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Aspectos da representação do território paulista em sua cartografia impressa: uma análise cartobibliográfica (1833-1932)

Aspects de la représentation du territoire de São Paulo dans sa cartographie imprimée: une analyse cartobibliographique (1833-1932)
Aspects of the representation of the territory of São Paulo in its printed cartography: a cartobibliographic analysis (1833-1932)
José Rogério Beier et Daniel Marhtin

Résumés

Le champ de la cartographie historique a connu un large développement au cours des 30 dernières années, avec un nombre croissant de travaux portant sur l'utilisation des cartes historiques comme sources pour la compréhension des processus de l'histoire sociale et économique d'un lieu et d'un temps donnés. Pourtant, même aujourd'hui, un grand nombre de travaux produits par les historiens relèguent encore les cartes dans une catégorie inférieure de documents ou, pire encore, ne les utilisent que comme illustration ou d'une façon tout à fait ponctuelle, généralement liée à la localisation ou à la topographie de l'espace considéré. Cet article a au contraire pour objet principal d'analyse les représentations cartographiques produites sur le territoire de la province de São Paulo entre 1833 et 1932, afin de rendre explicit comment, à partir des techniques liées au domaine de l'histoire de la cartographie, des cartes peuvent être utilisées comme sources pour la production d'interprétations des processus de l'histoire sociale, culturelle et économique de la société qui les a produites.

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Texte intégral

1Enquanto o Estado de São Paulo, atualmente povoado por mais de quarenta milhões de habitantes, é hoje o centro de gravidade da economia brasileira, pode soar estranho que na leitura das cartas de seu território produzidas no fim do século XIX se identifiquem reminiscências de expressões da cartografia colonial, tais como “sertão desconhecido”, “terrenos desconhecidos”, “terras pouco exploradas”, “terras não habitadas”, ou “terrenos ocupados por indígenas ferozes”.

2Para compreender essas permanências é preciso ter em conta que, a despeito da expansão demográfica e econômica paulista, um processo contínuo observado desde as primeiras décadas do século XVIII (MARCILIO, 2000, p. 67-120), o mesmo se viu acelerado no Oitocentos (tabela 1), sobretudo em sua segunda metade, impulsionado pela chegada das estradas de ferro (1865). Estas últimas baratearam o custo de transporte da produção destinada à exportação, permitindo que volumes cada vez maiores fossem escoados desde o interior paulista até o porto de Santos, estimulando o avanço da lavoura cafeeira em direção às terras virgens e férteis localizadas a Oeste, em áreas que ainda eram ocupadas exclusivamente por populações indígenas.

Tabela 1: população do Estado de São Paulo e do Brasil

  • 1 Neste período a população da Província de São Paulo ainda contava com os habitantes dos núcleos urb (...)
  • 2 Os dados de São Paulo, referentes ao ano de 1836, provém de Daniel Pedro Müller (1978, p. 132-154).
  • 3 Dados estimados para o ano de 1840, retirados de Gior (1941, p. 43).

Ano

São Paulo

Brasil

Proporção (%)

1836-401

326.9022

6.233.0003

5,24

1872

837.354

10.112.061

8,28

1890

1.384.753

14.333.915

9,66

1900

2.282.279

17.318.556

13,18

1920

4.592.188

30.635.605

14,99

1940

7.180.316

41.236.315

17,41

Fonte: Recenseamentos demográficos do Estado de São Paulo.

3Porém, além da expansão demográfica, a permanência de menções herdadas do período colonial tem outras explicações, que supõe uma análise crítica dos mapas na linha dos trabalhos do geógrafo britânico, John Brian Harley. Ele já apontava em 1990 que os historiadores, ao tomarem os mapas como documentos, tendem a relegá-los a uma “menor categoria” do que os documentos textuais. Mais que isso, mesmo quando os tomam em suas investigações, fazem-no para responder questões bastante pontuais relativas à localização ou à topografia, sendo apenas em poucas ocasiões que eles recorrem aos mapas para esclarecer aspectos da história cultural ou os valores sociais de algum período ou lugar especial. Justamente por essa razão, Harley sintetizou um conjunto de técnicas a serem empregadas pelo historiador da cartografia para a interpretação dos mapas buscando, sobretudo, extrair dessas fontes informações que permitam a compreensão de processos da história social de um dado período ou local específico (HARLEY, 2005, p. 59-78).

Textos e contextos na interpretação dos mapas

4Ao propor técnicas interpretativas para o uso de mapas antigos como fontes para a investigação histórica, Harley alerta, em primeiro lugar, que é fundamental ao historiador da cartografia estar ciente de que os mapas não são meras “representações gráficas de algum aspecto do mundo real” e não devem ser vistos como “uma janela transparente para o mundo”. Ao contrário, o investigador deve ter clareza de que os mapas são uma “construção social do mundo expressa pelo meio da cartografia” e, tal como outros documentos, eles também “reescrevem o mundo em termos de relações e práticas de poder, preferências e prioridades culturais” (HARLEY, 2005, p. 61).

5Em segundo lugar, Harley propõe aos historiadores que deixem de interpretar os mapas como imagens e passem a analisá-los como textos detentores de uma linguagem gráfica a ser decodificada, isto é, como objetos que podem ser “lidos”. Nesse sentido, ele argumenta que, tal como os livros, os mapas são produtos de valores culturais de sociedades específicas, cabendo ao historiador analisá-los em seus múltiplos contextos. É justamente na reconstituição desses contextos que está a principal chave analítica proposta por Harley para a interpretação dos mapas como textos (IDEM, p. 62-64).

6Portanto, os contextos ligados ao processo de produção e circulação de um mapa não devem ser mais compreendidos como “meros antecedentes gerais”, mas como “um conjunto complexo de forças” que deixam impregnados nos mapas os valores sociais e culturais do período e do lugar em que foram elaborados. Assim, para que o historiador da cartografia tenha êxito na “leitura dos mapas” como textos, Harley propõe que se investigue os mapas a partir de três aspectos de seus contextos: o contexto do cartógrafo; o contexto de outros mapas e o contexto da sociedade. Este artigo enfocará a análise do contexto de outros mapas.

7No que diz respeito a este aspecto em particular, Harley destaca um método de cartografia comparativa que considera “fundamental para o historiador de mapas”, a cartobibliografia. O objetivo deste método é reunir uma série de mapas contendo representações históricas de uma mesma área, a fim de que essas cartas possam ter seus diversos elementos comparados. Para Harley (2005, p. 71-72), a cartobibliografia permite não só “reconstituir uma sequência de mudanças geográficas e de outros tipos em mapas relacionados entre si”, mas também “seguir a história da publicação de mapas de uma área específica” e, ainda, identificar “a localização cronológica de um mapa e sua inserção na sequência correspondente, bem como a detecção do alcance de uma revisão geográfica entre estados ou edições de mapas”.

8Assim, ao reunir e analisar uma série de cartas impressas do território paulista entre 1833-1932, este artigo buscará apresentar como os mapas podem ser bem aproveitados se empregados como fontes para análise da história social e econômica de São Paulo. A opção pelo recorte temporal se deu em razão do incremento da produção cartográfica do território paulista, possibilitado pelo surgimento e rápida difusão de novas técnicas de impressão no Brasil, em especial a litografia, e, também, das múltiplas dinâmicas sociais e econômicas observadas em São Paulo nesse período, impulsionadas, sobretudo, pelo crescimento demográfico; pela expansão da lavoura cafeeira rumo ao Oeste; pelo fomento à imigração europeia; e pela instalação e prolongamento das linhas ferroviárias para o interior.

Espaço, território e cartografia paulista no período colonial

9Ainda que este artigo não tenha como objetivo tratar das representações do território paulista durante o período colonial, convém destacar alguns aspectos acerca do espaço, do território e da cartografia deste período antes que se passe à análise das cartas impressas elaboradas no período posterior.

10De princípio, é importante que se tenha claro, como bem lembra Beatriz Bueno (2003, p. 229-230), que espaço e território são noções que não se equivalem. Enquanto o território, com seus contornos e limites precisos, é uma categoria histórica, construída socialmente, na qual, além de suas fronteiras naturais, possui também fronteiras políticas que invariavelmente, são linhas abstratas convencionadas por alguns grupos que julgam deter a soberania sobre uma área; o espaço, por sua vez, deve ser entendido como o resultado da ação humana sobre a superfície terrestre (MORAES, 1988, 15). Assim, não é demais lembrar que unidades territoriais como impérios, reinos, províncias, capitanias, comarcas e bispados, por exemplo, são divisões desenhadas e convencionadas historicamente segundo a natureza das relações sociais em jogo (BUENO, 2009, 252).

11Nesse sentido, acerca da formação territorial paulista, cumpre destacar que a configuração espacial desse território – tomando-se como marcos a criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro (1709), até o último grande desmembramento territorial da Província de São Paulo (1853) – foi bastante instável, passando por profundas transformações.

  • 4 Há uma grande produção bibliográfica acerca da disputa pela propriedade das Capitanias de São Vicen (...)
  • 5 Segundo Heloísa Liberalli Bellotto (2007, p. 27-28), a extinção da Capitania de São Paulo era justi (...)

12Em 1709, visando obter maior controle sobre o território aurífero e da produção que escoava dali em direção aos portos da Capitania do Rio de Janeiro, a Coroa portuguesa readquiriu, por compra, junto aos herdeiros de Martim Afonso e Pero Lopes de Sousa, as terras das antigas capitanias donatariais de Santo Amaro e São Vicente, incorporando-as em uma única capitania sob a administração real que passou a ser denominada Capitania de São Paulo e das Minas de Ouro4. No correr da primeira metade do século XVIII, entretanto, a então vasta Capitania viu-se “privada de suas áreas mais ricas” através do sucessivo desmembramento de seu território para a criação de novas capitanias: primeiro foi a de Minas Gerais, em 1720; depois foram as de Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro, em 1738; por fim as de Mato Grosso e Goiás, uma década mais tarde5. Por fim, em 1853, a lei no 704, de 29 de agosto daquele ano, determinava o desmembramento de uma grande porção territorial ao sul do território paulista, elevando a então Comarca de Curitiba (ou quinta comarca) à categoria de província, com a denominação de Província do Paraná.

  • 6 Dentre as primeiras representações mais detalhadas desse espaço podem ser destacadas a carta do Por (...)
  • 7 Para uma análise mais aprofundada acerca de diferentes aspectos da produção cartográfica do territó (...)

13A cartografia desse território, evidentemente, antecede o marco da criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em 1709, uma vez que o processo de povoamento desse espaço, pelos portugueses, teve início nas primeiras décadas do século XVI6. Todavia, a representação de unidades territoriais administrativas da colônia portuguesa na América, com seus limites demarcados e a identificação das respectivas capitanias, ganham impulso, sobretudo, no século XVIII. Sobre a produção cartográfica desse período, toda ela manuscrita, pode-se dizer que a mesma é profundamente marcada por dois movimentos: o primeiro, ligado à penetração dos sertanistas cada vez mais no interior do continente em busca de populações indígenas e riquezas minerais; o segundo relacionado às disputas territoriais entre as coroas ibéricas, culminando com o envio de engenheiros-militares, astrônomos e matemáticos, dentre outros profissionais, para a demarcação dos limites dos territórios sob a soberania de Portugal e Espanha7.

As primeiras cartas da Província de São Paulo (1833-1847)

14Dentre as primeiras cartas impressas com representações do território paulista, está uma elaborada por Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855), geólogo de origem germânica, publicada em Berlim, na primeira edição de seu Pluto Brasiliensis (1833). Intitulada Carte des Golddistrictes Eines Theils der Provinz S. Paulo nebst einem Theile der angrenzender Provinz von Minas Geraes von W. v. Eschwege (figura 1), esta carta contém apenas a representação de parte da Província de São Paulo, a região limítrofe com a Província de Minas Gerais e o litoral norte paulista, desde Santos até a divisa com o Rio de Janeiro.

Figura 1: Mapa do distrito aurífero de parte da Província de São Paulo com uma parte da Província limítrofe de Minas Gerais, por W. von Eschwege (1833).

Figura 1: Mapa do distrito aurífero de parte da Província de São Paulo com uma parte da Província limítrofe de Minas Gerais, por W. von Eschwege (1833).

FONTE: Wilhelm Ludwig von Eschwege. Carte des Golddistrictes Eines Theils der Provinz S. Paulo nebst einem Theile der angrenzender Provinz von Minas Geraes von W. v. Eschwege. 1 mapa : impr.; 32,1 x 23,1 cm In: Pluto Brasiliensis. Berlim: Reimer, 1833, prancha 1.

15Elaborada a partir de mapas manuscritos da então Capitania de São Paulo, no canto inferior esquerdo desse mapa destaca-se o uso da expressão “Certão Desconhecido” para descrever os espaços localizados a Noroeste da Província de São Paulo.

  • 8 Para uma análise mais detida acerca da expressão “Sertão Desconhecido” na cartografia paulista, ver (...)

16O uso dessa expressão, ou similares, como terrae incognitae, é bastante antigo na produção cartográfica europeia representando o Novo Mundo, retrocedendo ao século XVI. No caso específico de São Paulo, já vinha sendo feito, pelo menos, desde o começo da década de 1790, quando aparece nos mapas manuscritos de João da Costa Ferreira (BEIER; CINTRA, 2016, p. 230-232). Seu emprego estava associado ao crescimento demográfico e à valorização fundiária observados na então Capitania de São Paulo, impulsionados a partir do último quartel do Oitocentos, pela integração da Capitania ao mercado mundial através da exportação de açúcar (BEIER, 2014, p. 465-469). Interessados nas terras virgens para a expansão da lavoura exportadora, a administração colonial, associada aos grandes proprietários e comerciantes paulistas, ordenara a elaboração de uma representação do espaço de seu território no qual as populações indígenas que habitavam o espaço representado como desconhecido eram simplesmente desconsideradas. A reprodução desta expressão no mapa de Eschwege, em 1833, pode-se explicar pelo fato deste último ter tomado os mapas de Costa Ferreira como base para a elaboração de sua produção cartográfica. Trata-se, portanto, da permanência de uma representação cartográfica do interior paulista que vem desde o período colonial, e não de uma novidade introduzida por Eschwege, ou cartógrafos posteriores, que continuaram a reproduzi-la em seus mapas por mais de um século, adaptando-a aos interesses do momento, como se verá adiante8.

17Outra carta impressa de São Paulo elaborada neste período foi a levantada pelo engenheiro-militar luso-brasileiro Daniel Pedro Müller (1785-1841).

Figura 2: Daniel Pedro Müller, Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo (1841).

Figura 2: Daniel Pedro Müller, Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo (1841).

FONTE: Daniel Pedro Müller. Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo. Paris: Alexis Orgiazzi, [1841]. 1 mapa : impr.; 96 x 66 cm. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo IHGSP.

  • 9 Foram impressos de 80 a 100 exemplares do mapa que, por sua vez, foram enviados juntamente com a pl (...)

18Radicado em São Paulo desde 1802, Müller recebera da recém-instituída Assembleia Legislativa da Província de São Paulo, em 1835, a encomenda de preparar uma estatística que deveria conter uma folha encartada com a nova carta provincial. Em 1837, Müller concluiu a organização de seu ensaio estatístico, bem como o desenho do mapa provincial. No entanto, problemas políticos, técnicos e financeiros impediram a impressão da carta imediatamente, o que só foi ocorrer três anos mais tarde, em 1841, em Paris, nas oficinas de Alexis Orgiazzi, ligada ao Dépôt Général de la Guerre9.

19Trata-se de um testemunho cartográfico da província paulista quando esta ainda incluía o território do atual Estado do Paraná, desmembrado de São Paulo em 1853. Sua população à época era de 326 mil habitantes, menos de um centésimo da atual população. Tal como a carta de Eschwege, este mapa traz a expressão “Sertão Desconhecido”, localizada sobre a porção Oeste do território representado. Ao contrário do mapa anterior, porém, esta carta foi encomendada pela administração provincial e não feita a partir de uma iniciativa individual. Se no caso anterior pode-se apontar a permanência da expressão “certão desconhecido” como reminiscência da base cartográfica utilizada por Eschwege, neste caso a situação é distinta.

  • 10 O chamado “quadrilátero do açúcar” diz respeito a uma região delimitada pelas vilas de Sorocaba, Co (...)

20Em meados da década de 1830, São Paulo vivia uma expansão econômica decorrente, sobretudo, da exportação do açúcar. Em sua maior parte, o açúcar era produzido a poucos quilômetros a Oeste da capital paulista, em região posteriormente conhecida como “quadrilátero do açúcar10”. Por esta mesma época, o café também já se destacava na balança de comércio provincial, mas com a maior parte de sua produção realizada na região do vale do Paraíba. Foi justamente entre os anos de 1835-40, que a produção do café começou a se transferir para o Oeste, onde encontrou solos mais férteis e amplo espaço para avançar pelo interior. Nesse período, os preços mais lucrativos no mercado internacional ajudaram a impulsionar a substituição da lavoura canavieira pela cafeeira e os excelentes resultados obtidos com o comércio nesses primeiros anos levou ao estabelecimento de novas fazendas em terras virgens cada vez mais a Oeste. Esse movimento das grandes fazendas, por sua vez, empurrou economias que viviam nos interstícios da grande produção exportadora para mais além. Criadores de gado, além de pequenos proprietários e posseiros, que viviam da produção de alimentos para o abastecimento interno, eram os principais agentes na ponta dessa frente pioneira que avançava em direção Oeste e começava a ocupar terras antes habitadas apenas por populações indígenas (MOMBEIG, 1998).

21Nessa época, boa parte dos deputados da Assembleia Legislativa paulista era formada por grandes proprietários de terra ligados à produção do açúcar ou café, além de proprietários de tropas de animais e comerciantes (BEIER, 2015, p. 69-110). Deve-se ter em conta, ainda, que este mapa foi elaborado em um momento no qual não havia uma legislação específica que regulasse as propriedades de terra. Em 1822, d. Pedro I havia extinguido o sistema de concessão de sesmarias e, por outro lado, a Lei de Terras só entraria em vigor no ano de 1850. Na prática, entre 1822-1850 a única forma legal de aquisição da terra, excetuando-se a herança ou a compra, era pela posse ou ocupação pura e simples.

  • 11 Para uma caracterização da administração paulista no período em que este mapa foi elaborado, ver: ( (...)

22Destarte, a denominação de um vasto espaço como “Sertão Desconhecido” no mapa de Müller vai ao encontro dos desígnios da administração provincial que, em aliança com partes da elite econômica paulista, visavam construir a imagem de um território abundante de terras prontas para serem ocupadas11. Sob a expressão “Sertão Desconhecido” buscava-se ocultar que o espaço era habitado por populações indígenas que iriam resistir, como de fato resistiram, ao avanço da frente pioneira em direção a Oeste.

23Uma terceira carta a se destacar dessa produção inicial da cartografia impressa paulista, é a Carta Topographica da Província de São Paulo (figura 3), litografada por Pierre Victor Larée e publicada no Rio de Janeiro por Firmin Didot Irmãos, Belin le Prieur & Morizot em 1847. Essa carta fez parte de um projeto elaborado por um grupo de empresários, liderados pelo visconde J. de Villiers de L’ile-Adam, com vistas à produção de um atlas “physico e administrativo do Brasil”, com representações de todas as províncias do Império.

Figura 3: J. de Villiers de L’ile-Adam, Carta Topographica da Provincia de São Paulo (1847)

Figura 3: J. de Villiers de L’ile-Adam, Carta Topographica da Provincia de São Paulo (1847)

FONTE: J. de Villiers de L’ile-Adam. Carta Topographica da Província de São Paulo. Rio de Janeiro: Firmin Didot Irmãos, Belin Le Prieur &Morizot, 1847. 1 mapa : litogr. color; 49,5 x 62 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

24Comparada às dimensões do mapa de Müller (102,4 x 151,6 cm), esta é uma carta de pequenas dimensões (49,5 x 62 cm). Isso explica-se em razão de seu propósito ser bastante distinto, isto é, a organização de um atlas do Brasil com propósitos comerciais. Essa mesma razão, aliás, pode explicar a preocupação dos autores no destaque dado à divisão administrativa e na inclusão de dados estatísticos gerais das províncias, como suas populações, principais culturas, receitas e despesas, dentre outras.

25As cores foram empregadas para indicar a divisão administrativa da Província em suas sete comarcas. O cartucho localizado na parte inferior direita do mapa indica a divisão administrativa da Província com maiores detalhes, trazendo os nomes e o número das cidades, vilas e freguesias de cada comarca, além de informações estatísticas referentes às suas respectivas populações e principais culturas. Segundo os dados apresentados nesse mapa, a Província de São Paulo contava, em 1847, com mais de 560 mil habitantes, o que representa um crescimento de 71,25% se comparado aos quase 327 mil contabilizados na estatística produzida por Müller, dez anos antes.

26Na representação do interior paulista, o mapa emprega o termo “Terrenos Desconhecidos” para descrever diferentes espaços na porção Oeste do território. Deve-se notar, entretanto, dois detalhes: a) troca da partícula “Sertão” por “Terrenos”; b) na expressão inserida sobre a 5a Comarca: “Terrenos desconhecidos aonde se achão porém algumas Fazendas de cria”.

  • 12 O termo “sertão”, em meados do século XIX, ainda era entendido ou empregado como um espaço oposto à (...)

27Tais alterações podem indicar que o cartógrafo talvez tenha optado por empregar a partícula “terrenos” em lugar de “sertão”, na tentativa de estimular a incursão de colonos na região12. Não por acaso, a menção às “fazendas de cria” aparece justamente em região habitada por populações indígenas e que, àquela altura, começava a ser ocupada por migrantes que, em sua maior parte, vinham das Minas Gerais, como bem observou Pierre Monbeig (1998, p. 133).

Café, estradas de ferro e imigrantes

28Após a Província do Paraná ter sido desmembrada de São Paulo, em 1853, os mapas da província paulista passaram a apresentar contornos mais próximos aos atuais, tornando-se mais facilmente reconhecível por observadores dos séculos XX e XXI.

  • 13 Natural da província do Maranhão, Cândido Mendes de Almeida (1818-1881) foi um advogado, professor (...)

29A carta apresentada na figura 4, intitulada Província de São Paulo, foi publicada no Atlas do Império do Brazil, em 1868, organizada por Cândido Mendes de Almeida13. Segundo o próprio Almeida, que dedicara seu atlas ao Imperador, esta é uma obra destinada à instrução pública, em especial, aos alunos do Colégio Pedro II.

Figura 4: Cândido Mendes, Provincia de São Paulo, Atlas do Império do Brazil, 1868.

Figura 4: Cândido Mendes, Provincia de São Paulo, Atlas do Império do Brazil, 1868.

FONTE: “Provincia de São Paulo”. In: Cândido Mendes de Almeida. Atlas do Imperio do Brazil comprehendendo as respectivas divisões administrativas, ecclesiasticas, eleitoraes e judiciarias : dedicado a Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, destinado à instrucção publica do Imperio, com especialidade á dos alumnos do Imperial Collegio de Pedro II. Rio de Janeiro: Litographia do Instituto Philomatico, 1868, prancha XVII. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

30Tal como a anterior, esta carta é fruto de uma iniciativa privada, organizada por um homem que dedicara boa parte de sua vida ao magistério e que pretendia difundir o conhecimento geográfico do país, em especial aos jovens que tinham acesso à educação pública. Entretanto, diferentemente de suas antecessoras, ela contém representações de dois principais centros da província paulista: um inset apresentando o mapa da cidade de São Paulo e outro com a planta topográfica do porto de Santos, principal porto escoador da produção paulista que, a esta altura, já tinha como principal produto o café.

31Outro destaque dessa carta é a representação da São Paulo Railway (SPR), primeira linha ferroviária de São Paulo, cujo trecho inicial fora inaugurado três anos antes da publicação da carta. Projetada para comunicar o porto de Santos às áreas produtoras de café, localizadas no interior da província, a ferrovia venceu seu principal desafio ao atravessar a Serra do Mar, tendo seu primeiro trecho inaugurado em 1865, comunicando Santos a São Paulo. Dois anos mais tarde concluiu-se seu último trecho, estendendo a via até a cidade de Jundiaí, já na entrada da região de produção cafeeira.

32Quanto à representação da porção Oeste, Cândido Mendes de Almeida optou por empregar o termo “Terrenos ocupados pelos indígenas feroses”, ao que parece, movido por uma visão que considerava o avanço sobre as terras ocupadas por populações indígenas como uma luta da civilização contra a barbárie, como bem apontou Cavenaghi (2006, p. 231-232). Em tempos nos quais o desenvolvimento da Província era associado ao avanço das estradas de ferro e da lavoura de café para o Oeste, o uso de tal expressão é bastante significativo, ainda mais em uma obra dedicada à educação da juventude. A menção sintetiza claramente a visão e os desígnios daquela sociedade, não só em relação às terras habitadas pelas populações indígenas, mas, também, aos próprios índios. A estes, entendidos como obstáculos à civilização, restavam as opções de se integrarem àquela sociedade ou simplesmente serem eliminados.

  • 14 Jules-Victor-André Martin (Montiers, 1832 – São Paulo, 1906). Pintor, professor, arquiteto, litógra (...)

33Na década de 1870, a produção de mapas do território paulista ganhou impulso após a instalação, na capital, da oficina litográfica de Jules Martin14. Tanto a instalação da oficina litográfica, quanto o aumento das representações do território paulista ligam-se diretamente à ampliação de um mercado consumidor de mapas na Província de São Paulo. Este, por sua vez, expandiu-se em razão de fatores como a inauguração de linhas ferroviárias interligando o interior de São Paulo e o Rio de Janeiro à capital, bem como o barateamento do custo de produção dos mapas a partir das novas técnicas de impressão (LEITE, 2016, p. 141-142). Segundo este autor, entre 1875-90, somente a oficina de Jules Martin litografou cerca de vinte representações da província e da cidade de São Paulo, algumas delas destinadas especificamente ao público dos viajantes de trem (IDEM, p. 135).

  • 15 Robert Alexander Habersham (Azulia, 1838 – São Paulo, 1921). Engenheiro estadunidense que trabalhou (...)
  • 16 Tais preços podem ser considerados altos para a época, sobretudo se comparado a valores como o da p (...)

34Como exemplo podem ser citadas as três cartas da Província de São Paulo litografadas por Martin a partir de levantamentos realizados pelo engenheiro estadunidense Robert Habersham15. A primeira delas, intitulada Carta Ilustrada da Província de São Paulo, foi editada em 1875 (figura 5). Levando-se em conta suas grandes dimensões (97,5 x 131 cm), é possível que esta carta tenha sido preparada para ser apresentada na primeira Exposição Provincial de São Paulo, realizada no salão principal da Faculdade de Direito em julho daquele ano. Entretanto, ainda que a carta não tivesse um formato mais apropriado aos viajantes, Martin não perdeu a ocasião de anunciar nos jornais a venda de sua carta em dois suportes: em papel, a 12$000 réis, ou em pano, a 18$000 réis16.

Figura 5: Robert Habersham e Jules Martin, Carta Ilustrada da Provincia de SãoPaulo (1875).

Figura 5: Robert Habersham e Jules Martin, Carta Ilustrada da Provincia de SãoPaulo (1875).

FONTE: Carta Ilustrada da Provincia de S. Paulo. São Paulo: Lith. Jules Martin, 1875. 1 mapa : litogr.; 97,5 x 131 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

35Em 1876, essa mesma representação foi vendida sob o título de Guia dos Viajantes da Província de S. Paulo. Desta vez, em dimensões bem menores do que a anterior (45,5 x 63 cm), comercializada a um preço mais acessível (5$000 réis). Como explica Moura Leite (2016, p. 141), tanto o título quanto o formato da carta indicam claramente o público-alvo visado por Jules Martin: os viajantes. Dobrada, ela se reduzia a um tamanho de 15,2 x 10,4 cm, bastante adequado aos bolsos internos e pequenas valises.

36Um ano mais tarde, em 1877, Martin elaborou nova versão de sua carta baseada no levantamento de Habersham. Agora intitulada Nova Carta Augmentada e Corrigida da Província de São Paulo, Martin ilustrou-a com 30 vistas dos principais edifícios da capital e estradas de ferro. Vendida pelos mesmos 5$000 réis da edição anterior, nos anúncios publicados em diários paulistas propunha-se o envio dos mapas por correio, sem custos extras, a quem assim o desejasse, o que permite supor a existência de um mercado fora da cidade de São Paulo (LEITE, 2016, p. 144).

37O levantamento topográfico e hidrográfico, bem como as representações da rede urbana e viária são os mesmos para as três cartas. Além disso, no canto superior direito de todas elas se inseriu uma vista da Imperial Cidade de São Paulo, na qual se dá destaque especial à chegada de um trem à dita cidade (figura 6).

Figura 6: Vista geral da Imperial Cidade de São Paulo, por Jules Martin (1875).

Figura 6: Vista geral da Imperial Cidade de São Paulo, por Jules Martin (1875).

FONTE: Carta Ilustrada da Provincia de S. Paulo. São Paulo: Lith. Jules Martin, 1875. 1 mapa : litogr.; 97,5 x 131 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

38Embora já se tenha dito que a realização dessas cartas se deve, sobretudo, ao interesse comercial de litógrafos e editores no mercado de mapas impressos, bastante aquecido na década de 1870, deve-se ter em conta que o levantamento cartográfico desses mapas foi realizado por outros profissionais que, não raro, trabalhavam para a administração provincial. No caso das três cartas litografadas por Jules Martin entre 1875-77, esse profissional era o engenheiro Robert Alexander Habersham, engenheiro contratado da Província de São Paulo desde 1871, o que também nos leva a pensar sobre as relações entre a representação executada pelo cartógrafo e os interesses da administração provincial.

39Um traço marcante dessas cartas é a representação das estradas de ferro. Nelas representam-se as linhas construídas até então, usando-se o traço cheio, mas também as ferrovias projetadas, em pontilhado. Entre as últimas aparecem duas linhas cruzando toda a área designada como “Terreno Desconhecido”, até atingirem, respectivamente, as províncias de Goyaz (hoje Goiás) e Minas Geraes (Minas Gerais). A expressão “Terrenos Desconhecidos” continua a cobrir uma grande parte do território, embora novas cidades tenham aparecido na região, como Araraquara, Jaboticabal e Barretos. Nessas cartas, a representação do Rio Grande, divisa entre São Paulo e Minas Gerais, estava longe de ser uma realidade cartográfica precisa, mas refletia a necessidade de mostrar a extensão real do território.

40Por sua vez, a Carta da Província de São Paulo (1879), de Claudio Lomellino de Carvalho (figura 7), reduz bastante a parte da província classificada como “desconhecida”, como bem observou Cavenaghi (2006, p. 230). No entanto, observa-se que embora Carvalho tenha sido fortemente influenciado pelo trabalho de Cândido Mendes, ele não emprega em seu mapa a expressão “sertão”, optando o uso de “terrenos”, uma designação mais neutra do que a utilizada por Mendes. A expressão “terrenos”, analisada em conjunto com a omissão da referência aos “indígenas ferozes”, indicam ao leitor uma possibilidade de possessão e colonização daquele território, substituindo a ideia de um espaço hostil.

Figura 7: Provincia de S. Paulo, Cláudio Lomellino de Carvalho (1879).

Figura 7: Provincia de S. Paulo, Cláudio Lomellino de Carvalho (1879).

FONTE: Cláudio Lomellino de Carvalho. Província de S. Paulo. Rio de Janeiro: Lith. de Ângelo e Robin, 1879. 1 mapa litogr. : 33 x 47 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

41Outra carta com representação bastante acurada, e também intitulada Carta da Província de São Paulo, é a que foi organizada pelo então desenhista da Inspetoria Geral das Obras Públicas de São Paulo, Carlos Daniel Rath (1828-1898). Executada a partir de levantamentos geográficos e geodésicos realizados em meados da década de 1850 por seu pai, o engenheiro-geógrafo germânico Carl Friedrich Joseph Rath (1802-1876), essa carta foi publicada originalmente em 1877 em duas edições: uma pela editora A. L. Garraux & Cie. e outra pela Lemercier & Cie. Em 1886 seu desenho foi atualizado e a carta foi reeditada pela Casa Garraux. Esta carta foi precursora dos levantamentos realizados pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (CGG), iniciados em 1886. Nela, a representação da divisa norte com Minas Gerais, delimitada pelo rio Grande, já aparece bastante corrigida em relação aos mapas anteriores. A escolha de tons de azul para as províncias vizinhas como para o mar dá a impressão de que São Paulo é uma ilha. Ao contrário da carta de Lomelino de Carvalho, porém, Rath volta a descrever as regiões do Noroeste paulista como “sertão pouco conhecido e ocupado pelos indígenas”, voltando à tônica das representações desta região desde o período colonial.

Figura 8: Carta da Provincia de São Paulo, C. D. Rath (1886).

FONTE: C. D. Rath. Carta da Província de São Paulo. São Paulo: Casa Garraux, 1886. 1 mapa color. litogr. : 52 x 80 cm. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

42Com os problemas relacionados à oferta da mão-de-obra escrava para as lavouras paulistas e a proximidade do fim da escravidão no Brasil, entra em cena um novo agente a impulsionar a produção de cartas em São Paulo: a imigração. O Mappa da Província de São Paulo, de 1886 (figura 9), é um grande exemplo disso. Organizado pela “Sociedade Promotora de Imigração de S. Paulo”, destinava-se a divulgar aos imigrantes as novas áreas de ocupação. Nele se vê as estradas de ferro e as distâncias de cada cidade a partir do porto de Santos, os dados climáticos e informações geográficas. Expressões como “sertão” e “habitado por indígenas feroses” são evitadas e, ao invés disso, prefere-se descrever toda a porção noroeste da província simplesmente como “terrenos desabitados”.

Figura 9: Mappa da Provincia de São Paulo mandado organisar pela Sociedade Promotora de Immigração de S. Paulo (1886).

Figura 9: Mappa da Provincia de São Paulo mandado organisar pela Sociedade Promotora de Immigração de S. Paulo (1886).

FONTE: Mappa da Provincia de São Paulo mandada organizar pela Sociedade Promotora de Immigração de São Paulo. Rio de Janeiro: Lith. Paulo Robin & Cia, 1886. 1 mapa color.; 38 x 58 cm. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Cartas do Estado de São Paulo

43Com a Proclamação da República, em 1889, as províncias passaram a ser chamadas de Estados e o Império do Brasil passou a “República dos Estados Unidos do Brazil”. A figura 10, extraída de uma carta do Brasil publicada em 1892, traz claramente as representações de cada um deles. No caso de São Paulo destacam-se as linhas das estradas de ferro e a representação da porção noroeste do Estado descrita como “Terrenos pouco explorados”. A população total do Estado já crescera ao ponto de ultrapassar a marca de 1,4 milhões de habitantes sobre os 14 milhões do país.

Figura 10: Trecho de Carta da Republica dos Estados Unidos do Brazil (1892), destacando os limites do Estado de São Paulo.

Figura 10: Trecho de Carta da Republica dos Estados Unidos do Brazil (1892), destacando os limites do Estado de São Paulo.

FONTE: Lauriano José Martins Penha. Carta da República dos Estados Unidos do Brazil. [S.l]. 1 mapa : color.; 91 x 95 cm. Library of Congress, Washington, Estados Unidos da América.

44No início do século XX se iniciou um novo ciclo migratório de grande intensidade, marcado particularmente pela chegada de italianos, alemães, espanhóis e japoneses. Toda uma infraestrutura foi configurada para recebê-los no porto de Santos e transportá-los diretamente para as fazendas de café e outras áreas agrícolas de São Paulo. Em janeiro de 1908, a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo lançou uma publicação mensal, intitulada O Immigrante, que podia ser obtida em diferentes idiomas: português, espanhol, francês, inglês, italiano, alemão, polonês e antigo letão. A capa traz um mapa esquemático (figura 11) no qual o contorno do Estado é bastante aproximativo, mas que interessa por trazer representado os fluxos migratórios convergindo para São Paulo. No começo do século XX os paulistas somavam 2,3 milhões de habitantes entre 17 milhões de brasileiros.

Figura 11: Capa de O Immigrante, Anno I, Num 1, Janeiro 1908.

Figura 11: Capa de O Immigrante, Anno I, Num 1, Janeiro 1908.

FONTE: O IMMIGRANTE. São Paulo: Secretaria de Agricultura, Anno I, n. 1, jan. 1908. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

45Em uma das cartas publicadas nesse periódico (figura 12), são representadas as colônias já instaladas ou em projeto, as estradas de ferro construídas, em construção ou em projeto. Uma ferrovia, a Noroeste do Brasil (NOB), atravessa a porção noroeste de São Paulo, descrita como “zona pouco conhecida”. Os quadrados coloridos, às margens do mapa, informam a superfície do Estado de São Paulo e a população do Brasil em comparação aos países europeus de onde vieram os imigrantes.

Figura 12: Mapa do Estado de S. Paulo, extraído do periódico O Immigrante (1908).

Figura 12: Mapa do Estado de S. Paulo, extraído do periódico O Immigrante (1908).

FONTE: “Mappa do Estado de S. Paulo indicando a posição das colônias existentes e em projeto”. In: O IMMIGRANTE. São Paulo: Secretaria de Agricultura, Anno I, n. 1, jan. 1908.
Arquivo Público do Estado de São Paulo.

  • 17 Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo (1837-1918), é natural de Pindamonhangaba, cidade da regiã (...)

46Já a carta apresentada na figura 13 foi elaborada para ser encartada no “Atlas do Brazil” (1909), de Francisco Ignácio Homem de Mello17. Como destacou Cavenaghi (2006, p. 234), a produção de café já ocupava uma longa faixa entre o território oficialmente conhecido e a frente pioneira, ainda não representada. O contexto sócio-econômico de valorização artificial do café, através do Convênio de Taubaté, demandava a representação das terras onde a rubiácea era cultivada. Mais que isso, era necessário demonstrar as áreas conquistadas e remover os últimos “espaços em branco” do mapa. Nesta carta são identificadas as rotas marítimas que ligavam o porto de Santos às principais cidades do país e do mundo, as estradas de ferro existentes, em curso de execução e em estudo, as principais colônias agrícolas, além de diversas estatísticas econômicas.

Figura 13: Mapa do Estado de São Paulo publicado no Atlas do Brazil,
de Francisco Ignácio Homem de Mello, 1909.

Figura 13: Mapa do Estado de São Paulo publicado no Atlas do Brazil, de Francisco Ignácio Homem de Mello, 1909.

FONTE: “Estado de São Paulo”. In: Francisco Ignácio Homem de Mello. Atlas do Brazil. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia, 1909. 1 mapa : color; 32 x 50 cm, prancha 17.

47A carta de 1910, publicada (em francês) pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (figura 14), por sua vez, distingue as áreas ainda em florestas e aquelas já ocupadas pelas lavouras: café, cana de açúcar, algodão, arroz e outras. As estradas de ferro das diferentes companhias (Paulista, Mogiana, Sorocabana, Noroeste) são identificadas por um código de cores, que fazem aparecer as zonas de influência, as quais Pierre Monbeig (1937) mostrou serem muito disputadas.

Figura 14: Carte Générale de l’État de São Paulo, Comissão Geográfica e Geológica (1910).

Figura 14: Carte Générale de l’État de São Paulo, Comissão Geográfica e Geológica (1910).

FONTE: Comissão Geográfica e Geológica. Antuérpia: Lith. Laporte et Dosse, 1910.

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48Assim, viu-se como durante a ”República Velha” (1889-1930), a ocupação do interior paulista se intensificou, atingindo as fronteiras Oeste e Norte do Estado. A população dobrou de 1900 a 1920 (passando de 2,3 para 4,6 milhões de habitantes). Ao mesmo tempo 109 municípios foram criados, quase o dobro do número anterior, atingindo o número de 224 em 1930. Além da expansão contínua da produção cafeeira, o motivo principal da criação de novos municípios era a grande autonomia que o Estado gozava com o aumento de suas competências. A pujança econômica do Estado de São Paulo conferia poder político a seus representantes nos poderes do país, ao ponto de estes dominarem, em boa parte, a chefia do executivo nacional.

Pátria paulista: cartas da Revolução Constitucionalista

49O período que ficou conhecido como Estado Novo (1930-1945) foi marcado por graves tensões e a tentativa, em 1932, de secessão do Estado de São Paulo. Tal momento da história deu origem a uma série de publicações destinadas a glorificar o Estado, como a carta da figura 15. Nela o Estado de São Paulo é representado por uma jovem mulher cujo rosto é percorrido pelas principais estradas da região cafeeira, enquanto as regiões do Noroeste, ainda “em branco”, são cobertas por um lenço nas cores da bandeira de São Paulo.

Figura 15: Plano de viação de rodagem do estado de São Paulo, Revolução constitucionalista.

Figura 15: Plano de viação de rodagem do estado de São Paulo, Revolução constitucionalista.

FONTE: “Plano de Viação de Rodagem do Estado de São Paulo”. [S.l. : s.n.]. 1 mapa : color.; 35 x 53 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

50Outro mapa dessa época, é um mapa clandestino, que poderia ter causado a prisão de seu autor e o fechamento da tipografia. Isso porque logo após a repressão da tentativa de secessão, em 1932, quem ousasse imprimir um mapa da São Paulo “Constitucionalista” (como se autoproclamava o movimento separatista), assumia os riscos de represália das autoridades a serviço do governo central. O exemplar da figura 16 foi encontrado 45 anos mais tarde no teto de uma tipografia, onde tinha sido ocultado por temor de que o mesmo fosse encontrado. No original se vê claramente os exércitos de São Paulo e do resto do Brasil, com suas bandeiras e os aviões que ameaçavam bombardear a cidade. No canto superior direito, um brasão de São Paulo é colocado sobre o território mineiro. Já no canto inferior esquerdo, entre um bandeirante e um soldado constitucionalista, um cartucho traz as palavras “Esta é a verdadeira carta da revolução que ocorreu em São Paulo no ano de MCMXXXII”.

51Em 1972 as edições Hamburgo assumiram o controle da Weiss e Companhia Ltda., uma das mais antigas tipografias do Brasil. Como o edifício fora dilapidado, era necessário fazer uma grande reforma e quando se removeu o teto falso de uma das salas, encontrou-se, entre os escombros, um rolo de papéis. Os trabalhadores mais antigos reconheceram o trabalho de José Wasth Rodrigues (1891-1957), desenhista, ilustrador e historiador paulista, também conhecido por ilustrar as obras de Monteiro Lobato e os quadros do Museu Paulista, a pedido de Affonso d’Escragnolle Taunay. Eles recordaram que, encerrada a Revolução, os soldados foram procurar a tipografia, pois seu proprietário havia sido denunciado por haver impresso uma carta “separatista”. As matrizes, pedras que pesavam de 30 a 40 quilos, foram quebradas, mas algumas cartas, verdadeiras obras de arte impressas em seis cores (ainda hoje se utiliza um máximo de quatro) foram preservadas e escondidas.

Figura 16: José Wasth Rodrigues, carta do Estado de São Paulo elaborado provavelmente durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

Figura 16: José Wasth Rodrigues, carta do Estado de São Paulo elaborado provavelmente durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

FONTE: José Wasth Rodrigues. Esta he a carta verdadeira da revolução q houve no Estado de São Paulo no ano de MCMXXXII. São Paulo, SP: [s.n.], [1932?]. 1 mapa : litogr.: color.; 48,5 x 68,4. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

52Em sua representação, Rodrigues emprega recursos característicos da cartografia dos séculos XV e XVI. No canto inferior direito, por exemplo, o Oceano Atlântico aparece identificado, em latim, como Mare Oceanus Atl. Das profundezas desse mar, Netuno emerge em um monstro marinho e conclama os paulistas à guerra. Além disso, o interior do continente, justamente sobre o território dos estados vizinhos, é representado apenas com rotas de rumo que saem de três rosas dos ventos. Usadas nas cartas náuticas para indicarem os rumos a seguir para se atingir um dado porto, tal representação passa a ideia de que São Paulo era uma ilha.

53Reprimida militarmente, a chamada Revolução Constitucionalista acabou falhando, razão pela qual as elites dirigentes de São Paulo escolheram outro caminho, a modernização de seu Estado, pretendendo torná-lo o mais desenvolvido do país, ao invés de se separar dele. Dentre outras iniciativas, isso se traduziu na fundação da Universidade de São Paulo, a USP, não por acaso, fundada a 25 de janeiro de 1934. As representações cartográficas de seu território seguiram o desenvolvimento tecnológico, especialmente após a fundação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), seguindo hoje os padrões mais recentes. Entretanto não se pode deixar de sentir saudades do tempo em que os mapas traziam legendas semelhantes aos dizeres hic sunt dracones ou hic sunt leones (“aqui há dragões” ou “aqui há leões”), empregados por cartógrafos romanos e medievais para indicar as áreas desconhecidas de suas cartas.

54Cabe salientar, por fim, que não estava dentre os objetivos desse artigo esgotar as possibilidades de análise dos mapas aqui apresentados. Ao contrário, como se buscou destacar desde o título, pretendia-se apontar alguns aspectos da representação do interior paulista na cartografia impressa de São Paulo a partir de uma abordagem cartobibliográfica. Mais especificamente, o foco das análises deste trabalho limitou-se a analisar as repercussões na representação cartográfica do processo de expansão do povoamento para o chamado Oeste paulista, dos interesses econômicos ligados à essa expansão e do consequente embate com as populações indígenas que ocupavam esse espaço. Cabem, indubitavelmente, outras análises além das aqui apresentadas que enriquecerão muito o debate. Espera-se, no entanto, que o esforço de produção deste artigo tenha contribuído para trazer novas pistas de exploração desse rico manancial que é a cartografia paulista.

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Notes

1 Neste período a população da Província de São Paulo ainda contava com os habitantes dos núcleos urbanos do atual Estado do Paraná, que se autonomizou apenas em 1853.

2 Os dados de São Paulo, referentes ao ano de 1836, provém de Daniel Pedro Müller (1978, p. 132-154).

3 Dados estimados para o ano de 1840, retirados de Gior (1941, p. 43).

4 Há uma grande produção bibliográfica acerca da disputa pela propriedade das Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, a qual ficou conhecida como “processo Vimieiro- Monsanto”. Desta produção destacam-se as obras de Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1847, t. IX, p. 137-178, 293-327 e 445-575), escrita originalmente em 1772; as memórias de Frei Gaspar da Madre de Deus (1797, p. 139 e segs); o livro de Benedito Calixto sobre o que ele chamou de “as Capitanias Paulistas” () e, para uma síntese mais recente, o livro organizado por Maria Beatriz Nizza da Silva (2009, p. 13-19).

5 Segundo Heloísa Liberalli Bellotto (2007, p. 27-28), a extinção da Capitania de São Paulo era justificada pela Metrópole em razão desta ser incapaz de prestar assistência às capitanias mineradoras e, também, pela impossibilidade de um governo instalado na cidade de São Paulo responder pela vasta região. Em direção contrária, a criação da Capitania de Mato Grosso reforçava a vigilância das fronteiras na porção Oeste da América portuguesa, enquanto a de Goiás relacionava-se à fiscalização dos quintos reais.

6 Dentre as primeiras representações mais detalhadas desse espaço podem ser destacadas a carta do Porto de São Vicente, de João Teixeira Albernaz I, encartada no Livro que dá Razão ao Estado do Brasil (1612), as representações da Capitania de São Vicente, atribuídas por Nestor Goulart Reis à Alexandre Massaii (1608-1616), ou, ainda, o mapa da viagem de Luís de Céspedes Xeria, desde a vila de São Paulo de Piratininga até a Ciudad Real de Guairá, no Paraguai, elaborado em 1628.

7 Para uma análise mais aprofundada acerca de diferentes aspectos da produção cartográfica do território paulista no século XVIII, recomenda-se, principalmente, os trabalhos de Glória Kok (2004), Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno (2009) e Maria Fernanda Derntl (2013).

8 Para uma análise mais detida acerca da expressão “Sertão Desconhecido” na cartografia paulista, ver: (BEIER, 2015, p. 215-251). Para um trabalho exclusivamente dedicado à produção cartográfica de Eschwege e o uso dos mapas de João da Costa Ferreira como fonte, ver: (BEIER; CINTRA, 2016).

9 Foram impressos de 80 a 100 exemplares do mapa que, por sua vez, foram enviados juntamente com a placa de cobre à Assembleia Legislativa da Província de São Paulo. Os mapas foram apresentados aos deputados paulistas na abertura das sessões da Assembleia, em janeiro de 1842, quando estes decidiram o destino que deveriam dar às cópias do mapa. (BEIER, 2015, p. 156-214).

10 O chamado “quadrilátero do açúcar” diz respeito a uma região delimitada pelas vilas de Sorocaba, Constituição (Piracicaba), Mogi Guaçu e Jundiaí, que incluía mais de dez núcleos urbanos que produziam açúcar para exportação. Nesta época destacavam-se como grandes produtores as vilas de São Carlos (Campinas), Constituição (Piracicaba), Itu, Porto Feliz, Capivari, Mogi-Mirim e Jundiaí.

11 Para uma caracterização da administração paulista no período em que este mapa foi elaborado, ver: (BEIER, 2015, p. 69-110). Já quanto à noção de elite empregada nesse trabalho, adota-se uma concepção de elite muito próxima à utilizada pelo trabalho de Joseph L. Love (1982), isto é, aqui as elites são definidas “com relação a um conjunto de posições formais julgadas relevantes para o exercício de poder político”. Trata-se da adoção de um critério posicional em detrimento de quaisquer outros critérios (LOVE; BARICKMAN, 2006, p. 77-97).

12 O termo “sertão”, em meados do século XIX, ainda era entendido ou empregado como um espaço oposto àquele da “civilização”, isto é, era percebido como o espaço da natureza e, com ela, dos “selvagens” (MORAES, 2003, p. 4; BEIER, 2015, p. 218-225).

13 Natural da província do Maranhão, Cândido Mendes de Almeida (1818-1881) foi um advogado, professor e político brasileiro. Formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Olinda (1839), exercendo por dois anos a advocacia no cargo de promotor público (1841-42). Nomeado por concurso ao cargo de professor de História e Geografia, lecionou essas disciplinas por 14 anos no Liceu São Luís. Tendo se estabelecido no Rio de Janeiro, dedicou-se à política e advocacia na capital, tendo sido eleito e nomeado Senador do Império em 1871 (BLAKE, 1893, v. 2, p. 35-40).

14 Jules-Victor-André Martin (Montiers, 1832 – São Paulo, 1906). Pintor, professor, arquiteto, litógrafo e empreendedor, chegado a São Paulo em 1868, três anos mais tarde ele montou um dos primeiros ateliês de litografia, em 1875, que recebeu do imperador d. Pedro II o título de litografia imperial.

15 Robert Alexander Habersham (Azulia, 1838 – São Paulo, 1921). Engenheiro estadunidense que trabalhou para a administração provincial paulista na repartição de obras públicas. Segundo informações levantadas por Mateus de Moura Leite (2016, p. 140), Habersham deu entrada no porto de Santos em 1867, tendo sido nomeado engenheiro da Província de São Paulo em 1871.

16 Tais preços podem ser considerados altos para a época, sobretudo se comparado a valores como o da passagem de bonde, que em 1877 custava de 200 a 400 réis, ou ainda, à diária de um pedreiro, 2$000 réis em 1878. (LEITE, 2016, p. 141).

17 Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo (1837-1918), é natural de Pindamonhangaba, cidade da região do Vale do Paraíba, em São Paulo. Após cursar humanidades no Seminário Episcopal de Mariana, em Minas Gerais (1847-1852), formou-se em Direito, na Faculdade de Direito de São Paulo (1858). Foi escritor, historiador professor e político, tendo sido presidente da Província de São Paulo (março a outubro de 1864). Foi justamente durante o período de sua curta presidência que se inaugurou o primeiro plano inclinado da estrada de ferro de São Paulo a Santos, à 28 de julho de 1864. No âmbito nacional, acumulou os cargos de Ministro do Império e Ministro da Guerra entre 1880 e 1881. Segundo Cavenaghi (2006, p. 204), seu Atlas, publicado em 1909, teve grande repercussão, permanecendo em uso em vários estabelecimentos de ensino do Brasil por muitos anos. Agraciado com o título de Barão Homem de Melo a 4 de julho de 1877, faleceu em Monte Belo, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1918 (AMARAL, 2006, p. 421-422).

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Table des illustrations

Titre Figura 1: Mapa do distrito aurífero de parte da Província de São Paulo com uma parte da Província limítrofe de Minas Gerais, por W. von Eschwege (1833).
Crédits FONTE: Wilhelm Ludwig von Eschwege. Carte des Golddistrictes Eines Theils der Provinz S. Paulo nebst einem Theile der angrenzender Provinz von Minas Geraes von W. v. Eschwege. 1 mapa : impr.; 32,1 x 23,1 cm In: Pluto Brasiliensis. Berlim: Reimer, 1833, prancha 1.
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Titre Figura 2: Daniel Pedro Müller, Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo (1841).
Crédits FONTE: Daniel Pedro Müller. Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo. Paris: Alexis Orgiazzi, [1841]. 1 mapa : impr.; 96 x 66 cm. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo IHGSP.
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Titre Figura 3: J. de Villiers de L’ile-Adam, Carta Topographica da Provincia de São Paulo (1847)
Crédits FONTE: J. de Villiers de L’ile-Adam. Carta Topographica da Província de São Paulo. Rio de Janeiro: Firmin Didot Irmãos, Belin Le Prieur &Morizot, 1847. 1 mapa : litogr. color; 49,5 x 62 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Titre Figura 4: Cândido Mendes, Provincia de São Paulo, Atlas do Império do Brazil, 1868.
Crédits FONTE: “Provincia de São Paulo”. In: Cândido Mendes de Almeida. Atlas do Imperio do Brazil comprehendendo as respectivas divisões administrativas, ecclesiasticas, eleitoraes e judiciarias : dedicado a Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, destinado à instrucção publica do Imperio, com especialidade á dos alumnos do Imperial Collegio de Pedro II. Rio de Janeiro: Litographia do Instituto Philomatico, 1868, prancha XVII. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Titre Figura 5: Robert Habersham e Jules Martin, Carta Ilustrada da Provincia de SãoPaulo (1875).
Crédits FONTE: Carta Ilustrada da Provincia de S. Paulo. São Paulo: Lith. Jules Martin, 1875. 1 mapa : litogr.; 97,5 x 131 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Titre Figura 6: Vista geral da Imperial Cidade de São Paulo, por Jules Martin (1875).
Crédits FONTE: Carta Ilustrada da Provincia de S. Paulo. São Paulo: Lith. Jules Martin, 1875. 1 mapa : litogr.; 97,5 x 131 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Titre Figura 7: Provincia de S. Paulo, Cláudio Lomellino de Carvalho (1879).
Crédits FONTE: Cláudio Lomellino de Carvalho. Província de S. Paulo. Rio de Janeiro: Lith. de Ângelo e Robin, 1879. 1 mapa litogr. : 33 x 47 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Crédits FONTE: C. D. Rath. Carta da Província de São Paulo. São Paulo: Casa Garraux, 1886. 1 mapa color. litogr. : 52 x 80 cm. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Titre Figura 9: Mappa da Provincia de São Paulo mandado organisar pela Sociedade Promotora de Immigração de S. Paulo (1886).
Crédits FONTE: Mappa da Provincia de São Paulo mandada organizar pela Sociedade Promotora de Immigração de São Paulo. Rio de Janeiro: Lith. Paulo Robin & Cia, 1886. 1 mapa color.; 38 x 58 cm. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Titre Figura 10: Trecho de Carta da Republica dos Estados Unidos do Brazil (1892), destacando os limites do Estado de São Paulo.
Crédits FONTE: Lauriano José Martins Penha. Carta da República dos Estados Unidos do Brazil. [S.l]. 1 mapa : color.; 91 x 95 cm. Library of Congress, Washington, Estados Unidos da América.
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Titre Figura 11: Capa de O Immigrante, Anno I, Num 1, Janeiro 1908.
Crédits FONTE: O IMMIGRANTE. São Paulo: Secretaria de Agricultura, Anno I, n. 1, jan. 1908. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Titre Figura 12: Mapa do Estado de S. Paulo, extraído do periódico O Immigrante (1908).
Crédits FONTE: “Mappa do Estado de S. Paulo indicando a posição das colônias existentes e em projeto”. In: O IMMIGRANTE. São Paulo: Secretaria de Agricultura, Anno I, n. 1, jan. 1908. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Titre Figura 13: Mapa do Estado de São Paulo publicado no Atlas do Brazil, de Francisco Ignácio Homem de Mello, 1909.
Crédits FONTE: “Estado de São Paulo”. In: Francisco Ignácio Homem de Mello. Atlas do Brazil. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia, 1909. 1 mapa : color; 32 x 50 cm, prancha 17.
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Titre Figura 14: Carte Générale de l’État de São Paulo, Comissão Geográfica e Geológica (1910).
Crédits FONTE: Comissão Geográfica e Geológica. Antuérpia: Lith. Laporte et Dosse, 1910.
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Titre Figura 15: Plano de viação de rodagem do estado de São Paulo, Revolução constitucionalista.
Crédits FONTE: “Plano de Viação de Rodagem do Estado de São Paulo”. [S.l. : s.n.]. 1 mapa : color.; 35 x 53 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Titre Figura 16: José Wasth Rodrigues, carta do Estado de São Paulo elaborado provavelmente durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
Crédits FONTE: José Wasth Rodrigues. Esta he a carta verdadeira da revolução q houve no Estado de São Paulo no ano de MCMXXXII. São Paulo, SP: [s.n.], [1932?]. 1 mapa : litogr.: color.; 48,5 x 68,4. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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Pour citer cet article

Référence électronique

José Rogério Beier et Daniel Marhtin, « Aspectos da representação do território paulista em sua cartografia impressa: uma análise cartobibliográfica (1833-1932) »Confins [En ligne], 34 | 2018, mis en ligne le 02 avril 2018, consulté le 12 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/12809 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.12809

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Auteurs

José Rogério Beier

Doutorando em História Econômica (FFLCH-USP, rogerio.beier@usp.br

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Daniel Marhtin

Geógrafo, dmartin@gmail.com

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