- 1 Não há dados anteriores porque o território foi desmembrado em 1943 dos estados do Mato Grosso e Am (...)
1Até a década de 19501, a população residente em Rondônia era formada por índios e remanescentes dos processos de indução econômica, por meio de atividades extrativistas, como a da borracha, utilizando os rios como principal via de comunicação e transporte. Entretanto, tais atividades não garantiram o povoamento da região, que é caracterizada naquele período por um baixo quantitativo populacional, se comparada à região norte e ao Brasil (NUNES, 2003).
2A partir da década de 70, a abertura de estradas e o potencial atrator de população inerente às atividades mineradoras (extração de cassiterita e de ouro) imprimiram ao território sua atual configuração em termos de vias, povoados, cidades e vias de acesso e serviram de base para a alteração do quadro populacional, apoiado pela concepção de dominação da natureza na busca pelo progresso. A marcha para o oeste brasileiro alavanca a incorporação econômica da região amazônica sob a premissa dos espaços vazios. Assim, até a década de 1980, o crescimento populacional acelerou-se (Gráfico 01) como resultado das políticas nacionais de integração da Amazônia, a partir de programas de colonização agrícola.
Gráfico 01 - Crescimento da População de Rondônia (1950/2010).
Fonte: Organizado com base em dados disponíveis em IBGE, 2013a.
3Com a implantação dos programas oficiais de colonização agrícola na década de 70, o estado de Rondônia passou a receber agricultores imigrantes do restante do país, os quais conferiram ao estado uma nova dinâmica em razão do estímulo às atividades agropecuárias, fato que pode ser observado pelo crescimento do número de estabelecimentos que, nesse período, tornaram-se significantes (Gráfico 02).
Gráfico 02 - Número de estabelecimentos agropecuários (Rondônia e Região Norte) - série histórica (1920/2006).
Fonte: IBGE, 2013b.
4Este aumento ocorreu, em especial, pela oferta de incentivos fiscais e pela disponibilização de terras. Com isso, a população de Rondônia multiplicou-se quase cinco vezes em apenas uma década, levando o estado a atingir um crescimento populacional acelerado em relação aos demais estados ou territórios da Região Norte e do Brasil.
5A população e a produção aumentavam no mesmo ritmo que o número de estabelecimentos agropecuários, favorecendo a ambicionada integração econômica da região por essa via da produção, o que também acelerou os desmatamentos. Com a intensificação do fluxo migratório, a infraestrutura para o atendimento a essa população, desde saúde até o apoio técnico, passou a ser ineficaz ou inexistente fazendo com que, nos anos seguintes, a população desassistida abandonasse suas atividades, fato determinante de um processo de desaceleração pela procura de novas terras. Além destas dificuldades, outras causas podem ser apontadas, a exemplo das péssimas condições de tráfego das rodovias que, no período chuvoso, ficavam intransitáveis, dificultando o transporte da produção.
6Embora em desaceleração a partir do final da década de 1980, o desmatamento continuou, tanto na Amazônia quanto em Rondônia, com taxas variáveis, sendo que, em Rondônia, a desaceleração foi menor e apresentou percentuais de elevação no desmatamento acima das taxas da Amazônia (Gráfico 03).
Gráfico 03 – Taxas de Desmatamento de Rondônia e Amazônia - 1988 a 2012 (Km2/Ano).
Fonte: INPE, 2013.
7No período entre 1998 a 2004, as taxas estaduais de desmatamento mantiveram a maior de constância no período entre 1989 e 2012. Esta constância indica o período em que o estado de Rondônia ampliou suas atividades enquanto fronteira agrícola, com destaque para a pecuária bovina, como mostra o Gráfico 04, em que a utilização das áreas dos estabelecimentos agropecuários passa a priorizar as pastagens plantadas em detrimento das lavouras e matas.
Gráfico 04 – Área(%) dos estabelecimentos agropecuários por utilização das terras em Rondônia - série histórica (1970/2006).
Fonte: IBGE, 2013c.
8Ao longo do tempo, a atividade pecuária configurou-se como uma atividade de destaque no estado, tendo em vista a possibilidade de produção ainda que em condições desfavoráveis, pois os animais poderiam ser transportados vivos e em períodos alternados, diferente da agricultura, que exige a colheita e o transporte em períodos determinados, sob risco de perda da produção.
9Essa ampliação da atividade pecuária tem apresentado um comportamento tendencial de se expandir por áreas historicamente mais estagnadas onde o preço da terra é mais acessível e, assim, articular os fluxos de atividades por meio da implantação e da refuncionalização das infraestruturas existentes, algo essencial à fixação das atividades econômicas. Esta é a conjuntura presente no estado de Rondônia, destacando-se os municípios mais distantes do eixo principal do estado (a BR-364). Tais municípios, como o de Costa Marques, no trecho final da BR-429 (divisa com a Bolívia) apresentaram o maior percentual de incremento no rebanho bovino no estado (Cartograma 1).
Cartograma 01 – Incremento no rebanho de 1974-2012, por município, em Rondônia.
Fonte: IDARON. 2012
10É a partir desta tendência de expansão, com foco na análise da paisagem, que esta pesquisa buscou compreender as mudanças na paisagem de Rondônia a partir da influência das mudanças econômicas e sociais que articulam escalas de produção locais e globais .
11A premissa da fronteira agrícola, a consolidação dos eixos de escoamento da produção e os novos feixes de modernidade afetos à pecuária rondoniense têm promovido um ordenamento territorial próprio, influenciando a configuração territorial que carrega em si o comportamento do modelo de desenvolvimento e suas possíveis externalidades.
12O eixo da BR-429 nos instigou à pesquisa, haja vista sua histórica estagnação econômica no estado até o início do boom das atividades pecuárias, que estão relacionadas com investimento infraestrutural que a região vem recebendo tais como sua pavimentação e a implantação de laticínios e frigoríficos de porte internacional. Essa situação expressa, empiricamente, a afirmação de Santos (1996, p.219) de que “é indispensável pôr a produção em movimento. Em realidade, não é mais a produção que preside à circulação, mas é esta que conforma a produção” isto porque, a partir do início do asfaltamento da citada rodovia, percebeu-se novos impulsos econômicos na região que mobilizam investimentos e mão de obra.
13Estudos sobre a transformação na paisagem têm como base, em primeira instância, a concepção sobre o termo paisagem, bem como na eleição dos critérios de análise por parte do observador. A natureza da transformação, a extensão, a intensidade, entre outros elementos, também devem ser selecionados, o que indica a complexidade dos estudos sobre a paisagem, pois esta seletividade não pode-se dar de maneira imparcial, mas focada numa correlação com outros temas significantes, evitando a mera descrição daquilo que é aparente.
14Neste artigo, a proposta conceitual se pauta na concepção fundamental de Bertrand (1972), na qual a paisagem representa um conjunto de elementos geográficos combinados dialeticamente em uma determinada porção do espaço, integrando, de forma indissociável, elementos físicos, biológicos e antrópicos.
15Para a abordagem teórica sobre paisagem, faz-se necessário um tratamento específico da terminologia para delimitar as análises deste trabalho. Em uma perspectiva histórica, Castro (2010) afirma que o conceito de paisagem terá maior fundamentação com Humboldt, a partir do século XIX, em que o termo correlato é landschaft (alemão) e paysage (francês), afirmando que não significam a mesma coisa, pois a palavra alemã é mais antiga e possui um significado mais complexo do que o da língua latina, de modo que, segundo Holzer (1999:152) citado por Castro (2010:1):
Landschaft se refere a uma associação entre sítio e os seus habitantes, ou se preferirmos, de uma associação morfológica e cultural. Talvez tenha surgido de Land schaffen, ou seja, criar a terra, produzir a terra. Esta palavra transmutada em Landscape chegou à geografia norte-americana pelas mãos de Sauer que, cuidadosamente, enfatizava que seu sentido continua sendo o mesmo: o de formatar (land shape) a terra, implicando numa associação das formas físicas e culturais.
16A paisagem está relacionada ao que é visual e por isso é relativo à percepção do observador, que lê a paisagem segundo conhecimentos prévios, interesses e técnicas. O termo paisagem oferece várias possibilidades de leitura sobre "quem observa", “o que se observa” e “por que observa”. Como estas possibilidades estão ligadas a uma carga cultural, há de se entender que sobre uma mesma paisagem ou “aparência”, muitas análises podem se sobrepor, como apresenta Monteiro (2000), para quem a paisagem é definida como uma entidade espacial delimitada, instável, com elementos que se inter-relacionam (físicos, biológicos e antrópicos) e organizam um todo complexo conjunto solidário e único, indissociável, em constante evolução.
17Embora a paisagem possa ser fragmentada para análise, é por meio do estudo da interação do todo que se evidencia a influência mútua dos elementos que a compõem. O estudo da paisagem envolve mais uma leitura de seus códigos e símbolos do que uma captação fotográfica em si, pois necessita da distinção de elementos de contato, de limites e de conexão, uma vez que está articulada. Considerando-a como espaço sob influência de uma combinação de elementos naturais e humanos, conforme expressa Bertrand (1972), é preciso compreendê-la em uma visão sistêmica e analisando as partes para obter uma síntese.
18Nesta perspectiva todas as paisagens, sejam elas urbanas ou rurais, possuem diferenças, mesmo comparando seus vários tipos, forçando o pesquisador a buscar mecanismos próprios a cada uma delas para compreender o todo de cada paisagem, elegendo padrões e critérios intrínsecos.
19A tradição de definição de áreas naturais na Alemanha (Naturräumliche Gliederung Deutschlands) levou a mapeamentos concentrados em grandes áreas e com base nas formas da terra, entendendo-se que as condições do relevo é que seriam os fatores que mais influenciariam os processos ecológicos da paisagem (LÖFFLER et al., 2002).
20Com a idéia de que a paisagem poderia ser entendida como um todo complexo, as unidades de paisagens passaram a ser delimitadas e analisadas com base em seus atributos estruturais, como características das vertentes, textura dos solos, tipos de vegetação, etc. Com as inovações tecnológicas, as observações puderam ser tratadas de forma mais aprofundada, e os mapas, em escalas de maior detalhamento (1:25.000), passaram a ser elaborados com avaliações sobre as potencialidades e funções das paisagens (LESER e KLINK, 1988, citado por LÖFFLER et al., 2002).
21Nessa perspectiva, é importante destacar a contribuição de Bertrand (1972), que apresenta um sistema de classificação que comporta seis níveis têmporo-espaciais: de uma parte a zona, o domínio e a região numa perspectiva de escala mundo ou regional e, de outra parte, o geossistema, o geofácies e o géotopo, em escalas com mais detalhes ou em nível localizado.
22De fato, o autor enfatiza que “estudar uma paisagem é, antes de tudo, apresentar um problema de método” (Ibidem, p. 141), pois, com a rurbanização das áreas agrícolas, a definição de paisagens homogêneas em seus atributos naturais classificados como típicos, está a cada dia mais difícil, considerando que a técnica a serviço da economia muda a paisagem radicalmente. Segundo Bertrand (1972) e Nucci e Valaski (2007), é preciso definir metodologicamente a delimitação das Unidades da Paisagem, possibilitando sua classificação e avaliação no processo de planejamento por meio da identificação dos limites de setores homogêneos e promovendo a aproximação à realidade geográfica.
23Sendo assim, pode-se considerar no contexto desta pesquisa que as Unidades de Paisagem, base da análise espacial, foram delimitadas segundo características visuais homogêneas promovidas pelo uso da terra. Cada cultura agropecuária produz uma paisagem própria e requer objetos técnicos específicos, mas que produzam sentido quando interligados, confirmando o entendimento de Fávero, et al., (2004) e Fávero (2007), de que a Unidade de Paisagem representa um conjunto de características que proporcionam uma homogeneidade do sistema, evidenciada por indicadores como: formas de relevo, vegetação, uso e cobertura do solo, etc.
24Silva (2010) aponta que a produção de grãos para a exportação e a pecuária de corte são os novos feixes de modernização do território em Rondônia e, com isso, desenham novas paisagens e apontam configurações diferenciadas. São empresas e políticas que incidiram sobre o território, impostas na paisagem, refletindo uma mudança na lógica produtiva que afeta o meio ambiente natural e social, devendo ser compreendidas de forma articulada.
25Essa movimentação espacial de atividades produtivas, com a substituição de atividades extrativistas pela pecuária ou a substituição da pecuária pela produção de grãos voltados para a exportação (caso da soja), é fruto das demandas recentes que têm orientado a produção estadual, a qual ainda não tem uma infraestrutura consolidada de beneficiamento. Isso fica patente na constatação de que, em 2010, Rondônia contava com uma população de 1.562.409 pessoas e um efetivo bovino que chegava a 9.919.508 de animais o que, a título de ilustração, determina uma razão de 6,35 bois/pessoas.
26Ao se percorrer o estado de Rondônia, percebe-se o quanto o espaço rondoniense, natural ou transformado, está sendo a cada dia mais afetado pelas atividades agropecuárias, com destaque para a pecuária voltada à exportação para países como Venezuela, Egito, Arábia Saudita, Hong Kong, Israel e Rússia. A capacidade diária de abate nos frigoríficos, segundo dados do MAPA (2013), somam 11.353 animais/dia, o que indica o potencial produtivo do estado.
27Cada momento histórico carrega em si um conteúdo técnico-científico e político deixando impressos na paisagem as lógicas de apropriação e o uso dos recursos, revelando os modelos de desenvolvimento (SANTOS, 1996). É preciso considerar que a base produtiva fortemente voltada para o setor primário, em Rondônia, é resultado das políticas desenvolvimentistas historicamente implantadas, que reforçam a divisão territorial do trabalho e dos atuais impulsos externos que a área recebe. Os períodos marcados pela forte apropriação de minérios, da madeira, do café e, atualmente, da pecuária e da soja, deixam na paisagem suas marcas tornando-se objetos históricos ou rugosidades, revelando a intencionalidade da época que organizou o território (SILVA, 2015).
28Nesse contexto, a compreensão da paisagem é mais que a observação de um registro histórico, é uma interpretação de processos que atuam de forma ordenada segundo os comandos econômicos sobre os lugares que são chamados a integrar os circuitos produtivos. E, dessa maneira, as relações entre sociedade, espaço e lugar, com destaque para os aspectos naturais e sua transformação, permitem elaborar uma leitura sobre os significados das múltiplas transformações no/sobre o meio ambiente que se revelam na paisagem.
29A região cortada pela BR-429, que abrange os municípios de Alvorada do Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Oeste e Costa Marques, teve sua ocupação iniciada na segunda metade da década de 1970, a partir dos impulsos advindos dos desdobramentos do Projeto Integrado de Colonização - PIC Gy Paraná. A região possui poucas estradas secundárias, todas sem asfalto e sem conexão com outros municípios porque terminam nos limites de áreas especiais, exceto nas proximidades do município de São Miguel do Guaporé, em direção ao principal eixo de circulação do estado, a BR-364.
30No ano de 1975, foi implantado o Projeto Rolim de Moura, desenvolvido, inicialmente, por uma ocupação impulsionada pela BR-364 e, posteriormente, para Eixo Rolim-Seringueiras (SANTOS, 2007). Segundo este autor, as etapas de consolidação da socioeconomia do Eixo Rolim-Seringueiras passaram por três fases distintas:
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A primeira, pelo processo de colonização oficial marcado pela abundância de terras e grande movimentação populacional;
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A segunda, pela implementação do POLONOROESTE – Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil, iniciado em 1982, fase em que a colonização oficial do estado se desacelerou, acentuando-se os investimentos em infra-estrutura urbana e viária; e
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A partir de 1987, quando Rondônia deixou de ser Território Federal, perdendo verbas essenciais para o seu gerenciamento.
31A região passou por alguns anos de estagnação econômica até que, a partir de 2000 (Gráfico 05), com o crescimento da atividade pecuária impulsionada por questões em nível nacional e internacional, começou a receber os feixes de indução privado e público, promovendo a elevação do Produto Interno Bruto-PIB que nesta pesquisa é um indicativo da revitalização econômica da área.
Gráfico 05 - Produto interno bruto
A preços correntes, impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos a preços correntes e valor adicionado bruto a preços correntes total e por atividade econômica, e respectivas participações.
Fonte: IBGE, 2013c.
32Em Rondônia, o efetivo bovino foi deixando de ser uma atividade incipiente, ao longo do tempo, e se tornou o marco de um novo ciclo econômico estadual: os das agroindústrias. O Gráfico 06 ilustra uma curva ascendente, notadamente a partir da década de 1990, quando essa atividade passou a ganhar destaque no cenário nacional.
Gráfico 06 - Crescimento do Rebanho Bovino de 1974-2010, em Rondônia.
Fonte: IDARON, 2012.
33Os fatores importantes para estimular a produção vão além das vias de acesso, mas também dependem das distâncias das infraestruturas de beneficiamento, pois alguns produtos não permitem o seu transporte por grandes distâncias se não houver beneficiamento prévio, tal como a carne.
34Em nível nacional, a Amazônia tem apresentado alguns fatores que também estimulam a pecuarização, como por exemplo: pressão para expansão de grãos ou cana-de-açúcar nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, impelindo a pecuária para a Amazônia que ainda detém um baixo custo da terra; geração de tecnologias para intensificação da produção, como a melhoria das forrageiras, técnicas de manejo de animais, e melhoramento genético paras os diversos tipos de produção e incentivos fiscais (SMERADI e MAY, 2008).
35Dentre os principais fatores, em Rondônia, que desencadearam esta iniciativa, destacam-se as políticas federais e estaduais de fomento ao desenvolvimento da agropecuária, que levaram o estado, em 1999, a decretar área livre de aftosa, favorecendo a comercialização da carne em escala internacional. Associado a esse fato, deve-se acrescentar os incentivos fiscais, que vão desde a menor exigência burocrática para financiamentos para pecuária bovina à isenção de impostos, a exemplo da Lei N° 1588, de 05 dezembro de 2005, que favoreceu a implantação de várias empresas ligadas ao ramo pecuário, como frigoríficos de porte internacional (JBS, MARFRIG, Minerva, entre outros), além de laticínios e curtumes.
36Como pode ser visualizado na Figura 01, percebe-se que ao longo da BR-429, entre os anos de 2000 a 2010, houve uma aceleração do desmatamento (áreas em rosa) ao mesmo tempo em que a pecuária se expandiu, o que permite a inferência da correlação entre as atividades.
Figura 01- Mapa de situação quanto à evolução do desmatamento ao longo da BR-429 e áreas de influência (2000-2011).
Fonte: INPE, 2013.
37Entre os anos de 1997 e 2012, o número de empresas em Rondônia ligadas ao abate bovino salta de um número de 03 (três) para 17 (dezessete) empresas, determinando uma elevação no quantitativo de 567%. Ao longo da BR-429 existe apenas 1 (um) frigorífico, no município de São Miguel do Guaporé, contudo, a região do entorno da BR-429, que compreende o eixo São Miguel–Rolim de Moura–Cacoal, estão instaladas sete empresas do ramo frigorífico, conforme mapa de localização da Figura 02.
38No trabalho de campo com observações da paisagem, em intervalos de 30 em 30 quilômetros ao longo da BR-429, obteve-se 24 pontos de observação, considerando os lados direto e esquerdo da rodovia, no sentido Presidente Médici – Costa Marques. Destes, 24 pontos, 15 pontos indicaram a pecuária para gado de corte como a atividade econômica que mais ocupa aquela área; a maior concentração dos pontos (10 destes 15) estavam nas áreas mais próximas à Costa Marques e São Francisco do Guaporé, confirmando que a atividade está em grande expansão e demonstrando sua forte influência sobre a paisagem.
39Tal situação, aliada à observação dos padrões de manchas nas imagens de satélite, permite inferir a existência de duas regiões produtivas ao longo da BR-429, sendo a primeira região, com atividades e economia historicamente mais consolidadas com vários tipos de atividades produtivas. Uma destas regiões produtivas vai da confluência entre a BR-364 e a BR-429 (município de Presidente Médici) até as proximidades do município de Seringueiras. Nesta área, localiza-se o único frigorífico da região, atualmente, representante do grupo JBS-Friboi, o maior grupo de processamento de proteína animal do mundo, com representação em todos os continentes e 140 unidades de produção no mundo.
40Nessas áreas, a expansão produtiva por meio da ampliação de áreas o que resulta em desmatamentos encontra-se restrita devido aos limites máximos de desmatamento já terem sido atingidos e devido à presença das áreas especiais que, de certa forma, refreiam sua ampliação. Também é possível observar, pelo padrão espacial apresentado na Figura 02, que as atividades agropecuárias já delineiam os limites das áreas especiais, indicando a existência de pressão sobre estas quanto ao desmatamento. Assim sendo, o aumento da produtividade deve voltar-se para a exploração de suas potencialidades a partir do investimento em novas tecnologias ou substituição das atividades e assim o aumento da produção pela via do aumento da produtividade, como indicam as setas vermelhas num sentido de convergência.
Figura 02 - Mapa da configuração territorial da área sob influência da BR-429 - Rondônia.
Fonte: Organizado pelas autoras com base em dados do INPE (2013) e de campo.
41Na outra área, onde há indicação de setas verdes, faz-se presente, em sentido divergente, um espaço mais dinâmico, uma vez que, por estar mais afastada da BR-364 o que determinou a diminuição do preço da terra e passou por um período de estagnação econômica agora interrompido pela produção agropecuária de alta qualidade. Esta diz respeito, em sua maior parte, aos municípios de Costa Marques e São Francisco do Guaporé, os quais, segundo PRODES (2013), estão entre os que tiveram maior incremento percentual no desmatamento nos últimos 05 anos. Observou-se, no campo, a presença de um gado mais selecionado (tipo zebu) e o manejo a partir de piquetes que permitem a otimização do pasto. Estas pequenas situações indicam o investimento em melhores técnicas para aumento da produtividade e, portanto denota a presença de um produtor mais capitalizado.
42É importante destacar que, a área em torno do percurso da BR-429, constitui-se numa faixa de poucos quilômetros que logo encontra áreas de uso especiais, como Áreas Indígenas e Unidades de Conservação. Estas áreas em que o uso agropecuário é possível foram indicadas pelo Zoneamento Socioeconômico-ecológico (ZSEE) de Rondônia como áreas de aptidão agrícola de regular a restrita e com suscetibilidade à erosão variando de baixa e média (RONDÔNIA, 2000).
43Quando o ZSEE de Rondônia foi elaborado, as áreas mapeadas levaram em conta o nível de transformação já existente. Aquelas áreas com atividades já consolidadas não tiveram uma indicação contrária ao uso da época, ou seja, mais legitimou o uso do que ordenou. A área ao longo da BR-429 é bem representativa desta lógica de legitimação dos usos historicamente consolidados, quando permite a ocupação e produção em uma área no centro de uma região com alta concentração de espaços de usos especiais e com fragilidades naturais que deveriam ser consideradas (Figura 03).
Figura 03 - Mapa de localização dos frigoríficos na área de influência da BR-429.
Fonte: Organizado pelas autoras com base em Rondônia (2000) e dados de campo.
44A produção agropecuária da região do entorno da BR-429 gravita em torno dos empreendimentos frigoríficos e laticínios do eixo Cacoal - São Miguel, de modo que os produtores podem fazer o transporte do gado vivo dentro dos padrões estipulados para a elevação da qualidade do abate, tendo em vista a exigência de que os animais sofram um mínimo de estresse.
45Pode-se afirmar que a economia da área é orientada pelos eixos rodoviários, impulsionada pela produção pecuária que se articula em função dos laticínios, curtumes e frigoríficos locais, que funcionam como pontos de convergência. Essas atividades empresariais funcionam como agentes modernizadores, tendo em vista seu potencial tecnológico e competitivo, seja no mercado nacional ou internacional, estimulando políticas de melhoria infraestrutural.
46Os resultados da pesquisa demonstram que os padrões de espacialização das atividades econômicas ao longo da BR-429 e eixos de conexão compreendem duas situações: um de consolidação e o outro, de expansão. O padrão de consolidação está presente a partir do município de São Miguel do Guaporé em direção BR-364; e o padrão de expansão, situa-se em direção ao município de Costa Marques.
47Na região de expansão, o crescimento do rebanho avança sobre as regiões florestadas. Existem poucas agroindústrias de beneficiamento da produção pecuária, a não ser um laticínio na saída do município de São Miguel para o qual converge a produção leiteira da região. A pecuária extensiva é a atividade mais presente na paisagem e é perceptível a implantação de novos padrões tecnológicos, como o uso de piquetes para organização do uso do pasto, um gado selecionado do grupo zebu, que recebe fortes investimentos em melhoramento genético, o que denota a presença do produtor mais capitalizado, muitas vezes, vindo de outras regiões brasileiras, impulsionado pelas pressões no uso da terra do centro-sul do país.
48Embora as atividades econômicas tenham sido dinamizadas pela presença de frigoríficos, laticínios e curtumes na região de São Miguel-Cacoal, nesta área o desmatamento já pode ser observado por imagens de satélite que indicam os limites entre as unidades de conservação e as propriedades, o que demonstra possibilidades de conflitos de uso dos espaços, caso não haja uma fiscalização efetiva.
49A relativa estagnação da área vai se transformando com a inserção das atividades agropecuárias e das empresas, gerando um aumento dos fluxos onde o poder público promove as mudanças infraestruturais necessárias, como o asfaltamento da BR-429, facilitando a atuação dos feixes de indução econômica em alguns pontos do espaço e criando novas dinâmicas com reflexos na socioeconomia e no meio natural.