1A urbanização vertiginosa e agressiva pela qual passou a cidade de São Paulo alavancada pela expansão da economia brasileira, em especial a partir da crise de 1929, desencadeou profundas desigualdades socioambientais em seu território. Somado a isto, a ineficácia do governo local em implementar políticas de habitação, combinadas às demais políticas setoriais, inclusive de controle do uso do solo, resultou na intensa impermeabilização da cidade; além de promover, ainda que indiretamente, a gradativa ocupação de áreas ambientalmente frágeis em sua periferia, processo que persiste até os dias de hoje.
2A população mais carente, excluída das políticas públicas e, portanto, impossibilitada de arcar com os custos de moradia nas áreas centrais acaba aderindo aos loteamentos irregulares e invasões nas regiões limítrofes do município; prática esta que leva a supressão de remanescentes da Mata Atlântica e poluição de cursos d’água.
- 1 Denominação utilizada por pesquisadores como (Beck, 1997; Giddens, 1997, 2010 e; Veyret, 2007)
3É neste contexto que a cidade de São Paulo, apesar de apresentar um PIB em torno de R$ 406 bilhões, mais de 66% da arrecadação de todo o estado (IBGE, 2015), se depara com os riscos contemporâneos1, a chamada “mudança climática perigosa” que provoca a intensificação das ilhas de calor nos grandes centros urbanos e todos os problemas ambientais e de saúde daí decorrentes.
4Altamente urbanizada, 99,1% da população vive em áreas urbanas, seu cotidiano é marcado pela intensa circulação de pessoas, pelo trânsito e congestionamentos imensos, em que pese alguns Programas de acessibilidade que a gestão municipal vem tentando implementar para incentivar o transporte público e àquele não motorizado, notadamente nos dois últimos governos.
5Em 2014 foram contabilizados mais de 7 millhões de veículos, dos quais aproximadamente 5 milhões eram automóveis particulares e apenas 42 mil, ônibus destinados ao transporte público (IBGE, 2015). A ausência de transporte público que atenda de forma satisfatória à população resulta na utilização cada vez maior de automóveis, com incentivo do governo Federal na isenção dos Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI).
6São Paulo é um Município que apresenta, além de sua extensão territorial (1.530 Km2), números que superaram alguns países, como a Suécia, Portugal e Cuba; daí a dimensão de seus diversos problemas. O incremento das vias de circulação não atendem a demanda provocada pelo aumento da frota do Município e, por outro lado, os investimentos no transporte coletivo não são suficientes para criar alternativas de locomoção para a população. Assim, os custos relacionados aos congestionamentos, os pecuniários e os de oportunidades, tem crescido ao longo do tempo: de 17,3 bilhões em 2002 passou para R$ 40,1 bilhões em 2012 (Cavalcanti, 2013).
7O gráfico nº 01 abaixo revela a relação entre os pontos de alagamentos ocorridos na megalópole, entre os anos de 2008 e 2013, e seu tempo de duração, fator importante que contribui para a intensificação dos congestionamentos.
Gráfico 01: Pontos de alagamentos em São Paulo e sua duração média (2008–2013)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) e a Central de Operações da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) (PMSP, 2015)
8E, em que pese a duração destes alagamentos apresentarem uma queda após 2010, seu tempo variou entre 3:50h à 2:00h de duração. Em uma cidade com as características de São Paulo estes eventos chegam a comprometer seriamente sua mobilidade, trazendo muitos transtornos e prejuízos para a população. E em tempo de mudanças no clima esta situação deverá se agravar com a ocorrência cada vez maior de eventos extremos relacionados às chuvas intensas e mal distribuídas pelo seu território.
- 2 Megacidades:aglomerações urbanas com 10 ou mais milhões de habitantes,ONU, 2014.
9Ademais, o crescimento econômico desta Megacidade2, assim como de outras metrópoles e grandes cidades do país, não foi acompanhado pelo desenvolvimento e equidade social, nem tão pouco visou à sustentabilidade ambiental; mas esta questão, encontra significado quando olhamos para a megalópole inserida na globalização, processo que cria lugares especializados para suprir as necessidades do capital; desarticulando o espaço e promovendo as desigualdades territoriais e sociais.
- 3 Coeficiente de Gini: apresenta dados entre o número zero e um, onde zero corresponde a completa igu (...)
10Em 2003, tínhamos 28,09% da população classificada em situação de pobreza, enquanto o índice de Gini apontava o valor de 0,45. No Brasil, em 2008, este índice era 0,54 e, em 2013, passou para 0,493. No que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), São Paulo encontra-se no 28º lugar com 0,831; enquanto o município de São Caetano do Sul na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) apresenta o melhor índice do Brasil com 0,862. Os índices mais elevados no mundo são da Noruega (0,944), Austrália (0,933) e Suíça (0,917) (PNUD, 2010; 2013). Estes números demonstram que o país, assim como a megalópole de São Paulo, convive com uma alta concentração de renda e desigualdade social; realidade que se observa no tipo de uso e ocupação de seu território.
11São Paulo apresenta hoje muito pouco de sua vegetação original; fruto da expansão industrial, crescimento econômico, concentração da renda e exclusão territorial. Temos atualmente em torno de 1700 favelas distribuídas pelo município, conforme demonstra a figura nº 01, onde a maioria ocupa as áreas públicas, sobretudo àquelas destinadas a implantação de áreas verdes e equipamentos e, em menor proporção, as propriedades privadas (PMSP, 2017).
Figura 01: Distribuição das favelas no Município de São Paulo por distrito
Fonte: Prefeitura de São Paulo (2014)
12O número de moradias construídas em favelas passou de 382.296 em 2008 para 398.200 em 2014; fenômeno que se concentra nas periferias da cidade, particularmente nos distritos limítrofes ao Município, como por exemplo, Campo Limpo (56.916), M’Boi Mirim (40.206), Freguesia do Ó/Brasilândia (24.792) e Vila Prudente/Sapopemba (22.378) (PMSP/SMDU, 2015).
- 4 Informações obtidas na análise dos Processos Administrativos da Prefeitura do Município de São Paul (...)
13Há que se ressaltar, porém, que a diminuição da cobertura vegetal em São Paulo, não é causada somente pelas invasões e loteamentos clandestinos e irregulares. A supressão da vegetação ocorre também pela demanda da população com maior poder aquisitivo, principalmente de duas maneiras: i) com a autorização do governo por meio do instrumento denominado Termo de Compromisso Ambiental (TCA) e ii) utilização do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quando já houve a supressão e o proprietário concorda em reparar o dano. Não obstante estes instrumentos estão longe de cumprir seus objetivos. Não são poucos os casos em que cobertura vegetal é retirada sem autorização, prevalecendo à condição socioeconômica e a certeza da ineficácia e ineficiência de controle do poder público4
- 5 Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com característic (...)
14Contudo, em São Paulo encontramos ainda algumas Unidades de Conservação (UC)5; tais como: Áreas de Proteção Ambiental (APA), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e Parques Estaduais e Municipais. Estas áreas, que sofrem constantemente com a pressão do avanço da urbanização, mantêm maciços vegetais em diferentes estágios de sucessão ecológica, concentrados, principalmente, no extremo Sul, no Leste e ao Norte, conforme podemos verificar na tabela 01 abaixo.
Tabela 01: Unidades de Conservação inseridas do território de São Paulo
Unidades de Conservação no Território do Município de São Paulo – 2016
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Federal
(Instituto Chico Mendes)
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Estadual
(Fundação Florestal e Instituto Florestal)
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Municipal
(Secretaria do Verde e do Meio Ambiente)
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RPPN
Curucutu
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APA Parque e Fazenda do Carmo
APA Mata do Iguatemi
APA Várzea do Tietê
Parque da Serra do Mar (Núcleos Curucutu e Itutinga Pilões)
Parque Pico do Jaraguá
Parque da Cantareira
Parque Fontes do Ipiranga
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APA Capivari-Monos
APA Bororé-Colônia
Parque Natural Fazenda do Carmo
Parque Natural da Cratera de Colônia
Parque Natural Bororé
Parque Natural Varginha
Parque Natural Itaim
Parque Natural Jaceguava
RPPN Mutinga
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Fonte: Organização própria com base nos dados da PMSP/SVMA, 2015
- 6 Parque urbano: área verde com função ecológica, estética e de lazer, no entanto, com uma extensão m (...)
- 7 Parque Linear: Intervenções urbanísticas associadas aos cursos d'água, principalmente aqueles inser (...)
15Além das UC a cidade abriga aproximadamente 100 Parques Urbanos6 dentre os quais, cerca de 20 foram denominados Parques Lineares (SVMA, 2015)7. Programa de governo das gestões de 2003 – 2012, os Parques Municipais “seriam espaços democráticos onde todos podem se encontrar e todos têm direitos e deveres realmente iguais” (ex-Secretário da SVMA, Eduardo Jorge, 2007).
16A despeito do empenho desta gestão em priorizar a manutenção e ampliação de áreas verdes, esforço louvável, reconhecemos; São Paulo continua apresentando uma carência significativa de cobertura vegetal em suas porções urbanizadas. E o mais preocupante, a vegetação protegida em seus extremos, que coincidem com seus mananciais (Sistemas Cantareira, Guarapiranga e Alto Tietê Cabeceiras) continua sendo devastada e substituída por moradias precárias.
17O saneamento básico e energia elétrica apresentam uma situação considerada adequada, demonstrando condições melhores que o restante dos municípios do estado, conforme demonstra a Tabela 02.
Tabela 02: Serviços de saneamento e energia elétrica no município de São Paulo
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Acesso à Água
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Ligação a rede de esgoto
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Esgoto coletado e tratado*
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Coleta de lixo
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Energia
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Município de São Paulo
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99,5%
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93,6%
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65%
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99,8%
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100%
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Estado de São Paulo
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98,7%
|
91,5%
|
-
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98,2%
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Universal”
|
Fonte: Organização própria com base nos dados da SEADE, 20108 e SNIS*, 2006 (dado mais recente disponível)
18No entanto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2006), somente 65% do esgoto coletado em São Paulo passa por tratamento; realidade que se soma a grave situação dos demais municípios da RMSP, onde este número cai para menos de 50% e; ainda, em 15 centros urbanos desta região, não foram registrados nenhum tipo de tratamento.
19O esgoto in natura é direcionado para os cursos d’água e mananciais que abastecem a RMSP, como as represas Billings e Guarapiranga; aumentando consideravelmente a poluição destes reservatórios, e consequentemente os custos para o tratamento das águas que irão abastecer as cidades e; apesar dos esforços da população para diminuição do consumo os valores deste recurso ambiental têm aumentado consideravelmente, assim como o da energia.
20Além desta questão, os resíduos sólidos gerados na capital paulista, representam um importante fator a ser equacionado, uma vez que a cidade gera em média 20,1 mil toneladas de resíduos diariamente como podemos observar no gráfico 02.
Gráfico 02: Tipos de resíduos gerados no Município de São Paulo – 2012
- 9 Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo (PGIRS), 2014.
Fonte: Elaboração Própria. Dados da PMS/PGIRS9
21Atualmente São Paulo conta apenas com uma Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL) e três Estações de Transbordo (Vergueiro, Santo Amaro, e Ponte Pequena) gerenciados por duas empresas: A Ecourbis Ambiental e a Loga – Logística Ambiental de São Paulo S.A. A primeira efetua a coleta da região sudeste, administra a CTL, o aterro São João (desativado), e os transbordos Vergueiro e Santo Amaro; já a segunda faz a coleta e a destinação final dos resíduos da região noroeste do Município, além de administrar o aterro Bandeirantes e Vila Albertina (desativados) e o transbordo Ponte Pequena conforme demonstra a figura 02.
Figura 02: Concessão da PMSP na gestão dos resíduos do município (Ecourbs e Loga)
Fonte: Secretaria Municipal de Serviços, 2015.
22A Ecourbs executa a destinação final dos resíduos sob seu gerenciamento, cuja capacidade é de 7.000 mil toneladas/dia; enquanto que a empresa Loga faz a destinação final dos resíduos, sob sua administração, no aterro sanitário privado denominado “Centro de Tratamento de Resíduos Caieiras (CTR)”, localizado no município de Caieiras na RMSP. Isto significa que mais da metade dos resíduos gerados na capital paulista são enviados para fora de seus limites, ou seja, a Megacidade está exportando seus resíduos.
- 10 Resíduos sólidos passíveis de reciclagem (processo de transformação dos resíduos sólidos com vistas (...)
23Com relação à coleta seletiva, apesar dos resíduos domiciliares secos representarem cerca de 35% do total dos resíduos coletados, conforme demonstra o gráfico 03, os resíduos recicláveis ou reutilizáveis, denominações utilizada pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)10; que podem ser inseridos novamente na cadeia econômica, se constituem em um dos principais desafios para a gestão municipal, uma vez que hoje representa somente 1,6% dos resíduos domiciliares gerados na cidade (PGIRS, 2014).
Grafico 03: Composição gravimétrica dos RSD de São Paulo
Fonte: Secretaria Municipal de Serviços, 2012
24Os resíduos gerados e descartados pela população refletem a desigualdade social e territorial da Megacidade. Moradores da Subprefeitura de Pinheiros, por exemplo, produzem 1,7 kg/hab./dia, quase o triplo da Subprefeitura de Cidade Tiradentes na zona leste que apresenta o valor de 0,6 kg/hab./dia. As dez Subprefeituras onde há maior geração de resíduos são as que apresentam população com maior renda, inseridas ou contíguas ao chamado centro expandido da capital (PGIRS, 2014).
25No Programa de Metas da Cidade (2013-2016), “Um Tempo Novo para São Paulo”, estão previstos o reordenamento territorial e a redução das desigualdades sociais com base em três diretrizes: compromisso com os direitos sociais e civis; desenvolvimento econômico sustentável para a redução das desigualdades sociais e gestão descentralizada, participativa e transparente.
26Entretanto a realidade encontrada está longe das projeções e dos objetivos dos Programas governamentais. Para 2016 estavam previstas a construção de aproximadamente 94.500 unidades habitacionais, das quais, apenas 4.277 foram efetivamente construídas. Encontra-se em projeto cerca de 33.000; em espera para início de obras 39.000, e, em andamento, 17.527 unidades. Da mesma forma, dos 254 empreendimentos previstos para o mesmo período foram concluídos somente 35 (PMSP, 2015).
- 11 Informações obtidas em entrevistas com moradores, em 2014, na ocupação clandestina nas margens do c (...)
27Conforme procuramos demonstrar o crescimento econômico e a urbanização da cidade de São Paulo esteve na contramão do desenvolvimento social e da preservação ambiental; não vieram ao encontro das necessidades e sonhos da maioria de seus cidadãos que a escolheram para viver e “melhorar de vida”. A degradação socioambiental pode ser observada, de perto em suas paisagens, conforme ilustram as fotos 01 e 02, bem como nas falas de alguns invasores que procuram “um cantinho para viver”, duas das quais reproduzimos abaixo.11
28Senhora...aí...a gente trabalha, mas não tenho como comprovar renda, não tem registro em carteira. Já fui ver esse negócio da minha casa, minha vida, mas prá mim não dá”. Tô fora.
Foto 01: Moradia precária em área de risco – Zona Norte
Serra da Cantareira, Pirituba, São Paulo, 2011
Fonte: Acervo pessoal
Foto 02. Ocupação clandestina em área de risco – Zona Norte
Serra da Cantareira - Área de amortecimento do Parque Estadual da Cantareira, Pirituba, São Paulo, 2015
Fonte: PMSP/SVMA/2015
29Esta declaração aberta, revestida de ressentimentos, angústia e impotência, nos expõe de forma contundente os sentimentos dos moradores clandestinos, dos invasores, pois possuem ao menos dois sentidos que os excluem da cidadania e os colocam na marginalidade: “Estou fora do Programa de habitação popular do governo, não me encaixo nestas condições”, e, portanto, “Não me importo com as normas e regras desta sociedade”.
30Na outra fala, de uma Senhora de meia idade, também é possível perceber a realidade deste sistema excludente: “Tô aqui, vim tentar né.... estava pagando aluguel... é muito caro. Ou a gente come ou o aluguel fica com tudo”.
31Poderíamos nos perguntar sobre os riscos; riscos de enchentes, de deslizamentos de terra encosta abaixo, das tempestades, das quedas de árvores, dos riscos climáticos que acentuam estes eventos. Mas, os moradores sabem, compreendem que estão expostos a estes tipos de riscos, muitos já passaram por eles; mas, evidentemente, o risco de não ter onde morar ou o que comer é o que predomina e tem prioridade.
- 12 Expressão utilizada por Rolnik (2011)
32São Paulo apresenta em seu território intensas contradições, abriga bairros residenciais de médio e alto padrão e, de serviços com atividades de ponta, a chamada cidade legal12; que estão em consonância com a legislação edílica, mas não necessariamente com a sustentabilidade ambiental. Já a periferia expõe uma realidade “nua e crua”, onde sobressaem os bairros carentes de todo tipo de infraestrutura, loteamentos irregulares e invasões em áreas ambientalmente protegidas.
33As cidades possuem hoje, e São Paulo não foge a regra, um papel de aceleração predatória do homem, que impõe mudanças radicais à natureza e contribui para gerar a denominada crise ecológica contemporânea; a mudança do clima.
34Contudo, o resultado da Conferência Rio +20, em que destacamos o documento “O futuro que queremos”, reconheceu que as cidades podem liderar um caminho para que os aglomerados urbanos sejam economicamente, socialmente e ambientalmente sustentáveis; desde que o planejamento urbano seja concebido de maneira holística, outorgando a seus cidadãos a co- responsabilidade com os desafios desta política. A urbanização sustentável requer que as cidades gerem e ofereçam oportunidades de trabalho, expansão de infraestruturas como a água, energia, transporte, informações e comunicações; garantia de acesso aos serviços, redução das pessoas residindo em favelas; preservando os recursos ambientais. Para tanto seus governos alinhados com a governança, local e global, que está cada vez mais presente no processo decisório, considere as questões sociais e ambientais; além das econômicas.
- 13 O clima ou os climas segundo TARIFA (2001) “(...) é (são) uma composição da totalidade dos ritmos d (...)
35A posição geográfica do Município, localizado em diferentes topografias (planícies aluviais, colinas, morros, serras e maciços com variadas orientações) e a proximidade com o oceano Atlântico provoca em seu clima bruscas variações do ritmo e da sucessão dos tempos que variam de aquecimento a resfriamento intensos, em segmentos temporais de curta duração (Tarifa; Armani, 2001)13.
36Entretanto, Monteiro em 1976 já havia alertado, por meio da teoria do Sistema do Clima Urbano (SCU), que os atributos climatológicos sofrem constantes interferências decorrentes do tipo de uso e ocupação do solo, em particular ao meio urbano.
37As cidades contribuem para a alteração do balanço de energia, o que gera as denominadas ilhas de calor. Este fenômeno possui como causa a transformação da energia no interior das cidades que possuem formas específicas de edificações, cores e materiais de construção. O tipo de uso e ocupação do solo traz importantes mudanças para o ambiente urbano, uma vez que:
“Uma metrópole sem planejamento adequado do uso do solo, com ausência de parâmetros adequados de verticalização e ocupação, sobretudo onde ela cresce a uma velocidade rápida e com poucos recursos técnicos, pode colocar em risco a qualidade de vida dos seus habitantes” (Lombardo, 1985).
38As ilhas de calor coincidem com as áreas mais impermeabilizadas e edificadas que costumam apresentar temperatura mais elevada; ocorrendo o inverso, à medida que a densidade urbana decresce (Oke, 1984; Lombardo, 1985; Mendonça, 2000; Nobre et al., 2010).
39Observamos na figura 3 que a região central da cidade, como os distritos do Brás, Belém, Pari e Mooca, apresentam maior temperatura, em torno de 31,5 e 32ºC; e, à medida que nos afastamos do centro em direção a periferia, como a serra da Cantareira, na zona Norte, nas proximidades da represa Billings e Guarapiranga na zona Sul, e, no Parque do Carmo na zona Leste, a temperatura diminui sensivelmente. Neste estudo, de 2002, constatamos a influência e importância da vegetação contribuindo para uma temperatura mais amena em suas proximidades, proporcionando um maior conforto térmico na cidade; muito embora tem se verificado sua constante diminuição, principalmente em função da expansão urbana para as áreas periféricas do Município (Jesus e Lombardo, 2014).
Figura 3: Temperatura aparente da superfície de registro – 03/09/1999
Fonte: Atlas Ambiental - PMSP/SVMA (2002)
40Não restam dúvidas de que para a compreensão do clima urbano de São Paulo e, sem dúvida das cidades em geral, é fundamental considerar as relações intrínsecas entre os aspectos físicos, em suas diferentes escalas, e àqueles resultantes do uso e ocupação do solo, por meio das práticas sociais vigentes, que até o momento, podemos afirmar, não tem contribuído positivamente para o equilíbrio ambiental.
- 14 Normal climatológica: “Valores médios calculados para um período relativamente longo e uniforme, co (...)
41Para demonstrar a sazonalidade do clima em São Paulo, Tarifa e Armani (2001) analisaram as normais climatológicas14 do período de 1961-1990 da Estação Meteorológica do Mirante de Santana, que é uma estação representativa do clima local. Nesta análise os dados demonstraram que a cidade apresenta duas estações bem definidas: uma quente e chuvosa, que abrange os meses de outubro a março (primavera-verão), e outra fria e relativamente mais seca, de abril a setembro (outono-inverno).
42Por outro lado, Alves Filho (1996), após análise de 11 (onze) eventos de inundações com grande impacto na RMSP demonstrou que desde a década de 1930 tem ocorrido um aumento progressivo das precipitações; mais de 200 mm anuais em relação há sessenta anos e, o mais importante sob o ponto de vista dos riscos contemporâneos, a pesquisa revela, que estas tempestades são pontuais e concentradas, ou seja, não ocorrem de forma distributiva pelo espaço urbano, e, portanto possuem um maior potencial de causar danos.
43De acordo com Silva Dias:
- 15 Aa áreas urbanas não implicam necessariamente na ocorrência do fenômeno ilha de calor; mas sim, os (...)
A urbanização e o chamado efeito ilha de calor, além da poluição atmosférica, parecem ter um papel importante na alteração do padrão de pluviosidade em São Paulo, em especial nas estações já normalmente mais úmidas, como primavera e verão (Silva Dias, 2012)15
44Esta situação representa o aumento dos riscos à população de menor poder aquisitivo e, portanto, mais vulnerável, residentes nas periferias dos centros urbanos e excluídas das políticas públicas governamentais.
45Os grandes aglomerados urbanos passam hoje por uma intensificação do fenômeno denominado ilha de calor em função do aquecimento e da mudança climática global que agravam a poluição atmosférica e; com a megalópole de São Paulo não tem sido diferente (Nobre, 2010). As projeções futuras, elaboradas por meio de modelos climáticos, indicam um aumento de chuva na região que vai desde a bacia do Prata até o sudeste do Brasil nas próximas décadas (Marengo et al., 2013). As cidades, que já possuem um clima diferenciado em função da presença da ilha de calor, sofrerão aumento significativo da pluviosidade, uma vez que são mais aquecidas, e, portanto, atraem mais chuvas.
46Mas, como já havia demonstrado Alves Filho (1996) a pluviosidade não apenas se intensificou na RMSP como alterou seu padrão de ocorrência; isto é, nestas últimas quatro décadas estamos observando tempestades atípicas, inclusive em tempos tradicionalmente secos, como o inverno. Marengo (2012) explica que “a sazonalidade das chuvas também deverá mudar” (...) e “a quantidade de tempestades fora da época normalmente mais úmida deverá crescer, um tipo de situação que pega a população de surpresa”.16
47A alteração do regime das chuvas nos grandes centros urbanos está intimamente relacionada às mudanças climáticas que ocorrem no Planeta. E por outro lado, a presença de ilhas de calor nas megacidades como São Paulo e Rio de Janeiro, fenômeno local, acaba influenciando outras regiões em maiores escalas (Marengo, 2013; Silva Dias, 2012). O número de dias com chuvas menor que 5mm está diminuindo. Observa-se a predominância de uma situação de extremos; ou seja, as chuvas intensas e concentradas podem ocorrer em períodos de seca. Segundo a pesquisadora (Silva Dias, 2012b) “Nos meses mais secos, a influência das mudanças globais do clima é responsável por 85% da dinâmica envolvida no aumento de chuvas extremas”.
48Importante destacar que os grandes centros urbanos como São Paulo tem sido objeto de estudo de várias instituições, dentre as quais destacamos o Instituto Nacional Pesquisa Espacial (INPE) - Grupo de Pesquisa em Mudanças Climáticas (GPMC), o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), o Interdisciplinary Climate Investigation Center (Incline) da Universidade de São Paulo e o Programa da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) de mudanças climáticas.
- 17 Os dados da estação meteorológica do Mirante de Santana foram obtidos diretamente no sítio do Insti (...)
49A análise de atributos climáticos de duas estações meteorológicas representativas, Mirante de Santana e IAG/USP, conforme será demonstrado a seguir, vem colaborar com as pesquisas sobre o tema e nos revelou que as alterações climáticas no município de São Paulo seguem o padrão constatado na RMSP. 17
50Conforme podemos observar nos gráficos 04 e 05 a temperatura desta Megacidade apresentou um aumento importante nas duas séries históricas analisadas. Na estação meteorológica Mirante de Santana verificamos o aumento de mais de 1ºC nas temperaturas, mínima, média e máxima entre as décadas de 1960 a 2010. Do mesmo modo os dados da estação meteorológica do Ipiranga demonstram que esta tendência se mantém, chegando a um aumento de quase 2ºC nas temperaturas médias (1,86ºC) e máxima (1,90º) na série histórica analisada (1930 a 2010).
51Estação Meteorológica de Santana
52Fonte: Elaboração própria
53Gráfico 05: Aumento das temperaturas mínimas, médias e máximas (1930-2010)
54Estação Meteorológica do Ipiranga
55Fonte: Elaboração própria
56Por outro lado a umidade relativa do ar diminuiu ao longo do tempo, como demonstra o gráfico 06. Na estação do Ipiranga, após um período de certa estabilidade (1930-1950), em torno de 85%, foi detectado uma tendência de diminuição; passando de 85,6% para 80,2% em 2010 (1930-2010). Em Santana, também se constatou uma diminuição neste atributo climático de forma mais acentuada; de 78,7% passou para 73% no período de 1960 a 2010. Apesar da gradativa diminuição, consideramos que a maior umidade relativa do ar encontrada no Ipiranga, se comparado com os dados de Santana, dentre outros fatores, se deve ao fato de que a estação meteorológica está inserida no interior do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, que abriga uma reserva de mata atlântica nativa.
Gráfico 06: Diminuição da Umidade Relativa do Ar (1930-2010 e 1960-2010)
Estação Meteorológica do Ipiranga e Estação Meteorológica de Santana
Fonte: Elaboração própria
- 18 Classificação da precipitação: 0 – 1mm - chuvisco; 1 – 10mm – chuva fraca; 10 – 20mm – chuva modera (...)
57Assim como a temperatura e a umidade relativa do ar, a precipitação acumulada no decorrer das décadas analisadas também apresentou alterações em sua intensidade como demonstra o gráfico nº 07 abaixo18.
Gráfico 07: Evolução da precipitação acumulada em São Paulo
Estações Meteorológicas do Ipiranga e de Santana
Fonte: Elaboração própria
58No Ipiranga a precipitação média anual de 1930 era de cerca de 1.137mm, aumentando gradativamente até 1980, onde chegou a 1.560mm. Entre 1990 e 2000 apresentou uma pequena redução e retornou a tendência de aumento em 2010, onde atingiu 1.890mm; registramos uma diferença de cerca de 700mm na precipitação acumulada entre 1930 e 2010 nesta estação meteorológica. Os dados da estação de Santana seguiram a mesma tendência de aumento da estação do Ipiranga, que passou de 1.317mm em 1960 para 1839 em 2010. Observamos uma ruptura no aumento da década de 1980, com 1379mm, voltando a aumentar nas duas próximas décadas.
59Finalmente, no que refere a intensidade e a frequência das chuvas, tanto na estação meteorológica do Mirante de Santana como na do Ipiranga, os dados demonstraram um aumento gradativo, mas consistente, na frequência e intensidade das chuvas, principalmente acima de 30mm e 50mm, conforme podemos observar nos gráficos 08 e 09.
60Entretanto foi possível constatar, na década de 1980, na estação de Santana uma ruptura no aumento no número de eventos com chuvas >30mm e 50mm, para retormar em seguida nas décadas de 1990 e 2000. Nos chama a atenção as chuvas > 100mm, com potencial para causar grandes desastres, que apesar da variabilidade, durante as décadas, demonstra uma tendência de aumento.
61Na estação do Ipiranga observamos um pico de eventos com fortes chuvas > 30mm década de 1980, para e seguida diminuir em 1990; retomando a tendência de aumento na década de 2000.
Gráfico 08: Alterações na frequência e na intensidade da precipitação em São Paulo (1960-2000) -
Estação Meteorológica de Santana
Fonte: Elaboração própria
Gráfico 09: Alterações na frequência e na intensidade da precipitação em São Paulo (1930-2000) -
Estação Meteorológica do Ipiranga
Fonte: Elaboração própria
62Como discutimos, São Paulo assim como outras aglomerações urbanas do Planeta, apresentam uma clima diferenciado devido as suas prórprias características de uso e ocupação do espaço; o que redunda na maioria dos casos no surgimento do efeito estufa, e mais recentemente, com as mudanças climáticas, em seu agravamento; fenômeno que vai além da variabilidade climática. A pluviosidade, além de ter sido intensificada, mudou seu padrão de ocorrência; pois a quantidade de dias com chuva forte ou moderada aumentou, inclusive no inverno, períodos normalmente mais secos (Ramires, 2015).
63Os dados analisados provenientes das duas estações meteorológicas localizadas no Município de São Paulo (Santana e Ipiranga) sinalizam que houve alterações no clima desta megalópole durante as séries históricas analisadas como aumento da temperatura; do número de dias com precipitação > que 30mm e 50mm; além da diminuição da umidade relativa do ar, principalmente na estação meteorológica de Santana; local que apresenta baixo índice de vegetação. Podemos dizer, portanto, que os eventos extremos, relacionados principalmente às chuvas intensas tem ocorrido na megalópole causando sérios riscos à população, sobretudo para àquela, que reside nas áreas frágeis, que apresentam maior vulnerabilidade.
64São Paulo se constitui na atualidade em uma das maiores megalópoles do mundo com cerca de 11 milhões de habitantes. Além de sua extensão territorial apresenta números que superaram à de alguns países, daí a dimensão dos diversos problemas que seus gestores estão sujeitos a enfrentar.
65A industrialização e urbanização desta cidade sempre estiveram relacionados, além do contexto nacional, às necessidades do mercado global. O incremento da população entre as décadas de 1960 e 1970, que somava 5,9 milhões de habitantes, já indicava a forma agressiva que se daria o uso e ocupaçao do solo no Município. São Paulo conta hoje com uma população de aproximadamente 11,8 milhões de habitantes, o que representa 27,2% da população do estado de São Paulo convivendo em uma área de 1.530 Km2.
66Seu processo de urbanização provocou à princípio o adensamento e posteriormente o esvaziamento das áreas centrais; em que pese toda infra-estrutura já instalada. Foram ocupados fundos de vales e terrenos suscetíveis à erosão, com altas declividades, iniciando a devastação da vegetação ainda existente, a Mata Atlântica; o que contribuiu para a intensificação dos riscos socioambientais destas regiões. A compreensão desta dinâmica que envolve a produção e reprodução do espaço deve considerar, além dos interesses de seus cidadãos, o interesse do capital local, regional e mundial; não necessariamente nesta ordem.
67Assim, para a análise e compreensão das alterações no clima da Megalópole é fundamental considerar as relações intrínsecas entre os aspectos físicos, em suas diferentes escalas, e àqueles resultantes do uso e ocupação do solo que até o momento, podemos afirmar, não tem contribuído positivamente para a sustentabilidade das cidades.
68Por meio da análise de dados provenientes das duas estações meteorológicas localizadas no Município de São Paulo (Santana e Ipiranga), observamos que houve alterações no clima na megalópole, como aumento da temperatura, do número de dias com precipitação, além da diminuição da umidade relativa do ar.
69Podemos destacar, portanto, que os eventos extremos, relacionados principalmente, às chuvas intensas, tem ocorrido na megalópole causando sérios riscos à população, sobretudo para àquela que reside nas áreas frágeis, que apresentam maior vulnerabilidade; seriam os riscos contemporâneos, inerentes à sociedade de risco de que fala Beck e Giddens; diante dos quais a implementação de políticas públicas adequadas de mitigação e adaptação, considerando o médio e longo prazo, são urgentes.
70As cidades, com seus problemas que envolvem a poluição do ar, destinação de resíduos, contaminação dos recursos hídricos, congestionamentos intensos, dentre outros, podem adquirir condições de indicar um caminho sustentável para os aglomerados urbanos; desde que os governos, alinhados com a governança, local e global, que estão cada vez mais presente no processo decisório, considerem as questões sociais e ambientais; além da economia.
71Entendemos que as discussões sobre os futuros modelos de gestão urbana, na procura de uma melhora de qualidade de vida para seus habitantes, devem incorporar, dentre outas questões relevantes, àquelas relativas às mudanças climáticas. E para que isto se viabilize, não temos dúvidas que, além do governo em todas as esferas administrativas, será primordial a junção de esforços dos vários segmentos da sociedade.
72O planejamento das cidades, além das questões locais internas e de seus respectivos conflitos, deve contemplar as questões regionais e o contexto inernacional num mundo globalizado, sobretudo para os grandes aglomerados urbanos ou as megalópoles, que integram uma rede de articulação global envolvendo interesses econômicos, financeiros e políticos, os quais, interferem na política pública e, portanto, no ordenamento do território.