1A problemática do saneamento básico, tema de fundamental importância para o desenvolvimento econômico e social do pais, é negligenciada pela maioria dos gestores públicos brasileiros, no estado do Rio Grande do Norte essa realidade não é diferente. Para melhor compreender o conjunto de problemas relacionados a tal fato o presente estudo procurou estabelecer relações entre as legislações e políticas existentes que tratam do saneamento, com as infraestruturas e materialidades que dão suporte a essas atividades no estado, relacionando os quatro componentes do saneamento básico: abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão e manejo dos resíduos sólidos e da drenagem urbana e manejo das águas pluviais.
- 1 Rodrigues, L. C. Sistemas de engenharia e abastecimento de água no Rio Grande do Norte: análise da (...)
2O trabalho tem por base estudo monográfico1 e as experiências de dois anos dos autores na participação de projeto de pesquisa em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com o objetivo de capacitar e dar apoio técnico para qualificar profissionais das prefeituras de oitenta e seis municípios do Rio Grande do Norte para a elaboração de minuta de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB). A pesquisa conta com uma equipe de profissionais da UFRN e outras universidades do estado, conforme Termo de Referência da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.
3A metodologia da pesquisa pauta-se no tripé formado pela pesquisa bibliográfica (teórica e de trabalhos concluídos que tenham relação com o tema), documental (a partir das normas, portarias e documentos oficiais que discutem o saneamento no estado do RN) e empírica (pela análise de dados secundários obtidos em documentos oficiais e bancos de dados governamentais, tais como o Sistema Integrado de Georreferenciamento Hídrico e Meio Ambiente do RN - SIGHMA, que reúne uma série de fontes referentes aos recursos hídricos do estado, como o Instituto de Gestão das Águas - IGARN, a Secretaria do Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos - SEMARH e a Companhia de Águas e Esgotos do RN - CAERN), adotando-se uma escala de análise a nível estadual. Além disso, para elaboração dos mapas, foi utilizado os softwares de mapeamentos ArcGIS e Philcarto, e de desenho Inkscape para criação da modelização gráfica.
4O projeto de pesquisa citado anteriormente surgiu da necessidade de atendimento de preceitos legais que determina aos municípios brasileiros a obrigatoriedade do planejamento na área de saneamento. De acordo com a Lei nº 11.445/07, que institui a Política Nacional de Saneamento, cabe aos municípios elaborar seus PMSB e, consequentemente, planejar as ações para sanar as deficiências diagnosticadas. Dessa forma, como instrumento de planejamento instituído pela lei, o PMSB será um instrumento legal norteador da política a ser adotada, devendo englobar integralmente o território municipal (áreas urbanas e áreas rurais).
5O projeto é oriundo de um Termo de Execução Descentralizada (TED) assinados entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), abrangendo 86 municípios do estado, com populações inferiores a 50 mil habitantes, como pode ser visualizado no mapa abaixo (Figura 01):
Figura 01 – Mapa de municípios inseridos no projeto Pesquisa PMSB e população dos municípios do estado do RN
Fonte: Rodrigues, 2017.
6Os mapas que foram produzidos para este artigo buscam retratar a situação do saneamento básico no estado do Rio Grande do Norte. As variáveis espacializadas retratam as condições do abastecimento de água no estado, a partir do mapeamento das infraestruturas hídricas (cisternas, poços, reservatórios, adutoras), sistemas de abastecimento, prestadores de serviços comitês de bacias hidrográficas, situação do tratamento de esgoto por município, localização dos aterros sanitários e contexto dos consórcios intermunicipais de resíduos sólidos e o cenário atual da elaboração dos planos municipais de saneamento básico.
7Do ponto de vista conceitual, saneamento é demasiadamente abrangente e ao longo do tempo tem diversificado sua conceituação, pois “vem sendo socialmente construído ao logo da história da humanidade, em função das condições materiais e sociais de cada época, do avanço do conhecimento e da sua apropriação pela população” (Brasil, 2015, p. 18). Trabalharemos aqui um conceito mais restrito, focado no de saneamento básico, que compreende um “conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de [...] abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública” (Brasil, 2007, p. 1)
8O saneamento é, portanto, um sistema de engenharia e um elemento constitutivo da base material do meio que possibilita a melhor saúde possível. Verbalizando o termo, podemos dizer que sanear é entendido como o ato de tornar o meio em condições salubres, por meio de um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais, ou seja, a materialidade, conceituada como sistema de engenharia, que “se define como um conjunto de instrumentos de trabalho agregados à natureza e de outros instrumentos de trabalho que se localizam sobre estes [...]” (Santos, 2014, p.88)
9Hoje o avanço no setor de saneamento se encontra nos mais diversos níveis pelo mundo, evidenciando uma situação de desigualdade quando observados indicadores de países como a Austrália, que em 2015 possuía 100% de sua população total com acesso a infraestruturas de saneamento básico, enquanto outros, como a República do Congo, possuía 15% (The World Bank, 2017).
10No Brasil, a população total com acesso a infraestruturas de saneamento básico é de 83%, segundo o Banco Mundial. Porém, este número não é tão representativo se considerarmos que a grande parcela da população do Brasil vive em centros urbanos (84% em 2015, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD), no qual o acesso aos serviços de saneamento básico já é mais difundido, como indicou Lima (2005) ao colocar o grau de urbanização como um dos determinantes demográficos da demanda por saneamento.
11No que concerne às infraestruturas para abastecimento de água do Rio Grande do Norte, destaca-se a presença e distribuição de reservatórios de água no estado. De acordo com SA (2006), a materialidade, definida como um “[...] componente imprescindível do espaço geográfico, [...] é, ao mesmo tempo, uma condição para a ação; uma estrutura de controle, um limite à ação; um convite à ação” (Santos, 2006, p. 321). Sendo assim, as infraestruturas aqui analisadas são, de fato, imprescindíveis para a realização do abastecimento de água, seja para as populações, seja para as atividades agrícolas e/ou industriais.
12A Figura 02 apresenta os municípios que têm sua zona urbana abastecida por manancial superficial estão em maioria no centro do estado, onde se encontram os menores índices pluviométricos anuais. Ainda se percebe que a mesorregião do Leste Potiguar, a mais populosa do estado, tem sua área urbana quase completamente abastecida por mananciais subterrâneos.
Figura 02 – Mapa de tipos de mananciais de abastecimento das sedes municipais do RN
Fonte: Adaptado de Rodrigues, 2017.
13Os sistemas de abastecimento de água da maioria dos municípios da região semiárida do estado do RN são dependentes dos vários reservatórios superficiais construídos na região (Figura 02 e 03). A estratégia adotada se baseia em uma política de acumulação de água, que se efetiva tanto pela construção de pequenos reservatórios espalhados pelo estado, quanto pela construção de reservatórios com grande capacidade, como no caso da Barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves (Cirilo, 2008).
14Para os municípios que não são abrangidos pela área de influência de um desses reservatórios, o governo adota como solução a construção de grandes sistemas adutores que conectam esses municípios com as barragens. Assim, todo o sistema fica dependente dos níveis dos reservatórios e, durante períodos longos de baixa pluviosidade, o abastecimento de água de grande parte do estado fica fragilizado (Cirilo, 2008).
Figura 03 – Mapa de dos principais reservatórios e volumes atuais do estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
15Em relatório divulgado em março (2017), o IGARN indica que houve melhora nas reservas hídricas do estado. Confrontando-se tais dados com o relatório divulgado no mês de fevereiro de 2017, antes das chuvas, verifica-se que o número de reservatórios que se encontravam em volume morto aumentou de 12 (doze) para 15 (quinze), o que corresponde a 31,9% (trinta e um vírgula nove por cento) dos mananciais do Estado. Já entre os que estavam completamente secos, houve uma diminuição de 21 (vinte e um) para 13 (treze), o que, em termos percentuais, corresponde a 27,6% (vinte e sete vírgula seis por cento) dos açudes.
16A estiagem enfrentada pelo RN nos últimos seis anos, que ganha ainda maior relevância pela quantidade de municípios atualmente em situação de calamidade (Figura 04), muitas vezes sendo abastecidos apenas por caminhões-pipa, não sendo atendidos pela atual rede de cisternas, poços e/ou reservatórios, adutoras, dentre outras infraestruturas existentes no estado. Esse não atendimento pode ser ocasionado tanto por uma ineficiência na gestão municipal na identificação de possíveis problemas e planejamento para possíveis soluções, como também no gerenciamento dos recursos hídricos disponíveis em seus territórios.
17No mapa abaixo (Figura 04), em diferentes tons de amarelo, tem-se 153 municípios em estado de emergência, no qual apenas os municípios do litoral não se encontram nessa situação. A mesorregião do Agreste Potiguar, além da situação emergência, concentra municípios na sua parte central com rodízio. Na Central Potiguar, a quase totalidade dessa mesorregião, também se encontra com rodízio no abastecimento, e quatro municípios com o agravo da situação de colapso. A parte oriental da mesorregião Oeste Potiguar também se encontra municípios com rodízio, bem como a microrregião do Alto Oeste, onde a situação é mais crítica, com onze municípios em colapso e emergência e dois onde as três situações de déficit no abastecimento ocorrem concomitantemente.
18Essas classificações quanto a situação ao abastecimento de água são provenientes do Governo do Estado, no qual acompanham a situação dos municípios em decorrência da disponibilidade e quantidade de recursos hídricos.
Figura 04 – Mapa da situação dos municípios quanto ao abastecimento.
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.19Uma das alternativas para o suprimento de água para as populações é a construção de pequenos e médios açudes que se constitui uma atividade tradicional e muito difundida, principalmente na região do domínio cristalino do Estado do RN. Segundo Campos (2002):
20Um açude nada mais é do que um reservatório de água superficial e consiste em uma intervenção antrópica no ambiente, com o objetivo de adequar os padrões de escoamento natural dos rios aos padrões de necessidade de consumo pelas populações. Então, um açude pode ser considerado um veículo que transporta, no tempo, a água acumulada nos períodos úmidos, para ser usada nos períodos de estiagem (Campos apud Melo, 2008).
21A perfuração de poços tubulares também representa importante alternativa para o suprimento hídrico de várias comunidades rurais do semiárido. Entretanto, em muitas dessas regiões, onde a busca por fontes alternativas de água é crítica, as águas subterrâneas, com frequência, apresentam elevada quantidade de sais (Ferreira et al., 2015). Isso ocorre por causa do processo de salinização gerado pelo contato prolongado do manancial com as rochas da estrutura cristalina da região (Ferreira et al., 2015).
22No entanto, os aquíferos próximos ao litoral apresentam melhor qualidade e melhores vazões, sendo inclusive utilizados como a principal fonte de água para os sistemas de abastecimento das sedes dos municípios localizados nessa região. O Sistema Aquífero Barreiras tem grande participação no abastecimento dos municípios do leste do estado, como observado na Figura 05, que mostra a maioria dos poços apresenta água com qualidade boa e salinidade baixa. A qualidade da água é um fator que deve ser levado em consideração no tocante à análise da gestão dos recursos hídricos.
Figura 05 – Mapa de aquíferos, poços e salinidade do estado do RN
Fonte: Rodrigues, 2017.
23Em relação ao mapa (Figura 05), se esclarece que os poços de água doce localizados na área do cristalino, encontram-se em locais de aluvião.
24Outra infraestrutura importante que possibilita o abastecimento de água para as populações, principalmente das comunidades do estado, são as cisternas. Como se percebe na Figura 06, a mesorregião Central Potiguar ainda possui regiões com baixo número de cisternas em relação à quantidade de domicílios rurais e, portanto, deve ser uma região prioritária em ações posteriores. Apesar de as cisternas já serem utilizadas para captar e armazenar água no meio rural há bastante tempo, somente mais recentemente é que políticas e programas vêm possibilitando à população mais pobre ter acesso a essa tecnologia, efetivando-a realmente como uma forma de abastecimento de água difusa e socialmente justa (Andrade Neto, 2013).
Figura 06 – Mapa de cisternas do estado do RN (Índice de Kernel
Fonte: Rodrigues, 2017.
25Na Figura 06, percebemos através de mapeamento com índice de Kernel, a concentração de cisternas a partir do banco de dados da SEMARH - índice este que gera um grau de influência pela proximidade, ou seja, quanto mais escuro (azul), maior são as concentrações de cisternas nas áreas com tais colorações. Os círculos proporcionais representam o número de cisternas por domicílios rurais.
26Conforme a Figura 07, apresenta-se hoje no Rio Grande do Norte uma grande quantidade de adutoras, que percorrem o estado no intuito de levar água de determinados reservatórios para municípios que não possuem condições e mananciais para se sustentarem do ponto de vista do abastecimento, atendendo sedes municipais e também comunidades. Conforme Medeiros (2017), atualmente existe uma preocupação também nas adutoras emergenciais: adutora emergencial para Currais novos, adutora emergencial para Pau dos Ferros, adutora emergencial para Jucurutu, adutora emergencial para Caicó, em função da crise hídrica atualmente enfrentada.
Figura 07 – Mapa dos sistemas adutores no estado do RN
Fonte: Elaboração do autor, 2017.
27Dessa forma, não são todos os municípios do estado que possuem as condições ideais de abastecimento a partir dos reservatórios (açudes e barragens) em decorrência do período intenso de seca (2012 – 2017). Boa parte permanece sem capacidade volumétrica suficiente para fornecer água de qualidade e quantidade necessárias para sua população.
28Essa constatação, nos remete à importância da ação de planejamento prévia do estado, que deverá servir de subsídio para o planejamento municipal. Atualmente a elaboração dos PMSB pelos municípios, tem capacidade de apenas buscar identificar soluções locais, que nem sempre são disponíveis para o atendimento de municípios de diversas áreas do estado. A deficiência de um planejamento estadual atualizado para nortear as soluções intermunicipais, regionais e estaduais, tem sido um limitador para a busca de soluções definitivas para a situação significativa já apresentada de estado de emergência quanto ao suprimento de água para as populações do estado, refletindo na acentuação do risco à saúde pública, e, implantação de soluções alternativas de contingência onerosas e muitas vezes inseguras do ponto de vista da salubridade da população.
29No âmbito normativo estadual, destaca-se a existência da Política Estadual de Saneamento, instituída a partir da lei nº 8.485/2004. Além desta política no estado, que se relaciona ao saneamento básico, tem-se também a Política Estadual de Recursos Hídricos e do Plano Estadual de Recursos Hídricos. Segundo site da SEMARH, a elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte foi iniciada em outubro de 1996 e concluída em dezembro de 1999. Como finalidade principal, o PERH teve por objetivo fornecer todos os elementos para propiciar a prática de uma política consistente e eficiente na gestão dos recursos hídricos do estado. Porém, de acordo com Medeiros (2017), é a partir do plano estadual de recursos hídricos que se pode definir um uso mais criterioso das águas. Todavia, o plano está defasado, já que foi feito com um horizonte de 20 (vinte) anos de perspectiva, quando, em verdade, deveria ser atualizado às necessidades correntes a cada 4 (quatro) anos.
30É importante ainda destacar nesta análise, os principais modelos de prestação de serviços em execução no Estado. Nesse quesito, é necessário primeiramente observar que as empresas, concessionárias e autarquias que tem por atribuição a prestação do serviço de abastecimento de água, quase que predominantemente incluem em suas atribuições a gestão e operação também do serviço de esgotamento, tratamento e destinação final dos esgotos sanitários. No Rio Grande do Norte a prestação desses serviços nas sedes municipais é efetuada de três maneiras: por prestação direta do município, por Sistemas Autônomos de Água e Esgoto (SAAE) – autarquia municipal, e, pela Companhia Estadual de Água e Esgoto (CAERN). Na Figura 8 apresenta-se, para as sedes municipais, os prestadores de serviço em relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado do RN.
Figura 08 – Mapa de prestadores de serviço em relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado do RN nas sedes municipais
Fonte: Elaboração do autor, 2017.
31Como se observa na Figura 08, no estado há uma predominância da prestação do serviço de abastecimento de água pela CAERN, que em grande parte dos municípios opera a prestação desses serviços a partir de sistemas regionalizados, que transportam água por grandes distâncias para o suprimento da população de municípios com problemas de escassez hídrica nos reservatórios locais. Os SAAEs estão operando a prestação destes serviços com exclusividade apenas em 8 (oito) municípios, reflexo das limitações de atuação dessas autarquias no estado, em função principalmente das restrições de recursos humanos (em quantidade e qualidade da capacidade técnica) e financeiras, para execução de um serviço de qualidade.
32Quando se trata da prestação do serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto para a população da zona rural dos municípios, há predominância da prestação direta por parte da gestão municipal, que em muitos casos apoia gestões descentralizadas operadas por associações de moradores rurais. Este cenário reflete grandes problemas na qualidade da prestação do serviço para as populações rurais, que a depender da capacidade de organização, dos recursos hídricos disponíveis em cada localidade, da vontade política da gestão municipal, entre outros fatores, têm diferentes realidades instaladas, ou até mesmo ficam esquecidos. Daí a importância dada pela política Nacional quanto à necessidade de se planejar o saneamento para todo o território municipal, considerando também as áreas rurais
33Conforme Granizera (2014), a forma da prestação dos serviços de saneamento e a sua regularidade impactam positiva ou negativamente a qualidade das águas: o esgotamento sanitário deve manter as condições de qualidade dos rios, permitindo sua utilização pelas populações a jusante (rio abaixo); a limpeza urbana, com o propósito de manter a cidade limpa, evita que os resíduos sólidos acabem no leito dos rios; a drenagem, além de minimizar os riscos de inundação nas cidades, pressupõe que as águas da chuva, ao passarem pela cidade, sejam tratadas antes de chegarem aos rios, para evitar a sua poluição.
34Por isso, a necessidade do planejamento integrado dos quatro componentes do saneamento básico é um requisito imposto pela Lei 11.445/2007, tendo em vista que a qualidade da prestação do serviço de um desses componentes é fortemente impactada pela ineficiência na prestação dos serviços de qualquer um dos demais. Outrossim, observando que os impactos da má gestão integrada do saneamento em um município não geram prejuízos apenas a população inserida no seu território, mas a toda que se localiza a jusante dele, ou até aquela abastecida por sistemas regionalizados provenientes de mananciais impactados, destaca-se a necessidade de articulação permanente dos municípios com políticas e planejamento bem estruturados advindos do estado e da União.
35Nesta perspectiva, avaliar a realidade dos demais componentes do saneamento básico a nível estadual é de importante relevância para os resultados deste trabalho. No que concerne o esgotamento sanitário, de acordo com o Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas, menos da metade (42,6%) dos esgotos do país é coletado e tratado. Apenas 39% da carga orgânica gerada diariamente no país (9,1 mil t) é removida pelas 2.768 Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) existentes no Brasil antes dos efluentes serem lançados nos corpos d´água. O restante, 5,5 mil toneladas, podem alcançar os corpos hídricos. A Resolução Conama 430 (2011) prescreve o tratamento de pelo menos 60% da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio), antes do lançamento. Do total de municípios no Brasil, 70% não possuem uma estação de tratamento de esgotos (ANA, 2017).
Figura 09 – Mapa do índice de tratamento de esgoto (coletado e tratado) do estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
36De acordo com o Atlas da ANA (2017) para o estado do Rio Grande do Norte cerca de 80,17 mil metros cúbicos de esgoto são gerados por mês, dos quais 37,79 mil m³ de esgoto são descartados no ambiente sem qualquer tratamento – resultando em 47,13% do total. Ou seja, são 37 milhões de litros de esgoto lançados in natura direto no ambiente, por mês. Soma-se a esse fator de degradação ambiental, a significativa carga lançada no meio, dentre os 52,87% de efluentes provenientes de algum tratamento no estado, os quais são advindos de sistemas com pouca ou nenhuma operação e manutenção, resultando em baixas eficiências de remoção dos tratamentos implantados. Este cenário é muito bem representado na Figura 09, a qual permite avaliar claramente a deficiência do componente esgotamento sanitário no estado do Rio Grande do Norte. Nela, observa-se a predominância de municípios do estado sem qualquer forma de tratamento implantada para os centros urbanos, e ainda, que grande percentual daqueles que possuem Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) implantadas, sua capacidade de tratamento não é suficiente para condicionar o volume gerado por toda a população do município.
Figura 10 – Mapa de classificação do município quanto à capacidade de diluição dos esgotos do estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
37Vale ainda destacar, o cenário estadual no qual predominantemente os corpos hídricos têm características de capacidade nula de diluição de esgotos (Figura 10), o que aponta para eminente importância de se investir em uma política de incentivo ao reuso controlado de esgoto, que possibilitará compatibilizar as demandas por água para a atividades como produção agrícola, manutenção de canteiros e parques municipais, tão impactados pela escassez hídrica que se prolonga no Estado.
38Do mesmo modo que a disposição inadequada dos esgotos sanitários, refletem em expressivos impactos aos recursos naturais, com destaque para as modificações na qualidade da água dos mananciais, a má gestão e manejo dos resíduos sólidos também são motivos de grande preocupação para a manutenção da salubridade do meio e das populações.
39A exemplo disso, os principais problemas de interface entre saneamento e recursos hídricos relacionados com a gestão de resíduos sólidos são os resíduos não coletados que permanecem depositados em encostas, talvegues e áreas úmidas, visto que oferecem riscos de poluição física, química e microbiológica, e produzem distúrbios ao funcionamento hidráulico de estruturas de drenagem quando mobilizados e transportados por águas de escoamento pluvial. Além disso, a presença de lixões e aterros não controlados representa risco de contaminação de recursos hídricos, em particular, de águas subterrâneas” (Nascimento; Heller, 2004).
40Em agosto de 2010 foi sancionada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (Lei nº 12.305/10), que institui responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos, cria metas e institui instrumentos de planejamento nas mais diferentes escalas, inclusive estadual, municipal e intermunicipal. A partir de então, criou-se uma necessidade de atualização do Plano Estadual de Regionalização e de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PERGIRS), que já existia desde 2009 com o apoio do Ministério do Meio Ambiente/ Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (MMA/SRHA), através do Convênio nº 02/2008, mas reformulado em 2013, orientado pela Lei de Saneamento Básico (Lei 11.445/07), e cria Consórcios Públicos Intermunicipais para gestão integrada de resíduos sólidos (Figura 11).
41A Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH) vem fomentando a criação de consórcios públicos no Estado do Rio Grande do Norte, tendo como base o Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PEGIRS), o qual ratificou a regionalização do estado em sete polos, são eles: Seridó, com 25 municípios; Alto Oeste com 44 municípios; Assú, com 24 municípios; Metropolitano, com 08 municípios; Agreste, com 39 municípios; Mato Grande, com 26 municípios e Mossoró. Atualmente a SEMARH já deu apoio logístico para formação dos consórcios do Alto Oeste, Seridó e Vale do Assu e já atua no auxílio da formação do consórcio do Mato Grande (SEMARH, 2017).
Figura 11 – Mapa dos consórcios de Resíduos Sólidos e aterros sanitários do estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
42Contudo, mesmo com o destaque do estado nas ações políticas para estruturação da gestão dos resíduos sólidos, posicionando-se com evidência a nível nacional, os resultados obtidos ainda se apresentam de maneira discreta. A exemplo disso, ao analisar e confrontar as informações cartografadas nas Figuras 12 e 13, observa-se que, apesar da grande maioria dos municípios do estado possuírem Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos já elaborados, apenas 91,62% daqueles que já têm essa ferramenta de planejamento consolidada fazem a destinação final dos seus resíduos em conformidade com a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, enquanto 80% dos municípios que ainda não possuem esse planejamento estruturado já realizam a destinação final dos resíduos sólidos de maneira ambientalmente adequada.
43Esse cenário é delineado em função das limitações que os municípios brasileiros de pequeno e médio porte possuem para viabilizar a implantação e operação de aterros sanitários para destinação de seus resíduos sólidos. Neste contexto, a solução mais adequada é a instauração de consórcios intermunicipais, indicada na Política Nacional, proposta na Política Estadual e nos Planos Intermunicipais de Gestão Integrada destes municípios. Contudo, na prática, muitos têm sido os empecilhos para o estabelecimento destes consórcios, o que vem atrasando fortemente os avanços dos resultados esperados no planejamento estabelecido.
Figura 12 – Mapa da situação do município quanto ao Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
Figura 13 – Mapa da destinação dos resíduos sólidos no estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
44De acordo com a SEMARH (2017) apenas 8,4% dos municípios têm alguma iniciativa relacionada à coleta seletiva, importante ação de manejo de resíduos sólidos para redução dos riscos à saúde dos indivíduos que trabalhar realizando catação deste tipo de resíduos em condições completamente insalubres, e para redução dos custos com a destinação final dos rejeitos, bem como o aumento da vida útil dos aterros sanitários. Tem-se ainda, de acordo com a mesma fonte que 85,6% dos municípios já coletam e destinam adequadamente os resíduos do serviço de saúde mais conhecido como lixo hospitalar. Apenas quatro cidades possuem alguma iniciativa quanto à coleta de pilhas e baterias, resíduos obrigatórios para a logística reversa, tendo em vista seu elevado potencial de contaminação.
45No que se refere à drenagem urbana e manejo das águas pluviais, muito pouco avanço se percebe em seu planejamento, cenário que não se limita ao Estado do Rio Grande do Norte. A disparidade de dados de série histórica deste componente, em detrimento dos demais, se evidencia inclusive no diagnóstico e planejamento apresentados no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). Neste, apresenta-se como único indicador do setor, dados sobre a ocorrência de inundações em um período de cinco anos prévios à pesquisa (Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE em 2008), que apontam que 5.204 dos 5.565 municípios brasileiros registraram a ocorrência de inundações (IBGE, 2018).
Figura 14 – Mapa dos municípios onde ocorreram inundações e/ou alagamentos na área urbana no estado do RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
46No Estado do Rio Grande do Norte, apenas 32,93% dos 167 municípios, registraram inundações e/ou alagamentos na área urbana no período de 2003 a 2008 (Figura 14). Contudo, não se pode afirmar que se limita a esse percentual os problemas existentes na infraestrutura e instrumentalização legal do manejo das águas pluviais urbanas nos municípios do estado. As informações representadas na Figura 15, detalham as principais causas destacadas pelos municípios que declararam a ocorrência de inundações e/ou alagamentos na área urbana.
Figura 15 – Mapa dos tipos de inundações e/ou alagamentos ocorridos no RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
47A prestação dos serviços de drenagem urbana e manejo das águas pluviais, está predominantemente vinculada a gestão municipal nos municípios do estado. O que se encontra na realidade é pouca ou nenhuma ação de planejamento, operação e manutenção dos sistemas de drenagem das águas de chuva, quando existentes. As ações estruturantes, de grande importância para a gestão sustentável deste componente, normalmente não estão estabelecidas e, quando se identificam leis e programas para o incentivo da infiltração das águas pluviais na sua área de geração, incentivo de ampliação ou preservação de áreas permeáveis, conscientização da disposição adequada dos resíduos e desobstrução dos elementos de micro e macrodrenagem, estes não são fiscalizados e não passam de boas intenções.
48As principais ações executadas em prol da drenagem urbana, se limitam à pavimentação de ruas, sem prévio planejamento que muitas vezes resultam em aumento dos problemas de inundações e alagamento. Para a zona rural, a principal demanda identificada se refere à construção de passagens molhadas e outros elementos que possibilitem o deslocamento da população nos períodos de precipitações intensas.
49Um aspecto interessante sobre este componente, é a observância da quase inexistência de dados de série histórica do setor. Enquanto os seguimentos de água, esgoto e resíduos sólidos possuem registros e diagnósticos anuais no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, apenas no ano de 2017 foi realizada a primeira coleta de dados referente à realidade da drenagem urbana e manejo das águas pluviais nos municípios.
50Contudo, a gestão de águas pluviais urbanas tem uma relevância indiscutível, tendo em vista sua sinergia com todas as áreas do saneamento. Ela é capaz de controlar ou difundir problemas de gestão dos demais seguimentos, uma vez que tem inter-relação direta com todos eles. A drenagem urbana não acarreta problemas afetos apenas ao controle dos deflúvios, às cheias e aos transtornos de tráfego, mas é sim um problema ambiental mais amplo, com consequências importantes sobre a saúde pública.
51A má gestão das águas pluviais urbanas afeta profundamente a qualidade da água dos mananciais, trazendo descarga de carga poluidora e contaminante, transporte de partículas, promovendo o aumento da turbidez e proporcionando o assoreamento desses corpos hídricos, essas alterações impactam na qualidade da água para abastecimento e aumenta o risco à saúde pública e o custo de tratamento da água; afeta o reabastecimento dos aquíferos subterrâneos; causa a acentuação de áreas degradadas pela erosão do solo e deposição de resíduos; propicia o escoamento de esgoto pelos elementos de drenagem, trazendo risco de proliferação de doenças de veiculação hídrica e vetores, assim como, liberação de maus odores em tempos secos; recebe descargas proveniente de rompimento das redes de água e esgoto; a partir dos problemas de gestão de resíduos sólidos e limpeza urbana promove impactos ambientais pelo transporte de resíduos sólidos, e, redução na capacidade de escoamento, aumentando a frequência de inundação e alagamentos; tudo isso gerando impactos expressivos no ecossistema urbano (Andrade Neto, 2011; Tundisi, et. al., 2015; Tucci 2005; Tucci 2010).
52A modelização gráfica é uma ferramenta para a análise territorial que visa identificar e ilustrar as principais estruturas do território e suas combinações, expressando o resultado em modelos gráficos. Foi utilizada neste trabalho com objetivo de evidenciar no estado do Rio Grande do Norte as infraestruturas e questões institucionais mais relevantes que se relacionam com saneamento básico, identificando a localização das materialidades estruturantes. Dessa forma, temos que:
Os coremas, que são como a escritura do mundo, são representados por algumas figuras chaves. É preciso aprendê-las para compreender a geografia do mundo. Esses signos são como um alfabeto para a geografia, porque eles permitem registrar as formas espaciais produzidas pelas sociedades. Uma parte, somente, pode corresponder a traços visíveis do espaço. A paisagem revela alguns. É preciso, para alçar à linguagem completa, a todo o campo de possibilidades realizadas, dar-se, também, ao exame exaustivo das distribuições espaciais, mesmo aquelas de valores abstratos (BRUNET, 2001, p. 197).
53Do ponto de vista metodológico, os coremas foram elaborados a partir de cartografia já apresentada no trabalho. De acordo com Girardi (2015), o modelo é uma ferramenta de compreensão do mundo pela capacidade de análise dos territórios pelas lógicas que o compõem. Segundo Théry (2004, p. 179), “o processo de análise da modelização gráfica é dedutivo de construção progressiva, que se inicia pela detecção das estruturas fundamentais do espaço, resultando num modelo teórico e complexo, que deve ser confrontado com a realidade.” Sendo assim, os coremas abaixo são uma síntese do saneamento básico, uma representação modelizada da realidade, na tentativa de expor e evidenciar o que de fato é estruturante para o Rio Grande do Norte (Figura 17).
Figura 17 – Coremas da modelização da síntese do saneamento básico no RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
54A modelização gráfica do saneamento básico no Rio Grande do Norte foi composta pela representação das espacializações das normas e materialidades, que possibilitam ou são produtos, da gestão e planejamento para oferta dos serviços de saneamento básico. Foram representadas como condições para o abastecimento de água os principais rios e reservatórios, bem como os principais sistemas adutores dispostos no estado. Para representar a situação do RN em termos de resíduos sólidos, foram modelizados os consórcios de municípios e os aterros sanitários em operação e em proposta. No tocante ao esgotamento sanitário foi exposto de forma simbólica a proporção entre o número de ETEs e a quantidade de domicílios urbanos (Figura 18).
Figura 18 – Mapa síntese da modelização da síntese do saneamento básico no RN
Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
55A representação das estruturas que demonstram o abastecimento de água no estado permite concluir algumas relações interessantes no ponto de vista da representação do território do estado. Segundo Medeiros (2017), a Armando Ribeiro é o manancial de maior importância para o estado do RN em termos de distribuição de água para o interior. Além de capacidade de armazenamento alto, é também responsável pelo abastecimento de adutoras, sendo o pulmão hídrico do RN. Percebe-se, de fato, pela observação do modelo, que é o reservatório de maior importância, direcionando a água do Piranhas-Açu para várias regiões do estado. Observa-se também que o RN está bem coberto pelos sistemas adutores, tendo apenas a região do Seridó com uma menor quantidade de redes, como se atesta na Figura 18.
56A representação em modelo da variável de resíduos sólidos coloca em evidência a regionalização do RN em consórcios e seus respectivos aterros sanitários ou proposta de aterro. Visualmente o modelo permite perceber a ausência de aterros em operação na grande maioria dos consórcios. É possível perceber também algumas contradições, como a quantidade de municípios consorciados para a quantidade de aterros destinados a esses municípios. O consórcio de Mossoró, que conta apenas com esse município e com um aterro próprio, tem uma situação muito dispare do consórcio do Alto Oeste, Seridó, Moto Grande e Vale do Assú, quem além de abranger grandes áreas, podendo prejudicar a logística de transporte dos resíduos, ainda não possuem um aterro em operação. Vale salientar que, este último consórcio abrange um aterro em operação, mas que é destinada apenas para o município de Upanema.
57Quanto ao modelo que se relaciona com o esgotamento sanitário, primeiramente, é importe atentar para a ausência de ETEs na maior parte do estado, como a região do Alto Oeste, muitos municípios da região do Mato Grande e do Agreste. Visto isso, a análise parte de uma representação simbólica da relação que se dá entre o número de ETEs por município (símbolos vermelhos) com o número de ETEs a cada 10 mil domicílios urbanos (símbolos azuis), sinalizando para qual lado tende a proporção. Desse modo, percebe-se os municípios com maior número de domicílios urbanos, como Natal e Mossoró, com grande número de ETEs, contudo, possui baixa expressão quando esse número é relativizado com o de domicílios urbanos. Já para o interior do estado a situação é inversa, onde são poucas ETEs, porém, pelo baixo número de domicílios urbanos essa baixa quantidade de ETEs sugere uma situação satisfatória.
58Com o apoio ferramental da modelização podemos notar que quando se trata dos elementos do saneamento básico sobrepostos, não existe um padrão espacial bem definido que evidencie uma ou mais regiões, em termos de concentração ou grande ausência das estruturas e/ou serviços do saneamento básico. As estruturas, materiais e normativas, estão dispostas de forma heterogênea pelo território do estado.
59Diante disto é possível questionar se esta representação espacial, sem uma grande evidência visual para uma homogeneidade de uma ou mais regiões, deve-se, provavelmente, a uma relação mútua entre o gerenciamento dos serviços de saneamento, racionalizada e operacionalizada de forma setorizada, e a atual situação de não universalização dos serviços de saneamento básico. Ou seja, uma gestão que planeja abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e tratamento dos resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais de forma isolada, promove uma disparidade espacial pelo viés de cada uma dessas variáveis, e entre elas, pelo viés do saneamento básico como totalidade.
60Com os diversos marcos legais resultantes da Constituição Federal, a descentralização trouxe consigo um conjunto de instrumentos e mecanismos políticos e administrativos, assim como responsabilidades para o ente municipal. Todas essas mudanças tiveram repercussão direta na gestão local, além de uma necessidade cada vez maior de se planejar deixando de lado as práticas, ainda presentes, da gestão improvisada.
61No caso do saneamento básico para o Estado brasileiro, a Lei 11.445/2007 é a norma que mais se destaca e que se preocupa com o correto funcionamento de todos os serviços de saneamento, estabelecendo diretrizes nacionais para o saneamento básico.
62A prestação dos serviços de saneamento deve obedecer a um plano específico para cada um dos 4 (quatro) aspectos. Tal plano deve ser desenvolvido com a observação e diagnóstico da situação de cada localidade e impacto nas condições de vida, considerando, entre outros, indicadores ambientais e socioeconômicos a fim de detectar as principais deficiências. O Plano Municipal de Saneamento Básico, assim, é um dos instrumentos da Política de Saneamento Básico dos municípios. Essa política deve ordenar os serviços públicos de saneamento básico, considerando as funções de gestão para a prestação dos serviços, a regulação e a fiscalização, o controle social, além do sistema de informações.
63O direcionamento das políticas e ações norteados por um marco regulatório de tal porte tende a facilitar a busca pela efetivação do saneamento. A Lei nº 11.445/2007, assim, implantou novas diretrizes nacionais e definiu o planejamento dos serviços de saneamento como instrumento fundamental para se alcançar o acesso universal do saneamento básico. Todas as cidades devem formular as suas políticas públicas visando à universalização, sendo o Plano Municipal de Saneamento Básico um instrumento de estratégia e diretrizes, com intuito de se planejar as possíveis melhorias dos serviços, com alternativas que satisfaçam às necessidades dos municípios, principalmente do ponto de vista financeiro, objetivando universalizar o acesso aos serviços de saneamento para toda população.
64A situação do Rio Grande do Norte a respeito de os municípios possuírem ou não os PMSB está representada na Figura 16. Percebe-se que mais de 90% (noventa por cento) dos municípios do estado não possui os planos. Porém, a partir da Pesquisa PMSB, resultante do convênio entre a UFRN e FUNASA, já se chega aproximadamente a superar 50% (cinquenta por cento) dos municípios com os PMSB em fase de elaboração. Ou seja, uma grande parcela dos municípios caminha para a criação de um instrumento que visa a planejar o saneamento básico de seus territórios
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Figura 19 – Mapa de municípios que possuem Planos Municipais de Saneamento Básico do estado do RN
Fonte: Adaptado de Rodrigues, 2017.
66Para a validade dos contratos de prestação dos serviços de saneamento, assim como, um acesso a recursos orçamentários da União ou a recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da Administração Pública federal, quando destinados a serviços de saneamento básico, torna-se uma condicionante possuir o PMSB elaborado .O prazo para consolidação dos PMSB foi estipulado inicialmente para dezembro de 2013, e foi adiado três vezes, para dezembro de 2015, para dezembro de 2017, e por último para dezembro de 2019.
67Comprovadamente existe uma relação positiva entre saúde e saneamento. A ausência de estruturação do saneamento básico confere, portanto, ameaça à saúde pública e ao meio ambiente, trazendo como consequências ainda, a manutenção das desigualdades sociais, comprometendo a qualidade de vida das populações. Deste modo, a consolidação dos requisitos legais os quais exigem os municípios do estado caminharem em direção a enxergarem de forma sistemática a realidade instalada e planejarem de maneira integrada o saneamento básico dentro de seu território, se configura em um grande avanço, que impactará em mudanças de paradigmas e realidades.
68O Projeto Pesquisa PMSB, conduzido pela UFRN ocasiona, portanto, uma nova perspectiva para essa realidade no estado. Deixando instalado nos 86 (oitenta e seis) municípios incluídos no TED, não apenas o diagnóstico detalhado da situação do saneamento básico em todo o território municipal e seu PMSB elaborado com capacitação de técnicos municipais e apoio técnico de equipe qualificada da universidade, mas também a mudança de perspectiva dos gestores e suas equipes quanto a importância do planejamento e o reflexo na construção de um futuro de qualidade de vida e desenvolvimento econômico e social.