos ou induzidos. Desse modo, como declarou Bourdieu (1998), as fronteiras nacionais, como um ato jurídico de delimitação, produzem diferenças, tanto quanto são um produto destas. Isso porque, entre outras coisas, além de proporcionar uma duplicação de seus eixos, no sentido de representar duas (ou mais) regiões distintas condicionadas ao contato, as fronteiras carregam consigo os custos de representar a sobreposição de nações inteiras, que de certo modo são responsáveis por anunciar (e por vezes simular) duas ou mais culturas, etnias, linguagens, soberanias e territórios.

23Assim, os efeitos locais das fronteiras serão tanto positivos quanto negativos, tendendo à ampliação de condições favoráveis e desfavoráveis em relação a outras regiões. Em função disso, é possível supor que apesar das fronteiras como divisões administrativas não possuírem um significado em si mesmas, elas introduzem uma descontinuidade e desnivelamento no espaço, que muitas vezes não estão amparados por um esforço político, econômico e social de planejamento e ordenamento de mesma dimensão. Desse modo, apesar de exprimirem um conjunto de forças comandadas pela satisfação de necessidades múltiplas, muitas vezes, ao contrário, as fronteiras limitam suas ações ao campo de atuação de seus territórios e reforçam as inúmeras diferenças estabelecidas (Foucher, 1991, p.38).

24Esse caráter disjuntor, mais ou menos evidente, não raro é agravado pela situação de marginalidade e isolamento em que está inserida a grande maioria das fronteiras nacionais. Nesse sentido, Herrera apud Farret (1997, p. 108) afirma que “a trágica coincidência entre as áreas de fronteira e as áreas de menor desenvolvimento” é fruto, entre outras coisas, do forte poder centralizador dos grandes centros urbanos, de onde são pensados os processos políticos, a história nacional, bem como as decisões de caráter econômico e social (Grimson, 2001, p. 91).

25Como consequência, muitas vezes as regiões de fronteiras nacionais, marginais por uma condição geográfica o são também por razões históricas, sociais, econômicas e políticas, de modo que este isolamento frequentemente é reforçado em variadas escalas, que começa por seus respectivos Estados Nacionais, mas passa pelo país vizinho, pela região geográfica em que estão inseridos e por outros países que de algum modo se beneficiem desse isolamento.

Imagem 1: Muro de escola na cidade brasileira de Mundo Novo na fronteira entre o Brasil e Paraguai

Imagem 1: Muro de escola na cidade brasileira de Mundo Novo na fronteira entre o Brasil e Paraguai

A imagem denuncia o problema do tráfico e uso de drogas na região

Crédito: Juliana Siqueira

26Além disso, nessa região, a implementação de medidas desenvolvimentistas como a construção de novas estradas, pontes, hidrelétricas e sistema de comunicação muitas vezes está relacionada a interesses estatais e de empresas capitalistas, em detrimento dos interesses da população local. Nessa medida, se indiretamente as fronteiras podem se beneficiar de algumas dessas melhorias, tais como: maior eficiência da circulação de bens e serviços e aumento do fluxo de capital e turismo, seguramente ela sofre com as consequências desse processo, que podem implicar em problemas como aumento da violência e vulnerabilidades sociais. Ou seja, as fronteiras dividem as mesmas oportunidades, mas também os mesmos problemas.

27Como forma de superar estas desvantagens comparativas e como estratégia de sobrevivência a estas múltiplas marginalidades, Farret (1997, p. 108) destaca que as regiões de fronteira criam uma série de complementaridades locais, independentes das macrodecisões nacionais, que possibilitam o aproveitamento dos benefícios gerados pelas diferenças estruturais em diferentes escalas. Estas estratégias, contudo, muitas vezes induzem e evidenciam comportamentos condenados por diferentes esferas envolvidas (tais como contrabando de mercadorias, tráfico de drogas, extração ilegal de recursos naturais) que, se por um lado aproximam suas dinâmicas, por outro expõem sua população a inúmeros riscos sociais e/ou ambientais.

28Diante desse debate sobre a conectividade e porosidade das fronteiras, bem como sobre a transposição entre suas escalas, posição social dos atores que a compõem e seus isolamentos múltiplos, retomamos uma reflexão feita repetidamente por inúmeros autores ao se referirem à fronteira como uma contraposição entre linha e zona. Em outras palavras, devemos considerar fronteira como uma barreira que “separa”, “afasta”, “distancia” ou como um espaço que “unifica”, “integra”, “compartilha”? Esta poderia representar a base de inúmeras discussões, porque ambas as ideias, recorrentes entre abordagem centrada predominantemente no espaço, (consciente ou inconscientemente) vêm funcionando como ponto de encontro de diversos estudiosos interessados na discussão sobre fronteiras.

Fronteira (Frontier) e Limite (Boundary)

29No imaginário social, as traduções conceituais de “fronteira” e “limite”, de tão confundidas e indissociadas parecem funcionar como significados que representam um significante natural e autoexplicativo relacionado às divisões burocrático-administrativas, tais como: municípios, regiões, Unidades da Federação e Estados nacionais (Melo, 1994, p.69).

30Possivelmente isso acontece devido à coincidência entre preocupação inicial com relação à diferenciação teórico-conceitual desses dois termos e a demarcação da maior parte das fronteiras internacionais do planeta, intensificadas ao final do século XIX (Machado, n.d.). Nesse período, clássicos da geografia política como Friedrich Ratzel, preocupados com o papel desempenhado pelo Estado no controle do território, vincularam o conceito de fronteira e limite ao de Estado Moderno e, desde então, esta contraposição protagoniza inúmeras indagações filosóficas, especialmente no que se refere a situações e objetos espaço-temporais (Machado, 1998).

31Além disso, muitos autores ressaltam que a confusão conceitual entre esses termos acontece, pois ao contrário do grupo anglo-saxão, não possuímos em línguas de origem latinas termos que consigam diferenciar com clareza ideias representativas de questionamento insurgentes com o Estado-Nação (Machado,1998; Guichonnet e Raffestin, 1974; Raffestin, 2005; Melo, 1994; Martin, 1998). Com relação a isso Guichonnet e Raffestin (1974, p. 12) esclarecem:

Dentro do grupo anglo-saxão há dois termos que são perfeitamente complementares e que retratam, hoje, duas realidades bem distintas: “frontier” e “boundary”. A primeira, cuja origem é similar à da palavra francesa, surge no século XIV, enquanto a segunda, que porta uma ideia de delimitação precisa, data do século XVII[...]. É possível observar, portanto, que o inglês dispõe de um material linguístico especializado que o permite exprimir por um lado a ideia de zona e por outro a ideia de fronteira [tradução nossa].

32Esta contraposição de sentidos, que em inglês é perfeitamente complementar, em inúmeras línguas latinas vem sendo representada pelas palavras “limite” e “fronteira”. Estes verbetes se diferenciam semelhantemente aos termos anglo-saxão de modo que, enquanto o limite (boundary/border) está voltado para dentro (centrípeto) e remete às ideias de “distância”, “separação”, “confim”, “extremo”, a fronteira (frontier), imaginada do mesmo lugar, está voltada para fora (centrífugo) e representa a “integração”, “colaboração” e “contato” (Hissa, 2002, p. 34).

33Além disso, refletir sobre limites e fronteiras significa refletir também sobre as formas de estabelecimento dos Estados Modernos e sobre o poder insurgente da necessidade de controle contínuo. Para Raffestin (1993, p. 166), o território, prisão edificada pelos homens para a humanidade, é delimitado por meio da propriedade ou da apropriação por limites (visíveis ou não) que são a expressão do poder que internaliza.

  • 2 Ver a discussão detalhada da diferenciação entre “limites” e “fronteiras” em Machado (1998) e Steim (...)

34As divisões limítrofes surgem, portanto, da necessidade de referência para o poder e não são, nesse sentido, nem inocentes nem arbitrárias, quer se faça referência ao poder público ou ao que garanta a reprodução ampliada do capital (Raffestin, 1993, p. 170; Melo, 1994, p. 69; Hissa, 2002, p.39). Por isso, como afirmou Grimson (2000b), configura-se um erro tão grave quanto recorrente pensar que o sistema limite-fronteira por serem construídos e criados artificialmente são menos poderosos e disfuncionais ou homogêneos em relação à temporalidade que os contêm2.

Imagem 3: O sistema fronteira-limite que cerca a cidade de Bethlehem

Imagem 3: O sistema fronteira-limite que cerca a cidade de Bethlehem

O muro materializa grande parte dos conflitos politicos, sociais e econômicos entre Israel e a Palestina.

Crédito: Juliana Siqueira

Fronteira: uma categoria temporal

Esse é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

(Carlos Drummond de Andrade, 1945).

35Essa passagem do poema Nosso tempo, do mineiro Carlos Drummond, nos conduz a (re)pensar o(s) sentido(s) do tempo - e no nosso caso o(s) tempo(s) como fronteira. Os conceitos objetivos de passado e futuro como elementos vinculados métrica e linearmente encontram seu paradigma atual em instrumentos como relógios, cronômetros e calendários - símbolos admiráveis da era industrial - e orientam a concepção científica ocidental do tempo histórico.

36Contudo, apesar da aparente incontestabilidade desse modelo nos dias atuais, a exatidão e a métrica nem sempre foram as máximas imperativas da percepção temporal. A depender de seus hábitos e conhecimentos orientados por referências variadas, tais como ciclos agrícolas, crenças religiosas e observação astronômica, os seres humanos se relacionaram com o tempo de formas diferentes ao longo da história (Castells, 1999).

37Desse modo, inclusive identidades aparentemente sólidas como gênero, nacionalidade e declaração racial, escondem choques de temporalidade que estão em constante processo de transformação e se encontram em pontos ou zonas que muitos pesquisadores têm concebido como “fronteiras”, sejam elas literais ou metafóricas (Sousa Santos, 1994; Raffestin, 1993, 2005; Martins, 1997; Grimson,2000b; Bhabha, 1998).

38Esses encontros de historicidades indicam, segundo Martins (1997, p.10,158), que a pluralidade de perspectivas temporais não deveria estar relacionada a atraso social ou econômico, mas principalmente à contemporaneidade de diversas mentalidades que correspondem a realidades e momentos históricos distintos. Esses tempos, compreendidos em sua diversidade, aparentemente se combinam, mas de fato também se desencontram no choque entre as realidades próprias de cada grupo social. Desse modo, os conflitos gerados pelos embates entre realidades antagônicas e pela mescla das diversas categorias sociais tornam a fronteira um lugar privilegiado de observação sociológica, de modo a facilitar que “as mesmas pessoas tenham os diferentes momentos de sua vida atravessados, às vezes num único dia, por diferentes temporalidades da história” (Martins, 1997, p. 28,174,182).

39Sob esses argumentos Martins (1997, p.150) em suas próprias palavras “foge à abordagem reducionista que vê um único destino histórico para todos indistintamente” e reforça a ideia central de sua concepção sobre fronteira que, em função na situação de conflito social, constitui-se essencialmente no lugar da alteridade. Quanto a isso o autor declara:

“... o conflito faz que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrente das diferentes concepções de vida e visões de mundo e de cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da História [...]. A fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o “outro” se torna a parte antagônica do ‘nós’”.

40Além disso, podem-se ver as construções simbólicas e metafóricas de fronteira como o confronto de realidades distintas que definem as representações dos indivíduos sobre suas identidades culturais, sempre fluidas e inacabadas, nunca estáticas e sempre transitórias (Santos, 1994; Bhabha, 1998).

41O antropólogo Alejandro Grimson (2000a, 2000b, 2000c, 2001) discute o papel das nações e de suas fronteiras como uma forma de vivenciar a localidade da cultura. Esta construção cultural da nacionalidade faz parte de uma estratégia utilizada para “interpelar os discursos que funcionam em nome “do povo” ou ‘da nação’” e entendê-la por uma temporalidade que vai além da descrita historicamente.

42A fim de mostrar o caráter histórico pretensamente não estático das fronteiras, desenvolveremos na seção seguinte algumas das evidências de que as fronteiras são um fruto de tempos, que ao contrário da ideia amplamente disseminada de que seja unicamente um reflexo do Estado-Nação, ela é muito anterior a este limite histórico e continua a refletir outros aspectos para além do caráter político.

43Contudo, não é possível ignorar o fato de que o Estado continua a ser uma peça central em estudos fronteiriços e que influenciou de forma significativa a concepção e conformação das fronteiras que possuímos na atualidade. Nesse contexto, a multiplicação do número de fronteiras, assim como as diversas propostas de eliminá-las e dinamizá-las compõem dois lados da mesma moeda, no sentido de que ambos os processos reforçam o papel do Estado, de forma mais ou menos integrada.

Fronteira, Estado-Nação e nacionalismo

Ne soyons plus anglais ni français ni allemands. Soyons européens. Ne soyons plus européens; soyons des hommes. Soyons l'humanité. Il nous restera à abdiquer un dernier égoïsme: la patrie. (Victor Hugo, 1900, p. 1313)

44Apesar dos efeitos das delimitações das regiões fronteiriças ganharem maior notoriedade com o advento e consolidação do Estado moderno, presume-se que a ideia de fronteira esteve presente em todas as sociedades que possuíam alguma consciência de coletividade e de território comum e, como tal, são datadas de períodos muito anteriores ao marco estabelecido pelos Estados Nacionais (Marcano, 1996 apud Santos, 2006 p. 22).

45Avalia-se que os primeiros registros que insinuam a ideia de fronteiras territoriais foram encontrados em sociedades primitivas, como tribos na América, África, Ásia e Oceania. Nestes contextos é razoável supor que as fronteiras eram orientadas por símbolos naturais, como rios, lagos e montanhas e que não possuíam uma conotação política ou econômica fundamentada na ideia de propriedade. Essas divisões primitivas estavam revestidas de significados sagrados, que manuseados corretamente, tomam a forma laica refletida modernamente em ideias e sentimentos nacionalistas (Guichonnet e Raffestin, 1974, p.15-16; Martin, 1998, p. 22).

  • 3 Esses padrões, segundo Gennep (2008, p. 36) não se aplicam somente a um país ou território, mas a q (...)

46É possível supor, portanto, que mesmo em tempos remotos as fronteiras exerceram um poder de significação mágico-religioso sobre as categorizações sociais e já separavam, por meio de signos rituais e sacralizados, o mundo conhecido (sobre o qual se estendem suas proteções e proibições) do “outro”, que é hostil e estranho. Além disso, Gennep (2008, p. 34) ressalta que outra diferença essencial entre a forma como erigimos nossos territórios contemporaneamente e a praticada em outros períodos é a definição rígida dos limites atuais e o fato desses se tocarem sem espaços vazios. Segundo ele, entre os membros das comunidades tradicionais (e mesmo em sociedades da antiguidade clássica, como a grega), em torno dos territórios sagrados existia com frequência uma zona neutra (em geral desertos, pântanos ou florestas virgens) onde todos podiam viajar e caçar com plenos direitos e onde permanecer por um tempo prolongado significava, de algum modo, “flutuar entre dois mundos” 3.

47É nesse sentido, por ignorar principalmente a história enraizada nos antigos ritos e práticas, que Raffestin (2005, p. 8-9) afirma que a representação que a cultura ocidental faz atualmente da fronteira é absolutamente pobre e restrita. Segundo ele, a fronteira para além de um lugar no espaço é também biossocial e está incrustada em nosso hipotálamo, de modo a orientar nossas noções de “para lá” e “para cá”, “antes” e “depois”, “dentro” e “fora”. Para compreendê-la, portanto, é preciso saber que não é por casualidade que traçamos e nos esbarramos nos limites e que a noção aparentemente não dialética de interior e exterior está baseada em preceitos não somente materiais, mas também morais e biológicos.

48Historicamente, as fronteiras também se afirmaram como limite de civilizações e, por suas extensões territoriais e valor atribuído a elas, merecem destaque os Impérios Chinês, Romano e Inca, onde as fronteiras funcionaram, sobretudo, como um instrumento de diferenciação temporal, mais que espacial, apesar das imagens físicas que remetem (Guichonnet e Raffestin, 1974, p. 16; Martin, 1998, p.24).

49A “Grande Muralha”, por exemplo, tida como a maior fronteira artificial do mundo, apesar de dissimular um estado de guerra latente e possuir a função de defesa do território setentrional do Império Chinês, funcionou principalmente como forma de diferenciação dos modos de vida: de um lado, os sedentários agricultores e consumidores de cereais, e do outro, nômades criadores e consumidores de carne e de laticínios. Segundo Guichonnet e Raffestin (1974, p. 17) esta fronteira-muralha, para além de um instrumento real e eficiente de defesa, funcionou como uma tentativa desgastante – exigiu o sacrifício de milhões de trabalhadores - e desesperada de preservar uma civilização e seus princípios organizativos.

50Já no caso Romano, se por um lado deixou traços modestos na paisagem, por outro, influenciou profundamente a mentalidade dos povos de grande parte das regiões que conquistou. Ao contrário dos chineses, o Império Romano possuía caráter expansivo e estimulava o choque de temporalidades com o projeto “absorver e digerir as zonas suscetíveis a irem contra a intenção de afirmar e perpetuar seu tipo de organização” (Guichonnet e Raffestin 1974, p. 18). Esses princípios, força motriz do consciente objetivo político de superar a fragilidade das organizações tribais, irão posteriormente influenciar a ideia de fronteira na Idade Média que, apesar de constantemente alteradas, eram pretensamente precisas e ordenadas, de modo a funcionar ao mesmo tempo como zona de defesa e vitrine do estilo romano aos bárbaros (Martin, 1998, p. 26).

  • 4 Segundo Martin (1998, p. 29), a civilização Maia se acercou mais do padrão de cidade-Estado e os As (...)

51No modelo americano, protagonizado pelo Império Inca4, que se aproxima do modelo romano no que se refere às expansões, no seu apogeu chega a controlar uma população de 15 milhões de pessoas distribuídas por uma área que se estendia do que modernamente seria da Colômbia ao Chile. Em função da forte ligação entre ciência e religião, na civilização Inca talvez as fronteiras internas tenham tido mais notoriedade que as fortificações que os protegiam contra os nômades. Entretanto, é notória a representatividade dos limites externos nesse Império que, tal qual no caso romano, oscilou entre ser um problema – já que a fronteira limitava o crescimento e era constantemente transposta em novas expansões - e uma solução - visto que garantia o desenvolvimento e segurança dos que viviam em seu interior (Martin, 1998, p 29-30).

52A partir dessas considerações, pensamos ser parcialmente seguro afirmar que as primeiras referências ao termo “fronteira” que se aproximam de nossa concepção moderna datam do fim da Idade Média, que é quando possivelmente se impôs a necessidade de um vocabulário especializado que permitisse exprimir a demarcação territorial. No mesmo período foram elaboradas as primeiras noções de Estado Moderno que, segundo muitos especialistas em Teorias de Estado, tais como Ratzel, estava pautado em três fundamentos básicos: população, território e autoridade (Guichonnet e Raffestin, 1974, p. 12; Raffestin, 1993, p. 22; Andrade, 2006, p. 213; Grimson, 2000b, p. 12-13).

53No Renascimento, os progressos científicos em áreas como matemática, astronomia e engenharia social irão colaborar em larga medida para os avanços cartográficos. O alcance da linearidade decorrente dessas novas ferramentas de conhecimento torna possível a introdução de traçados precisos entre soberanias e coincide, finalmente, com o fortalecimento dos Estados Modernos, que mesmo que já tivesse sido antecipado nos século XVI e XVII, trouxe no século XVIII novidades em muitos aspectos (Guichonnet e Raffestin, 1974, p. 18; Hobsbawm, 1990, p. 101; Martin, 1998, p. 36).

54A ideia de fronteiras precisas, de acordo com Hobsbawn (1998), provém, portanto, da Era da Revolução Francesa, período em que os pensadores Iluministas, com vistas a uma evolução social baseada na liberdade individual e bem-estar humano, tiveram que atentar ao ordenamento do espaço e do tempo. Por isso, propuseram que os velhos direitos hereditários e históricos, que prevaleceram nos séculos passados como critério de definição das fronteiras, fossem substituídos por aqueles pautados em decisões políticas. Os mapas passaram a ser vulgarizados e tratava-se não de uma representação “vaga”, mas de uma descrição “clara” das fronteiras, que a partir de então estavam detalhadamente projetadas no território. Na concepção Iluminista, o mundo precisava ser organizado e o controle do tempo e do espaço era essencial para isso (Harvey, 1992, p. 227; Raffestin, 1993, p. 167; Guichonnet e Raffestin, 1974, p. 19).

55A definição precisa das fronteiras associa-se também ao processo de mundialização. Segundo Foucher (2007), a primeira evidência dessa relação dá-se até o fim do século XVIII, com a divisão do mundo entre colonizadores, que por meio de tratados como o de Tordesilhas e Saragoça, incentivaram novas explorações e aberturas de mercado. Um segundo episódio foi a divisão de inúmeras colônias ao final do século XIX a fim de manter o equilíbrio de poder entre os países europeus. Nessas circunstâncias definiu-se 70% dos traçados atuais do continente africano, que como nos casos americano e asiáticos, foram materializados por meio da força.

56Os conflitos, a partir de então, se relacionam mais diretamente à ideia de Estado Nacional, de modo que ao longo do século XIX, a influência do Estado passou a ser tão abrasiva que uma família teria que viver em um lugar muito inacessível se desejasse não ser atingida por seus extensivos e unificadores tentáculos. Por meio de instrumentos como censos demográficos, cadastros de educação primária e serviço militar obrigatório (onde existia), os Estados cada vez mais detinham informações sobre seus cidadãos e elaboravam meios de prevê-los e controlá-los.

57Além disso, as crescentes necessidades do Estado e de suas classes dominantes geraram uma competição pela lealdade das classes inferiores e fez com que as inclinações espaciais e temporais do período reafirmassem e reproduzissem as relações sociais fundamentadas nas ideias de “nação” e “nacionalismo”. Dessa forma, por meio da manobra dos sentimentos e emoções de pertencimento a uma comunidade forte, maior e preferível à dos estrangeiros, manipularam a opinião pública e avigoraram seus interesses em práticas hoje convidam a uma reflexão sobre as fronteiras no mundo global (Harvey, 1992, p.225).

Imagem 3: Muro de segregação entre palestinos e israelenses na cidades de Hebron, Palestina.

Imagem 3: Muro de segregação entre palestinos e israelenses na cidades de Hebron, Palestina.

Crédito: Thibaut Boissot.

58Nesse contexto, a situação dos períodos entre e pós-guerras nos oferece uma excelente oportunidade de compreender as limitações e o potencial de nacionalismo dos Estados-Nações e das fronteiras nacionais. Isso porque, em nenhum outro período foi feita uma tentativa sistemática de redesenhar o mapa político dentro das linhas nacionais que permitisse que com um rápido olhar fosse possível perceber a impraticabilidade de fazer as fronteiras dos Estados coincidirem com as identitárias. Como sintoma desse processo, acordos de Yalta-Postdam provocaram a mudança de mais de um quarto das fronteiras europeias e o deslocamento de 20 milhões de pessoas, dividindo o planeta não só materialmente, mas também ideológica e estrategicamente (Foucher, 2007).

59A partir de então, mais do que nunca a forma do país - definida por suas fronteiras - se tornou um logo que penetrava no imaginário nacional, ao mesmo tempo em que novas fronteiras dividiam as nações internamente com o objetivo de separar as minorias e promover a homogeneidade étnica e linguística. Esta segregação, mesmo que não fosse inédita, toma nesse contexto formas e dimensões nunca vistas, que funcionam como preâmbulo de uma realidade que se perpetua nos dias atuais, tais como a posição dos Estados frente à presença de migrantes de diferentes categorias, que são com frequência vistos como indesejáveis e como um risco à identidade nacional.

  • 5 O presidente americano Donald Trump insiste que o Estado Mexicano deverá pagar os custos da expansã (...)

60Em 2018, fronteiras e barreiras tenderam a se multiplicar. Em um mundo onde os bens, as pessoas e as ideias desenraizam-se, países como Bulgária, Estônia, Áustria, Hungria, Quênia, Arábia Saudita e Tunísia reforçam seus bloqueios contra uma suposta invasão de migrantes. Na França atualmente tramita-se um projeto de lei que irá dificultar a entrada e permanência de migrantes no país. Nos EUA, a proposta do presidente Trump de expansão do muro na fronteira com o México continua a tensionar as relações entre estes dois países5 (Figura 5).

61Diante desse cenário, a fim de melhor compreender, afirmar ou apresentar resistência aos instrumentos políticos que definem os sistemas-mundo, mais do que nunca torna-se urgente observar as fronteiras em suas diversidades espaciais e temporais, evitando reduzi-la a um simples fato geográfico ou aparato institucional.

Imagem 5: As barreiras físicas, cada vez mais numerosas e sofisticadas que separam os países do mundo em 2018.

Imagem 5: As barreiras físicas, cada vez mais numerosas e sofisticadas que separam os países do mundo em 2018.

Fonte: Ourdan R., Le Monde, 5 de fevereiro de 2018.

Considerações finais

62Inúmeros fatores convergem para que as fronteiras sejam inscritas de formas múltiplas, o que confere ao termo uma grande diversidade de representações e significados. Entretanto, é inegável que muitos estudos, com os mais variados interesses e níveis de análise, estão orientados pelo fio condutor da divisão entre Estados e mais amplamente de outras delimitações geopolíticas, como cidades, regiões ou continentes.

63Essa expressão é reforçada pelo fato de que inúmeros estudiosos consideram que uma grande variedade de fenômenos importantes para a compreensão da sociedade - tais como sua identidade, políticas internacionais, conflitos e fragilidades - se passa na zona de encontro e articulação entre Estados Nacionais. Nessa região, como se o pesquisador aprovisionasse uma lupa, até mesmo os fenômenos sociais não exclusivos parecem ganhar relevo e riqueza de detalhes, que em outras regiões permanecem encobertos e pouco nítidos.

64Sob este prisma, este trabalho tentou ressaltar que as fronteiras não podem ser reduzidas a uma mesma categoria temporal e espacial, uma vez que cada realidade está formada por componentes sociais distintos, que exigem um sistema interpretativo próprio e diferenciações internas. Torna-se fundamental, portanto, um olhar invariavelmente inquiridor e crítico, que supere esquematismos e pré-concepções, uma vez que a fronteira isolada não existe, mas sim “as fronteiras” no plural, que nascem dos encontros espaciais dos diversos tempos em sua diversidade.

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Notes

1 Este trabalho deriva da dissertação de mestrado intitulada “Fronteira e mobilidade: a Amazônia e suas pluralidades” defendida em 2013 no âmbito do programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Gostaria de agradecer ao Dimitri Fazito e Roberto Monte-Mór pelas preciosas contribuições prestadas a este trabalho.

2 Ver a discussão detalhada da diferenciação entre “limites” e “fronteiras” em Machado (1998) e Steiman e Machado (2002).

3 Esses padrões, segundo Gennep (2008, p. 36) não se aplicam somente a um país ou território, mas a qualquer lugar em que as zonas neutras se estreitem (como templos, casas, cidades e bairros, a ponto de se reduzirem a uma simples pedra, viga ou umbral) e que, por conseguinte, as definições entre ser ou não “bem-vindos” se clarifiquem.

4 Segundo Martin (1998, p. 29), a civilização Maia se acercou mais do padrão de cidade-Estado e os Astecas da “Confederação” e por isso não poderiam ser considerados Impérios.

5 O presidente americano Donald Trump insiste que o Estado Mexicano deverá pagar os custos da expansão do muro entre os dois países. Para isso, profere ameaças como a extradição de pessoas que chegaram ilegalmente aos EUA enquanto eram menores de idade (Dreamers).

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Table des illustrations

Titre Imagem 1: Muro de escola na cidade brasileira de Mundo Novo na fronteira entre o Brasil e Paraguai
Légende A imagem denuncia o problema do tráfico e uso de drogas na região
Crédits Crédito: Juliana Siqueira
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Titre Imagem 3: O sistema fronteira-limite que cerca a cidade de Bethlehem
Légende O muro materializa grande parte dos conflitos politicos, sociais e econômicos entre Israel e a Palestina.
Crédits Crédito: Juliana Siqueira
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Fichier image/jpeg, 4,9M
Titre Imagem 3: Muro de segregação entre palestinos e israelenses na cidades de Hebron, Palestina.
Crédits Crédito: Thibaut Boissot.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13368/img-3.jpg
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Titre Imagem 5: As barreiras físicas, cada vez mais numerosas e sofisticadas que separam os países do mundo em 2018.
Crédits Fonte: Ourdan R., Le Monde, 5 de fevereiro de 2018.
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Pour citer cet article

Référence électronique

Juliana Siqueira, « Em busca de uma ruptura da totalidade: as fronteiras nacionais no espaço-tempo »Confins [En ligne], 36 | 2018, mis en ligne le 29 juin 2018, consulté le 07 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/13368 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.13368

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Auteur

Juliana Siqueira

Mestranda em Étude Comparative du Développement à L’École des Hautes Études en Sciences Sociales, motasiqueira.juliana@gmail.com

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