1Há mais de 300 anos, os garimpeiros buscam a “boa sorte” na descoberta do ouro de aluvião na Amazônia, porém, nesse início do século XXI, o garimpo artesanal e amplamente informal tende a ser uma atividade em retração, ou em vias de extinção. O garimpeiro tradicional, informal ou ilegal, em suas fases áureas na Amazônia, já foi analisado por Cleary (1992); Mathis e Rehaag (1993); Cremers, Kolen e Theije (2013), Wanderley (2015), dentre outros autores. Os garimpeiros representam um tipo social e histórico que teve importante papel na formação social do território brasileiro, tanto pelo desbravamento quanto pelo povoamento do Brasil. No entanto, como foi ressaltado por Laura Souza (2004) no livro “Desclassificados do Ouro, a pobreza no século XVIII”, foram historicamente vistos como desclassificados, aventureiros ou vadios. Atualmente, ainda seguem invisibilizados na economia mineral do Brasil ou muitas vezes criminalizados por sua informalidade e danos sociais e ambientais (Barbosa, 1991).
2Os garimpeiros mais do que nunca aparentam ser símbolos arcaicos dos desbravadores dos sertões bravios dos séculos passados. Do Brasil colônia até a primeira metade do século XX, os garimpos eram fatores de povoamento de regiões de interioranas, ou seja, atratores de população para ocupar áreas ainda pouco habitadas. Em outro momento, da segunda metade do século XX em diante, os garimpos foram vistos como barreiras aos projetos de modernização, que posteriormente incorporam os preceitos da preservação ambiental. Seu papel, no que diz respeito à ocupação, ficou cada vez menor com a intensificação do povoamento das regiões-fronteira, da urbanização, a abertura de estradas e a expansão capitalista. Além disso, nas últimas décadas, a garimpagem vem enfrentando mudanças tecnológicas significativas, como a incorporação de maquinários mais complexos que exigem investimento elevado e menor contingente de mão de obra. Enfrenta ainda a escassez cada vez maior do ouro de aluvião, de mais fácil extração.
3Neste novo contexto, o processo de normatização da atividade garimpeira ganhou outro marco regulatório. Nesse processo, empresas mineradoras e cooperativas foram e são priorizadas, enquanto garimpeiros artesanais, informais e ilegais, tiveram seu campo de atuação cada vez mais restrito. Isto denota também uma baixa ou fraca organização de classe. Em face das novas exigências regulatórias, impostas pelo Estado como pré-requisitos de legalização da atividade garimpeira e para cumprimento das normas ambientais, os garimpeiros – de pequeno porte, descapitalizados, que dependem do ouro como sobrevivência e manutenção de modos de vida – vêm sendo estimulados e, de certa maneira, conduzidos à condição de informalidade ou, na melhor das situações, a se agruparem em cooperativas extrativistas familiares.
- 1 A discussão acerca da informalidade e ilegalidade aparece nos trabalhos de Lia Machado (1998) e Ada (...)
4Devemos antes discutir as noções de ilegalidade e informalidade no garimpo1. Sendo a primeira entendida como prática ilegítima e clandestina, que não deveria existir e. portanto, deve ser eliminada pelo Estado. Por outro lado, a informalidade pode ser formalizada, tendo em vista que existem arcabouços políticos e jurídicos para tal. Tornar a atividade informal dos garimpeiros em trabalho formal é parte de um discurso político proferido por parte do Estado. Mas no geral os garimpos continuam a ser informais na Amazônia brasileira e em alguns casos encontram-se em situação de ilegalidade.
5O garimpo é considerado ilegal quando é exercido em áreas estritamente proibidas por lei (terras indígenas, áreas de preservação, zonas de fronteira, etc.) ou ainda em áreas nas quais o garimpo tenha sido fechado ou a garimpagem proibida por motivos diversos (riscos ambientais, crimes hediondos, etc.). O Estado sabe da existência ilegal e informal da garimpagem, mas, por razões diversas, não a combate plenamente, nem a regulariza quando possível. Deste modo, não deixa de estabelecer um “quase acordo” com os garimpeiros, com o consentimento das empresas mineradoras. Essas, por sua vez, parecem tolerar os garimpeiros que não ameaçam seus projetos territoriais. Por vezes, inclusive os utilizando como fontes de informação de novas jazidas e como força de trabalho disponível.
6O Estado, em muitos sentidos, age de forma ambígua. Em alguns momentos age como um ente repressivo, reprimindo ostensivamente o descumprimento das normas estatais, em outros, por causa das pressões sociais locais, tolera o garimpo e evita enfrentá-lo. No entanto, não acede às pressões e reivindicações dos garimpeiros por regularização e normas mais flexíveis e menos restritivas (Baía Junior, 2014; Kolen, Theije & Mathis, 2013; Sousa et al, 2011). Nesse contexto insolúvel, os garimpos sobrevivem e os problemas sociais e os danos ambientais em áreas ambientalmente sensíveis persistem.
7Nesse trabalho analisamos a questão dos garimpos e dos pequenos garimpeiros no Sudoeste da Amazônia brasileira a partir de: 1) nossas experiências de pesquisa acumulada sobre mineração industrial e garimpo na Amazônia brasileira; 2) trabalhos de campo no Sudoeste da Amazônia, realizados em 2010, 2013 e 2015; 3) pesquisas de notícias na mídia especializada e nos noticiários em geral 4) entrevistas realizadas com: a) geólogos e outros técnicos de órgãos como: o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Belém e em Manaus, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) em Porto Velho e Secretarias Municipais; b) advogados e funcionários do Ministério Público em Manaus e em Porto Velho; c) gerentes das empresas mineradoras, donos de garimpos, de dragas ou balsas e garimpeiros; e d) representantes dos sindicatos, cooperativas e associações garimpeiras.
8O enfoque adotado neste artigo procura problematizar: 1) quem são os garimpeiros na atual Amazônia brasileira, como atuam e quais suas características frente às outras formas de mineração; e 2) a informalidade do garimpo em contraposição à ideia de modernização por meio da mineração industrial, das hidroelétricas ou do agronegócio, da legislação ambiental e da valorização de organizações de cooperativas de mineradores. Para a realização desse trabalho abordamos: a influência dos ciclos internacionais do preço do ouro sobre a ocupação humana e a exploração mineral no Sudoeste da Amazônia; em seguida, analisamos as situações dos garimpos e dos garimpeiros; e no fim discutimos a relação entre o recrudescimento da legislação ambiental sobre os garimpeiros e a pressão por uma saída a partir da regularização via cooperativismo mineral.
9A cotação do ouro tem sido um importante fator a ser analisado na história recente da globalização financeira, seja na crise atual dos países de economia de países centrais ou na trajetória econômica brasileira. As moedas nacionais influenciaram e foram influenciadas por vários e diferentes processos, desencadeados pelos efeitos das crises globais e dos processos cambiais e inflacionários (interno e externo aos países). Os efeitos de desvalorização cambial se fizeram sentir, entre outros, nas opções de investimentos em ouro. Com o enfraquecimento e as desvalorizações das moedas nacionais, recorrentemente, o ouro voltou a ser visto como reserva de valor para evitar a perda de capitais em moedas nacionais.
10Além disso, a variação no preço do ouro acaba, até certo ponto, influenciando as estratégias das mineradoras e, em menor escala, dos garimpeiros. Em ambos os casos, fatores internos, como a existência de jazidas ricas e de fácil acesso, as condições sociais do país e a regulação estatal, afetaram o comportamento e a busca por ouro.
11O mundo passou no último meio século por dois momentos de boom do preço do ouro no mercado de capitais. O primeiro ciclo de valorização ocorreu, na década de 1970, com a quebra do padrão ouro-dólar de maneira unilateral pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA), associado posteriormente aos três choques do petróleo e ao encarecimento desta commodity. Estes processos levaram a uma desvalorização do dólar e de outras moedas nacionais e a valorização acelerada do ouro, que se tornou fuga dos investidores às incertezas monetárias. O preço do ouro passou de 35 US$/Oz em 1968 para US$850 em 1980, encontrando um preço médio entre US$350 e US$450 a onça troy de 1987 e 1997 (Wanderley, 2015). No âmbito nacional, o preço do ouro acompanhou a tendência internacional até a implementação do plano Real e a paridade monetária Real-Dólar em 1995, que levou derrubou o valor do ouro no mercado interno.
12O segundo ciclo de valorização do ouro ocorreu no início do século XXI. O crescimento da demanda das commodities minerais e agrícolas no mercado asiático (chinês, principalmente) conduziu a uma oscilação positiva não somente nos preços das commodities, mas também no preço da terra e dos recursos energéticos (Bebbington, 2009). Acrescenta-se à elevação da demanda um forte componente especulativo dos mercados de capitais, que turbinaram o aumento dos preços das commodities negociadas nas principais bolsas do mundo. Desde o final de 2008, porém, a economia dos Estados Unidos sofreu o impacto da eclosão da crise no seu mercado imobiliário. Tal crise teve ainda repercussões no sistema financeiro e econômico europeu e asiático, consequentemente, influência na determinação no preço mundial e nacional do ouro (Shafiee & Topal, 2010). Após rápida queda influenciada pela crise, em 2009, o ouro seguiu trajetória ascendente até 2011, quando iniciou um padrão de desvalorização nos preços, junto com outras commodities.
Figura 1: Cotação do Ouro – Histórico dos últimos 40 anos em Reais/Oz
Fonte: Cotação do ouro.com
13As cidades mais antigas, ao longo dos rios Tapajós e Madeira, cresceram com o extrativismo e o comércio da borracha (ou do látex extraído da seringueira) e da castanha-do-Pará no final do século XIX e início do XX. Essa atividade ficou decadente logo após os períodos áureos do extrativismo da borracha (de 1880 a 1912 e década de 1940). A atividade extrativa desses períodos foi substituída sazonalmente pelo extrativismo da castanha-do-Pará e, esporadicamente, do ouro.
14Nos anos de 1970, estradas vertebrais foram construídas cortando a Amazônia brasileira, como: a Transamazônica (BR-230), a Cuiabá-Santarém (BR-163), a Cuiabá-Rio Branco (BR-364) e a Manaus–Porto Velho (BR-319). Concomitantemente, os desmatamentos para formação de pastagens, para extração de madeira ou até mesmo agricultura e para os exercícios das atividades de garimpo iniciaram no sudeste do Pará e no sul e sudeste do estado do Amazonas e no noroeste e norte dos estados de Mato Grosso e Rondônia. Devemos ressaltar ainda como importantes processos reestruturadores do espaço amazônico, a partir de 1970, a construção do complexo bauxita-alumínio da hidroelétrica de Tucuruí e do Grande Projeto Carajás no Pará, que atraíram população mas também novos investimentos para região. Em Carajás, inclusive, a Companhia Vale do Rio Doce chegou, nos anos 1990, a extrair ouro na mina Igarapé Bahia, apesar do principal minério minerado no complexo Carajás ser ferro.
15No sudeste do estado do Amazonas, as cidades ao longo do Rio Madeira se diferenciam daquelas emergentes ao longo da Transamazônica e da BR-163, novas cidades que surgiram com a construção das rodovias e caracterizam-se por serem cidades lineares ou axiais que se expandiram além das linhas formadas pelas estradas. Tratam-se de cidades que se formaram durante o processo de consolidação da “fronteira econômica do país” (Browder e Godfrey, 1990), consagradas pelas políticas de ocupação oficial da Amazônia brasileira lançadas durante o período militar/ditatorial.
16Essas obras tampouco levaram em consideração índios, posseiros e ribeirinhos que há muito habitavam a região a ser ocupada pelas novas atividades atraídas pelos planos governamentais e pelos projetos encapados pelos agentes capitalistas, nacionais e internacionais. Além dos capitalistas atraídos para a região, garimpeiros, índios, posseiros e ribeirinhos ocuparam, seletivamente, o espaço regional desde a década de 1970. Na década de 1970, por ocasião da abertura das estradas, vários projetos de colonização foram criados para novos colonos do sul e do nordeste do país. Entretanto, nem todo migrante era contemplado com lotes de terra, o que potencializava luta por terra e a tensão no campo.
17Na ocasião, os governos ditatoriais julgavam poder eliminar os conflitos fundiários e controlar a atividade garimpeira artesanal com intuito de estimular e garantir a expansão de atividades capitalistas, principalmente a pecuária e a mineração industrial. Garimpos surgiram em diversas localidades da Amazônia, em especial ao longo das principais rodovias, como a Transamazônica (no sentido leste-oeste) onde ocorre o contato do cristalino com o sedimentar, e ao longo dos rios, como o Tapajós e Madeira. Garimpos como os de Serra Pelada em Carajás e os do vale do Tapajós no Pará, os do Gurupi no Maranhão, os do rio Madeira em Rondônia, no Amapá e em Roraima ficaram famosos nos anos de 1970 e 1980, atraindo quase um milhão de garimpeiros, na maioria migrantes pobres das zonas rurais castigadas pelas secas no Nordeste.
18O garimpo do ouro funcionava como alternativa para os migrantes excluídos dos projetos de colonização e como uma válvula de escape para os conflitos no campo. Mas no final da década de 1980, os projetos de colonização já se encontravam enfraquecidos e sobrepujados pelo avanço pecuarista, madeireiro e da mineração industrial. Assim, para o colono empobrecido, o garimpo passou também a ser uma atividade de sobrevivência para complementar a renda ou realizar o sonho de enriquecer rapidamente.
19No Sudoeste da Amazônia, o ouro ocorria em geral na floresta longínqua e densa cujos acessos se davam majoritariamente por meio de aviões, caminhos terrestres recém-abertos e trajetos seguindo os cursos de água ou caminhos fluviais. Somente mais tarde os acessos às minas de ouro foram facilitados por caminhos rodoviários, alguns abertos pelos próprios garimpeiros. Os garimpos, longe das capitais (Belém, Manaus e Porto Velho) e das cidades amazônicas tradicionais, davam origens às corrutelas. As corrutelas eram os aglomerados populacionais criados para dar apoio às atividades efêmeras, como o extrativismo vegetal, animal e mineral e a atividade agrícola de subsistência. Suas funções principais eram de comércio e de serviços, sobretudo, para atendimento básico.
20Os comerciantes, além do abastecimento local, também financiavam os garimpeiros com mercadorias e aporte direto de capital. Não raramente, nos garimpos a maior circulação local de capital era oriunda no comércio (de maquinários, gêneros alimentícios, farmacêuticos, vestuários, etc.) e não diretamente da comercialização do ouro. O garimpo do ouro era a principal motivação de ocupação humana, do aumento dos fluxos financeiros, da expansão do comércio e do consumo de produtos in natura ou industrializados e de serviços de lazer (casas de festa e prostituição, em particular).
21Nesses aglomerados populacionais polarizados pela mineração, os comerciantes, os compradores do ouro e os grandes e médios pecuaristas ou, até mesmo, os funcionários das grandes empresas mineradoras não conviviam de forma harmoniosa. As formas de apropriação do ouro, da terra, de comércio e de circulação de dinheiro engendram meios de relação entre terra, ouro, trabalho e dinheiro, que envolvem conflitos e lutas com certas tensões violentas, marcadas por mortes.
22O ouro foi importante fator de crescimento populacional e migratório e contribuiu direta ou indiretamente com a emergência de novas cidades na Amazônia (Godfrey, 1990). As diferenciações de funções urbanas (comercial, terciária e administrativa) foram influenciadas, dentre outros fatores, pelas distâncias das minas de ferro, bauxita, manganês e dos garimpos de ouro, que se proliferaram na região no seu período áureo, nos anos 1970 e 1980.
23Nos anos de 1990, os garimpos na Amazônia entraram em decadência, com a queda no preço do ouro em consequência da política monetária do governo federal e da desvalorização inflacionária no mercado internacional. Além do mais, na ocasião, fortalecem-se os discursos regulatórios, modernizador (privilegiando a mineração industrial) e ambientalistas contrários ou restritivos à garimpagem. Neste contexto, garimpos em Serra Pelada (famosa por ter sido a maior mina a céu aberto da época), no Sudeste do Pará, e no vale do Rio Tapajós, no Oeste do Pará, em Rondônia, Roraima e no Amapá, diminuíram significativamente sua produção e o contingente de garimpeiros trabalhando.
24Mesmo com a revalorização no preço do ouro no mercado internacional no início do século XXI, o retorno de garimpeiros ou de mineradores capitalizados para as regiões auríferas não ocorreu em números tão significativos ou mesmo similares aos do passado (décadas de 1970 e 1980), segundo representantes de organizações garimpeiras. Isso pode ser atribuído ao fato do próprio discurso anti-garimpagem, pró-mineração industrial e ambientalista ter crescido na sociedade brasileira. Além disso, as condições econômicas, sociais e de oportunidades para os mais pobres tiveram melhoras significativas na região amazônica, tornando o garimpo uma escolha menos atraente.
25Do ponto de vista dos novos investimentos na garimpagem, destacamos que parte representativa dos mineradores capitalizados diversificou suas atividades econômicas em face do baixo preço do ouro nos anos 1990 e da valorização da terra e do preço favorável do boi gordo (carne bovina), tendo parte do seu capital migrado para a pecuária e a aquisição de imóveis. A categoria de pecuaristas se ampliou, o rebanho aumentou e o movimento de compra de terras cresceu no oeste paraense e no oeste e noroeste do estado de Rondônia ou do sudoeste do estado do Amazonas. Inclusive, isto pode ser tratado, em parte, como um dos impactos da exploração aurífera na região, que a partir do seu excedente financiou a compra de terras e de gado.
26A Lei Nº 11.685/2008, que instituiu o Estatuto do Garimpeiro, de forma generalizante e sem fazer grandes distinções entre as categorias de garimpeiro, em seu Art. 2º entende por garimpeiro: “toda pessoa física de nacionalidade brasileira que, individualmente ou em forma associativa, atue diretamente no processo da extração de substâncias minerais garimpáveis”. No entanto, para efeito analítico, nesse artigo não seguimos a categorização de garimpeiro legalmente constituída. Para nós a definição em questão é pouco eficiente, de forma a não distinguir criteriosamente os diferentes tipos de garimpeiros e suas particularidades, o que acaba por favorecer os mais capitalizados. A categoria oficial acaba por equiparar indivíduos descapitalizados, que garimpam para subsistência familiar, com grandes investidores do garimpo, que movimentam capital e maquinário em escala quase industrial. Ambos os tipos de garimpeiros, no entanto, se diferenciam claramente das mineradoras industriais, formais e intensivas em capital e tecnologia. A tabela 1 buscar diferenciar os tipos de mineração em operação no sudoeste da Amazônia brasileira.
27É importante, porém, discutir quem são os garimpeiros. Os garimpeiros artesanais, em geral, são pobres, ou empobrecidos, e atuam de maneira informal. Diferentemente das empresas mineradoras, eles estão longe dos circuitos superiores de poder e da economia, isto é, da produção e do mercado formal. O horizonte do garimpo artesanal é limitado e de curto prazo, para o sustento imediato da família. Os garimpeiros são, em geral, descapitalizados, contam com parcos recursos próprios ou empréstimos informais a juros elevados. Tampouco possuem tecnologias avançadas, apoio político ou auxílio do poder público. Utilizam, quando muito, força de trabalho familiar ou informal e ferramentas simples e de baixo custo. Enquanto as empresas mineradoras, apesar de cada vez menos intensivas em mão de obra, empregam força de trabalho assalariada e alta tecnologia de prospecção e extração. As mineradoras gozam de elevado apoio político e até mesmo financiamento por parte do poderes públicos, bancos e do mercado financeiro, com retorno de médio e longo prazo. Os garimpeiros, fragilizados financeira, política e socialmente, são geralmente informais, não empregando trabalhadores assalariados e gerando pouca arrecadação direta para os entes da federação. Porém, o dinheiro da garimpagem circula nas regiões auríferas, movimentando significativamente a economia local e regional.
28No sudoeste amazônico, dentre os grupos garimpeiros que mineram para a subsistência própria ou da família estão os “escarifuçadores” - denominação atribuída àqueles que fazem escarificações para rebaixar as bordas da cava da mina ou para desbancar as margens de um rio. Pelo menos na cidade de Porto Velho (capital de Rondônia) e no médio Rio Madeira, essa categoria de garimpeiros do ouro é também denominada de “fuçadores” ou ainda “furadores”. Geralmente, “escarifuçadores” ou “furadores” também são nomes reservados aos garimpeiros familiares, que dividem sazonalmente o garimpo com o extrativismo florestal e a agricultura familiar de subsistência ou mesmo os que atuam como subempregados urbanos em parte do ano. Assim, eles podem ser encontrados em períodos de tempo determinados nas margens do Rio Madeira e seus afluentes, próximos às cidades, em especial Porto Velho ou as comunidades ribeirinhas.
29Isso porque, na Amazônia dos garimpos, a exploração do ouro é, comumente, marcada pela periodicidade sazonal das chuvas. Os pequenos garimpeiros passam de uma atividade para outra dependendo da variação no fluxo de águas. Entretanto, no Rio Madeira, a garimpagem tradicional está sendo alterada por efeito das novas hidroelétricas (usinas de Santo Antônio e Jirau). Não apenas pela alteração na dinâmica fluvial com o barramento do rio, mas também pelos efeitos sociais e econômicos, sobretudo, na geração de emprego e renda, direta e indiretamente, pelas obras (Cavalcante, Santos, 2012).
Tabela 1 - Características da Mineração Artesanal Informal, Mineração por Cooperativas e da Mineração Formal-Empresarial.
Mineração Artesanal Informal
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Mineração por Cooperativas
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Mineração Formal-Empresarial
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Informal, garimpeira.
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Em processo de formalização, algo entre a fronteira do formal e informal.
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Formal, empresarial.
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Sem apoio formal do governo.
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Apoio dos governos locais e estaduais e, às vezes, nacional.
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Com apoio de todas as esferas de governo.
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Sem condições de bancar lobistas.
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Uso ocasional de esquema de lobistas em escala local e regional.
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Uso de lobistas em todos os poderes e níveis de gestão.
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Discurso nacionalista.
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Discursos desenvolvimentistas variados.
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Discurso de modernização e desenvolvimentista.
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Mão de obra individual ou associação informal em grupo de extrativistas.
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Incluem assalariados no escritório das cooperativas e trabalho informal na mina, como percentistas.
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Emprega apenas mão de obra assalariada diretamente ou via empresas terceirizadas.
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Individualismo e paternalismo (relações sociais do grupo).
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Caráter Empresarial. Eliminação total dos Resquícios de individualismo e paternalismo. Relações com governos, políticos e empresários nacionais ou mesmo transnacionais.
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Relações estreitas entre empresa e sindicatos de trabalhadores da mineração e entre empresa e governos e políticos.
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Instrumentos de trabalhos rústicos e simples como: bateia, picareta, pá até o uso de motores de baixa potência.
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Tecnologia avançada: maquinários de grande porte, como retroescavadeiras, tratores e caminhões; balsas e dragas.
Elevada despesas com combustíveis.
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Tecnologias, técnicas e instrumentos inovadores e automatizados (fonte de energia: combustíveis e hidroeletricidade).
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Uso de mercúrio na captação do ouro, quase sempre de maneira irregular.
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Uso de mercúrio ou de cianeto, sujeito à licença ambiental. Às vezes, utilizados de maneira irregular.
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Uso de métodos industriais mais seguros, como o magnetismo ou mesmo cianeto com licença ambiental.
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Descobertas a partir do empirismo de garimpeiros experientes.
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Confirmação de ocorrências minerais por pesquisas geológicas contratadas ou empirismo garimpeiro.
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Descobertas por pesquisas geológicas de alta tecnologia, com análise geofísica e sondagem.
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Exploração no aluvião.
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Extração de depósitos primários e de aluvião, com pouca precisão técnica.
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Exploração de depósitos primários e jazidas comprovadas.
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Visão de curto prazo: bamburrar o mais rápido e sustento imediato.
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Visão de médio prazo: adaptam-se às características dos depósitos e ao capital disponível.
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Visão de médio a longo prazo: pesquisas minerais e planejamento de mina.
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Recursos financeiros próprios ou empréstimos informais.
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Recursos majoritariamente de alguns empresários ou empresas nacionais e transnacionais interessadas em estabelecer joint-venture com cooperativas.
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Financiamentos próprios da mineradora nacional ou transnacional, captação com bancos, governos e no mercado financeiro.
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Escala local.
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Escala local, regional e nacional.
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Escala local, nacional e global.
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Fonte: Elaborado pelos autores
- 2 Balseiros e dragueiros são os donos de embarcações denominadas de balsas e dragas, utilizadas na mi (...)
30Além dos pequenos garimpeiros de subsistência, se autodenominam garimpeiros: os “donos” de garimpos ou de balsas (“balseiros”) e dragas (“dragueiros”)2, que possuem a posse ou concessão da área (lotes ou barrancos), a terra ou o maquinário, ou todos os meios de produção juntos; e os “associados” ou “percentistas”, trabalhadores do garimpo que são pagos pelos “donos” com percentuais de 5% a 10% do montante extraído, divididos entre todos os trabalhadores envolvidos. Eventualmente, os comerciantes locais de equipamentos de garimpagem também atuam no garimpo, pois entram no circuito do ouro como investidores por meio de vendas a prazo (fiado com altos juros e retorno garantido na venda da produção). Assim, a ampla definição da categoria garimpeiros no bojo da legislação vigente faz com que sejam equiparados garimpeiros artesanais, percentistas, donos de garimpos, balseiros e dragueiros de portes variados, ou mesmo financiadores de maquinários para extração de ouro (motores, retroescavadeiras, bombas hidráulicas, entre outras, de portes diversos). Podem ainda entrar nessa categoria os investidores que aplicam no garimpo, detentores de certo capital ou com facilidade de acesso a financiamentos.
Balsa de garimpeiros no Rio Madeira
Foto Hervé Théry 2005
- 3 Vamos optar neste artigo por denominar os donos de garimpos, balseiros e dragueiros como mineradore (...)
31Os donos de garimpos, dragueiros e balseiros são mineradores3 capitalizados que, muitas vezes, investem não só capital próprio ou emprestado, mas também trabalho familiar e/ou informal (percentistas), podendo ter a extração mineral como atividade central ou como investimento secundário. Dentre esses, existem os que atuam na informalidade e aqueles que buscam se formalizar como empresas ou na forma de cooperativas, em sua maioria de fachada e direcionada a atender interesses individuais (ver Tabela 1). Tais mineradores estão na fronteira entre o formal e o informal, possuem significativo poder de influência junto aos políticos locais e estaduais, utilizando ocasionalmente de esquemas de lobistas, principalmente, para conseguirem as licenças de operação. Extraem tanto em áreas de aluvião como em depósitos primários e usam de maquinários pesados e que exigem investimento de maior soma. Em eventuais situações, podem se associar, em forma de joint-venture, com corporações de mineração, de capitais nacionais ou estrangeiros, intensivas em capital e tecnologias. Porém, para isso, precisam ter encontrando um depósito primário comprovado, que permita uma operação de médio a longo prazo.
32Em suma, não são observadas na legislação atual, que identifica o sujeito social do garimpo, critérios como: as especificidades do trabalho; a capacidade de empregar força de trabalho; o aporte de capital; o volume de minério extraído; o grau de impacto ambiental; entre outros elementos. No entanto, há, sem dúvida, diferenças gritantes entre donos de garimpos, balsas e dragas e investidores capitalizados ou semi-capitalizados (com acesso a capital e crédito relativamente facilitado), percentistas e garimpeiros artesanais pobres e descapitalizados. Tradicionalmente, os garimpeiros eram e ainda são vistos como exploradores individualizados que buscavam na garimpagem sua independência trabalhista e financeira. Atualmente, eles também buscam isso se constituindo em associações, sindicatos e cooperativas.
33Os garimpeiros de hoje resistem e se mantêm de maneira precária, alguns “sem patrão”, mas lutando como podem pela sua existência e modo de vida na atividade mineral. A garimpagem se tornou ainda mais uma atividade suplementar para garantir a sobrevivência da família ou a manutenção dos desempregados e subempregados do campo e da cidade. Ou ainda, um meio para assentados da reforma agrária, ribeirinhos e pequenos agricultores complementarem suas rendas ou mesmo custearem suas atividades agropecuárias. Por sua vez, alguns poucos jovens das regiões garimpeiras buscam meios de iniciar a vida se aventurando nos garimpos emergentes. O mesmo observou-se para os indígenas que também vêem o garimpo com alternativa de renda.
34Uma característica dos garimpos atuais é que atraem bem menos pessoas de outros estados do que os do final século passado. Em geral, quem migra atualmente para o trabalho no garimpo são ex-garimpeiros, principalmente nordestinos, e grupos sociais pobres da própria região.
35A partir de 2005, voltou a se intensificar na região amazônica a atividade garimpeira (Alvarez-Berríos & Aide, 2015). Os problemas ambientais e sociais gerados pelos garimpos retornaram a pauta pública e governamental e, particularmente, nas áreas estudadas no vale do rio Tapajós, no Pará, rio Juma, no Amazonas e no rio Madeira, em Rondônia e no Amazonas (Figura 1):
Figura 1: Mapa das Áreas de Garimpo Estudadas: rios Tapajós, Juma e Madeira
36Na década de 1950, a cerca de 180 quilômetros da cidade de Itaituba, crescia um famoso distrito aurífero chamado de Cuiú Cuiú, próximo ao rio Crepori. Mais tarde, na década de 1980, o governo militar demarcou no vale do Tapajós a “Reserva Garimpeira de Tapajós”, de 1983, e os garimpeiros construíram, para facilitar o acesso por via terrestre, a estrada denominada de Transgarimpeira (construída de 1984 a 1986), que dá acesso a BR-163 - Cuiabá-Santarém (Araujo et al, 2008).
37Para os geólogos entrevistados, a região denominada Província Mineral do Tapajós, no Oeste do Pará, é composta de rochas matrizes erodidas: rochas graníticas e rochas vulcânicas, com inúmeras intrusões ricas em ouro. Os garimpos do vale do rio Tapajós (Figura 1) foram vistos como principal alternativa após o fechamento do garimpo de Serra Pelada, a partir de 1983, e o esgotamento de outros garimpos na Amazônia.
38Nos anos de 1990, entretanto, tanto os garimpos de Serra Pelada (com a cava já inundada) e outros em outras regiões auríferas na Amazônia, como o vale do Rio Tapajós, foram inviabilizados devido aos preços baixos do ouro e a forte repressão militar. Na ocasião, as associações e os sindicatos dos pequenos garimpeiros foram ficando menos fortes na região amazônica. Isto ocorria, em parte, devido ao fortalecimento dos balseiros, dragueiros, dos donos de garimpos e das empresas mineradoras do ouro com discursos modernizadores e desenvolvimentistas. Por outro lado, o enfraquecimento da classe garimpeira também foi resultado da emigração dos garimpeiros para tentarem a sorte em outras regiões auríferas da Pan-Amazônia (Theije & Heemskerk, 2009) do retorno de muitos para a atividade agropecuária familiar (Hoefle, 2013) ou pelo estabelecimento deles como trabalhadores nas áreas urbanas. Porém, a partir de 2005, tendo em vista o aumento do preço do ouro, os antigos garimpeiros voltaram para os garimpos e para o vale do Rio Tapajós, em particular. Contudo, em número restrito e sem a euforia do passado.
- 4 As Juniors Companies são mineradoras transnacionais ou nacionais que buscam prospectar áreas para d (...)
39Contemporaneamente, no vale do Rio Tapajós, existem tipos diversos de minerações. Empresas Juniors4 (canadense, inglesas, brasileiras e de outras nacionalidades) de prospecção mineral e algumas poucas de extração atuam na região tecendo acordos formais e informais com cooperativas e donos de garimpos. As Juniors são mais presentes no Tapajós do que no vale do rio Madeira ou do Juma. Embora haja operações ativas dessas mineradoras industriais, essas são pouco expressivas, numericamente, em quantitativo de trabalhadores empregados e volume de produção de ouro.
40Existem outros tipos de mineradores capitalizados na região, como balseiros, dragueiros e donos de garimpos terrestres, que usam desde embarcações de médio e grande porte até retroescavadeiras e/ou técnicas de desmonte hidráulico, com uso de mão de obra predominantemente informal. São esses mineradores que estão conduzindo à ampliação da produção de ouro e à satisfação das necessidades de sustento da população local e ao retorno financeiro dos mineradores e investidores. Essa forma de mineração pode estar organizada em cooperativas ou empresas privadas, mesmo assim, a grande maioria continua minerando na informalidade, sobretudo, porque se encontram sobre Unidades de Conservações (Floresta Nacional do Amanã, Floresta Nacional do Jamaxim, Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri, Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo e APA Tapajós) e terras indígenas - Mundurucu, Kayabi e Sai- Cinza (Baía Junior, 2014).
41Por fim, ainda existem os garimpos artesanais rudimentares, que além de estarem atuando de maneira informal lado a lado de médias e modernas minerações, encontram-se também nas áreas de influência de usinas hidrelétricas planejadas e em operação. Ao longo da bacia do Tapajós, a usina do Teles Pires já iniciou operação, mas ainda estão previstas outras seis hidroelétricas nos rios Tapajós, Jamanxin, Teles Pires e Juruena, que ameaçam, em especial, a atividade mineral de pequeno porte, o que vêm deflagrando conflitos. Cabe registrar que, nos últimos anos, cresceram as reivindicações por soluções governamentais para os problemas da região em especial os ligados à mineração informal e ilegal e às condições de vida dos pequenos produtores agropecuaristas e dos povos indígenas - particularmente, os Mundurucus do alto e médio Tapajós (Valor, 2017).
42Os garimpos do rio Juma, no sul do Amazonas (Figura 1), estão situados a 453 km de Manaus. Segundo os geólogos do DNPM entrevistados, o ouro da região apresenta fontes diversas oriundas de rocha matriz alterada (de origem vulcânica com ocorrência de veios de argila e caulinita), geradora de alúvio e colúvio.
43A área do Juma era explorada por garimpeiros desde a década de 1980, mas ganhou notoriedade no início do Século XXI, especificamente a partir de 2007, quando ficou conhecido como o Eldorado do Juma. Em trabalho de campo realizado em junho de 2013, constatou-se um garimpo a céu aberto já marcado por escavações e por remoção de terras. Na ocasião, praticamente recém abandonado, o aglomerado de casebres temporários construídos de estacas de madeira e mal cobertos por plásticos pretos ou folhas de babaçu com suas portas amarradas ou não trancadas deixava à vista os interiores já em frangalhos, que não resistiam ao tempo e às condições do ambiente na selva amazônica. Precários, os casebres foram sendo, em sua maioria, desocupados.
44O garimpo Eldorado do Juma fica situado ao sul do município de Novo Aripuanã, cerca de 80 quilômetros a oeste de Apuí, cidade mais próxima. O garimpo está às margens do rio Juma. O município de Apuí, situado ao longo da rodovia Transamazônica, foi desmembrado de Novo Aripuanã em 1987. Apuí é uma típica cidade linear ou axial, cuja ocupação se deu, inicialmente, por conta e às margens da Transamazônica. Nessa rodovia a principal circulação é de caminhões de gado em pé.
45Aproximadamente 80 km distante da cidade de Apuí, em a estrada de chão (AM-360 – Apuí - Novo Aripuanã) e uma travessia de balsa, na margem esquerda do rio Juma, estão às áreas de garimpo do Eldorado do Juma (ou ao que dele restou). A corrutela, praticamente desmantelada, está situada à margem esquerda do rio Juma. Ali havia duas áreas de garimpo, a área de Eldorado do Juma e outra, a pequena distância, conhecida por Grota Rica.
46As terras ocupadas pelos garimpos do Juma são tidas como áreas da União, área do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou pertencentes a pecuaristas, de acordo com a polêmica relatada por informações locais. Um conflito óbvio de interesses pela terra, como as tensões baseadas nas competições pela exploração do ouro e pelo uso para pasto/gado. Os garimpos no rio Juma estão relativamente próximos de duas Unidades de Conservação (Parque Nacional dos Campos Amazônicos e do Parque Nacional do Juruema) e ainda de dois Assentamentos Rurais (Assentamento dos Colonos do Juma e Assentamento de Colonos do Acari). Ambos os assentamentos reuniram, nos anos de 1980, colonos do sul e de outras diferentes partes do país. Na última década, parte dos agricultores assentados se tornou garimpeiro no Eldorado do Juma. Do assentamento de colonos do Juma até os garimpos são aproximadamente 7 km de distância.
47Em 2011 e 2013, coube ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e ao DNPM apenas enviar técnicos aos garimpos do Juma, tido como clandestino e informal por estar à época escondido na selva. Os técnicos (fiscais, em sua maioria) atuaram não no sentido de expulsar cerca de três mil pessoas que encontravam-se na área, mas de tentar impor a legalização e de fazer com que os desmatamentos cessassem. A proposta apresentada foi de constituição de uma cooperativa de pequenos garimpeiros familiares para legalizar e gerenciar a extração de ouro. No início de 2013, o DNPM fechou os garimpos do Juma e, em meados do mesmo ano, menos que 100 indivíduos continuavam residindo ou resistindo na zona garimpeira.
48Em 2013, o garimpo Eldorado do Juma aparentava viver o seu ocaso, porém, há, em muitos ex-garimpeiros e indivíduos externos ao garimpo recentemente integrados à sua defesa, a esperança que a área volte a resplandecer por meio de um contrato entre uma companhia de mineração e a Cooperativa Extrativista dos Garimpeiros Familiares do Juma (COOPERJUMA). O acordo entre a Minorte Extração de Minério Ltda (Minorte) e a COOPERJUMA garantirá à cooperativa 25% do capital. A mineradora, no entanto, foi adquirida pela empresa Junior BBX Mineral em 2013 e não existe perspectiva para o início da extração.
49Até o princípio de 2017, os garimpos do rio Juma permaneciam ainda não legalizados e motivo de inúmeras polêmicas, como a disputa pelo uso das terras, segundo informação fornecida pelo Ministério Público do Amazonas. Inclusive neste ano, o Ministério Público Federal pediu: “a recuperação ambiental do garimpo do Juma no sul do Amazonas” (EM TEMPO, 2017). A polêmica demarcação de unidades de conservação no sul do Amazonas, com o ato assinado ainda pela Presidente Dilma Rousseff, retomou a discussão com a bancada federal do estado pedindo que o governo federal libere parte dessas áreas para uso pela agricultura e pecuária.
50O ouro transportado pelo rio Madeira é resultado da erosão das rochas matrizes situadas a montante, inclusive com origem na Bolívia e Peru. Esses sedimentos são acumulados no fundo do rio nas áreas baixas, nas planícies fluviais, ilhas e praias. Por isso, as extrações de ouro ocorrem por meio da remoção dos sedimentos no leito e nas margens do rio.
51No rio Madeira, nos municípios de Porto Velho, Humaitá, Manicoré e Novo Aripuanã, dois tipos de mineradores de ouro são comuns: os garimpeiros fluviais descapitalizados e os mineradores capitalizados - os balseiros ou dragueiros. Lá encontramos os médios e os grandes balseiros e dragueiros dotados de certo capital (ou com acesso ao crédito bancário ou de outras fontes) e que se constituem em cooperativas. Um importante exemplo deste tipo de minerador são os balseiros e dragueiros associados à Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (COOGAM), que possuía em 2013 quatro Permissões de Lavras Garimpeiras (PLGs) formalizadas. Ao longo do rio, também se encontram os pequenos garimpeiros descapitalizados (neste caso inclusive pequenos balseiros - escarifuçadores), reunidos em cooperativas extrativistas familiares (Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Manicoré – COPEFAM e Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Humaitá – COOPEMFAH), ou atuando sem vínculo organizacional.
52As relações entre garimpeiros, balseiros de grande ou médio porte e, principalmente, dragueiros são ali frutos de permanentes negociações e tensão. Tais categorias são, frequentemente, as mais conflituosas entre si. No entanto, as relações entre eles nem sempre são ou foram conflituosas. A superação de seus conflitos suscita, na maioria das vezes, soluções cooperativas de interesses mútuos e complementares que são bem-vindas pelas partes. Os balseiros e dragueiros de grande ou médio porte justificam suas presenças como forma de garantir ou viabilizar a atuação "formalizada" dos pequenos garimpeiros.
53A submissão dos pequenos garimpeiros em relação aos balseiros e dragueiros é geralmente grande. Além de acesso ao capital, os mineradores capitalizados dispõem, de certa maneira, de maior organização institucional, de influência política, de possibilidade de contratar advogados, de lutar e garantir a permanência e o avanço da mineração no rio Madeira. O acesso político e financeiro, de certa forma, facilita na obtenção de concessões e de permissões de lavra, que poderão dividir ou não com as associações de extrativistas minerais familiares ou com cada família separadamente. Os pequenos garimpeiros aproveitam não só da remoção do fundo dos rios provocada pelo dragueiro, mas também de suas permissões de lavra para atuar nas áreas legalizadas. Além do que, a mútua proteção contra roubos é facilitada pela proximidade das embarcações. Há ainda a suspeita que os pequenos garimpeiros se vinculem aos balseiros e dragueiros, via cooperativas ou não, na compra do combustível ou mesmo na venda do ouro.
54As mineradoras de ouro nas áreas em estudo foram identificadas em número reduzido, sendo que todas tinham o perfil de Juniors Companies e se encontravam, em maioria, na fase de prospecção e sondagem. As Juniors foram encontradas em número mais significativo no vale do rio Tapajós, onde há maior indício de existência de ouro oriundo de rochas matrizes. Nesta região aurífera contabilizamos sete empresas, em um total de 11 projetos. Apenas o Projeto Palito da inglesa Serabi estava em operação. Em Apuí, no Amazonas, havia duas Juniors atuando em pesquisas minerais, a BBX Minerals, inclusive, em associação com a COOPERJUMA. Ressaltamos que mineradoras industriais não foram encontradas no vale do rio Madeira, onde, porém, existem empresas voltadas para a extração de cassiterita.
55As mineração formal-empresarial de ouro (Tabelas 1 e 2) são, aparentemente, alheias às cooperativas familiares, agindo como se fossem indiferentes aos destinos dos garimpeiros e das cooperativas. Essas possuem interesses e demandas específicas e mantém lobbies destinados à defesa de suas ambições juntos às mais amplas esferas de poder (executivo, legislativo e judiciário) e gestão (municipal, estadual e federal). Atuam como atores imprescindíveis à modernização do setor da mineração e do território amazônico, em oposição político-ideológica direta aos garimpos desregulados e informais.
56No entanto, nos garimpos do Juma, mas também em Serra Pelada, Pará (Monteiro et al, 2010), foi criada a cooperativa de extrativistas familiares para fortalecer a categoria de garimpeiros familiares e facilitar as negociações deles com grupos empresariais da mineração. Essa cooperativa conta com o apoio de governos, que tem como intuito inibir a exploração e o comércio informal ou ilegal de ouro, assim como implantar medidas que visam diminuir e mitigar os impactos sociais e ambientais negativos da mineração. Assim, para os governos, a aliança entre mineradores e cooperativas seria uma forma de ordenar o território, controlar a população e os recursos minerais, ao mesmo tempo em que se modernizam as relações de produção e de trabalho.
Tabela 2 - Empresas Mineradoras de Ouro nas Áreas de Estudo
Estado
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Local
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Nome da Empresa
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Projetos
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Início e Situação da Empresa em 2016
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Amazonas
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Leste do estado do Amazonas
Apuí
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Brazil Minerals
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Projeto Borba/Apuí
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Início: 2011
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Amazonas
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Leste do estado do Amazonas
Apuí
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BBX Minerals e COOPEJUMA
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Projeto Eldorado do Juma
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Início: 2013
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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Eldorado Gold
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Projeto Tocantinzinho
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Início: 2008
Fase: Instalação, prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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Brazilian Gold
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Projetos São Jorge e Boa Vista
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Início: 2010
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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All Ore Mineração
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Projetos Jatobá e Pau d´Arco
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Início: 2012
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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Serabi Gold
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Projeto Palito
Mina - Ouro Subterrânea
Projeto São Chico
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Início de operação: 2013
Reativação em Ramp Up
Fase Projeto Palito: operação com produção 18,4 mil oz/ano, 2014
Projeto São Chico: Em prospecção e Sondagem
Início: 2013
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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Belo Sun
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Projeto Patrocínio
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Início: ?
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Itaituba
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Anfield Nickel
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Projetos Coringa, Cuiu-Cuiu
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Início: 2016
Fase: Em prospecção e Sondagem
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Pará
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Oeste do Pará
Altamira
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Tri Star Gold
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Projeto Castelo dos Sonhos
|
Início: ?
Fase: Em prospecção e Sondagem
|
Fonte: Publicado por Infomine (2015).
57Mas não só a mineração industrial é vista por governos e por parte da sociedade como o “moderno” que superará a atrasada exploração garimpeira. Podemos destacar outras formas de contraposição entre atividades tradicionais e “modernas” nas regiões auríferas estudadas, a partir das reestruturações ocorridas no rio Madeira e na paisagem regional. Não se trata aqui de uma visão dual, mas de analisar um processo onde as novas relações sociais e econômicas tendem a alterar de algum modo as velhas economias, reestruturando o espaço a partir novas atividades econômicas. No rio Madeira, o corredor ou rota do agronegócio contrasta com a extração mineral fluvial, potencializada a partir dos anos de 2000. O fluxo de barcaças não eliminou a extração mineral de variados portes, vista como atividade arcaica. No corredor utilizado pelos navios carregados de cereais para exportações convivem, aparentemente sem grandes perturbações sociais e políticas, as dragas e balsas (Pires do Rio, Coelho e Wanderley, 2015).
58Já as hidroelétricas também no rio Madeira (mas poderia ser no rio Tapajós), Usinas de Jirau e Santo Antônio, contribuíram para o deslocamento de balseiros e dragueiros do alto curso do rio (áreas das corredeiras), sobretudo, para os municípios de Humaitá, Manicoré e Novo Aripuanã, no médio rio Madeira. Nesta porção do rio, os efeitos foram localmente adversos, gerando impactos sobre os pequenos garimpeiros, os balseiros e os dragueiros que trabalhavam nesta área e ainda produzindo uma sobre pressão sobre o ambiente fluvial.
59No vale do rio Madeira, convivem o tradicional e o moderno. Por um lado, ocorre a presença das grandes hidroelétricas, ou ainda, a passagem de balsas ou navios carregados de produtos do agronegócio; por outro, antigos moradores praticam, além da pequena agricultura de subsistência, o extrativismo do ouro e, nas partes acima das planícies aluviais, o extrativismo da borracha, da castanha e florestal. No vale do rio Juma e arredores, a agropecuária ainda representa o moderno. A circulação de gado em pé e dos grãos vem aumentando e tende a seguir a rota da rodovia Transamazônica até as cidades com portos fluviais, como Porto Velho, em Rondônia, e Itaituba, no Pará.
60Na segunda metade do século XX, o ambientalismo ganhou força no mundo e no Brasil. Neste contexto, multiplicaram-se as unidades de conservação da natureza, por outro lado, aumentaram as regras e normas visando regular a exploração do ouro. Nos anos de 1990 e de 2000, mosaicos de unidades de conservação, acompanhando os eixos rodoviários e os rios principais, foram criados e também foram delimitadas e homologadas terras indígenas, quilombolas e de populações tradicionais (Ricardo, 2011, Veríssimo et al, 2011). As ações governamentais tenderam, então, para além do ordenamento das atividades econômicas e da criação de regras de ocupação territorial. Todavia, os desmatamentos seguiram avançando. Os setores madeireiros e da agropecuária ganharam força política e econômica no país e na Amazônia. Nos anos 2000, as hidroelétricas foram novamente apresentadas como elementos de reestruturação do espaço regional. Nessa “nova” conjuntura, não só os garimpos informais, mas também as unidades de conservação, terras indígenas e os assentamentos dos colonos perderam forças diante da visão desenvolvimentista: em que a preservação da natureza e dos grupos étnicos é tida como “entrave” ao progresso; e garimpeiros e pequenos agricultores como depredadores do meio ambiente.
61Segundo geólogos, as atividades mineradoras, incluindo a garimpagem, estão em processo de contínua regulação ambiental e territorial. Um marco importante de regulação da garimpagem ocorreu em 1989, quando foi instituído o Regime de Permissão de Lavra Garimpeira. Trata-se de um mecanismo para legalização do garimpo, que exige, dentre outras coisas, a realização do processo de licenciamento ambiental para garimpagem, similar aos procedidos para as empresas mineradoras (Sousa et al, 2011). Desde então, o cumprimento das exigências ambientais é avaliado pelo IBAMA, DNPM e Ministério Público Federal, além dos órgãos estaduais de mineração e de vigilância ambiental, como pré-requisito indispensável na obtenção da Permissão de Lavra Garimpeira e, como isso, para formalização da atividade. Além disso, a Lei No 7.805/1989 indica as cooperativas como forma prioritária de organização social para exploração garimpeira, assegurando-as a prioridade na obtenção de autorização ou concessão para pesquisa e lavra nas áreas onde estejam atuando.
62Uma das preocupações regulatórias sobre a garimpagem remete-se às restrições no uso do mercúrio, considerado útil ao processo de aglutinação das partículas do metal de ouro separando-o dos demais minerais, mas preocupante pelos impactos ambientais. No processo de extração, após passar o cascalho em esteiras, para que os metais se assentem, o material concentrado é então jogado em num tipo de betoneira, onde é misturado à água e ao mercúrio. A “cobra-fumando”, por exemplo, é um processo de extração usado em garimpos de dragas. Nesse processo, as dragas capturam os sedimentos para dentro de misturadores. Nessa fase do processo de separação do ouro dos sedimentos finos, costuma-se também utilizar o mercúrio para evitar que partículas finas de ouro sejam perdidas. Geralmente, os restos contaminados por mercúrio são despejados no solo ou no rio. O mercúrio, portanto, é ainda um dos problemas ambientais mais polêmicos da garimpagem de ouro, devido à sua alta capacidade de poluição/contaminação dos rios e do solo e de provocar doenças nos trabalhadores e na população em geral (Rodrigues et al, 1994).
- 5 O cooperativismo no Brasil surgiu inicialmente no setor da agricultura, tendo como exemplo o modelo (...)
63O cooperativismo5 no setor mineral no Brasil surgiu, nos anos de 1980, como forma de organização da classe trabalhadora para gerir os meios de produção mineral, em particular as minas (DNPM, 2008). Todavia, na Amazônia, na mesma década, os objetivos do cooperativismo estiveram mais ligados ao controle da massa garimpeira e à regulação e à formalização da garimpagem. Assim, visava-se eliminar a informalidade e auxiliar os cooperados a encontrar eficiência ambiental e produtiva em suas ações de produção agora coletivizadas. As cooperativas, teoricamente, são uma sociedade de indivíduos onde os membros contribuem equitativamente para formação do seu capital. A participação dos seus membros precisa garantir eleições de representantes para a direção da cooperativa, assim como, para o direcionamento das lutas e o controle democrático nas decisões. Em muitos casos, no entanto, as cooperativas são controladas por um único indivíduo ou família, que ditam as regras, os projetos a serem implementados e os investimentos da organização.
64Nas décadas de 1980 e 1990 em diante, a cooperativa de extrativistas minerais, reunindo pequenos mineradores autônomos de ouro, passou a representar a possibilidade de solução para problemas confrontados por mineradores e governos. As ideias de modernização por meio da organização em cooperativas com tais finalidades difundiram-se pela Amazônia brasileira e para a América do Sul. No Brasil, mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o cooperativismo continuou sendo regido pelas disposições da Lei 5.764/71. Os artigos, 105 e 107 da Lei 5.764/71 preveem a obrigatoriedade de registro/filiação das cooperativas junto à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) para entrarem em funcionamento. A Lei assegura ainda a liberdade de associação. Para muitos analistas da Constituição, a Carta de 1988 garantiu a autonomia que faltava às cooperativas, proporcionando o desenvolvimento dos mais variados ramos do cooperativismo, de forma independente e autônoma.
- 6 Dentre as cooperativas de mineradores capitalizados existentes na área de estudo estão: Cooperativa (...)
65Para iniciar a operação da extração mineral, a Permissão de Lavra Garimpeira tem que ser pleiteada pelas cooperativas de dragueiros e extrativistas minerais familiares, que, no entanto, possuem poder econômico e político bastante desigual. Dentre as cooperativas mais vulneráveis nas áreas de estudo estão as Cooperativas Extrativistas Minerais Familiares (COOPERJUMA), Cooperativas Extrativistas Minerais Familiares de Humaitá (COOPEMFAH) e Cooperativas Extrativistas Minerais Familiares de Manicoré (COPEFAM). Existem também as cooperativas de donos de garimpos, dragueiros e balseiros6, que reúnem mineradores capitalizados, ou ainda as cooperativas de participação mista de exploradores com e sem capital organizados no cooperativismo. Estas últimas, passadas e recentes, seguem o modelo das cooperativas de Serra Pelada, que foi a localidade mais representativa na formação de cooperativas de garimpeiros na Amazônia (MONTEIRO et al, 2010).
66Ao estimular a criação de cooperativas garimpeiras na Amazônia, os governos tinham por objetivos: conseguir implementar as novas regulações referentes à formalização e ao controle ambiental; modernizar a atividade mineral; controlar os mineradores e os recursos minerais através do estabelecimento de novos mecanismos ou instrumentos; atrair empresas de mineração para garantir a formalidade e a legalidade da exploração do ouro; garantir o lucro compartilhado entre cooperativas de garimpeiros e companhias mineradoras, solucionando, se possível, problemas sociais locais; gerar divisas para União, estados e municípios por meio do recolhimento de impostos; e assegurar a recuperação ambiental, respondendo aos críticos nacionais e internacionais de que o país não cuida da natureza quando o assunto é a garimpagem.
67A opção pelo cooperativismo implica na mudança de escala individual de ações de baixo alcance para a escala de ações comunitárias de alcances e complexidades diferenciadas. As cooperativas permitem o exame dos problemas apresentados na garimpagem a partir perspectiva do coletivo, portanto, permitindo separar pontos comuns de pontos específicos e individuais ou mesmo das questões coletivas divergentes. Por meio das cooperativas, a escala de ação e análise pode superar a escala geográfica local, podendo assumir, por sua vez, visões compartilhadas de realidades ou de problemas comuns em escala regional.
68A política estatal voltada para a mineração, em geral, adotada no Brasil privilegia os detentores do capital, ou seja, as atividades de mineração industrial e empresarial em detrimento dos garimpeiros descapitalizados que permanecem informais e sem apoio governamental. As cooperativas familiares não têm sido fortes suficientes para remover os problemas sociais e ambientais da garimpagem e reduzir as inquietações econômicas dos garimpeiros, que teimam em insistir na possibilidade de um ganho “fácil”, que dificilmente se concretiza. Além do mais, as cooperativas funcionam como meio efetivo e simbólico de auxiliar ou assegurar o controle social e territorial sobre os garimpeiros e o recurso mineral.
69No Sudoeste da Amazônia brasileira, no entanto, as grandes empresas mineradoras de ouro têm sido cautelosas e seguem sem operações nas áreas de garimpo analisadas. Essas mineradoras continuam a apostar nos trabalhos das corporações Juniors ou dos próprios garimpeiros na promoção de novas descobertas de jazidas de ouro comprovadamente rentáveis. Porém, os esforços estatais no estímulo à extração industrial de ouro permanecem como meta para modernização do setor mineral. Em decorrência, os garimpos estão cada vez mais enfraquecidos. Por meio das cooperativas, os garimpeiros familiares e informais, ou mesmo os mineradores capitalizados, tentam resistir e prolongar suas existências. Mas até quando e como isso será possível?
70Os garimpeiros tradicionais, artesanais ou informais, que compõem grupos inferiorizados (não-industriais, nem semi-industriais) da atividade mineral, são espécies residuais em extinção em face das ondas modernizadoras no país e, em particular, na região amazônica. As causas apontadas pela vulnerabilização dos grupos de garimpeiros descapitalizados remetem, quase que exclusivamente, às restrições ambientais. Porém, as razões são mais complexas e vão muito além disso, repousando, entre outros fatores, na pouca eficiência governamental em empresariá-los, ou mesmo em cooperativá-los. Ou seja, nos processos incapazes de transformá-los em extratores formais e legais de ouro, com algum capital. Assim como da baixíssima capacidade de inserção desses garimpeiros nos processos capitaneados pelo grande capital minerador.
71É importante ressaltar que, no sudoeste amazônico, há concomitâncias e interações (ainda não claras) entre o tradicional e o moderno. Tal contradição se expressa na contraposição entre a lavoura de subsistência e o extrativismo vegetal e mineral de um lado, e as infraestruturas de escoamento da produção do agronegócio, as hidrelétricas e a mineração industriais de outro. Estas, consideradas modernas, são exaltadas pelo discurso desenvolvimentista como a saída para os problemas sociais, econômicos e ambientais a região.
72Finalmente, acrescentamos que a fase contemporânea de aprofundamento capitalista moderno da Amazônia brasileira está em andamento. Isto ocorre com as decisões governamentais de investir em infraestrutura de estradas, hidrovias e de usinas hidroelétricas. E ainda, de intensificar o controle sobre a exploração de recursos naturais de áreas estrategicamente escolhidas para produção de “novos espaços”, no oeste da Amazônia, incluindo a porção de terrenos ricos em ouro e terras agricultáveis que se estendem até o Peru e a Bolívia (Pires do Rio, Coelho e Wanderley, 2014). Nessa fase atual permanece a pergunta: a modernização (industrial) das atividades econômicas representa o fim da utopia do ouro na Amazônia?