Uma viagem pela Manaus-Porto Velho
Résumés
Ce texte est le compte-rendu d'un voyage effectué par l'auteur par la route Manaus-Porto Velho, BR-319, entre le 26 décembre et le 1er janvier 2017. Dans ce document, nous soulignons les particularités du voyage et l'organisation spatiale que les transporteurs ont pour faciliter les voyages routiers. La structure du texte constitue un récit, énumérant les aspects pertinents vécus, les obstacles, les flux et les points d'appui.
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1Com o retorno do transporte rodoviário de passageiros entre as cidades de Manaus e Porto Velho, em outubro de 2015, iniciou-se, pelas redes sociais –facebook, a organização de grupos para debater sobre a importância dessa rodovia para a sociedade.
2Em 13 de agosto de 2016, surgiu a possibilidade de viajar pela rodovia até o km 250, no vilarejo de São Sebastião do Igapó-Açu, com os integrantes da Associação dos Amigos e Defensores da BR-319, visando executar uma ação de conscientização aos viajantes durante o início da II Festa do Boto Cor de Rosa, realizada naquela localidade.
3Para alcançar a margem direita do rio Igapó-Açu, um rio de água escura, povoado de peixes, com predominância do tucunaré Cichla spp, foi, como é, necessário realizar a travessia em uma balsa. Do outro lado, na vila, as casas estão dentro de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável-RDS, criada em 2014, englobando uma área de 397.557 hectares. Durante a permanência de quatro horas na vila, foi possível observar o movimento de veículos, incluindo carros, ônibus e caminhões, transportando (fig. 1 - Banana e pescado do estado de Rondônia para a cidade de Manaus).
a) rio Igapó-Açu; b) ônibus da linha Porto Velho-Manaus, descendo a rampa de acesso à balsa na margem direita; c) caminhões carregados de banana oriunda de Rondônia indo para Manaus; d) e e) caminhões frigoríficos trazendo carga para Manaus.
4As viagens de ônibus, no ano de 2016, eram realizadas diariamente por quatros empresas atendendo a demanda cativa existente ao longo das cidades conectadas pelas rodovias. Alguns aspectos chamavam atenção das linhas operantes nesses eixos, tais como: com as saídas diárias da cidade de Manaus, os ônibus iniciavam as viagens com lotação média superior a 30 passageiros por veículo, sendo que alguns veículos saíam com a capacidade completa de passageiros.
5Nesses percursos, entre Manaus, Manicoré, Humaitá, Lábrea e Porto Velho, além de o ônibus permitir uma viagem rápida entre as cidades e satisfazer uma necessidade subjetiva de pessoas, colabora para a circulação e comunicação, em alguns casos, efetuando o transporte de carga fracionada, transportada nos bagageiros dos ônibus, com limitações, conforme o tamanho do veículo.
6Conforme as condições de trafegabilidade da rodovia, usa-se um tipo de ônibus específico. Ou seja, durante o período de poucas chuvas e quando ocorre manutenção com obras de terraplanagem, as empresas que operam as linhas oferecem aos viajantes veículos maiores, para longa e média viagens, equipados com banheiro, ar-condicionado, poltrona reclinável, bebedouro, bagageiros com maior volume. No período de maior precipitação e com ausência de manutenção, ocorre a formação de atoleiros e o solo compactado fica liso, em decorrência, principalmente do silte –solo siltoso, que apresenta baixa ou nenhuma plasticidade e que exibe baixa resistência quando seco. Com a via úmida ou molhada, os veículos, principalmente os maiores têm dificuldade para transpor esses empecilhos. Nesse caso, uma das explicações consiste no fato de o veículo ser mais pesado e longo –17 toneladas e 13,3 metros. Com essas condições, as empresas passam a utilizar outros veículos com, no máximo, 12 metros e pesando, no máximo, 15 toneladas, detendo poltronas com pouca inclinação, sem banheiro e com ar-condicionado em alguns ônibus.
7Esses ônibus de viagens que circulam pela BR-319 possuem alguns diferenciais, se comparados aos demais, utilizados em viagens convencionais. Algumas empresas equipam os veículos com guincho, pneus misto/lama e suspensão elevada, além de transportarem alguns equipamentos como: motosserra, enxada, pá, picareta, pé de cabra, cabo de aço, bota sete léguas, marreta, ponta de eixo etc., utilizados nos momentos que ocorre algum imprevisto, como uma árvore que cai e obstrui a pista, ou o atolamento do veículo (Fig. 2). No mês de dezembro, as empresas que operavam as linhas enviavam dois ônibus por viagem, caso um atolasse, o outro poderia auxiliar retirando-o do atoleiro.
Figura 2. No mosaico, imagens dos equipamentos usados no primeiro atoleiro no km 300:
Thiago O. Neto, em 27/12/16.
a) motorista usando uma marreta para fincar no solo a ponta de eixo; b) ponta de eixo e cabo de aço destacados com setas vermelhas; c) colocando novamente a ponta de eixo; d) cabo de aço preso no eixo dianteiro; e) pneu misto e cabo de aço; f) pá e enxada; g) motorista usando a enxada para retirar o solo próximo à tampa de acesso lateral.
- 1 O período de chuvas ou forte atividade convectiva na região Amazônica é compreendido entre Novembro (...)
8No mesmo ano, planejei outra viagem, com característica bastante distinta da anterior, pois a rodovia seria percorrida de ponta a ponta, no mês em que a precipitação pluviométrica começa a aumentar1, encharcando o solo da rodovia.
9A realização da viagem tinha vários objetivos e finalidades, incluindo conhecer familiares que moram em Porto Velho e Rio Branco. Como estudo, o objetivo era percorrer toda a rodovia para verificar as condições de trafegabilidades no início do período “chuvoso”’, além de observar a ocupação nas margens da rodovia e os fluxos materiais.
10Sabendo das condições adversas e do acompanhamento da ida e vinda de veículos pela rodovia, por meio de grupos das redes sociais –Facebook/WhatsApp – partimos levando alimentação para uma viagem de três dias e bagagem a mais compacta possível, pois o espaço no bagageiro do ônibus era bastante limitado.
11A saída, do Terminal Rodoviário Engenheiro Huascar Angelin, ocorreu no dia 26 de dezembro de 2016, às 15h, em um ônibus convencional com ar-condicionado, poltronas acolchoadas e sem banheiro, sendo realizada a travessia na balsa entre o porto da Ceasa e a vila do Marco Zero –Careiro- às 16h30, em dois ônibus, um com destino a Porto Velho e outro indo para Lábrea, ambos estavam com aproximadamente 40 passageiros e cinco funcionários da empresa de transporte.
12O primeiro ponto de apoio para a viagem foi na cidade de Careiro Castanho, no quilômetro 100 da rodovia, onde foi realizado o abastecimento do tanque de combustível dos ônibus e jantamos. Chegamos às 19h horas em um restaurante, de propriedade particular, que fornece refeições e disponibiliza banheiro, servindo de base de apoio para as empresas de ônibus. Após a refeição, partirmos às 19h30, atravessando a ponte sobre o rio Castanho. À frente, no quilômetro 177, atravessamos outra ponte sobre o rio Tupana, onde terminou o trecho asfaltado, no quilômetro 200, e iniciou-se um trecho com intercalações entre trechos com asfalto antigo e uma piçarra compactada, chegando à vila de São Sebastião do Igapó-Açu, às 23h.
13Nesse ponto, foi necessário fazer a travessia de balsa. Chegando à margem direita, o motorista do ônibus solicitou a um restaurante a preparação de 40 “quentinhas” – janta - para um ônibus que estava vindo no sentido contrário e que ninguém tinha notícia havia algumas horas.
14Saímos da vila, em torno da meia noite. Dois carros particulares – um Strada e um Colbat- seguiram os ônibus, enquanto percorríamos um trecho esburacado, e com depressões e lama. E fomos assim até as proximidades do quilômetro 300, onde havia um caminhão Mercedes-Benz antigo, quase tombando na pista e um ônibus que vinha de Lábrea, preso em um atoleiro de aproximadamente 100 metros. Foi engatado um cabo de aço ligando o ônibus atolado ao ônibus Manaus-Lábrea, que acelerou e tirou o veículo sem muitos problemas. Foram repassadas as quentinhas aos passageiros e o ônibus prosseguiu viagem para Manaus, enquanto o ônibus Manaus-Lábrea, ao tentar passar no atoleiro, ficou preso e os carros passaram e continuaram a viagem.
15Chegamos nesse ponto da viagem por volta das 3h da madrugada. Com o ônibus parado e boa parte dos passageiros dormindo inclusive minha mãe, que me acompanhava na viagem, desci para verificar e ver de perto as condições da pista (Fig. 3).
a) atoleiro; b) retirada do ônibus Lábrea-Manaus; c) atoleiro e ônibus; d) buracos e lama na rodovia; e) bota cheia de lama.
16Desci do ônibus utilizando um par de botas, pois o solo solto na pista a deixava escorregadia mesmo para alguém que estivesse com bota. Percorri um trecho de 50 metros, até onde estava um caminhão que estava sem ninguém, mas com carga. Andei mais 50 metros até chegar próximo ao atoleiro e observei os motoristas tentando tirar o ônibus Manaus-Lábrea, (que saiu após 30min). Pisando devagar em um solo encharcado com lama na superfície, fiquei observando a passagem do ônibus Manaus-Porto Velho, que acabou atolando (Fig. 4).
a) e b) caminhão carregado quase tombou; c) e d) ônibus da linha Manaus-Lábrea atolado; e) um ônibus tentando tirar o outro; f) carro SUV atolado; g) ônibus e pick-up atolados; h) carros indo para Manaus; i) pick-up atolada.
17No mês de dezembro, os índices pluviométricos no interflúvio dos rios Madeira e Purus aumentam consideravelmente com o início do verão em toda a região. Além desse fator natural, a passagem de vários caminhões e carretas transportando produtos alimentícios e demais bens de consumo resulta na formação de atoleiros – depressões longas com solo encharcado, com parte do solo diluído na água e outra parte pastosa - dificultando a passagem de veículos.
- 2 Equipamento usado para propiciar giro igual nas rodas.
18O ônibus só foi retirado do atoleiro após sete tentativas: a primeira consistiu na aceleração do veículo; na segunda, os motoristas engataram um cabo de aço na frente do ônibus atolado e a outra ponta na traseira do ônibus Manaus-Lábrea, mas rompeu-se o engate do cabo no ônibus atolado; na terceira tentativa foi engatado o cabo de aço em uma pick-up com tração nas quatro rodas 4X4, outro cabo no ônibus Manaus-Lábrea e outro cabo no eixo dianteiro do ônibus Manaus-Porto Velho, que estava atolado porém o veículo continuou atolado; na quarta tentativa foi preso um cabo de aço no lado direito do ônibus, no eixo de tração traseiro, colocando o cabo entre o espaço dos dois pneus, passando pelo furo do aro e prendendo-o na ponta de eixo da roda, após preso o cabo, o motorista acelerou e o cabo começou a enrolar entre os dois pneus, porém, como não havia bloqueio de diferencial2, o lado que estava com o cabo preso na roda não teve giro, girando apenas o outro lado; na quinta tentativa foi colocado um cabo em cada lado do eixo do ônibus, prendendo as outras duas extremidades do cabo em uma barra de aço com 1 metro de comprimento – ponta de eixo - que foi fincada no solo com o uso de marreta de 10 kg, no entanto, após acelerar o veículo, as pontas de eixo saíram do solo; na sexta tentativa prendeu um cabo de aço no ônibus Manaus-Lábrea e outro cabo na ponta de eixo fincada no solo, no entanto, a ponta de eixo saiu novamente do solo; finalmente, na sétima tentativa, foram amarados dois cabos de aço na traseira do outro ônibus Manaus-Lábrea e as outras extremidades presas no eixo do ônibus atolado, após aceleração do segundo ônibus foi possível retirar o veículo do atoleiro. Foram cinco horas com várias tentativas. Com o cabo enrolado nos dois lados do eixo traseiro do ônibus, foi necessário retirá-los para seguir viagem. Porém a entrada de fragmentos de asfalto e lama impossibilitou essa ação fazendo-se necessário colocar um macaco mecânico no meio do eixo do ônibus e suspender o veículo. Em seguida, foi preso o cabo em outro ônibus e engatada a marcha ré, então, com a força de empuxo, realizada pelo outro ônibus, e a rotação no sentido inverso que enrolou o cabo, foi possível retirá-lo dos dois lados.
19A viagem prosseguiu por uma rodovia com alguns buracos e com trechos secos, empoeirados e, ainda, com poças de água acumulada em depressões, passando no entroncamento com a rodovia BR-174B “Ramal Democracia”, no km 343 da BR-319. Essa rodovia secundária permite acesso ao rio Madeira e à cidade de Manicoré.
20Por volta de 11h30, os ônibus pararam próximo à ponte sobre o rio Novo, no km 367, onde, próximo, existem três casas de madeira. Uma delas comercializa refeições para os viajantes, mas, quando chegamos, o pequeno restaurante tinha disponíveis refeições para apenas dez pessoas. Alguns passageiros e motoristas aproveitaram o rio para se banhar e lavar o uniforme, que estava completamente sujo de “barro”. Após 20min parados na cabeceira da ponte, dois caminhões da empresa de transporte Vizone chegaram, os motoristas estacionaram os veículos e foram almoçar, enquanto os passageiros já iam se acomodando nos ônibus para continuar a viagem (Fig. 5).
a) Ponte Roraima, no km 350, com uma poça de lama na cabeceira; b) Ponte rio Novo, no km 367, e a placa indicando o Parque Nacional Nascente do Lago Jari; c) restaurante; d) ponte rio Novo; e) caminhões frigoríficos da empresa Vizone.
21Próximo à ponte do rio Novo e nos demais trechos da BR-319 existem diversas partes com asfalto de quatro décadas ainda preservado, que são subitamente interrompidas por trechos de solo compactado e asfalto. Alguns desses trechos oscilam entre 100 a 1000 metros com asfalto com intercalações de 5 a 10 metros sem asfalto.
22No decorrer da viagem, ainda vimos diversos caminhões atolados, inclusive uma carreta (Fig. 6a/b), e um caminhão – romeu e julieta - que transportava dois tratores – um trator de esteira e uma pá carregadeira - de alguma madeireira. No trecho do quilômetro 500, foi possível observar diversos sítios nas margens da rodovia.
23Próximo a vila Realidade – km 570 - uma carreta baú estava presa na cabeceira da ponte (Fig. 6d) impedindo a passagem de outros veículos. Alguns carros tentaram utilizar um desvio desativado, porém só foi possível passar um veículo, pois as tábuas quebraram, e, bastaram duas horas, para se formar uma fila com, aproximadamente, 20 veículos, incluindo dois da Polícia Rodoviária Federal-PRF.
a) Carreta de seis eixos atolada; b) eixos do cavalo mecânico sobre lama; c) ônibus Manaus-Lábrea atolado; d) carreta de quatro eixos presa na cabeceira da ponte próxima à vila Realidade.
24A carreta, atolada na cabeceira da ponte, estava carregada com uma carga de carvão e com a bateria descarregada, não tendo sequer como ligar o motor. Para retirar o veículo eram necessários um ou dois caminhões de médio a grande porte; os ônibus juntos não alcançariam essa força. Sabendo que os caminhões da empresa Vizone estavam parados na ponte do rio Novo, ficamos todos esperando os caminhões, que apareceram às 17h45. Com o uso de cabos de aço e utilizando duas baterias de um ônibus, foi possível ligar o motor da carreta e arrastá-la por cima da ponte, desobstruindo a passagem às 21h40.
25Continuando a viagem, chegamos à vila Realidade às 23h40. Esta vila se constitui um importante ponto de apoio aos viajantes da rodovia, pois nela se encontram: restaurantes, postos de combustíveis, hotéis e oficinas. Atualmente, a população da vila é composta por mais de 5 mil moradores, apresentando, nos seus arredores, diversos sítios com desmatamento recente, com plantações de banana e criações de rebanhos bovinos. Ao chegar ao restaurante Sabor da Terra, aliás, uma espécie de rodoviária improvisada, encontramos quatro ônibus estacionados, dois da empresa Eucatur e dois da Aruanã, indo para Manaus. Ao lado do restaurante ficavam dois ônibus reservas das empresas, constituindo aquele lugar como um ponto fundamental para as viagens.
26Saímos da vila já no dia 28, à 1h da manhã, percorremos um trecho com, aproximadamente, 60 km de rodovia esburacada e, posteriormente, um trecho completamente asfaltado, sendo possível o ônibus desenvolver velocidades superiores à média, ao longo da rodovia, alcançando a velocidade máxima de 80 km/h, e chegando à cidade de Humaitá às 3h15 da manhã. Na mesma rodoviária, de vila Realidade, um ônibus da empresa TransBrasil, da linha Ariquemes (RO) – Apuí (AM) estava estacionado. O ônibus, com destino a Lábrea, chegou a Humaitá e de lá seguiu pela rodovia Transamazônica, com destino a Lábrea, onde chegou às 11h, enquanto que o ônibus, que seguia para Porto Velho, chegou ao destino às 6h25, do dia 28 de dezembro de 2016, após 38 horas de viagem (Fig. 7).
a) ônibus Manaus-Porto Velho chegou nessas condições na cidade de Porto Velho; b) um dos dois ônibus da Eucatur da viagem Porto Velho-Manaus, parados na vila Realidade.
27Após chegar à capital de Rondônia e, com minha mãe, conhecer alguns parentes, fomos para Rio Branco, capital do estado do Acre, onde também conhecemos parentes.
28Retornamos para Porto Velho, em um ônibus Double Deck-DD, que tinha como destino final a cidade de Cascavel (PR). No mesmo horário – 21h - saíram outros dois ônibus da Rodoviária Internacional de Rio Branco, com destino final as cidade de Cuiabá e Porto Velho.
29Na sexta-feira, dia 30 de dezembro, foram preparados oito sanduíches, uma farofa com frango e achocolatado líquido, embarcamos às 18h no ônibus na Rodoviária de Porto Velho com destino à capital amazonense. Após percorrer 70 km da BR-319, fizemos a primeira parada em um restaurante, para o jantar. Após essa parada chegamos à cidade de Humaitá. Eram 21h50. A zero hora, chegamos à vila Realidade, onde embarcaram mais dois motoristas, que estavam vindo de Lábrea, e continuamos a viagem, passando na frente de um antigo posto de combustíveis Piquiá, no km 500 da rodovia, sendo possível ver, ainda, as ruínas do poste que sustentava a placa do posto.
30Durante a noite, os ônibus viajavam em uma velocidade média de 30-45 km/h, passando por pequenos atoleiros sem muita dificuldade, cruzamos com um ônibus da Eucatur (Fig. 8a) indo socorrer passageiros de outro ônibus da mesma empresa, que estava com problemas mecânicos.
31No amanhecer do dia 31, encontramos o primeiro atoleiro mais acentuado, no trecho que compreende o quilômetro 400. Ali foi necessário fincar as pontas de eixo e os passageiros tiveram que descer e ajudar a empurrar o ônibus (Fig. 8). Foi uma parada forçada de quase três horas, das 5h40 às 8h da manhã.
a) ônibus resgate da Eucatur visto às 2:53h da manhã; b) atoleiro longo; c) e d) ônibus Porto Velho-Manaus atolado, às 6:19h da manhã; e) nevoeiro pela parte da manhã; f) ônibus da empresa Siqueira Tur da linha Manaus-Humaitá.
32Outro atoleiro em que o ônibus ficou preso ocorreu por volta das 9h25 da manhã, saindo apenas às 11h42, e atolar, novamente, às 16h, ficando preso até as 16:30. Mais adiante atolou novamente, ficando atolado entre 18h10-18h15 até 18h20-20h (Fig. 9). Continuamos a viagem e passamos, sem problemas mais sérios pelo atoleiro do km 300, mesmo que tenha sido, nesse percurso, arrancada a tampa lateral do ônibus durante a passagem.
a) ônibus com problemas mecânicos da Eucatur às 9h28 da manhã; b) ônibus da Aruanã atolado; c) atoleiro longo com valas ocasionadas pela passagem de veículos pesados; d) passagem pelo desvio com pista e ponte molhada; e) e f) entrada para o “Ramal Democracia” BR-174B ligando a BR-319 ao rio Madeira, entroncamento no km 343.
33Após sair de um atoleiro maior, somando seis, em que foi necessário o uso da ponta de eixo e o cabo de aço, passamos por vários atoleiros pequenos dando impressão que a rodovia ficou pior em quadro dias. Chegando à vila de São Sebastião do Igapó-Açu às 23h50 do dia 31 de dezembro, fomos informados que não havia travessia, pois a balsa estava inoperante naquele momento, restando jantar e passar o réveillon naquela pequena vila. Ali, assim como as grandes cidades, também havia festa, muita música, dança e comida de graça no restaurante local.
34Nesse restaurante, após jantar com minha mãe, conversei com uma senhora da localidade, sabendo logo no início da conversa que era a proprietária do restaurante e morava naquela vila há mais de 30 anos. Por ela, soube, ainda, que a rodovia tinha um fluxo intenso no início da década de 80, com várias linhas de ônibus, caminhões transportando cargas e carros de passeio. A senhora me contou que os primeiros sinais de que a rodovia estava para entrar em colapso foram percebidos pelos caminheiros que transportavam carga entre Rondônia e Manaus. Contavam eles que ouviam barulhos de explosões à noite e que trechos do pavimento, em bom estado de conservação, foram cortados e retirados, após intensas chuvas no final da década de 80, os aterros dos bueiros cederam e, nos lugares onde o asfalto fora retirado surgiram atoleiros. Esses fatores somados à ausência de manutenção contribuíram para a diminuição do tráfego de veículos pela BR-319. Assim, sendo interrompido, várias vezes, o transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, vários moradores, ao longo da rodovia, abandonaram casas, fazendas, sítios, postos e as vilas, relatou a moradora. Concluindo a história, já emocionada por lembrar-se de como era o movimento na rodovia, a senhora foi dormir, e eu continuei no restaurante, aguardando o carregamento da bateria do celular.
35Após horas ali, olhando, entre outras coisas, para o rio Igapó-Açu e ouvindo a música da festa, observei o nevoeiro que começava a se formar ao longo da rodovia, nas margens do rio, às 3h30 da manhã. Lembrei, então, que dos tantos problemas enfrentados no decorrer da construção da rodovia, um dos maiores era o elevado índice de umidade do ar.
- 3 Portaria n. 55, de 21/09/2016, proíbe PBTC acima de 23 toneladas, do km 177,80 ao km 655,70. Dispon (...)
36O ônibus Porto Velho-Manaus (Fig. 10a) estava estacionado próximo à rampa de acesso à balsa. Perto do veículo estavam alguns carros e aquele caminhão – romeu e julieta - com os dois tratores que havíamos encontrado antes, e que seguiam para Roraima. A passagem desse veículo com um peso superior a 50 toneladas, distribuídas em duas carrocerias, a do caminhão (Fig. 10b/c) Scania, traçado com 11 toneladas de tara com lotação de 20 toneladas de um trator Cartepillar D6 mais carga fracionada –motocicleta, ferramentas, pneus etc., na segunda carroceria com tara de 7,6 toneladas tinha um trator pá carregadeira, pesando 16 toneladas. O conjunto tinha aproximadamente 54 toneladas de carga distribuídas de forma errada, pois, embora dentro do limite de 57 toneladas para aquele tipo de composição -7 eixos, mas infringia as normas de circulação naquela rodovia, que estabelece o limite de até 23 toneladas3, incluindo o peso da carga e o peso do veículo – tara. Segundo o próprio operador das máquinas, os tratores foram colocados na pista para puxar o caminhão, ocasionaram mais danos à rodovia.
37Isto é, mesmo com a proibição de circulação de caminhões acima de 23 toneladas, diversas carretas e caminhões com excesso de peso circularam na rodovia nos últimos meses. Assim sendo, segundo os motoristas, esses veículos de grande porte ocasionaram a destruição de parte da rodovia e das pontes de madeira, principalmente que o solo compacto estava encharcado em decorrência dos altos índices de precipitação e de umidade do ar.
a) ônibus Porto Velho-Manaus na Vila de São Sebastião do Igapó-Açu sem a tampa lateral e o para-choque danificado; b) caminhão romeu e julieta parado na vila, na segunda composição nota-se a pá-carregadeira; c) caminhão com trator de esteira na primeira carroceria e com demais cargas; d) balsa no rio Igapó-Açu, com nevoeiro encobrindo a floresta.
38Partimos para seguir viagem após as 6h da manhã, com o retorno do funcionamento da balsa. Chegamos à cidade de Careiro Castanho às 8h45 para tomar café, porém, em decorrência de ser o 1º dia do ano de 2017, o restaurante do ponto de apoio estava fechado, sendo possível tomar café fazendo compras em um mercado local.
39O ônibus continuou a viagem até a vila do Marco Zero. Após a travessia e percorrer as ruas, a viagem chegou ao fim, na Rodoviária de Manaus. Eram 11h45 do dia 1º de janeiro de 2017. Terminava ali nossa viagem, após 41 horas, com travessia de mais de 50 pontes de madeira, passagem por três desvios estreitos e duas travessias de balsa.
Considerações finais
40Percorrer a rodovia BR-319, entre as cidades de Manaus e Porto Velho, possibilitou observar as condições de trafegabilidade da rodovia no início do período marcado pelos elevados índices pluviométricos. Foi possível observar as dificuldades que diversas pessoas enfrentam para realizar a entrega de uma carga, transportar passageiros ou mesmo rever parentes e conhecer lugares. No decorrer das duas viagens, a de agosto e a de dezembro de 2016, foi possível observar que a floresta se mantém praticamente intacta entre os quilômetros 250 e 500, tendo a presença rarefeita de casas habitadas, e, apesar de a rodovia ser composta, em boa parte, de um revestimento primário, existe sinalização ao longo dela, informando os pontos perigosos, orientando não jogar lixo, alertando travessia de animais, divulgando parques nacionais e unidades de conservação.
41Vale ressaltar que os ônibus, que cruzam a rodovia para permitir o fluxo de pessoas entre Manaus e as cidades de Manicoré, Humaitá, Lábrea e Porto Velho, chegam às garagens das empresas com a carroceria amassada ou quebrada, e completamente sujos de poeira e com solo no piso do veículo. O transporte informal, não regulamentado pelas agências governamentais, foi constatado, com veículos do tipo Kombi e pick-up realizando o transporte de passageiros entre as cidades e vilas existentes.
42Uma das características regionais do transporte no Amazonas é a dispersão da população que habita vilas e cidades, situadas a centenas de quilômetros, tais como a distância de mais de 300 quilômetros da vila de São Sebastião do Igapó-Açu e Realidade.
43As empresas que operam as linhas regulares pela rodovia BR-319 já suspenderam as viagens por três vezes, no período de outubro de 2015. Em janeiros de 2017, novamente foi suspenso em decorrência das condições ruins de trafegabilidade, com viagens que duraram até quatro dias, tendo a perspectiva de retorno das viagens nos meses de maio ou junho com duração de 16h até 20h.
44Uma viagem pela rodovia BR-319, no trecho do meio – km 250-650 – faz relembrar como seriam as viagens realizadas pela BR-174 – Manaus-Boa Vista; Transamazônica, Porto Velho-Cuiabá - durante as décadas de 70 e 80, no auge do desenvolvimento dos projetos de colonização da Amazônia, por intermédio do INCRA, apenas que, na BR-319, ao invés de colonos de outras regiões indo atrás de terras, a dinâmica agora é outra, são pessoas viajando entre as cidades e os caminhões transportando carga.
Notes
1 O período de chuvas ou forte atividade convectiva na região Amazônica é compreendido entre Novembro e Março, sendo que no período de seca (sem grande atividade convectiva) é entre os meses de maio e setembro (FERREIRA, et al, 2005, p. 56). FERREIRA, Sávio J, Filgueiras; LUIZÃO, Flávio J; DALLAROSA, Ricardo L. Godinho. Precipitação interna e interceptação da chuva em floresta de terra firme submetida à extração seletiva de madeira na Amazônia Central. Acta Amazônica, v. 35, n°. 1, pp. 55-62, 2005.
2 Equipamento usado para propiciar giro igual nas rodas.
3 Portaria n. 55, de 21/09/2016, proíbe PBTC acima de 23 toneladas, do km 177,80 ao km 655,70. Disponível em: <http://servicos.dnit.gov.br/condicoes/condicoesdrf.asp?BR=319&Estado=Amazonas&drf=1> Acesso em: 14 de fev. de 2017.
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Titre | Figura 1. No mosaico, imagens da ida na BR-319 |
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Crédits | Thiago O. Neto, em 13/08/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-1.jpg |
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Titre | Figura 2. No mosaico, imagens dos equipamentos usados no primeiro atoleiro no km 300: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-2.jpg |
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Titre | Figura 3. No mosaico, imagens do atoleiro próximo ao km 300 da BR-319 |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-3.jpg |
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Titre | Figura 4. No mosaico imagens do atoleiro próximo ao km 300 da BR-319: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-4.jpg |
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Titre | Figura 5. No mosaico, imagens de três pontes da BR-319: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-5.jpg |
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Titre | Figura 6. No mosaico, imagens de veículos atolados da BR-319: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-6.jpg |
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Titre | Figura 7. No mosaico, ônibus que viajam pela rodovia BR-319 |
Crédits | Thiago O. Neto, em 27-28/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-7.jpg |
Fichier | image/jpeg, 116k |
Titre | Figura 8. No mosaico, ônibus que viajam pela rodovia BR-319: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 31/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-8.jpg |
Fichier | image/jpeg, 100k |
Titre | Figura 9. No mosaico, rodovia BR-319 |
Crédits | Thiago O. Neto, em 31/12/16. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-9.jpg |
Fichier | image/jpeg, 148k |
Titre | Figura 10. No mosaico, rodovia BR-319: |
Crédits | Thiago O. Neto, em 01/01/17. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/13231/img-10.jpg |
Fichier | image/jpeg, 96k |
Pour citer cet article
Référence électronique
Thiago Oliveira Neto, « Uma viagem pela Manaus-Porto Velho », Confins [En ligne], 35 | 2018, mis en ligne le 20 avril 2018, consulté le 06 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/13231 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.13231
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