1A configuração da geopolítica mundial desde o fim da Guerra Fria vem passando por mudanças rápidas e complexas que sugerem o advento de uma nova ordem mundial. Neste novo cenário, em que a multipolaridade ganha terreno, a América do Sul vem se tornando um novo tabuleiro geopolítico, sobretudo a partir do início do século XXI, em um cenário que manifesta a maior autonomia dos países da região, o declínio da onipresente hegemonia dos Estados Unidos e o crescimento da presença da China. A reconfiguração da ordem econômica, política e estratégica compreende o advento e o fortalecimento de uma série de processos de integração regional de cunho econômico-comercial, como a União Europeia, o NAFTA (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte) e o Mercosul. O advento da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, consagrou o estímulo à liberalização do comércio mundial lastreado em regras e os estados passaram a ter no comércio novas oportunidades para seu projeto de desenvolvimento. As iniciativas regionais tornaram-se instrumentos essenciais para a consecução dessas novas perspectivas, mas a conformação dos projetos de integração implicou o surgimento de agrupamentos com visões nem sempre conexas.
“Nos últimos anos, sobretudo, a intensificação do processo de integração regional tem desencadeado movimentos de natureza político-estratégico (ou simplesmente geopolíticos) de diversas ordens e direções, em que alguns tendem à convergência, outros à dispersão e, outros ainda, no limite, ao antagonismo” (COSTA, 2007, p.1).
2A América do Sul, em particular, é uma região prolífica no que se refere às tentativas de consolidar a integração entre seus países. Desde o início do século XX uma integração institucionalizada vem sendo intentada por diversas iniciativas, com maior ou menor grau de complexidade, como o Pacto ABC, sugerido pelo Barão do Rio Branco, a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), de 1960, o Pacto Andino, de 1969, o Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), de 1980, o Grupo de Cartagena, de 1984, e o Grupo do Rio, de 1986. Tais arranjos não lograram superar os antagonismos e as assimetrias existentes entre os países da região, ao prescindirem de uma sólida institucionalização que pudesse de fato aproximar os Estados sul-americanos. A partir do Mercosul, entretanto, o entusiasmo pela proliferação de iniciativas regionais marcou a América do Sul no bojo dos processos de regionalização que ocorriam pelo mundo.
3O início do século XXI assistiu ao relativo declínio da era econômica neoliberal na América do Sul que havia imperado na região na década de 1990, com a ascensão democrática de governos considerados progressistas e propensos à busca de maior autonomia. Como corolário, o pensamento pró-integração ganharia terreno ao longo da década de 2000, e atingiria seu auge ao consubstanciar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, e, ainda, alargando seu escopo geográfico ao envolver os demais estados latino-americanos e caribenhos, com a criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em 2011.
4O impulso integracionista ainda seria secundado pela pretensão da Venezuela, durante o governo de Hugo Chávez, de promover e liderar iniciativas regionais, das quais a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos de nossa América), de 2004, é a mais emblemática. A Venezuela buscou consolidar um paradigma geopolítico que além de servir como instrumento para alavancar seu posicionamento como potência regional – com importante contribuição dos recursos advindos da alta do petróleo –, consolidou o país como um garante da integração sul-americana.
5Na contramão dos acordos de integração regional da última década e meia, foi lançada, poucos meses antes da constituição da CELAC, a Aliança do Pacífico (AP), quando seus membros - Chile, Colômbia, Peru e México - estavam presididos por governos liberais. Trata-se de países de economia aberta que lançam mão de uma estratégia comum para o mercado internacional, por meio de uma integração nos moldes do regionalismo aberto, em clara antinomia com o Mercosul. Seu objetivo principal consiste em promover ações conjuntas de modo a permitir uma cooperação comercial mais dinâmica entre seus membros e uma aproximação mais estreita com a Ásia-Pacífico, nova força motriz da economia mundial.
6A Aliança do Pacífico pode ser percebida como uma reação às iniciativas de integração em curso na América do Sul, as quais visam dotar seus países de maior autonomia extrarregional, alijando a presença das potências tradicionais nos seus processos de decisão. O antagonismo entre os projetos de integração regional, em particular entre Mercosul e Aliança do Pacífico, resulta inexoravelmente na fragmentação da América do Sul, permitindo a influência e a atuação de potências externas. Assim, a AP demonstra ser um valioso instrumento das disputas por influência geopolítica das grandes potências, concorrendo para maior vulnerabilidade e enfraquecimento dos países da região e atuando como óbice à solidificação do projeto regional sul-americano.
7Neste artigo, analisa-se o cenário atual da região sul-americana e a reconfiguração de ordem econômica, política e estratégica de considerável magnitude por que vem passando. Ademais, observa os interesses geopolíticos de diversas ordens defrontados na América do Sul, que envolvem os EUA - potência influente tradicional –, a China, potência em ascensão que se manifesta sobretudo através do comércio, o México, país sequioso por expandir sua influência de potência média e o Brasil, que pretende exercer uma hegemonia na América do Sul por meio de projetos de integracionistas.
8A Aliança do Pacífico foi criada por México, Chile, Colômbia e Peru em 28 de abril de 2011 e formalizada em 6 de julho de 2012 através da assinatura do Acordo Marco na cidade de Antofagasta, no Chile. O ponto basilar do acordo, alicerçado no regionalismo aberto é a remoção de tarifas de 92% dos bens comercializados entre os Estados Parte a partir da entrada em vigor do acordo constituinte, de modo a gerar um mercado que assegure a estabilidade econômica diante das vulnerabilidades da economia mundial (DEL PACÍFICO, 2014).
Figura 1: Aliança do Pacífico
- 1 Disponível em: <http://elpaisdigital.com.ar/contenido/argentina-mira-al-pacfico-oportunidades-y-riesgos-del-libre-cambio/412> Acesso em 31 out. 2017.
Fonte: El País Digital1
Tabela 1: Dados da Aliança do Pacífico (2016)
9Dentre seus membros, o México é o país mais industrializado, um exportador de produtos manufaturados que busca diminuir sua dependência em relação aos EUA. Por sua vez, Chile, Peru e Colômbia são economias exportadoras de matérias-primas e minerais, dependentes do consumo de países como a China, e que, diante do risco de primarização de suas economias, buscam estabelecer cadeias de valor global e fortalecer seu mercado intrarregional, que os liberte da dependência estrutural de atividades extrativistas e permitam reduzir suas vulnerabilidades frente à demanda do mercado internacional.
- 2 Fonte: World Trade Organization (2017). Os demais destinos das exportações mexicanas em 2016 foram: (...)
10A geopolítica é, inegavelmente, uma variável pertinente no posicionamento internacional dos países-membros da AP. O México, por sua posição geopolítica, faz parte da estratégia de segurança dos EUA. Seu envolvimento no NAFTA não se restringe à esfera econômica-comercial. Ainda que seja sempre incluído como parte da América Latina, seu ingresso no NAFTA, em 1992, foi percebido como um alijamento da região. A crise financeira de 2008, que teve nos EUA seu epicentro, impeliu o México a buscar novos parceiros comerciais. Em razão da estrutural dependência mexicana da economia dos EUA (para a qual exportou 81% de seus produtos em 20162), o México sofreu de forma avassaladora com a crise de seu poderoso vizinho ao norte, com forte retração econômica e aumento da pobreza.
11Essa busca por novos parceiros comerciais havia sido iniciada ainda na administração de Felipe Calderón (2006-2012), que enfrentou o pior momento da crise, com a celebração de acordos de livre-comércio e a constituição da Aliança do Pacífico. Essa agenda foi impulsionada com a eleição do governo de forte tendência liberal de Enrique Peña Nieto, em 2012. No processo de projeção externa da economia mexicana, Peña Nieto, de acordo com Pastrana Buelvas (2015), planejou um projeto ambicioso para seu país: transformá-lo em uma potência econômica emergente e em um ator com responsabilidade global. A busca de maior projeção política e econômica na América do Sul é, por certo, um componente significativo para que o México possa auferir maior prestígio na esfera internacional.
12Nesse diapasão, a Aliança do Pacífico consiste também em um mecanismo para fortalecer as pretensões geoeconômicas e geopolíticas mexicanas na América do Sul. Na economia, o agrupamento deve contribuir para manter ou mesmo exacerbar o superávit comercial do México com os demais membros da AP, por meio das exportações de produtos manufaturados, mitigando relativamente o peso da dependência econômica dos EUA. O México tem na AP um instrumento para o recrudescimento de seu papel político e estratégico na América do Sul, de modo a contrabalançar a influência do Brasil e da Argentina. Em um cenário em que as desconfianças sobre a atuação dos EUA na América do Sul são historicamente presentes, o México buscar tirar proveito para atuar como conciliador entre os EUA e a América do Sul.
13A aproximação comercial com a China vem rendendo resultados auspiciosos para a economia mexicana, um país com costas para dois oceanos, que vem apostando no desenvolvimento econômico e social do Pacífico desde os anos 1980, com a construção de portos profundos, como os portos de Lázaro Cárdenas e Puerto Vallarta. No entanto, o avanço do vínculo com os chineses está evidentemente subordinado às boas relações entre China e EUA, devido à dependência mexicana deste último, sobretudo através do NAFTA. Esta dificuldade revela a necessidade mexicana de forjar um novo relacionamento com a América do Sul, aumentando suas relações econômicas e tornando-se cada vez mais influente geopoliticamente, em seu esforço para consolidar seu papel de potência emergente, no qual a AP tem papel crucial.
14A Colômbia, desde a última década, vem se aproximando gradualmente da Ásia-Pacífico e dos países do Pacífico latino-americano. O país negligenciou sua diplomacia comercial por muito tempo, com o fechamento de representações diplomáticas na Ásia durante a gestão Álvaro Uribe (2002-2010). O governo atual, de Juan Manuel Santos, tenta reverter essa tendência isolacionista com a reabertura de algumas representações de modo a fortalecer a participação colombiana na economia asiática, como em Singapura e na Indonésia.
15Decerto, em razão da sua proximidade e sua aliança com os EUA, a Colômbia enfrenta a mesma dificuldade do México: a dependência estrutural dos estadunidenses, que a torna vulnerável e prejudica sua projeção externa. Com efeito, seus esforços para intensificar as relações políticas e econômicas com os países asiáticos e com seus vizinhos sul-americanos são tolhidos em função da sua submissão aos acordos com os EUA.
16Internamente, a Colômbia enfrenta duas questões cruciais que obstaculizam sua aproximação com a Ásia-Pacífico e, consequentemente, seu desenvolvimento doméstico e seu prestígio externo: a segurança, resultado do conflito interno envolvendo as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e a debilidade de sua região do Pacífico. O encaminhamento do fim do combate revela-se auspicioso para a Colômbia, uma vez que tende a criar um enorme potencial para a reocupação das zonas de conflito, com aumento da produção e do desenvolvimento interno. Por sua vez, a região da costa do Pacífico colombiano ainda consiste em um espaço geográfico bastante atrasado, desabitado, com baixa participação no PIB nacional e deficiente infraestrutura portuária. Novamente, o fim do conflito com as FARC será favorável a essa região de riquezas minerais, hidrográficas e florestais.
17A Colômbia tem uma localização geográfica privilegiada, sendo o único país da América do Sul com costas em dois oceanos, com grande potencial não utilizado. A resolução dos problemas citados tende a proporcionar ao país maior aproximação com a Ásia-Pacífico, gerando ganhos econômicos sem precedentes. O país certamente se verá confrontado por um impasse considerável: permanecer sob o guarda-chuva estratégico dos EUA, perpetuando sua dependência, ou buscar maior emancipação econômica e geopolítica, por meio da aproximação com os países sul-americanos e seus projetos de integração com forte viés de autonomia, assim como da região da Ásia-Pacífico, a qual pode ampliar suas relações comerciais e sua situação econômica. A opção pela Aliança do Pacífico apresenta-se, de certa forma, paradoxal para a Colômbia, pois é, a um só tempo, um esforço para acercar-se dos países do Pacífico asiático e uma tentativa de diminuir o peso relativo do Mercosul na região sul-americana, afastando-se dos países da América do Sul.
18Chile e Peru partilham diversas características econômicas e comerciais comuns que fundamentam sua participação na Aliança do Pacífico. Em primeiro lugar está a importância conferida à maritimidade para seu comércio exterior e sua projeção internacional. Com, respectivamente, uma extensão costeira de 6.435 e 2.440 quilômetros no Pacífico, Chile e Peru lançaram mão de uma vigorosa política marítima, condensando sua ocupação e seu crescimento nesta zona, que conta com desenvolvida infraestrutura portuária. Por conseguinte, a inserção dos dois países na região da Ásia-Pacífico foi bastante prematura quando comparada aos outros dois membros da Aliança do Pacífico.
19Em segundo lugar, Chile e Peru dependem, esmagadoramente, da exportação de recursos naturais e de commodities, sobretudo de cobre e seus derivados. Ambos têm como os maiores parceiros comerciais, em primeiro lugar, a China, e, em segundo, os EUA. As economias de Chile e Peru são caracterizadas pela política de abertura comercial e pela tendência de firmar uma grande quantidade de tratados de livre-comércio para o escoamento de seus recursos minerais. Os dois países buscam na Aliança do Pacífico um importante mecanismo para seus objetivos geopolíticos, como o domínio do Pacífico Sul - de modo a aumentar o comércio com a Ásia - e o enfraquecimento do peso do Mercosul.
20O Peru, por suas características geográficas, é um país marítimo, amazônico e andino, contando com diferentes estratégias para cada espaço geográfico. Na região amazônica, busca o domínio econômico da bacia ocidental do rio Amazonas, preservando seus recursos naturais e a projeção do rio Amazonas ao Oceano Atlântico, e a ocupação das fronteiras porosas nas zonas florestais. Na costa do Pacífico, quer consolidar sua zona pesqueira e fortalecer a infraestrutura portuária, crucial para suas exportações. E, como país andino, estimula a formação de conexões com países os países sul-americanos por meio da Cordilheira dos Andes, com a construção de vias de comunicação.
21Geograficamente, o Chile enfrenta desafios devido às características de seu território, conformado por uma faixa longa e estreita, com muitos acidentes topográficos, isolado entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico. Em seu território localiza-se o Cabo Horn, ponto mais meridional da América do Sul (se excluídas as ilhas marítimas) e, portanto, mais próximo da Antártida. A dificuldade de comunicação de todo seu território por vias terrestres obriga o país a recorrer à zona costeira de 6.435 km. Para Ortega Prado (2015), a ampla extensão dos espaços marítimos obriga o Chile a concentrar grandes esforços navais para resguardar sua soberania, salvaguardando as comunicações marítimas que garantem a continuidade de seu comércio exterior, fundamental para a economia do país.
22Além disso, o Chile busca impulsionar seu papel de liderança na América do Sul. A Aliança do Pacífico é um mecanismo importante para a consecução deste objetivo, ao propiciar um contrapeso ao Mercosul – bloco ao qual o Chile nunca manifestou interesse de participar, apesar de ser um membro associado desde 1996. Ademais, o Chile pode ser um facilitador para a inserção dos demais países da AP no mercado econômico asiático, sobretudo por meio de sua atuação na APEC.
23O General Mário Travassos, um dos principais formuladores da geopolítica clássica brasileira, identificou em sua obra de 1935, Projeção Continental do Brasil, a presença de um antagonismo geográfico entre as duas vertentes continentais sul-americanas, o Atlântico e o Pacífico, bem como as relações por elas condicionadas. Para Travassos (1935), enquanto o Atlântico representaria a vertente mais dinâmica, voltada para a Europa, cujas águas eram as mais utilizadas para o comércio mundial, o Pacífico era um oceano menos aproveitado para as transações comerciais, considerado o “mar solitário”. Em vista disso, os países mais privilegiados geograficamente seriam aqueles voltados para o Atlântico, Brasil e Argentina, ao passo que os países do Pacífico estariam em relativo isolamento. Contribuiria para isso a existência de acidentes geográficos, como a Cordilheira dos Andes, que perpassa longitudinalmente a costa ocidental sul-americana, e a Bacia do Amazonas, formando uma espécie de barreira natural entre o Atlântico e o Pacífico e evidenciando as dificuldades de comunicação e o adensamento populacional no centro da América do Sul.
24Atualmente, contudo, a Bacia do Pacífico constitui o epicentro da economia mundial, na qual se encontram economias de grande dimensão, como os EUA, maior potência global, e os países da Ásia-Pacífico, como a China e o Japão, revestindo-se não apenas de importância econômica, mas também de crescente interesse geopolítico. Os países do Pacífico sul-americano não se encontram mais “isolados”, como descrevera Travassos. Ao contrário, situam-se em localização geográfica privilegiada.
25Historicamente, os países sul-americanos, subordinados à demanda dos países centrais, tiveram na exportação de produtos primários o centro dinâmico de suas economias. Adicionalmente aos aspectos geográficos, a atividade econômica estimulou a ocupação populacional no litoral, de modo que os países da região viveram, durante séculos, “de costas” uns para os outros, negligenciando a necessidade de construir uma infraestrutura intrarregional.
26Foi apenas no limiar do século XXI que o projeto de criação dessa infraestrutura passou a ter presença nas articulações entre os países da América do Sul, a partir da proposta brasileira de reunir todos os presidentes sul-americanos para a discussão sobre a interconexão regional. Como corolário, foi criada a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), a qual, mediante ações conjuntas, propõe a integração física da América do Sul, com a criação e a modernização da infraestrutura de transportes, energia e comunicação.
27A ideia subjacente era criar uma estrutura para o escoamento de suas exportações, ainda congruente com o pensamento econômico neoliberal. Paulatinamente, contudo, essa iniciativa criou uma conjuntura propícia para o adensamento de iniciativas voltadas à integração sul-americana, cuja oportunidade foi coadjuvada pela ascensão de governos progressistas na região, visando o fortalecimento de seus países por meio da maior autonomia da região. Após anos de reuniões de cúpula, a criação da Unasul, em 2008, reunindo todos os países da América do Sul, consagrou o modelo de “desenvolvimento para dentro” na América do Sul, ao permitir a construção de um espaço de integração e coordenação política e seus projetos de construção de infraestrutura regional: um de seus conselhos, o COSIPLAN (Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento), incorporou a IIRSA e ampliou seu escopo e seu financiamento. A Unasul, outrossim, atua como catalisador da aproximação dos demais blocos integracionistas da América do Sul, como o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN). O Mercosul é claramente o centro dinâmico para a integração da América do Sul, em razão de sua densidade econômico-comercial como união aduaneira e, mais recentemente, de seu desenvolvimento político e social.
Figura 2: MERCOSUL
- 3 Disponível em: <http://elpaisdigital.com.ar/contenido/argentina-mira-al-pacfico-oportunidades-y-riesgos-del-libre-cambio/412> Acesso em 31 out. 2017.
Fonte: El País Digital3
Tabela 2: Dados do MERCOSUL (2016)
28Entretanto, o cenário praticamente ininterrupto de dificuldades econômicas e financeiras que assolou a economia global a partir de 2008 traduziu-se em um contexto amplamente desfavorável para os países sul-americanos e, consequentemente, ao incipiente processo de integração regional. Após quase uma década de prosperidade econômica, na esteira da elevação dos preços internacionais dos principais produtos de exportação da América do Sul, decorrente do crescimento da demanda chinesa, a desaceleração econômica afetou as economias regionais de forma severa.
29Nessas condições, o advento da Aliança do Pacífico pode ser analisado como a exteriorização de dois objetivos principais, ambos vinculados à crise econômica. Em primeiro lugar, a tentativa de atenuar a dependência das grandes potências às quais suas economias estão atreladas – sobretudo os EUA e a China -, por meio da diversificação de parcerias comerciais. Atualmente, a AP possui 49 Estados observadores, abrangendo países desenvolvidos – como EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Canadá – e países em desenvolvimento, dentre os quais estão três dos cinco membros do Mercosul – Argentina, Paraguai e Uruguai -, e países como China, Índia, Turquia e Indonésia. Em segundo lugar, a investida para atenuar a influência do Mercosul na região no momento de debilidade econômica de seus membros, em consonância com os interesses geopolíticos dos EUA, dentre os quais pode-se apontar: a) o avanço do livre-comércio na América do Sul, por meio da organização de uma frente econômica neoliberal; b) contrabalançar o peso dos países considerados líderes regionais – Brasil, Argentina e Venezuela, não por acaso todos estados-membros do Mercosul –, principais artífices dos processos de integração regional sul-americano, que alijam os EUA do seu centro decisório, ao diminuir sua histórica hegemonia.
30A contextualização histórica das relações entre o Brasil e seu entorno regional imediato traz à tona os antagonismos e as aproximações que perpassaram, sobretudo, os anos marcados pela Guerra Fria e a realidade congelada pelo conflito ideológico da bipolaridade mundial. A história da América do Sul foi marcada pelo distanciamento do Brasil junto a seus vizinhos. De fato, apenas os vizinhos maiores, que comportavam algum tipo de ameaça do ponto de vista geopolítico, receberam alguma atenção das autoridades brasileiras ao longo do século XX.
31Desde meados da década de 1980, contudo, as decisões políticas e estratégicas brasileiras sofreram uma importante inflexão. A “autonomia pela distância”, na expressão de Fonseca Jr. (1998), postura adotada durante o regime militar, seria substituída pelo que o mesmo autor denomina de “autonomia pela participação”, motivada pelo processo de redemocratização do país, quando o Brasil passou a buscar a superação das rivalidades com seus vizinhos sul-americanos por meio da cooperação. As dificuldades econômicas análogas enfrentadas por muitos países da região, como a inflação elevada e a crise da dívida externa, catalisaram uma aproximação não apenas econômica e comercial, mas também uma reconciliação política.
32Desde então, o estreitamento de relações com os países da América do Sul passou a representar um espaço fundamental para o Brasil, com a deliberada promoção de políticas de cooperação e aproximação sem precedentes e sucessivos governos passaram a expandir suas agendas regionais. O fim da Guerra Fria foi fundamental para esse novo processo, o qual deu azo para a reinserção do Brasil nos foros internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, de onde ficara afastado por vinte anos (1968-1988), e a retomada do diálogo e da reaproximação com todos os países do mundo, consubstanciando os novos rumos da política externa com relação aos países vizinhos. A nova postura brasileira iniciou-se com o estreitamento dos laços com a Argentina e a posterior conformação do Mercosul por meio do Tratado de Assunção, em 1991, que reuniu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
33Há uma mudança qualitativa na política externa brasileira quando Luís Inácio Lula da Silva assume a presidência do Brasil, por sua disposição a promover o papel do Brasil como líder regional, justificando tal papel a características geopolíticas, como território, população, desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico. Na esteira da eleição de governos progressistas na região no início do século XXI, resgatou-se o ideário de união dos Estados sul-americanos de modo a articular as relações de aproximação e integração em diversos campos, como a construção de uma infraestrutura interna coesa, a cooperação em defesa, a harmonização política e o fortalecimento do intercâmbio comercial.
34O Brasil, entusiasta e indutor das políticas de integração nacional, apresenta-se disposto a exercer uma liderança regional, instrumento crucial para sua projeção e seu prestígio internacional. Para este fim, os projetos integracionistas sul-americanos seriam fundamentais, por meio dos quais o Brasil tentaria granjear posições consensuais de seus vizinhos, que, por sua vez, poderiam legitimar a condição de liderança brasileira na América do Sul. Para Amorim (2007), a posição do Brasil como ator global seria consistente com a ênfase conferida à integração regional, sendo a capacidade de coexistir pacificamente com seus vizinhos um fator relevante da sua inserção internacional. A eventual liderança regional almejada pelo Brasil funcionaria como um “trampolim” para suas projeções geopolíticas internacionais, na esteira das ações empreendidas nos principais foros políticos e econômicos multilaterais, com a expansão do leque de parcerias estratégicas, privilegiando grandes potências e países emergentes, seus esforços para a reforma das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança (no qual ambiciona ocupar um assento permanente) e sua inclinação pela multipolaridade como estrutura de poder desejável.
35Em sua estratégia de defesa, a integração regional ocupa um papel crucial. A partir da Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END), atualizados em 2012, constata-se que a América do Sul é uma das regiões pertencentes ao entorno estratégico brasileiro - juntamente com a África Subsaariana, a Antártida, e o Atlântico Sul -, onde o Brasil deve aprofundar seus laços de cooperação. Os documentos reiteram que, ainda que a América do Sul seja uma região relativamente pacífica, é fundamental que o Brasil, em função da sua situação geopolítica, intensifique o desenvolvimento harmônico da América do Sul, uma vez que eventuais tensões tendem a se irradiar no âmbito da defesa e da segurança regional. Sugerem, portanto, o fortalecimento dos processos de integração regional, a partir do Mercosul, da Unasul e mesmo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, com a integração das bases industriais de defesa, conforme vem sendo desenvolvido no Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) da Unasul, de maneira a preservar seus interesses, sua soberania e sua independência.
36No entanto, o Brasil confronta-se com empecilhos às suas aspirações políticas e estratégicas para além dos interesses geopolíticos da Aliança do Pacífico. Ressalte-se ainda a existência de significativas assimetrias de poder na América do Sul entre o Brasil e o restante de seus vizinhos, com implicações perniciosas para a tentativa de liderança brasileira na região, assim como para a própria institucionalização das iniciativas regionais. O desequilíbrio de poder existente certamente abre espaço para a inserção e a influência de novos países e blocos regionais, a exemplo da Aliança do Pacífico.
- 4 Decisão CMC 32/2000 – Relançamento do Mercosul/Relacionamento Externo.
37No Mercosul, as novas lideranças vêm emulando a Aliança do Pacífico na abertura para a assinatura de acordos de livre-comércio com terceiros países ou grupos de países, em desacordo com a Decisão 32/00 do Conselho do Mercado Comum4, pela qual os membros do bloco comprometem-se a negociar de forma conjunta acordos de natureza comercial com terceiros países ou grupos de países extra-zonas nos quais se outorguem preferências tarifárias. Existe um risco de desintegração do Mercosul, a partir do anseio das novas autoridades do Mercosul de flexibilizarem as regras do bloco e voltarem-se para a abertura comercial aos moldes da Aliança do Pacífico.
38Não surpreende, nesse contexto, que a Argentina, agora sob a política econômica de matriz neoliberal do governo de Maurício Macri, tenha demonstrado grande interesse em se aproximar da Aliança do Pacífico, solicitando inclusive a participação do país como membro observador do bloco, vislumbrando no vínculo com a AP novas oportunidades comerciais na região do Pacífico. Existe um risco, portanto, de desintegração do Mercosul e de um distanciamento da Argentina, país com qual o Brasil compartilha valores e objetivos de política externa, consubstanciados na assinatura de uma aliança estratégica desde 1997. Não se pode olvidar que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no mundo, um comércio que envolve, sobretudo, a exportação de produtos de alto valor agregado, algo que pode ser afetado pelo anseio argentino de acercar-se da Aliança do Pacífico.
39O fim da Guerra Fria e, por extensão, da bipolaridade que congelava o poder mundial, alterou sobremaneira os espaços geográficos correspondentes às prioridades geopolíticas dos EUA. Na América do Sul, contudo, o país busca a continuidade de sua supremacia, condicionada por dois interesses principais: a manutenção da dependência comercial dos países da região em relação à sua economia e a preservação da segurança hemisférica.
40Na esfera econômica, seus interesses imediatos foram correspondidos durante a maior parte da década de 1990, com a adoção de políticas neoliberais delineadas pelo “Consenso de Washington”. Sob este arcabouço econômico que varreu a região sul-americana, os EUA vislumbraram a reedição de um sonho antigo: a implantação de uma zona de livre-comércio em todo o continente americano, na esteira do NAFTA. Em 1994, na Cúpula das Américas, em Miami, os EUA propuseram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que deveria eliminar as barreiras alfandegárias entre os 35 países do continente.
41Contudo, o malogro das políticas neoliberais dos anos 1990, associada à ascensão de governos progressistas na América do Sul, eliminou a possiblidade de os EUA verem a concretização da ALCA, cujas negociações foram suspensas na Cúpula das Américas em Mar del Plata, em 2005. Em resposta, os EUA passaram a estabelecer tratados bilaterais de livre comércio, começando pelos países exportadores de commodities da região do Pacífico, Chile e Peru, além de seu principal parceiro estratégico na América do Sul, a Colômbia, uma tentativa de preservar seus interesses econômicos, preservando a supremacia de suas empresas e seus investimentos.
42Nessa perspectiva, o surgimento da Aliança do Pacífico adequa-se de forma alvissareira às pretensões econômicas dos EUA na América do Sul, sobretudo em um contexto de crescente inserção comercial por parte da China na região e do predomínio do Mercosul como o mais importante bloco econômico sul-americano. Os estados da AP representam um valioso instrumento para frear a dinâmica que vem erodindo gradualmente a influência econômica e política dos EUA na América do Sul.
43No plano estratégico-militar, a manutenção e a ampliação da presença política e militar dos EUA na América do Sul evidenciaram que a região jamais se desvencilhou da órbita geopolítica estadunidense. O imperativo de manutenção de sua hegemonia no continente americano obstaculiza, indefinidamente, o surgimento ou a ascensão de um novo estado como polo de poder que venha a antagonizar sua supremacia geoestratégica e criar uma balança de poder continental.
44A constituição de um projeto de integração como a Unasul, que congrega todos os demais da América do Sul e rechaça deliberadamente a intromissão dos EUA nas decisões que dizem respeito à região, representa uma verdadeira afronta aos interesses geopolíticos estadunidenses e explica a necessidade de dispor de países estratégicos no espaço geográfico sul-americano que atuem como guardiões de seus interesses.
45A década de 2000 testemunhou ações diretas dos EUA na região, em uma tentativa de fazer face ao predomínio de governos autonomistas e da constituição de iniciativas regionais que vilipendiavam a presença americana na América do Sul, sobretudo com a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no seio da Unasul. Para isso, os países que hoje fazem parte da Aliança do Pacífico têm sido cruciais para a linha de ação estratégica dos EUA.
46Os EUA vêm entabulando diversos acordos de cooperação militar com os países da Aliança do Pacífico. O acordo militar com a Colômbia, de 2009, permitiu maior acesso às sete bases militares estadunidenses já existentes no país. Sob o Plano Colômbia, de 2000, a ajuda econômica e militar dos EUA tornou as forças armadas colombianas significativamente bem equipadas. Com o Peru, um convênio militar em 2013 previu o intercâmbio de material, tecnologia e assistência técnica às suas forças armadas. Como destaque, pode-se apontar a base naval estadunidense e seu centro de treinamento fluvial em Iquitos, cidade portuária na Bacia Amazônica. Com o Chile, além de regulares exercícios militares conjuntos, encontra-se a base naval estadunidense de Fuerte Aguayo, financiada pelo Comando Sul das Forças Armadas dos EUA em 2012.
47Ainda mais sintomática foi a reativação da IV Frota Naval, em 2008, incumbida de exercer o controle dos mares que circundam a América Latina. A frota, uma divisão da Marinha dos EUA, atua como um componente do Comando Sul das Forças Armadas no Atlântico Sul, que busca garantir o acesso ao sul como parte da defesa dos EUA. Sua presença nos mares do Atlântico Sul - onde realiza manobras militares - e o estacionamento permanente de recursos humanos e materiais na Colômbia, no Peru e no Chile proporcionam aos EUA uma preeminência estratégica que permite uma intervenção militar na região com vistas a salvaguardar seus interesses geopolíticos. A presença exorbitante de forças militares dos EUA na América do Sul é causa de preocupação por parte dos países da região. O espaço geográfico sul-americano é cobiçado por sua biodiversidade, suas bacias aquíferas de alto potencial energético, suas reservas de petróleo e gás e suas reservas de minerais.
48Assim, ao vislumbrar nos países da AP um canal de manutenção e de defesa de seus interesses políticos, econômicos e estratégicos na América do Sul, os EUA buscam estreitar o vínculo com Chile, Peru e Colômbia, de modo a deslocar a emergente projeção brasileira, a preponderância econômica do Mercosul e o fortalecimento da concertação política da Unasul (e seu Conselho de Defesa), preservado sua hegemonia na região.
49É bastante perceptível que o envolvimento da China na América do Sul é condicionado pelas relações comerciais e de investimento, sobretudo após ter sua admissão na OMC, em 2001. Entretanto, sua inserção transcende as expressivas vinculações comerciais e alcança também as estruturas de governança regional sul-americana. A aproximação comercial é o fio condutor para a ampliação da dimensão geopolítica chinesa na região.
50A criação da Aliança do Pacífico representa uma oportunidade significativa para a continuidade do acercamento chinês da América do Sul. O afã manifestado pelos países do bloco de incrementarem seu comércio com a China configura-se uma oportunidade promissora para a expansão das relações da China com os países sul-americanos, facilitando sua penetração geopolítica. O crescimento da dependência econômica dos países da AP que já têm na China seu principal destino de exportação – Peru e Chile – e a expansão do vínculo comercial com a Colômbia, desatrelando-a da subordinação estrutural com os EUA, fazem parte da estratégia chinesa.
51Pode-se considerar que a projeção geopolítica da China na América do Sul está subordinada a três estratégias principais. Em primeiro lugar, busca salvaguardar o acesso à aquisição de recursos naturais, fundamentais para seu desenvolvimento econômico, e garantir a expansão da demanda para seus produtos de alto valor agregado. O intercâmbio comercial entre a China e os países sul-americanos consiste em uma interação econômica nos moldes da relação centro-periferia, na qual um país exporta produtos de alto valor agregado e importa produtos primários, modelo que conduz à intensificação das exportações baseadas em commodities e, em países como Brasil e Argentina, à “reprimarização da economia”, com danos à sua industrialização. Nesse sentido, há um evidente enfraquecimento dessas economias no cenário internacional, suscetíveis às oscilações dos preços no mercado global de commodities.
52A rápida ascensão da economia chinesa, desde o final dos anos 1970, permitiu que o país ultrapassasse os EUA e se tornasse a maior potência comercial do mundo em 2012, pelo critério do fluxo comercial, além de já ser o maior exportador mundial desde 2009. Na América do Sul, a China visa explorar a complementaridade de suas economias, ampliando os setores de cooperação e, em pouco tempo, tornou-se o primeiro destino das exportações de muitos países.
53Os investimentos chineses na região sul-americana estão concentrados em setores-chave para sua economia, os recursos naturais, como cobre, soja, minério de ferro e petróleo, voltados para a otimização do escoamento das exportações de commodities e minérios, de modo a reduzir seu preço. Se por um lado a execução e o financiamento da China, sobretudo nos projetos da IIRSA, são auspiciosos para a América do Sul, carente de recursos financeiros próprios para seu programa de infraestrutura, por outro lado reforçam a concentração das exportações em produtos primários, enquanto se torna o destino de exportações de produtos industriais e de alto conteúdo tecnológico.
54Os novos rumos da economia chinesa nos últimos anos corroboram o caráter pernicioso dessa relação para a América do Sul. Com a crise financeira internacional de 2008, os chineses deram-se conta da insustentabilidade do modelo de crescimento econômico baseado nas exportações e nos pesados investimentos em infraestrutura. Ao substituir o crescimento puxado pelo mercado externo pelo estímulo ao consumo interno e aos serviços domésticos, sua demanda por importações passa a desacelerar, desmantelando os preços das commodites que têm na China sua principal demanda. Apesar de se manter como importante importador, a nova demanda certamente não se dará no mesmo ritmo. Esse é um grande desafio para os países da América do Sul, cujas maiores economias – Argentina, Brasil e Venezuela – já enfrentam brusca recessão econômica e, sobretudo, para os membros da Aliança do Pacífico, ávidos pelo crescimento do intercâmbio comercial com a China.
55A segunda estratégia chinesa consiste na busca para representar uma alternativa à posição estratégica dos EUA na região. A aproximação política, advinda do crescimento das relações comerciais, é seu principal instrumento. Reciprocamente, os países sul-americanos têm fortes interesses por uma relação multifacetada no âmbito da política internacional, e a aproximação com um país geopoliticamente poderoso representa um importante trunfo para suas pretensões externas. Apesar das relações comerciais assimétricas, as diversas iniciativas políticas conjuntas refletem visões comuns sobre os principais temas da agenda internacional, em especial aquelas atinentes aos mecanismos de governança global e sua necessária adaptação à realidade contemporânea. Na ONU, China e América do Sul engajam-se na defesa da prevalência do multilateralismo e na reforma de suas instituições, vistas como anacrônicas; no G-20, que reúne as maiores economias globais, esforçam-se para alterar os processos decisórios do FMI e do Banco Mundial, de forma a aumentar a participação das economias emergentes; na Agenda do Desenvolvimento Pós-2015, demonstram certa comunhão face aos desafios comuns.
56A terceira estratégia da China está fundada na tentativa de isolar Taiwan na esfera internacional, considerado pelos chineses uma província rebelde do país. Por conseguinte, o governo chinês defende a fórmula “um país, dois sistemas”, análoga à existente com Hong Kong e Macau, não descartando a possibilidade de usar a força no caso de a ilha declarar-se independente. Apesar da inexistência de relações diplomáticas entre China e Taiwan, o governo chinês concede certa liberdade a Taiwan no âmbito econômico-comercial, permitindo sua participação como membro autônomo na OMC e na APEC. Ainda há 26 países que ainda não reconhecem a República Popular da China em todo o mundo. Na América do Sul, o Paraguai é o único que possui relações diplomáticas e reconhece a soberania de Taiwan, do qual recebe generosa ajuda econômica. Assim, o estreitamento de relações políticas e econômicas da China com a América do Sul é imperiosa para ser reconhecida como a detentora da jurisdição sobre o Estado insular, deslegitimando as ambições independentistas de Taiwan.
57Para além das estratégias supracitadas, a aproximação chinesa dos países da Aliança do Pacífico também é importante para o êxito da criação da Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP), um acordo de comércio multilateral que buscava fazer frente à Parceria do Trans-Pacífico (TPP), agora denegada pelos EUA de Donald Trump. Assim, ao invés de desafiar diretamente as instituições internacionais existentes ou em vias de conformação, os chineses criam novas plataformas em que possam ter influência. As rivalidades entre China e EUA no plano mundial, portanto, ressoa de maneira sensível na Aliança do Pacífico e no restante da América do Sul.
58O cenário sul-americano do século XXI é caracterizado por indefinições geopolíticas que abrem espaço para o advento de novos polos de poder e de influência na região. Historicamente atrelada ao papel hegemônico desempenhado pelos EUA, a América do Sul atesta a ascensão e o declínio do protagonismo de atores extrarregionais e intrarregionais. A escalada da importância econômica e comercial da região da Bacia do Pacífico, vinculada ao deslocamento do centro dinâmico da economia mundial para os países asiáticos, bem como o relativo declínio econômico de Brasil, Argentina e Venezuela nos últimos anos, culminaram na possibilidade de os países da Aliança do Pacífico almejarem nova projeção no posicionamento da hierarquia do poder regional.
59Contudo, o êxito da AP como bloco regional não está assegurado. Embora ela se destaque pela flexibilidade e pelo desejo de construir cadeias produtivas para inserção conjunta na economia global, seus membros se unem basicamente por afinidades ideológicas neoliberais e pela relação de proximidade com os EUA, com o qual possuem tratado de livre comércio.
60A vulnerabilidade econômica é um dos traços mais marcantes dos países do agrupamento, que padecem de duas debilidades consideráveis. A primeira consiste no estreito vínculo a que estão submetidos ao desenvolvimento dos EUA, de modo que sua autonomia no plano externo é altamente comprometida. A segunda refere-se ao caráter primário-exportador de suas economias, suscetíveis às constantes oscilações do mercado internacional.
61Somam-se ainda a baixa interdependência econômica e política entre seus membros, o fato de suas economias não serem complementares e as assimetrias econômicas existentes. O volume de transição comercial intrarregional ainda é bastante tímido: segundo o Banco Mundial (2016), o comércio intrarregional na Aliança do Pacífico representava apenas 3,42% em 2014. À guisa de comparação, o comércio intra-Mercosul correspondia a 14% do comércio exterior de seus membros no mesmo ano.
62Ademais, o poder da Aliança do Pacífico em termos econômicos e de mercado não representa uma ameaça ao Mercosul. Para o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota (2013), a eliminação de tarifas propugnada pela AP não tem grande implicação, tendo em vista que já existem acordos de livre-comércio entre eles como membros da ALADI, sob o patrocínio do Tratado de Montevidéu de 1980. Segundo o diplomata, a CEPAL havia diagnosticado, desde 2010, que o nível de liberalização comercial entre os países da AP superava os 90%, com exceção da relação comercial entre Peru e México, que foi alvo de um acordo de livre-comércio em 2011. Com relação ao Mercosul, foram firmados, também ao amparo da ALADI, acordos para a eliminação de tarifas comerciais entre o bloco e os países sul-americanos da Aliança do Pacífico, os quais deverão promover, até 2019, a liberalização total do comércio regional.
- 5 ALBA plantea crear fuerza económica alterna a la Alianza del Pacífico. El Universo, Quito, Equador, (...)
63Com relação à ALBA, Bernal-Meza (2015) atenta para o posicionamento do governo venezuelano de considerar a existência da Aliança do Pacífico como um desafio à própria sobrevivência da ALBA e ao seu projeto de integração regional que envolve propostas ambiciosas nas agendas sociais, culturais, econômicas e financeiras. A proposta do presidente Nicolás Maduro5, durante a XII Cúpula de Presidentes da ALBA em julho de 2013, de criar uma zona econômica entre a ALBA e o MERCOSUL como uma contraposição ao modelo de regionalismo aberto da Aliança do Pacífico é ilustrativa nesse sentido.
64Outro importante desafio para o êxito da Aliança do Pacífico está na ascensão ao governo dos EUA de Donald Trump, um político que se concentra em um discurso antiglobalização e em uma plataforma econômica protecionista, que pode dificultar sobremaneira o acesso das exportações do bloco àquele mercado. A expectativa dos países da AP de integrar-se à economia mundial de maneira mais rápida e efetiva por meio do megabloco da Parceria Transpacífico (TPP) desintegrou-se com a decisão de Donald Trump de retirar os EUA do acordo. Não menos importante é a possibilidade de revisão do NAFTA, com efeitos deletérios para a economia do México e, por extensão, da Aliança do Pacífico.
65Apesar de em termos econômicos a criação da AP não apresentar desafios relevantes para o Mercosul e para o Brasil, as repercussões geopolíticas devem ser acompanhadas com a devida atenção por parte dos países da América do Sul. Com efeito, a profusão de interesses geopolíticos na região, emanados a partir da conformação da Aliança do Pacífico, é fundamental para entender a dinâmica que caracteriza o tabuleiro geopolítico sul-americano. O Mercosul e a Unasul enfrentam o desafio de lidar com possibilidade de fragmentação da região, comprometendo a oportunidade de inserção internacional autônoma dos países sul-americanos. A pulverização das nações sul-americanas certamente enquadra-se nos esforços das potências extrarregionais, sobretudo EUA e China, para consolidarem e expandirem seu poder e sua influência na América do Sul, garantindo o acesso a seu mercado e seus recursos estratégicos.