1O território do Rio Grande do Norte (RN) representa uma das menores unidades federativas do Brasil em termos de extensão territorial [52 811,126 km², equivalentes a 3,42% da área do Nordeste e a 0,62% da superfície do Brasil (IBGE, 2016)]. Todavia, a grandeza de sua diversidade ambiental é fator surpreendente à análise científica, bem como à dinâmica de sua transição, marcada no espaço por muitas formas e práticas singulares. Único Estado da federação emoldurado por duas faixas litorâneas distintas (Oriental e Setentrional), o RN abriga vastas áreas de coberturas dunares, contando com remanescentes da Mata Atlântica. A presença do Agreste e do Sertão é multirepresentativa, marcada por diferentes formas de expressão em formações geológicas oriundas de processos diversos. A Geomorfologia do RN revela marcas e formas plurais em todas as unidades ambientais do Estado, materializadas no uso do solo pela agricultura e na ocupação do espaço por diferentes práticas econômicas, exploração de energia e modos de vida entrelaçados entre redes urbanas e rurais. Neste contexto, a água é temática central, pois apresenta os desafios do território ao desenvolvimento econômico e social, bem como as possibilidades de sua sustentabilidade.
2Foi a partir deste contexto natural complexo que se elaborou o presente dossiê de pesquisas geográficas intitulado “Cartografias ambientais do Rio Grande do Norte” que propõe analisar desafios ambientais do Estado a partir de uma cartografia crítico-analítica respaldada por discussão científica aplicada aos estudos da Paisagem, da Hidrografia, da Atmosfera e da ocupação e uso do solo pela agricultura no território estadual.
3Conforme citado na primeira edição do dossiê (Dantas; Nonato Júnior; Gomes, 2017), o olhar provocador a partir do qual foram realizadas tais pesquisas se origina do Projeto ATLAZ - Avaliação Territorial e Ambiental modeliZada do Rio Grande do Norte, concebido e organizado pelo pesquisador Hervé Théry (CNRS/USP) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Neste projeto, destaca-se o objetivo de articular grupos de pesquisadores da área de Geografia que trabalham sobre a complexidade do território do Rio Grande do Norte, discutindo-se problemáticas de pesquisa e proposições metodológicas para análise geográfica. Nesta perspectiva, o projeto ATLAZ se debruçou sobre “Dinâmicas territoriais, fluxos e redes do Rio Grande do Norte [...] bem como seus efeitos múltiplos e cruzados sobre o território brasileiro” (Théry, 2015).
4No que se refere a concepção de Cartografia que guiou este trabalho, segue-se a perspectiva desenvolvida em projeto de pesquisa institucional da UFRN (Nonato Júnior, 2016, p. 16), ao considerar que “A produção cartográfica deve refletir a produção da vida e de suas diversas problemáticas”, representando a evolução e os entraves na história da humanidade, a formação e desenvolvimento cognitivo humano mediado pelos desafios socioespaciais, políticos e ambientais que caracterizam às diferentes formas de representação.
5Nesta perspectiva, os trabalhos do presente dossiê tem a Cartografia como fundamento epistemológico (do saber), teórico (da interpretação e análise), técnico (do sistema de procedimentos sobre o fazer) e tecnológico (dos padrões cognitivos e informacionais sobre o fazer), seguindo a ideia do estudo cartográfico tomado de maneira complexa nestas quatro dimensões e não como mera figuração da realidade (Nonato Júnior, 2016). Assim, a Cartografia é pensada sob um viés epistemológico, enquanto produtora de conhecimento, provocadora da interpretação e análise do objeto de estudo da Ciência Geográfica (Brunet, 2001; Harley, 1987; Padovesi, 2007). O saber cartográfico também é pensado como provocação crítico-analítica ao estudo científico da realidade, a fim de discutir as disparidades e desafios do território, conforme apontado na Cartografia de base argumentativa, analítica e crítica da contemporaneidade (Théry; Mello, 2008).
6Com base nestes preceitos gerais, o grupo de pesquisadores se debruçou sobre temáticas ambientais do Rio Grande do Norte, analisando as representações cartográficas e imagéticas juntamente aos textos analítico-discursivos. Como produto, surgiram sete artigos que tratam das seguintes temáticas: Paisagens híbridas, formadas por ações geográficas integradas da Geografia Física e Humana; Recursos hídricos, sua cartografia e diversidade; Gestão da água, desafios à sustentabilidade; Saneamento básico e a cartografia dos inúmeros desafios ambientais articulados à gestão do território; Fatores atmosféricos no cotidiano das populações, cruzando estudos pluviométricos e suas correlações à saúde; Uso do solo e do território à agricultura no Estado, bem como uma cartografia das políticas públicas que atingem às populações do campo.
7A concepção ambiental utilizada neste dossiê não produz cisão entre geografia física e humana, tampouco opõe escalas locais, regionais e internacionais, pois a ciência geográfica é compreendida de forma ampla e dialógica, articulada em redes humanas, naturais, políticas, institucionais, culturais, psicológicas e econômicas. Para tanto, utiliza-se a noção de “Complexo Geográfico” (Monbeig, 1957; Dantas, 2009) como conceito articulador da rede de questões ambientais pesquisadas. Assim, “O RN se apresenta como Complexo Geográfico ao pensamento contemporâneo, aludindo provocações aos limites e potencialidades da epistemologia geográfica para leitura dos diversos sistemas socio-fisico-político-econômico-culturais que subjazem na constituição de um espaço em território” (Dantas; Nonato Júnior; Gomes, 2017, p. 04).
8Em suma, compreende-se que pesquisar o Rio Grande do Norte sob o viés da análise cartográfica é também fomentar espaços de debate sobre a condição epistemológica contemporânea da Ciência Geográfica, uma vez que a primeira é pensada em diálogo indissociável com a segunda. As representações cartográficas, tomadas como linguagem integrada à problematização do texto científico, são compreendidas como redes cognitivas de leitura/produção/ interpretação do espaço. Por isso, imbricadas com a Geografia em suas mais diversas leituras físicas e humanas e nas inúmeras formas de representação do espaço.