1O Geosssitema, entendido como conjunto de inter-relações entre a natureza e o homem, é resultado de processos sistêmicos de diversos elementos (físicos, químicos e biológicos), necessita, cada vez mais, de estudos integrados que possam compreender de maneira holística seus processos e resultados. A grande variedade de elementos a serem quantificados nos remete às escalas de análise variadas, e que possam compreender os fenômenos de forma satisfatória, independente do viés que é tratado.
2A água se destaca como um dos principais elementos do sistema ambiental essencial à existência humana, grande modeladora das paisagens, podendo ser considerada como o mais dinâmico da paisagem dentre os demais do meio natural, sendo assim, reguladora do ritmo dos processos no sistema ambiental. Tal elemento soma-se aos processos de construção e modelagem da erosão hídrica, que por sua vez, apresenta-se como grande potencial na redução da capacidade produtiva dos solos, comprometendo tanto os recursos hídricos quanto a agricultura. Essa grandeza é medida por índices, tais como o de Erosividade, Erodibilidade dos Solos, Topografia e Cobertura Vegetal. Desse modo, a compreensão de cada índice responsável pela erosão é necessária e importante para a prevenção de problemas ambientais (CHECCHIA, 2005).
3A intervenção humana, por meio de atividades agrícolas, propicia a redução da infiltração de água no solo e, por conseguinte, o aumento do escoamento superficial, desencadeando, muitas vezes, fluxo torrencial sob fortes chuvas podendo favorecer o desenvolvimento dos processos de erosão do solo podendo promover maior carga sedimentar ao fluxo de água nos canais. Na Amazônia, o risco de erosão é considerável devido aos temporais intensos e às pesadas chuvas. Muitos solos da Amazônia são arenosos e altamente erosionáveis, onde após a derrubada da floresta a matéria orgânica e a fertilidade do solo decaem rapidamente tornando-o improdutivo (BIGARELLA, 2003). Fearnside (1993) realizou na região Amazônica medições que puderam estimar perdas de solo em floresta primária, pastagens, capoeira, terrenos de cultura, bem como em solo nu, apresentando resultados preliminares sobre a erosão dos solos na Amazônia.
- 1 Este estudo teve o apoio financeiro do CNPq
4A bacia hidrográfica do Mutum-Paraná é uma sub-bacia do Rio Madeira, localizada à noroeste do estado de Rondônia (Amazônia Sul-Ocidental), onde os principais problemas são a pressão antrópica para retirada da floresta e a implantação de atividades agropecuárias com técnicas rudimentares, acarretando impactos sobre o meio ambiente. Tais atividades intensificam o processo de erosão dos solos e, consequentemente, promovem transtornos para a própria sociedade. O objetivo deste trabalho1 foi o de analisar as transformações da paisagem pelo processo de ocupação humana por meio dos índices erosivos (erosividade, erodibilidade e topografia) da bacia do rio Mutum-Paraná a partir das características de Uso e Cobertura da Terra. A área de estudo corresponde a aproximadamente 3450 km2 e localiza-se a noroeste do estado de Rondônia, compreendendo parte dos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré (Cf. figura 1).
Fig. 1 – Localização da área de estudo
5O critério para escolha da área de estudo tomou por base três problemas fundamentais: o primeiro centrou-se na proximidade do exutório da bacia em relação ao sistema hidrográfico do rio Madeira que por força da implantação dos empreendimentos hidroelétricos das Usinas de Jirau, onde a área da bacia está inserida, e de Santo Antônio, ambas localizadas no alto rio Madeira, deve alterar as condições do meio físico e potencializar o processo de ocupação na área. O segundo problema está caracterizado pela expansão da pecuária na bacia, cujo histórico remonta ao início da segunda metade dos anos 90 do século passado, cujos dados de pesquisas mais recentes dão conta de que esta atividade tanto em Rondônia, como na Amazônia tem apresentado crescimento expressivo e, no caso da área de estudo, após o ano de 2000 observou-se o redirecionamento da pecuária que era praticada no centro sul e sul do estado de Rondônia para sua porção norte, especialmente no município de Porto Velho (NUNES, 2012). Por fim, tem-se a expansão do desmatamento como reflexo dos novos e grandes investimentos em curso na área, com destaque para a) o agronegócio, representado pela inserção da soja na área de influência da bacia, b) o sistema de transporte representado pela possibilidade de conexão hidroviária das bacias dos rios Beni, Mamoré/Guaporé e Madeira; e por fim, c) pela produção de energia que neste caso está representado pelas Usinas de Jirau e Santo Antônio, no alto rio Madeira (NUNES, 2004).
6A modificação e/ou alteração do manejo dos ambientes amazônicos, legitimada pelo discurso do “desenvolvimento sustentável”, não reflete a realidade das intervenções em curso na bacia, as quais indicam um vigoroso processo de ocupação desordenado. Tal cenário se deve à característica da economia da região, que tem na pecuária extensiva e na agricultura de subsistência suas principais bases. Com a consolidação das hidrelétricas na região de Mutum-Paraná, projeta-se uma aceleração dessas atividades econômicas e, por conseguinte, intensificação das práticas de substituição da floresta por pastagens na região. Soma-se ainda o aumento da especulação fundiária e do contingente populacional local, além da extração ilegal de madeira (BATISTA, 2014; CAVALCANTE, 2008; CAVALCANTE et al., 2007).
7A estrutura metodológica utilizada neste trabalho foi estabelecida conforme proposta de Bertrand (1972), que definiu elementos essenciais para análise geográfica, estabelecendo categorias como o Geossitema (figura 2). Conforme o autor as características dos Geossistemas são dados ecológicos relativamente estáveis, resultantes da combinação de fatores geomorfológicos (natureza das rochas e dos mantos superficiais, valor do declive, dinâmica das vertentes), climáticos (precipitações, temperatura) e hidrológicos (lençóis freáticos epidérmicos e nascentes, pH das águas, tempos de ressecamento do solo).
Fig. 2 – Esboço Metodológico de Bertrand
Fonte: Bertrand, 1972.
8Assim, para mensuração dos elementos descritos anteriormente, foi realizada reestruturação no incremento e definição das variáveis para o modelo da Equação Universal de Perda de Solo Revisada – EUPSR. A adaptação foi estabelecida da seguinte maneira: potencial ecológico (clima, hidrologia e geomorfologia); exploração biológica (Vegetação e Solo) e; Ação Antrópica Uso da terra). Portanto, com a análise geossistêmica de Bertrand e a EUPSR foi possível qualificar e classificar a paisagem, bem como, quantificar as taxas de potencialidades erosivas do meio natural (sem e com intervenção antrópica), além de projetar cenários futuros para o ambiente amazônico.
9O EUPSR emprega equações empíricas de regressão múltipla com incorporação de parâmetros que influenciam na erosão (MORRIS e FAN, 1997). Os parâmetros são usados em ambiente SIG através da utilização da seguinte equação:
10A = K R L S C P
11Segundo Morris & Fan (1997), esta equação é denominada universal porque incluem os quatro principais fatores que influenciam a perda de solo (A):
12A: estimativa de erosão específica, em unidades compatíveis com as adotadas para K, e para o período de tempo considerado para o cálculo da erosividade (R), habitualmente em [ton/(ha.ano)];
13K: fator de erodibilidade do solo. Define-se como a perda de solo de uma parcela-padrão tipo com 22 metros de comprimento, 9% de declividade e continuamente em solo nu, lavrado segundo o maior declive. Representa a susceptibilidade de diferentes solos serem erodidos de acordo com suas características físicas e químicas [ton.ha.h/ha.MJ.mm]. Os dados correspondentes ao fator K foram definidos de acordo com Lombardi Neto & Bertoni (1975) que estudaram 66 perfis de solos do Estado de São Paulo. O quadro 01 apresenta os valores adaptados.
Quadro 01: Valores de Erodibilidade adotados.
Tipos de Solo
|
Valores de Erodibilidade
[ton.ha.h/ha.MJ.mm].
|
Latossolo Vermelho-Amarelo
|
0,009
|
Latossolo Amarelo
|
0,017
|
Argissolo Vermelho Amarelo
|
0,034
|
Argissolo Amarelo
|
0,045
|
Gleissolo
|
0,044
|
Fonte: Adaptado de Lombardi Neto & Bertoni, 1975.
14A figura 3 apresenta a localização das estações pluviométricas utilizadas neste estudo, cujas características das médias pluviométricas variam entre 1600 e 1900 mm.ano-1.
Fig. 3 – Localização das estações pluviométricas utilizadas
Organizado pelos autores.
15Os dados foram obtidos junto ao Sistema de Informações Hidrológicas (SNIRH) da Agência Nacional de Águas (ANA), constituindo-se de série histórica de 10 anos coletados em 10 estações pluviométricas, cujos critérios de escolha deram-se em função de sua proximidade com a área de estudo (Cf. tabela 1).
Tabela 1 – Identificação das estações pluviométricas utilizadas – Período: 01/1995 – 12/2004
Estação
|
Código
ANA
|
Rio
|
UF
|
Município
|
Operadora
|
Latitude
|
Longitude
|
Altitude (m)
|
JURENÉ
|
865001
|
ITUXI
|
AM
|
Lábrea
|
COHIDRO
|
08:46:03 S
|
65:20:52 W
|
-
|
NOVA
CALIFÓRNIA
|
966000
|
ABUNÃ
|
RO
|
Porto Velho
|
COHIDRO
|
09:45:20 S
|
66:36:42 W
|
153
|
SANTO
ANTÔNIO
|
963001
|
JAMARI
|
RO
|
Porto Velho
|
CPRM
|
09:15:38 S
|
63:09:43 W
|
96
|
PEDREIRAS
|
966001
|
ABUNÃ
|
RO
|
Porto Velho
|
CPRM
|
09:41:25 S
|
65:59:35 W
|
-
|
ESCOLA
CARAMURÚ
|
1063000
|
JAMARI
|
RO
|
Ariquemes
|
CPRM
|
10:30:18 S
|
63:38:46 W
|
151
|
MINERAÇÃO
JACUNDÁ
|
962001
|
JACUNDÁ
|
RO
|
Porto Velho
|
CPRM
|
09:10:45 S
|
62:57:11 W
|
86
|
GUAJARÁ-MIRIM
|
1065002
|
MAMORÉ
|
RO
|
Guajará-Mirim
|
CPRM
|
10:47:33 S
|
62:20:52 W
|
-
|
FAZENDA RIO
BRANCO
|
963004
|
BRANCO
|
RO
|
Ariquemes
|
CPRM
|
09:53:14 S
|
62:59:16 W
|
137
|
MINERAÇÃO PONTE MASSANGANA
|
1063001
|
MASSANGANA
|
RO
|
Ariquemes
|
CPRM
|
10:21:00 S
|
63:25:00W
|
-
|
ARIQUEMES
|
963000
|
JAMARI
|
RO
|
Ariquemes
|
CPRM
|
09:55:54 S
|
63:03:25W
|
168
|
Fonte: Agência Nacional de Águas – ANA (2010).
16O fator R (erosividade da precipitação) é quantificado em termos da energia produzida pelo impacto das gotas de chuva juntamente com a taxa de arraste do solo resultante do escoamento superficial expresso em MJ.mm. ha-1.ano-1.
17Para a determinação do fator R da chuva de forma precisa, faz-se necessária a obtenção de dados da intensidade da chuva expressos nos mapas de erosividade. Inicialmente o estudo de erosividade em regiões de clima temperado, segundo Wischmeier e Smith (1958), indicou que a melhor correlação com perdas de solo é dada pelo índice EI30, que é o produto da energia cinética da chuva pela sua intensidade máxima em 30 minutos. A dificuldade de se obter dados de intensidade de chuva para o cálculo da erosividade foi apresentada por diversos autores, entre eles Oduro-Afriyie (1996), Mannaerts e Gabriels (2000), Bertoni e Lombardi Neto (1999) e Silva (2004), cuja melhor solução foi correlacionar o índice de erosão com fatores climáticos que são de fácil medição e aquisição.
18No caso da bacia do Mutum-Paraná, utilizou-se a equação proposta por Oliveira Jr. e Medina (1990), visto que se adapta melhor às variações e características do clima amazônico. Silva (2004) também sugere tal equação, pois apresenta melhores respostas aos índices de chuva da região. Desse modo, os dados pluviométricos foram tabulados e calculados de acordo com a fórmula a seguir:
19Onde:
20- Rx é o fator R para o mês x (MJ.mm.ha-1.ano-1); Mx é a média mensal de precipitação (mm); e P é a média anual de precipitação (mm).
21A escolha destas estações foi definida conforme a proximidade com a bacia e a sua série histórica. Para se obter certa homogeneidade nos dados, utilizou-se uma série consecutiva de 10 anos (1995-2004). Assim, foi inserida a fórmula de Oliveira e Medina Jr (1990) para o cálculo e, posteriormente, estes dados foram interpolados através de gradeamento geoestatístico de Kriging com a utilização do software ARCGIS e foram geradas linhas de isoerosividade anual para a bacia hidrográfica e regiões adjacentes. Inúmeros são os métodos geoestatísticos de interpolação que podem ser utilizados para extração das características dos dados analisados, mas, nesse trabalho foi utilizada a krigagem. A Krigagem compreende um conjunto de técnicas de estimação e predição de superfície baseada na estrutura de correlação espacial. Tal método permite uma melhor análise dos dados, bem como, melhor análise estrutural para modelagem de correlações espaciais.
22Dentre as vantagens da Krigagem destacam-se: por considerar o número de pontos necessários para se calcular uma média local; Integra características espaciais dos pontos amostrais e; Otimiza a interpolação através do uso de pesos (ORTIZ, 2002; ALMEIDA, 2006; LANDIN, 2006; OLIVEIRA, 2006; MEIRELLES et al, 2007). Verificando visualmente os resultados de cada interpolador, definiu-se a espacialização com a utilização da krigagem ordinária como melhor distribuição das chuvas na região da área de estudo.
23- LS: a força gravitacional que influencia no escoamento é representada pelo comprimento de rampa e declividade da parcela-padrão. Resulta do produto das relações de comprimento e de declive que correspondem, respectivamente, aos quocientes entre a perda de solo em uma parcela-padrão com um dado comprimento e uma parcela-padrão com comprimento de 22 metros, em condições idênticas, e ao quociente entre a perda de solo numa parcela-padrão com determinado declive e uma parcela-padrão com um declive de 9%, em condições idênticas (adimensional).
24Em princípio utilizou-se de Imagens do Shuttle Radar Topography Mission - SRTM, onde foi possível extrair curvas de níveis de 5 metros, proporcionando o Modelo Digital de Elevação – MDE, com boa qualidade para análise, mantendo grande fidelidade ao relevo da bacia que, consecutivamente, forneceu dados para a declividade. Entretanto, para melhor clareza e maior precisão, parte dos dados vetoriais foi editado e corrigido com cotas altimétricas, o que forneceu maior confiabilidade nos resultados. O MDE apresenta poucas oscilações, o que é característica de boa parte do Estado de Rondônia. As altitudes da área de estudo podem variar de 85 a 290 metros em relação ao nível do mar, possuindo uma diferença de apenas 205 metros. A geração dos dados de declividade foi realizada através do software ArcView8.0 através da ferramenta Triangular Irregular Network (TIN) da Extensão 3D Analyst e, posteriormente, foi gerado a declividade com a Extensão Hidrology. A partir do TIN gerou-se um arquivo Matricial (30 m x 30 m) ou Raster (GRID) com o atributo de elevação através do comando convert – Tin to Raster.
25Os dados de declividade mostraram-se bastante homogêneos, pois as taxas de declive estão concentradas entre 0 e 3 graus, o que proporciona uma menor velocidade nas taxas de sedimentos desprendidos. E, de acordo com os parâmetros da Embrapa, as predominâncias nas taxas de declividade estão classificadas como Suavemente Ondulado. Num segundo momento, utilizando-se do software ARCGIS, calculou-se o fluxo de acumulação da bacia através da Extensão Hidrology que, comparado com a drenagem, mostrou resultado satisfatório, pois os fluxos de acumulação seguem os dados de drenagem de acordo com o declive e o fluxo de direção que a água escoa. Para o cálculo do LS foi utilizada a equação de ENGEL (2003), descrita a seguir:
26- AF é a acumulação do fluxo expresso como o número de células da malha (cuja leitura é processada a partir do delineamento da bacia);
27- l é o tamanho da célula expresso como comprimento lateral da célula;
28- ʘ declividade da vertente.
29- C: Relação de cobertura vegetal. Quociente entre a perda de solo de uma parcela-padrão com uma determinada cultura e manejo e uma parcela-padrão continuamente em solo nu, em condições idênticas.
30Para a determinação da cobertura vegetal da bacia do rio Mutum-Paraná, foi utilizada Imagem de Satélite TM LandSat-5, Bandas 5R4G3B, adquirida junto ao INPE no ano de 2012 com resolução espacial de 30 metros. A imagem foi recortada apenas na área correspondente à bacia hidrográfica do rio Mutum Paraná. Posteriormente foram gerados os polígonos correspondentes às quatro classes analisadas. A estes polígonos foram atribuídos valores adaptados de vários autores para o fator C do modelo, conforme quadro 02.
Quadro 02: Valores adaptados do Fator C (Uso e Cobertura Vegetal).
Uso da Terra
|
Autor/Ano
|
Valores Adaptados
Mg. ha/Mg
|
Floresta
|
Checchia (2005)
|
0,001
|
Campinarana Florestada
|
Farinasso et al (2006)
|
0,042
|
Pastagem
|
Cunha(1997);
Tomazoni et al (2005)
|
0,01
|
Solo Exposto
|
Bertoni & Lombadi Neto (1999)
|
1,0
|
Fonte: Organizado pelos autores, 2010.
31- P: Relação de prática agrícola. Quociente entre a perda de solo de uma parcela-padrão com uma determinada prática agrícola e de um lavrado segundo a linha de maior declive, em condições idênticas. A determinação de P foi realizada através de visitas a área de estudo. E para estimar o fator (P) foi adotado o valor sugerido por Bertoni & Lombardi Neto (1999), sendo caracterizado como morro abaixo com valor igual a 1,0.
32Após a determinação de cada elemento discriminado anteriormente foram calculados o Potencial Natural de Erosão – PNE por meio dos elementos de Erosividade, Erodibilidade e Topografia, pois são as variáveis atuantes na quantidade e intensidade da erosão. Logo em seguida foi calculada a Perda de Solo por Erosão Hídrica da bacia, onde se considera agregado ao PNE as variáveis de Uso e Cobertura da Terra, que minimizam a atuação dos agentes erosivos. Para ambos os cálculos são consideradas as unidades de medida como sendo ton/ha.ano, justificado pela área de estudo não possuir um tipo de cultivo específico e predominância espacial.
33A integração dos parâmetros foi realizada em ambiente SIG, utilizando metodologia proposta por Checchia (2005) e, como resultado, obtem-se o mapeamento das áreas susceptíveis a perda de solo por erosão hídrica da bacia do Mutum - Paraná. Tal mapeamento, deu-se através da álgebra de mapas, que calcula valores determinados em matriz, onde são multiplicados, classificados e medidas geometricamente, conforme a EUPSR.
34A quantificação dos índices erosivos, por meio da EUPSR, apresentou valores de erosão significativos, que podem comprometer a regulação do geossistema analisado. Dentre os fatores, a erosividade da bacia do rio Mutum-Paraná (RO) apresenta-se, no período de maio a setembro, com os mais baixos índices de erosividade (<1000 MJ.mm.ha-1.h-1.mês-1), em função de que a pluviosidade é bastante restrita para esse período. Desse modo, o déficit hídrico reduz o rendimento das atividades agrícolas da região, da floração e produção de sementes e frutos, bem como torna a floresta bastante susceptível ao fogo, caracterizando a principal prática de manejo da terra na área da bacia.
35Nos meses de outubro a março, foram encontrados fortes índices de erosividade, uma vez que, nesse período, a quantidade de precipitação é maior em comparação ao restante do ano e, a depender das atividades de alteração da cobertura florestal praticadas nos meses de estiagem, os índices de erosão tendem a se intensificar, em virtude das fortes chuvas torrenciais. No mês de abril, nota-se um retrocesso nos índices de erosividade, justificado pela diminuição gradativa dos índices pluviométricos no período.
36A erosividade anual na bacia do rio Mutum-Paraná chegou a 14.400 MJ.mm.ha-1.ano-1, com total anual de precipitação oscilando entre 1600 e 1900 mm. Esses dados mostraram-se muito similares aos de alguns trabalhos na região amazônica, principalmente na região de Manaus, como os estudos de Oliveira Jr. e Medina (1990), que indicaram índice anual acumulado de 14.129 MJ.mm.ha-1.ano-1. Arruda (2005), estudando área no município de Coari, Amazonas, apresentou dados de erosividade com valores anuais acumulados de 10.326 MJ.mm.ha-1.ano-1. As similaridades entre os resultados, as diversas ferramentas e os métodos validam os resultados obtidos no presente trabalho.
37Assim, verifica-se que uma maior quantidade de chuva anual não necessariamente produzirá maior EI30, já que esse índice está associado à maior concentração das chuvas, decorrente das características climáticas bem como da dinâmica e da influência de fatores associados à circulação atmosférica. Silva (2004), mapeando a erosividade no Brasil, concluiu que a erosividade anual é altamente dependente do total precipitado, tendo encontrado coeficiente de determinação de 0,97 entre essas grandezas.
38Os índices de erosividade elevados podem estar associados ao uso inapropriado de manejo da terra, que tem sido potencializado principalmente pelo aumento populacional reflexo das oportunidades de novos postos de serviços criados a partir do empreendimento das hidrelétricas do rio Madeira. Outro fator é a expansão da pecuária extensiva, o que indica um cenário preocupante para a gestão da bacia do rio Mutum-Paraná, pois implica necessariamente a substituição da floresta por pastagens. Somam-se ainda a diminuição da fertilidade dos solos e a limitação dos recursos hídricos em qualidade e quantidade. Tais fatores tendem a ampliar os índices de erosividade na região, cujo resultado estará alinhado com a insustentabilidade do manejo dos recursos hídricos. O estudo mostrou que a erosividade da área de estudo possui valores mensais “moderadamente forte” a “muito fortes” e anuais “muito fortes”, conforme quadro 03.
Quadro 03 – Classes de erosividade
Classes de erosividade
|
Valores de R (MJ.mm.ha-1.h-1.mês-1)
|
1 – Fraca
|
R < 250
|
2 – Moderada
|
250 < R < 500
|
3 – Moderadamente forte
|
500 < R < 750
|
4 – Forte
|
750 < R < 1000
|
5 – Muito forte
|
R > 1000
|
Fonte: adaptado de Carvalho (1994).
39Neste caso, os períodos bem definidos de seca e chuva mostraram-se como determinantes na oscilação da erosividade mensal. Outra característica que ajuda a entender a questão é a mesoescala climática, que rege os processos hídricos da região. As médias de erosividade dos meses, numa série histórica de 10 anos consecutivos, revelaram-se bem de acordo com os níveis de precipitação, respeitando os períodos de estiagem e chuvas da região, conforme figura 4.
Fig. 4 – Erosividade média mensal da bacia do rio Mutum-Paraná
Fonte: Agência Nacional de Águas – ANA (2010).
40Embora exista oscilação registrada na figura 5, correspondente à erosividade média anual, identificou-se significativa diferença nos níveis de erosividade na série histórica da bacia, cuja diferença aproximada da amplitude é de 1.150 MJ.mm.ha-1.ano-1. Entretanto, os níveis médios anuais mostram-se altos: com taxas que chegam até 15.000 MJ.mm.ha-1.h-1.ano-1.
Fig. 5 – Erosividade média anual da bacia do rio Mutum-Paraná
Fonte: Agência Nacional de Águas – ANA (2010).
41A distribuição da erosividade anual mostra-se com tendência de oeste/leste, comprovando as características morfoclimáticas da região, conforme figura 6:
Fig. 6 – Espacialização da erosividade anual da bacia do rio Mutum-Paraná
Fonte: Agência Nacional de Águas – ANA (2010). Organizado pelos autores.
42O Fator LS apresentou valores pouco influentes, em virtude da baixa oscilação do relevo, o que geraram índices de escoamento superficial baixos. A predominância do intervalo de (0-1), conforme figura 7, mostra o quanto o fator pode influenciar positiva ou negativamente. A bacia também possui algumas concentrações de maior fluxo de acumulação que seguem as vertentes dos rios principais e boa parte dos secundários. A concentração acima de 7 graus do Fator Topográfico é notável, principalmente nas áreas de vertentes dos rios principais. Além de apresentar os maiores índices de declividade nota-se também que a influência geológica mostra-se moderadamente presente, uma vez que, a densidade de drenagem para certos trechos da bacia torna-se muito baixa, o que em alguns casos pode seguir falhamentos estruturais.
Fig. 7 - Fator Topográfico – LS da bacia do rio Mutum-Paraná.
Fonte: Shuttle Radar Topography Mission – SRTM (2012) Organizado pelos autores.
43A característica plana da bacia estudada pode nos remeter para alguns equívocos, dentre eles, o fato de ser plana a região não significa que os índices erosivos sejam baixos, pois, em virtude de a região estar concentrada em uma grande bacia sedimentar, com solos arenosos e inconsolidados, podemos encontrar altos graus de instabilidade.
44Os dados de erodibilidade dos solos foram adquiridos a partir de informações digitais de classes de solo do PLANAFLORO, juntamente com valores e características físicas adquiridos na revisão bibliográfica. Entretanto, para um maior nível de detalhe se faz necessário o levantamento dos solos da bacia com suas devidas características como supõe o método de Bertoni e Lombardi Neto (1999), permitindo o cálculo do valor de K mais aproximado. Em se tratando dos solos temos uma grande parte considerada como Latossolo Vermelho Amarelo conforme figura 7, o que caracteriza a região como sendo de baixa fertilidade natural, necessitando, em alguns casos de insumos para a produção de grãos, como indica a aptidão agrícola da região.
Fig. 7 - Erodibilidade dos solos.
Fonte: RONDÔNIA, 2001. Organizado pelos autores.
45Nota-se que a maior parte dos solos, aproximadamente 74% é de Latossolo Vermelho Amarelo o que apresenta, em princípio, boa estabilidade estrutural, comparada com os outros tipos de solo. Quando mantida a vegetação original ou contida a intensidade da erosividade, essa predominância certamente caracterizará uma mancha de solo que terá pouca influência nos índices erosivos, por se tratar, de acordo com a descrição, de um solo bem mais estruturado e consolidado.
46Ao realizar a classificação do Uso da Terra, por meio de análise espacial constatou-se que a área de estudo possui grande parte de vegetação nativa, com aproximadamente 65,9 % da área total. O uso como pastagem é resultado principalmente das políticas territoriais destinadas para Rondônia conforme figura 9, ou seja, a maior parte das propriedades que detém deste uso é gerenciada pelo pequeno produtor, provenientes de projetos de assentamentos agrários no Extremo Oeste do Estado. A pecuária é o setor que mais se expande na região, promovendo o desmatamento e a exposição parcial dos solos, acarretando em altos índices de perda de solo por erosão hídrica. Para cada classe encontrada na área de estudo foi dado um valor para o fator (C), adaptados de Cunha (1997), Tomazoni et. al. (2005), Checchia (2005), Bertoni & Lombardi Neto (1999) e Farinasso et. al. (2006), conforme descrito na metodologia.
Fig. 9 - Uso e Cobertura da bacia.
Fonte: INPE (2011) e trabalho de campo (2012). Organizado pelos autores.
47Em virtude de a bacia apresentar boa parte de sua vegetação ainda preservada e áreas destinadas principalmente como pastagem, não foram utilizados métodos de manejo do solo como prevê a EUPSR, visto que a agricultura na região é de subsistência (NUNES, 2012).
48O resultado do potencial natural de erosão apresenta alta susceptibilidade à erosão da bacia, principalmente em regiões cujos tipos de solos são menos estruturados, como é o caso dos Argissolos e Gleissolos, encontrados no Sul e Norte da bacia, respectivamente. A maior extensão dos intervalos mostra como o PNE pode agir, acarretando grandes perdas de solos, caso haja uma supressão na cobertura vegetal da bacia (Fig. 10). Nas regiões de nascentes, principalmente, na parte sul da bacia verifica-se um maior potencial de erosão, o que entra em contradição com o uso da terra na região (predomínio de pastagem), derivada de antigo projeto de colonização. Portanto, são duas justificativas que temos para definir essa área como vulnerável, sendo a primeira a vulnerabilidade natural ou potencialidade natural e a segunda a área de nascente que congrega a região, que serve de abastecimento para o restante do sistema da bacia do rio Mutum-Paraná.
49Por meio de ambiente SIG e auxílio da extensão raster calculator do software ARCGIS, o valor calculado de perda de solo PNE foi de 10,479 ton/ha.ano, o que indica alto índice na região, ou seja, apesar de baixos índices de declividade, são outros elementos do sistema que tornam a área instável, com ênfase para as chuvas e os tipos de solo. Nesse sentido, de acordo com a prática que se instale ou se expanda na região, os valores poderão ser maximizados ou minimizados, o que nos remete a pensar em um melhor planejamento da área em questão. Mesmo notando maior representação espacial entre os índices 0 e 1000 ton/ha.ano, é importante destacar que tais valores estão muito acima do uso predominante e atual da região, servindo de comparação entre os usos calculados e de base para o entendimento do agravamento máximo da região.
Fig. 10 - Potencial Natural de Erosão da bacia.
Organizado pelos autores.
50As taxas que predominam na região, conforme figura 11, mostra que aproximadamente 65% da área apresenta-se com índices entre os menores intervalos. Tem-se também, uma concentração de perda de solo nas vertentes que compreendem os principais rios, tais como o Rio Cotia, Rio Água Azul e Rio Mutum-Paraná, o que enfatiza as políticas de proteção das Áreas de Proteção Permanente – APP’s. Desse modo, com a intensificação de usos inadequados nas áreas das principais drenagens teremos altos índices de assoreamento em curto intervalo de tempo, implicando na diminuição da quantidade de água nos canais de maior vazão.
Fig. 11 - Taxa do Intervalo de Perda de Solo do Potencial Natural de Erosão da bacia.
Organizado pelos autores.
51A perda de solo anual calculada para o cenário atual da bacia é de 0,937 ton/ha.ano. O uso que impulsiona tal resultado é principalmente a pecuária extensiva, com uso de pastagem que se estende para boa parte das propriedades. Esse valor corresponde a 26,68% do total da área de estudo, ou seja, 93475,64 ha, o que é um valor bastante expressivo.
52Confirmando o que o PNE apresentou nos resultados anteriores, a perda de solo anual está concentrada no norte e sul da área de estudo, destacando os elementos que definem os índices de vulnerabilidade natural a erosão como sendo a chuva e os tipos de solo. Nessas áreas os usos deverão ser restritos, pois a rentabilidade que atualmente se pode ter, acarretam em maiores investimentos para correções do solo, bem como, insumos e até mesmo restrições nos usos que atualmente estão instalados na região. Correspondendo a 2,92%, ou seja, 10230,46 ha da área total, o intervalo de 50 ton/ha.ano concentra-se nas regiões de Gleissolo e Argissolo. No Caso das regiões de Argissolo temos alguns agravantes que não se restringem apenas ao tipo de solo, o que pode ser verificado na Figura 12. A região mais susceptível está concentrada nas zonas de cabeceira da bacia, que abastecem os canais principais, além de se tratar de uma área territorialmente consolidada.
Fig. 12 - Perda de Solo Anual - A da bacia
Organizado pelos autores.
53De acordo com a Figura 13 temos valores que podem confundir a interpretação, ou seja, mesmo apresentando um maior valor entre os intervalos de 0-5 ton/ha.ano percebe-se que a erosão está concentrada nas áreas de maior instabilidade, em aproximadamente 15% da área de estudo, correspondente ao norte e sul da bacia.
Fig. 13 - Taxa do Intervalo de Perda de Solo do Potencial Natural de Erosão da bacia.
Organizado pelos autores.
54A perda de solo anual calculada para o cenário simulado de pastagem da bacia é de 3,547 ton/ha.ano, ou seja, 2,610 ton/ha.ano maior que o uso atual da área. A figura 14 apresenta espacialmente similaridade com PNE e com a perda de solo de uso atual. Entretanto, os valores de perda atual aumentam, principalmente nas regiões que são mais susceptíveis à erosão. O uso de pastagem consolidada mostrou-se com maior acúmulo nas regiões norte e sul da bacia, onde respectivamente correspondem aos Gleissolos e Argissolos. Rivero et al. (2009) demonstraram correlação positiva entre o desmatamento e a expansão da pastagem, corroborando os cenários indicados neste estudo.
Fig. 14 - Cenário Simulado Pastagem da bacia.
Organizado pelos autores.
55Desse modo, as perdas aumentam entre os intervalos que variam de 5 a 50 ton/ha.ano. Tais valores triplicam-se comparados ao uso atual, o que é significativo se potencializado o uso intensivo da pecuária na região, podendo promover grandes perdas e demandando cada vez mais investimentos para a correção, restauração e regeneração do mínimo de fertilidade natural da bacia. Os valores apresentados mostram, comprovam e justificam que o uso intensivo por meio de pasto sugere prejudicar significativamente a região, promovendo que a médio e a longo prazos devem atingir o potencial econômico da área e consecutivamente a sociedade, conforme figura 15. De fato, as pastagens na Amazônia não permanecem produtivas por muito tempo, necessitando de outras áreas para consolidação. Para o produtor torna-se caro fazer a manutenção dessas áreas, o que não justifica a derrubada de novas florestas para a expansão, mas que acaba sendo mais rentável para o investidor. A fim de atender aos anseios das políticas nacionais para a Amazônia, a região passa a mascarar o verdadeiro significado da economia regional, tornando as pressões e demandas internacionais como justificativas para o avanço do gado em novas áreas (FEARNSIDE, 1979; HECHT, 1982; SERRÃO, 1990).
Fig. 15 - Taxa do Intervalo de Perda de Solo do Cenário Simulado Pastagem da bacia.
Organizado pelos autores.
56A criação de gado aumenta a economia de uma dada área e o retorno econômico é reduzido com o passar do tempo, mas para unidades de produção familiar com baixa renda, sua importância não pode ser subestimada, devido aos custos de mão-de-obra a serem baixos e os rendimentos no volume de produção serem consideráveis (HECHT, 1993). O que se percebe na bacia é o resultado de medidas econômicas voltadas para a região, que favorecem prioritariamente os grandes fazendeiros, por meio de maiores créditos, promovendo mais capital para investir em tecnologia, mantendo na maioria das vezes o cumprimento da legislação vigente.
57Oposto ao grande produtor, o pequeno produtor, no entanto, além de ter sua linha de crédito menor, enfrenta problemas do não cumprimento da legislação, onde muitas vezes é penalizado por falta de informações das essências das leis. A região que possui maiores perdas de solo está concentrada onde atuam o pequeno agricultor, mostrando um dos resultados negativos dos projetos de assentamento que modificaram o contexto ambiental da região, e que confirmam a má atuação dos órgãos responsáveis pela Gestão Ambiental.
58Importante frisar que o contexto de ocupação da área de estudo foi através de planejamento, possuindo um mínimo de gerenciamento territorial com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, o que implica afirmar que mesmo com a atuação mínima do Estado, não estamos muito longe de alcançar o ápice da degradação ambiental na região. A pequena diferença entre o uso atual e o cenário simulado como pastagem refletem uma política ambiental e de desenvolvimento sustentável muito longe do ideal.
59As taxas de perda de solo registradas confirmam a vulnerabilidade da área da bacia de modo geral. Mas, é de suma importância destacar que algumas regiões bem concentradas, principalmente ao norte e ao sul da bacia apresentam-se com grandes taxas de perda de solo, tendo como principal elemento natural os tipos de solos. O Potencial Natural de Erosão estabelece o grau de susceptibilidade da bacia com uma taxa média de 10,479 ton/ha.ano, apontando para a tendência futura de instabilidade ambiental da área.
60Ao analisar o Geossistema da bacia constatou-se que o dinamismo natural, modificado pela colonização e revertido em problemas na qualidade do ambiente, tem aumentado a erosão significativamente em regiões naturalmente estáveis.
61A perda de solo por erosão hídrica calculada para a bacia foi de 0,937 ton/ha.ano, sendo 10 vezes menor que a capacidade máxima de perda de solo, e com apenas uma área 96633,68 ha ou 27,58% do total da bacia. A tendência é o aumento da área para o uso de pastagem e consecutivamente maiores taxas de erosão, conforme dinâmica estabelecida pelos empreendimentos Hidrelétricos e a Regularização Fundiária, o que indica que o uso da terra atual pode ser incompatível com o sistema natural da região e que não está longe de alcançar seu ápice do potencial erosivo.