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- 2 Les Echos, Le grand bond en avant du foot chinois, Enquête, Adrian Lelièvre, 13/09/2016. Disponível (...)
1A emigração dos jogadores de futebol internacionais para a China no início de 2017 é reveladora e mostra uma mudança considerável na dimensão do futebol profissional e amador nesse país. Para a mídia e para o público chinês, a chegada dos jogadores estrangeiros é comentada, criticada e regulamentada pelas autoridades. Os gastos exorbitantes com as transferências desses jogadores levantam muitas questões de ordem econômica, política e esportiva. Entretanto, o aumento da emigração dos jogadores estrangeiros, principalmente, brasileiros nesses últimos anos faz parte de um projeto de envergadura nacional, visando a desenvolver uma política esportiva e futebolística sem precedência na história do país. As autoridades chinesas, por meio de seu presidente Xi Jinping, trabalham para o investimento internacional1, a profissionalização, a difusão dos espaços de atuação e a expansão midiática do futebol. Desde 2012, “o presidente Xi Jinping não esconde seu sonho de tornar a China uma ‘superpotência’ do futebol até 2050. Tanto dentro como fora de suas fronteiras, o regime desenvolve uma ambiciosa estratégia para atingir esse objetivo2”. Nesse vasto projeto nacional em torno da indústria do entretenimento futebolístico, cujo gasto programado é de 685 bilhões de euros, os jogadores brasileiros não são os únicos estrangeiros na China, mas ainda assim representam a comunidade esportiva mais importante nos clubes do país desde o início dos anos 2000.
- 3 Ter brasileiros nos times está no imaginário dos dirigentes dos clubes chineses, a segurança de ter (...)
- 4 Carto Le monde en cartes, La République populaire de Chine à la conquête du football, D. Amsellen, (...)
- 5 L’Expansion, La Chine scelle un ambitieux plan d'investissements au Brésil, AFP, 19 mai 2015, selon (...)
- 6 Le Monde.fr, 24/06/2014, Le Brésil, premier pays exportateur de footballeurs, Adrien Pécout. Dispon (...)
2A emigração dos jogadores brasileiros para os clubes chineses desempenha um papel preciso3 e se articula em torno de implicações comerciais mais amplas entre a China e o Brasil. Desse modo, muitos atores chineses e brasileiros se posicionam e interagem nesse grande projeto de sociedade e nessa indústria esportiva chinesa (cf. figura 1). De um lado, o presidente Xi Jinping delibera sobre políticas nacionais, do outro, o primeiro ministro Li Keqiang, em relação com o governo brasileiro e, as federações chinesa e brasileira de futebol trabalha para o bom desenvolvimento do esporte em território nacional. Com a participação ativa dos ricos empresários de empresas públicas e privadas chinesas, por meio de consórcios, estes investem de maneira mais ou menos significativa no futebol chinês, comprando, entre outros, jogadores brasileiros que atuam nos clubes sul-americanos, europeus e internacionais. “Para o financiamento de seu plano estratégico, Pequim pode contar com o apoio de grandes multinacionais chinesas como Alibaba, Wanda, Kaisa, pois o governo adotou medidas que facilitam os investimentos privados”4. Os clubes de futebol chineses, que são propriedades dos ricos empresários locais, procuram obter favores do poder e, consequentemente, gastam milhões de euros para trazer jogadores brasileiros completamente inseridos no sistema futebolístico internacional, tudo isso em um contexto de valorização midiática e de rentabilidade econômica. Ademais, essas transferências ocorrem em um cenário mais global de trocas comerciais em nítido aumento entre a China e o Brasil, passando de 3,2 bilhões de dólares em 2001 para 83 bilhões de dólares em 2013. A China é, desde 2009, o primeiro parceiro comercial do Brasil, à frente dos Estados Unidos. “Para Pequim, a América Latina é, principalmente, um produtor de matérias-primas, e vemos isso na composição de seus investimentos diretos na região. Aproximadamente 90% dos investimentos chineses entre 2010 e 2013 foram destinados aos recursos naturais5.” Obviamente os jogadores não são “recursos naturais”, mas devemos lembrar que “no Brasil, o principal modelo econômico dos clubes consiste em vender seus jogadores para clubes estrangeiros, às vezes muito cedo [...] Se o jogador tornou-se um produto, a formação também pode ser considerada como atividade de produção”, (Piraudeau, 2014, p.218 p.). Em nossa análise, da mesma forma que o Brasil produz café e soja6, ele também produziria jogadores de futebol que seriam vendidos no mercado futebolístico internacional.
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Figura 1 – A emigração dos jogadores brasileiros de futebol inseridos no sistema futebolístico chinês
4Então, nesse sistema esportivo globalizado, como a emigração dos jogadores brasileiros para a China se integra nas trocas econômicas bilaterais mais amplas entre os dois países? Este artigo é o resultado de uma contribuição anteriormente redigida sobre a emigração dos jogadores de futebol estrangeiros para China. Nessa ocasião, tínhamos notado uma representação importante de jogadores brasileiros em diferentes clubes estudados. Além disso, pareceu oportuno dar continuidade ao nosso trabalho sobre a emigração dos jogadores brasileiros de futebol realizado entre 2009 a 2014, fazer uma análise aprofundada de sua presença, visando captar, entender e analisar as implicações sino-brasileiras. Após o levantamento seguido por um processamento de dados, na primeira parte veremos os principais períodos de representação dos jogadores brasileiros no campeonato chinês desde 1994. Essa emigração está plenamente inserida na globalização das transferências de jogadores. Evidenciando o processo de construção de uma carreira profissional internacional que se configura na emigração, as análises espaciais realizadas completam os dados quantitativos e salientam a fragmentação internacional dos espaços geográficos de origem. Essa segunda parte propõe também uma tipologia dos clubes internacionais de origem de acordo com o número de jogadores exportados para a China. A última parte analisará a distribuição espacial dos jogadores brasileiros na Superliga Chinesa, que revela “efeitos de canais migratórios” entre os clubes brasileiros e chineses.
5A análise é dedicada ao conjunto de jogadores brasileiros que atuaram e atuam nos 16 clubes da Superliga Chinesa na temporada 2016-2017 e no período de 1994-2016. As três principais fontes de dados estatísticos disponíveis para melhor compreensão da emigração dos jogadores brasileiros para a China são os levantamentos oferecidos pelos sítios: lemondedufoot.fr, lequipe.fr, football-observatory.com e www.cies.ch (Observatório de futebol do Centro Internacional de Estudos do Esporte). De natureza, por vezes fragmentada, os dados recolhidos foram divididos e completados com informações obtidas nos sítios dos clubes chineses da primeira divisão em 2016 (tradução em inglês). O cruzamento dos dados obtidos entre os diferentes sítios evidencia algumas características dos jogadores brasileiros migrantes na China entre 1994 e 2016. Do mesmo modo, os levantamentos contêm informações precisas e atualizadas sobre a faixa etária, os clubes de origem, o número de temporadas passadas, etc., dos jogadores brasileiros em clubes chineses. Entre 1994 e 2016, 125 jogadores de nacionalidade brasileira (stock) foram elencados nos 16 clubes. Alguns jogadores atuaram em 2 ou até em 3 clubes estudados. Identificamos também 113 jogadores brasileiros “sem dupla contagem”. Até onde sabemos, nenhum estudo baseado em um corpus de jogadores brasileiros em atuação nos clubes chineses no período de 1994-2016 tinha sido realizado até o momento. Esses esportistas, representativos da liga de jogadores profissionais, em sua grande maioria, iniciaram suas carreiras em clubes brasileiros e até mesmo sul-americanos, assim como em clubes europeus e internacionais.
6A contagem minuciosa da presença de jogadores brasileiros na Superliga Chinesa permite compreender o grau de “brasileirização” do futebol chinês e entender as “articulações espaciais” entre os clubes brasileiros e internacionais “exportadores” e os clubes chineses “compradores/consumidores”. Os processamentos estatísticos e cartográficos dos levantamentos dos jogadores brasileiros de futebol propõem analisar, em um dado período, a presença brasileira na Superliga Chinesa. Além disso, esse estudo revela a chegada progressiva (fluxo) desses jogadores aos clubes chineses ao longo de diversas temporadas, os espaços geográficos de origem e as características dos jogadores em deslocamento. Por fim, o estudo permite mapear os países de proveniência, os clubes de chegada e mostrar a articulação da Superliga Chinesa com o sistema futebolístico internacional.
“Desde sempre, o futebol profissional estimulou as migrações internacionais de jogadores. Atualmente essa constatação é ainda mais verdadeira na era da globalização. Embora cotas limitem o número de jogadores estrangeiros, elas continuam a existir na maioria das ligas, mas geralmente são menos restritivas que no passado.” (Besson, Poli, Ravenel, 2015).
- 7 L’Equipe.fr, Focus : Le joueur brésilien, main d’œuvre mondiale, 13/10/2015. Disponível em: <http://www.lequipe.fr/Football/Actualites/Focus-le-joueur-bresilien-main-d-oeuvre-mondiale/598030>
7Em 2014, o Centro Internacional de Estudos do Esporte (CIES) identificou 1784 jogadores brasileiros em atuação nos campeonatos internacionais, ou seja, o primeiro país em número de jogadores expatriados no mundo (cf. gráfico 1). Numa escala mais detalhada, “os brasileiros são de longe o contingente que mais tem jogadores de futebol expatriados na Ásia (437 jogadores). Trata-se da maior taxa de concentração na escala de uma Confederação.” (Besson, Poli, Ravenel, 2015). Além disso, “os brasileiros representam em 2014, 25% dos jogadores de futebol estrangeiros em atuação nos times asiáticos [...] Indiscutivelmente, os brasileiros são muito mais numerosos na Europa, mas representam apenas 8,5% dos estrangeiros7.” Esses números podem ser comparados com outros estudos de especialistas brasileiros. Assim, “perto de mil jogadores brasileiros foram para os clubes de oitenta países em todo o mundo. O país que mais recebeu jogadores foi Portugal, por razões linguísticas evidentes. No entanto, também os vemos no Japão, na Coréia, e em outros países mais exóticos para os brasileiros (já que a maioria dos jogadores é de origem popular e bem poucos preparados para a vida no exterior): Indonésia, Vietnã, China, Azerbaijão, Finlândia, etc.” (Théry, 2011). Ainda que os brasileiros sejam bem representados na Ásia, a China recebe há várias temporadas um conjunto expressivo de jogadores.
Gráfico 1 – Os jogadores de futebol brasileiros nos campeonatos internacionais em 2014
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2015.
8Os brasileiros representam a primeira comunidade do futebol estrangeiro (19%) no campeonato chinês (cf. gráficos 2 e 3). Com 113 jogadores identificados entre 1994 e 2016, eles figuram, sem sombra de dúvida, como o contingente estrangeiro mais numeroso nos clubes chineses em atuação na Superliga em 2016.
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Gráficos 2-3 – Presença dos jogadores brasileiros nos clubes da Superliga Chinesa
Fonte : LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
10Dito isso, proporcionalmente (cf. gráfico 4), os jogadores de futebol sul-americanos incluindo brasileiros, argentinos e uruguaios, etc., constituem apenas o segundo grupo de jogadores estrangeiros (32%) após os europeus (34%). O fluxo da emigração internacional dos brasileiros para os clubes chineses aumentou de maneira significativa a partir dos anos 2000, acompanhando a progressão geral dos jogadores estrangeiros ao longo desse mesmo período (cf. gráfico 5). A presença dos jogadores brasileiros na China data dos primeiros anos da profissionalização do campeonato chinês em 1994. “Aconselhado pelo grupo de marketing esportivo americano IMG, a federação chinesa lança a Jia-A League, a primeira liga profissional chinesa, também chamada de Marlboro Chinese Football League (1994-1998), pois era patrocinada pelo grupo Phillip Morris, especializado no ramo do tabaco” (Dietschy, 2010, p. 602). O campeonato de elite chinês foi renomeado diversas vezes ao longo de sua jovem história: Pepsi Jia-A League (1999-2002), Siemens Mobile Jia-A League (2003) antes de se tornar Superliga Chinesa, Chinese Super League (CSL-2004). Desse modo, em 1994 o campeonato profissional “foi colocado em prática por funcionários que não sabiam as regras do mercado, a reforma do futebol foi acompanhada por um longo período de confusão, cujas repercussões acabaram por afetar o nível geral da modalidade. Instabilidade dos investidores, alta dos gastos, corrupção, falta de visibilidade de um campeonato que se tornou muito frustrante: o futebol chinês fez papel de uma triste cobaia de uma reforma feita às cegas” (Bardon, 2008, p. 44).
Gráfico 4 – Os jogadores estrangeiros nos clubes da Superliga Chinesa (1994-2016)
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
Gráfico 5 – Presença dos jogadores brasileiros nos clubes da Superliga Chinesa
(1994-2016)
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
- 8 Segundo um estudo publicado pela revista Caijing em 2000, os 14 clubes de primeira divisão na época (...)
- 9 Le Monde, Pequim quer limitar o número de jogadores estrangeiros no futebol chinês, Simon Leplâtre, (...)
11Entre 2000 e 2016, o número de jogadores brasileiros rumo à China não parou de aumentar, bem como a vinda de jogadores internacionais e levanta em 2017 uma nova problemática para as autoridades chinesas. No início dos anos 2000, “a abertura dos clubes aos investidores privados tinha suscitado, entretanto, o interesse das empresas chinesas, que viram nessa abertura uma oportunidade comercial e um canal de promoção de sua imagem de marca. No entanto, a alta dos capitais colocados à disposição do futebol chinês provocou um aumento rápido de salários dos jogadores e dos treinadores, à qual os proprietários dos clubes ainda não estavam preparados8” (Bardon, 2008, p. 44). Em cada temporada desde 2011, ao menos uma dezena de jogadores brasileiros têm chegado ao campeonato chinês (cf. gráfico 5). A intensificação dos investimentos na aquisição de jogadores internacionais se traduziu por regulamentações sucessivas que limitam o número de estrangeiros no quadro dos clubes. Desde janeiro de 2017, a presença de esportistas estrangeiros está limitada a três jogadores por equipe por jogo da Superliga. Os responsáveis pela Superliga Chinesa apresentam “várias medidas para controlar as operações e a gestão dos clubes, após uma série de investimentos irracionais na aquisição de jogadores estrangeiros na liga chinesa em 20169”. Dessa forma, eles visam gerenciar as despesas dos clubes profissionais a fim de, por um lado, estimular os jovens jogadores chineses e, por outro, minimizar um ressentimento da população com grandes somas aplicadas pelos investidores chineses. No sistema de regulamentação das transferências posto em vigor pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), a emigração dos jogadores brasileiros para a China nesses últimos anos foi organizada gradativamente. Ainda que fatores econômicos, políticos e esportivos interajam na configuração dos modelos migratórios dos jogadores brasileiros para a China, outros critérios estão envolvidos. “Redes de interdependências específicas influenciam e dão forma à emigração global de esportistas” (Maguire e Pearton, 2000, pp. 187-188). A constituição de fluxos para a China revela o interesse em captar e analisar os diferentes espaços de origem dos jogadores brasileiros.
- 10 Segundo Euroamericas Sport Marketing, Centro do Comércio Internacional.
12Entre 2000 e 2016, os jogadores brasileiros em atuação na China vêm de todos os continentes (cf. gráfico 6), sobretudo da América do Sul (53%), da Europa (30%), da Ásia (11%), do Oriente Médio (5%) e da África (1%). “Ao longo do primeiro semestre de 2013, os países da América Latina enviaram para o exterior cerca de 5 mil jogadores por um valor de mais de 1,1 bilhão de dólares. Só a Argentina e o Brasil exportaram para o espaço internacional mais de 3 mil jogadores, ou seja, 400 milhões de dólares em talento futebolístico10” (Rial, 2014). “Como um todo, a América Latina exportou mais valor em jogadores de futebol na primeira metade de 2013 do que animais vivos em todo o ano de 2011” (Ferdman e Yanofski, 2013)
Gráfico 6 – Espaços geográficos de origem dos jogadores brasileiros em atuação na Superliga Chinesa entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
- 11 Pesquisador no Centro Internacional de Estudos do Esporte (CIES), em Neuchâtel, na Suíça (Le Monde, (...)
13Identificamos 26 países que constituem os espaços geográficos de origem dos jogadores brasileiros em atuação nos clubes chineses (cf. mapa 1). A Europa (Alemanha, Dinamarca, Inglaterra, Portugal, etc.,) a América do Sul (Argentina, Brasil, Uruguai) e do Norte (Estados Unidos), a África (Tunísia), o Leste Asiático (Coréia do Sul, Japão, etc.,) e o Oriente Médio (Arábia Saudita, Emirados Árabes, Catar) “enviam” jogadores brasileiros profissionais para China. “Estatisticamente, existem muitas chances de vermos jogadores de futebol nascidos no Brasil que jogam por outro país, já que este é o primeiro país exportador de jogadores”, explica o geógrafo Loïc Ravenel11. Analisando mais detalhadamente a distribuição dos espaços de origem, constatamos que metade dos jogadores é do Brasil. Portanto, os clubes internacionais representam um papel maior nas interações migratórias entre os países de origem e os países de destino, nesse caso a China. Dessa maneira, os jogadores brasileiros vêm, principalmente, de campeonatos profissionais estruturados (europeu, sul-americano, asiático, etc.), que formam a cada ano jogadores que podem atuar no mais alto nível. Assim, os continentes sul-americanos e europeus constituem, entre 1994 e 2016, os principais redutos de origem (83%) dos jogadores brasileiros que partem para a China. O sistema futebolístico mundial leva muitos clubes internacionais a comprarem e a venderem jogadores brasileiros para formar equipes competitivas em longo prazo, consequentemente, eles se tornam lugares de chegada e de partida para milhares de jogadores brasileiros em deslocamento.
Mapa 1 – País de origem dos jogadores brasileiros na Superliga Chinesa entre 1994 e 2016
14Entre 1994 e 2016, mais de 80 clubes internacionais (88) exportaram 113 jogadores brasileiros para clubes chineses. Os clubes sul e norte-americanos, europeus, russos, do Leste Asiático e do Oriente Médio fornecem grupos de jogadores para a China. Uma análise mais detalhada dos principais clubes “exportadores” de jogadores brasileiros mostra que os clubes brasileiros participam ativamente do envio de jogadores profissionais (54) para a China. Por esse motivo, “a afirmação de uma poderosa indústria do futebol na América Latina [e particularmente no Brasil] começa a ser revelada. Em vista disso, foi destacado o fato de que se tratava, primeiramente, de uma indústria exportadora de jogadores, e isso desde os anos 1920, para a Europa, depois, cada vez mais, para o mundo todo.” (Lanfranchi, Taylor, 2001; Taylor 2006). A análise feita nesse período permite estabelecer uma tipologia dos clubes internacionais exportadores de jogadores profissionais para a Superliga Chinesa. Da centena de jogadores brasileiros estudados, a metade deles foi transferida por um dos 36 clubes brasileiros avaliados. Estes exportaram de 1 a 5 jogadores ao longo do período estudado:
15- Os principais “polos futebolísticos brasileiros exportadores” (1 a 5 jogadores - cf. gráfico 7): 36 clubes brasileiros estruturados esportiva e economicamente enviaram pelo menos um jogador para China. No entanto, os clubes do Rio de Janeiro (Botafogo, Flamengo, etc) e São Paulo (Corinthians, São Paulo, etc.) exportam um grande número de esportistas para clubes chineses. Após terem recrutado e formado os jovens brasileiros, eles os vendem rapidamente a diferentes clubes chineses aferindo lucros significativos.
16- Os polos de “reexportação” (1 a 3 jogadores - cf. gráfico 7): pequenos e grandes clubes europeus (Belgrado, Chelsea, Estoril, Lecce, Salerno, Trabzonspor, etc.), clubes sul-americanos (Defensor, River Plate, etc.), clubes asiáticos (Jeonbuk, Urawa Red Diamonds), um clube russo (Zenit São Petersburgo), um clube americano (New England Revolution) e clubes do Oriente Médio (Al Ahli Doha, Al-Rayyan, Qatar, Al Nassr, Al-Jazira Club, etc.) revendem jogadores brasileiros alcançando mais-valias consideráveis. Nas suas trajetórias migratórias e carreiras, os brasileiros se servem desses clubes internacionais como trampolim antes de irem para a China. Logo, os clubes chineses são oportunidades profissionais para muitos jogadores que se beneficiam de rendimentos financeiros muito interessantes.
Gráfico 7 – Os principais clubes exportadores de jogadores brasileiros para China entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
- 12 Foot Mercato, janeiro 2016, La Chine , actrice inattendue du mercato d’hiver. Pereira Alexis. Dispo (...)
- 13 IBID
17No processo da emigração dos jogadores brasileiros para a China, constatamos uma tipologia dos clubes internacionais exportadores. Consequentemente, muitos clubes brasileiros vendem vários jogadores à China para colher os benefícios de seus jogadores recrutados e treinados no Brasil. “E, quando os chineses se envolvem, eles não fazem as coisas pela metade. Um jogador pode muito bem ganhar a vida na China. Os clubes pertencem, na maioria das vezes, a empresas, que anteriormente pertenciam ao Estado. Existem clubes que se dão bem12”. Assim, muitos jogadores da Seleção Brasileira emigraram para China (Diego Tardelli para o Shandong Luneng, Robinho, Ricardo Goulart e Paulinho para o Guangzhou, etc.). “Os chineses entram em contato primeiramente com o jogador, o seduzem, e o clube brasileiro toma conhecimento disso meia hora antes da partida do jogador. Os chineses pagam o montante da cláusula liberadora e o jogador parte. Nossos clubes13 não têm como se proteger”, lamentou Roberto de Andrade, presidente do Corinthians. Por sua vez, os clubes dos grandes campeonatos europeus que usufruem de um reconhecimento midiático em nível nacional e internacional revendem jogadores brasileiros obtendo “mais-valias extras” dos clubes chineses. Dessa maneira, fala-se de clubes europeus “revendedores”. Em relação ao grande número de brasileiros, eles vêm de clubes internacionais, chamados de “clubes trampolins”. Em suas trajetórias migratórias profissionais, aproveitam de uma oportunidade de carreira e, assim, saltam de um clube internacional para um clube chinês, ao mesmo tempo, conseguindo melhores remunerações. “Os jogadores brasileiros deslocam-se, porque o pouco que recebem no exterior é o dobro do que receberiam no Brasil, ou porque estar lá pode ser uma boa vitrine, um passo para clubes maiores” (Rial, 2014, p. 59). Portanto, a Superliga Chinesa constitui um novo espaço futebolístico de acolhida para os esportistas brasileiros em deslocamento.
18A análise do conjunto dos jogadores brasileiros recrutados entre 1994 e 2016 pelos clubes chineses mostra que sua idade é relativamente alta (28 anos em média no período estudado). Além disso, os perfis dos jogadores quanto à sua posição esportiva ocupada nos times chineses (cf. gráfico 10) revelam que eles atuam, na maioria das vezes, como “atacante” (53%), seguidos respectivamente pelos meios-de-campo (28%) e zagueiros (19%). Não identificamos goleiros brasileiros. Segundo a regulamentação estabelecida no início dos anos 2000, os clubes chineses não podem recrutar goleiros estrangeiros. A Federação Chinesa de Futebol estima que os goleiros chineses não têm nível internacional e deseja que os clubes locais os preparem para atuar nessa posição. Igualmente, a maioria dos jogadores brasileiros analisados (cf. gráfico 11) permanece em um único clube chinês durante sua carreira e menos de duas dezenas de jogadores são transferidos entre clubes chineses. Além das posições ocupadas e do número de clubes chineses examinados, constatamos que mais da metade dos brasileiros analisados fica apenas uma temporada ou menos nesses clubes (cf. gráfico 12). Logo após uma experiência profissional na China, observamos que muitos brasileiros vão para outros clubes internacionais. Por fim, de 113 jogadores analisados, 19 retornaram para o Brasil para continuar e até mesmo terminar sua carreira profissional.
Gráfico 10 – Posições ocupadas pelos jogadores brasileiros em atuação na China entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
Gráfico 11 – Número de clubes chineses que os jogadores brasileiros na China atuaram entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
Gráfico 12 – Número de temporadas passadas pelos jogadores brasileiros em atuação nos clubes chineses entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
19Em função de seu potencial econômico, necessidades esportivas e midiáticas, assim como resultados, os clubes chineses recrutam um número maior ou menor de jogadores brasileiros (cf. mapa 3 e gráfico 13). Dessa forma, percebe-se uma tipologia de clubes chineses recrutadores de jogadores brasileiros. Primeiramente, o Guangzhou Evergrande é o único clube chinês que recruta mais de 45% de brasileiros entre jogadores estrangeiros. Seis clubes (Guangzou R. e F., Shanghai SIPG, Jiangsu Suning, Shandong Luneng Taishan, Shuiazhang Everbrigh, Beijing Guoan) dispõem de 20 a 45% de jogadores brasileiros no quadro de jogadores estrangeiros de seus times. Por fim, todos os outros clubes estudados dispõem de menos de 20% de jogadores brasileiros. Embora estes sejam onipresentes em 15 dos 16 clubes estudados, outras comunidades estrangeiras (australianos, coreanos, sérvios, etc) estão igualmente bem representadas (cf. gráfico 14).
Mapa 2 – Os jogadores brasileiros nos clubes chineses entre 1994 e 2016
*Representação dos brasileiros no quadro de jogadores estrangeiros recrutados pelos clubes chineses.
Gráfico 13 – Os jogadores estrangeiros e brasileiros nos clubes chineses entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
Gráfico 14 – As principais comunidades estrangeiras nos clubes chineses entre 1994 e 2016
Fonte: LeMondedufoot.fr-L’Equipe.fr-football-observatory.com, 2017.
- 14 “O Diário do Povo, publicação do Partido Comunista Chinês, pediu aos clubes que controlassem seus g (...)
20A análise dos jogadores brasileiros que atuam nos clubes chineses revela também sua força econômica. Os clubes Guangzhou Evergrande, Shanghai SIPG, Jiangsu Suning, entre outros, às vezes recrutam por preços muito elevados ótimos jogadores brasileiros (cf. quadro 1). Por exemplo: para uma remuneração de 20 milhões de euros por temporada, o Shanghai SIPG recrutou em 2016 o atacante brasileiro Hulk com 29 anos e que atuava na Rússia (Zenit São Petersburgo) e no início de 2017, o jovem brasileiro Oscar, de 25 anos, que atuava na Inglaterra (Chelsea) por 70 milhões de euros (cf. quadro 1). O mercado do futebol chinês14 gerou 1,1 bilhão de euros na aquisição de jogadores estrangeiros ao longo da temporada em 2016. A China se classificou entre os cinco países que mais gastaram no mercado das transferências internacionais em 2016, enquanto a emigração para os clubes chineses não parou de crescer. A classificação dos jogadores brasileiros mais caros vendidos aos clubes chineses nesses últimos anos revela as importantes mais-valias geradas pelos clubes europeus e, em particular, os clubes ingleses.
Quadro 1 – Exemplo de transferências de jogadores brasileiros nos clubes chineses (2015-2017)
Jogador
|
Idade
|
Posição
|
Clube de origem/País
|
Clube chinês
|
Salário anual
(em milhões de euros)
|
Preço da transferência
(em milhões de euros)
|
Oscar
|
25
|
Meio de campo
|
Chelsea FC/Inglaterra
|
Shanghai SIPG
|
25 M/ano
|
70M
|
Hulk
|
29
|
Atacante
|
Zenit São-Petersburgo/Rússia
|
Shanghai SIPG
|
20 M/ano
|
55M
|
Alex Teixeira
|
26
|
Meio de campo
|
Shakthar Donetsk/Ucrânia
|
Jiangsu Suning
|
12M/ano
|
50M
|
Ramires
|
28
|
Meio de campo
|
Chelsea/Inglaterra
|
Jiangsu Suning
|
13M/ano
|
33M
|
Elkeson
|
26
|
Atacante
|
Guanghzou Evergrande/China
|
Shanghai SIPG
|
?
|
19M
|
Ricardo Goulart
|
23
|
Atacante
|
Cruzeiro/Brasil
|
Guangzhou Evergrande
|
?
|
15M
|
Paulinho
|
26
|
Meio de campo
|
Tottenham/Inglaterra
|
Guanghzou Evergrande
|
6M/ano
|
14M
|
Carlos Gilberto
|
29
|
Zagueiro
|
Corinthians/Brasil
|
Shandong Luneng Taishan
|
?
|
10M
|
Renato Augusto
|
28
|
Meio de campo
|
Corinthians/Brasil
|
Beijing Guoan
|
6,5M/ano
|
8M
|
Diego Tardelli
|
29
|
Atacante
|
Atlético Mineiro/Brasil
|
Shandong Luneng
|
?
|
5,5M
|
Jádson
|
33
|
Meio de campo
|
Corinthians/Brasil
|
Tiajin Quanjian
|
5M/ano
|
5M
|
Ralf
|
31
|
Meio de campo
|
Corinthians/Brasil
|
Beijing Guoan
|
?
|
1M
|
Fonte: L’équipe, 2015-2017.
21Todos os clubes chineses têm do seu próprio desenvolvimento econômico e esportivo que favorece a vinda mais ou menos numerosa de jogadores brasileiros e internacionais. Em 2016, a presença desses nos clubes chineses é considerável. Durante a partida entre Guangzhou Evergrande e Chongqing Lifan, “é o trio de brasileiros que jogam pelo Guangzhou que dá o ritmo ao jogo: o meio-campista Paulinho, que jogou no Tottenham (Inglaterra) até 2015, junto com os atacantes Alan Carvalho, que jogava no Red Bull Salzburg (Áustria) e no Fluminense, e Ricardo Goulart que jogava no Cruzeiro.” Os movimentos migratórios dos jogadores brasileiros para a China ficaram consideravelmente mais complexos nesses últimos anos, seja para seguir uma carreira profissional já plena, ter experiência num “pequeno clube” chinês ou ainda jogar para um grande clube do país. A presença de grande parte de jogadores brasileiros nos clubes chineses é resultado de interconexões (culturais, econômicas, esportivas, históricas, etc.) entre os espaços de origem e o espaço de chegada chinês, criando canais migratórios.
22“As políticas, os orçamentos e as estratégias esportivas do recrutamento elaboradas pelos clubes internacionais [neste caso, chinês] se traduzem por um número significativo no quadro dos esportistas brasileiros. Assim, as trajetórias esportivas desses jogadores se inserem em estratégias econômicas e esportivas desenvolvidas pelos clubes internacionais” (Piraudeau, 2014, p. 83). As trajetórias migratórias utilizadas são específicas para cada esportista brasileiro. As estratégias esportivas e migratórias dos jogadores brasileiros resultam de iniciativas tomadas por atores “entre as duas partes” (agente, família, sociedade privada, etc.) que por sua experiência em transferências tornaram-se indispensáveis na trajetória pessoal e profissional dos jogadores brasileiros. “As trajetórias multipolares marcadas por uma passagem em vários países internacionais são cada vez mais utilizadas pelos jogadores brasileiros antes de entrarem em clubes chineses e depois partirem novamente para o exterior” (ibid., p. 89). Os tipos de trajetórias revelam as particularidades dos clubes brasileiros e internacionais ao conseguir mais-valia no momento das transferências dos esportistas brasileiros para clubes chineses. Estes são conhecidos por oferecerem “contratos de ouro” aos melhores jogadores brasileiros e internacionais. Alguns clubes podem ser mais valorizados do que outros conforme as recomendações de jogadores brasileiros que já participaram da sua estrutura esportiva. Os contratos, os salários e os diversos prêmios oferecidos pelos clubes chineses atraem inegavelmente a cobiça dos jogadores brasileiros e de seus agentes. Com relação à intensificação da emigração desses jogadores para “o império do meio do futebol”, observa-se que o jogador brasileiro integra-se numa dinâmica migratória motivada pelas estratégias econômicas, esportivas e políticas de recrutamento ainda mais aprimoradas dos clubes internacionais e chineses, e isso num contexto de trocas econômicas maiores entre a China e o Brasil.
23Portanto, o Brasil é um “país que busca sua soberania geopolítica ao mesmo tempo que sua soberania tecnológica, industrial [e esportiva] numa economia globalizada de mercado [...] O país é um grande exportador de matérias-primas, de produtos de base [e de jogadores profissionais], que produz um grande excedente (20 bilhões de dólares em 2012), assim como é um grande consumidor de capitais de qualquer natureza (65 bilhões de dólares em 2012)” (Saint-Géours, 2013, p. 232). Entre 2004 e 2009, o presidente Lula foi três vezes à China e Dilma Rousseff foi uma vez em 2011. Muitos acordos bilaterais foram assinados ao longo desse período. Em vista disso, a emigração de jogadores brasileiros para a China foi progressivamente inserida e intensificada ao mesmo tempo em que as relações comerciais foram reforçadas. Assim, o Brasil visa tornar-se um parceiro privilegiado, um novo ator indispensável para a China. Ainda que esta tenha uma influência crescente na América do Sul e, especialmente, no Brasil, revelando ao mesmo tempo os interesses territoriais, os jogadores brasileiros também são exportados a preço de ouro para a China, difundindo também uma imagem positiva do Brasil. Se as conexões entre China e o Brasil são constantes, então a presença dos jogadores brasileiros nos informa sobre “um processo de globalização que contribui para a integração funcional dos espaços em uma escala transnacional. Logo, a abordagem relacional da globalização é particularmente útil, permitindo à análise econômica [e esportiva] que se insira num contexto sócio-histórico que, se não é determinante, pesa sobre a organização das redes migratórias” (Besson e Ravenel; 2009) entre os clubes brasileiros e chineses. Consequentemente, a emigração dos jogadores brasileiros responde a uma necessidade econômica e esportiva para os clubes profissionais chineses. Por essa razão, a China não é mais um lugar para encerrar a carreira para os jogadores, mas se estabelece pouco a pouco como um lugar destinado a “consumir” permanentemente jogadores brasileiros altamente qualificados.