1O setor de transporte aéreo no Brasil é particularmente um setor estratégico para economia considerando, principalmente a extensão territorial do país, que permite uma ampla atuação das companhias aéreas nas diferentes escalas territoriais.
2Na última década abriram-se novos nichos de mercado e com isso a ampliação das escalas territoriais de atuação das companhias aéreas, assim como o aumento da demanda contribuíram para que o setor aéreo apresentasse ganhos inquestionáveis. Neste sentido, Barat (2008) destaca que o Brasil tornou-se um dos países emergentes com maior potencial de desenvolvimento do transporte aéreo, em virtude de uma conjugação favorável de fatores: 1) dimensão continental do território; 2) alta mobilidade geográfica e social da sua população; 3) acelerado deslocamento das fronteiras econômicas; 4) inserção competitiva nos mercados globais em vasta gama de bens e serviços; 5) estabilidade monetária no longo prazo e o consequente aumento do poder aquisitivo dos consumidores.
3No entanto, essa atuação do segmento aéreo se dá de forma fragmentada, devido uma subdivisão hierárquica de escalas, que embora complementar se posiciona por uma organização fundada sobre uma ordem de prioridade de relações de subordinação de uma escala a outra.
4Essa subdivisão não é fortuita, faz parte de um contexto histórico de políticas públicas, de organização e planejamento do setor, bem como está diretamente relacionada com a própria atuação das empresas aéreas brasileiras, que são segmentadas por suas condições de potencial de reprodução do capital, o que na prática se impõe de forma estratégica mediante a lógica de mercado.
5O desenvolvimento do transporte aéreo no Brasil configurou diversos estudos sobre a aviação comercial, distribuindo e classificando geograficamente o transporte aéreo em segmentos, dentre os quais residem o internacional, o nacional e o regional. A classificação do setor transporte aéreo, realizada pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), divide-se em três níveis:
-
Aviação de 1º nível: É aquela empregada no serviço aéreo internacional;
-
Aviação de 2º nível: É aquela empregada no serviço aéreo doméstico;
-
Aviação de 3º nível: É aquela empregada no serviço aéreo regional.
6A partir dessa perspectiva, nos interessa nesse trabalho abordar a importância do segmento aéreo regional brasileiro em relação a densificação de rotas no Brasil e a atuação das companhias aéreas. Esse interesse se dá, principalmente, como forma de analisar a representatividade desse segmento na relação estratégica das empresas aéreas de diferentes portes e atuação territorial, para isso se considera a importância da hierarquia urbana e aeroportuária, a influência empresarial das grandes companhias aéreas e como suas estratégias se processam no sentido de cooptar as operações das empresas de menor porte que atuam regionalmente.
7Nesse âmbito, esse artigo versa sobre o segmento aéreo regional no Brasil. Para isso, destacam-se três seções. Na primeira ressalta-se a importância do segmento regional nas diferentes regiões brasileiras, enfatizando a indistinção jurídica das companhias de diferentes portes, o que permite uma concorrência direta entre empresas regionais e empresas potencialmente capitalizadas nas diferentes escalas territoriais de atuação, e que por sua vez corrobora com a sistematização da estratégia de cooperação e alimentação das principais linhas troncais das companhias líderes de mercado. A seção seguinte prioriza a relação justaposta entre a hierarquia urbana e a hierarquia aeroportuária, no sentido de identificar e discutir como as grandes companhias aéreas brasileiras se apoiam nessas hierarquias para justificar suas posições superiores no mercado, induzindo às empresas regionais a conformação de suas posições subservientes no mercado de transporte aéreo. A terceira e última seção refere-se as contradições capitalistas do mercado aéreo, em que a sobrevivência das companhias regionais se faz mediante uma necessidade ilógica de estratégias de cooperação e alimentação do mercado, em que as empresas regionais cumprem um papel particular.
8Como destacado, dentre os segmentos relacionados à aviação comercial, temos: o internacional, nacional e o regional. Essas diferentes escalas de atuação territorial influenciam consideravelmente na dinâmica empresarial das companhias aéreas, contudo os mecanismos que justapõem territorialmente essas escalas reproduzem uma lógica que não mais as diferenciam, mas as tornam complementares e isso implica diretamente na organização das estratégias concorrenciais das companhias aéreas que são processadas para se ter cada vez mais um maior domínio territorial nas diferentes escalas operacionais.
9Na prática são as próprias malhas, a atuação territorial, a densidade de suas rotas, a expansão de suas linhas, escalas e conexões das companhias que as caracterizam, contudo, ainda mais incisiva é a hierarquia urbana brasileira que corrobora com a lógica de definição do poder de cada empresa aérea, que por sua vez reflete e confirma uma hierarquia aeroportuária.
- 1 De acordo com os estudos do BNDES (2002) sobre a aviação comercial brasileira o termo "Aviação Regi (...)
10Barat (2008) corrobora que há um aspecto importante a ser ressaltado sobre a aviação comercial no Brasil. O autor destaca que existem hoje vários tipos de aviação comercial regional1 que devem ser contemplados por uma política pública abrangente. Nesse mérito, compreende que a aviação regional é guiada pelo mercado e pelas oportunidades surgidas com o deslocamento da fronteira econômica e com os novos polos e clusters de especializações produtivas; considerando ainda a importância da aviação regional de atendimento às necessidades de âmbito estadual ou de pequenas regiões, também movida pelo mercado, mas necessitando de algum apoio ou estímulo, principalmente em termos de infraestruturas; por fim, o autor cita a aviação regional amazônica ou de atendimento às regiões remotas e carentes, que precisam de grau bem maior de apoio e, mesmo, de subsídio etc..
11Bettini (2007: 48), por sua vez, salienta que se atribui à aviação regional a atividade explorada de maneira regular que, simplificadamente, utiliza aviões de capacidade inferior a 100 passageiros e as utiliza em ligações com cidades que possuem densidade de tráfego reduzida. Nessa análise, o autor ainda ressalta uma importante característica do setor aéreo brasileiro, qual seja: dificuldade de se definir o transporte aéreo regional, dada sua complexidade em relação ao conceito, que quando tomado na prática apresenta-se difuso, o que se coloca como obstáculo à proposta de um modelo de organização industrial que represente o setor.
12Ainda que não se possa atribuir uma definição precisa para este segmento, consideramos que aviação regional tem como finalidade a interconexão por diversos motivos econômicos, empresariais, de lazer, familiares, de saúde entre outros, que são ligações que empreendem um importante elo de comunicação rápida que estão presentes em diferentes regiões.
13Oliveira e Silva (2008) destacam que a aviação comercial regional tem como fundamento ao menos quatro critérios possíveis para definir este segmento: demarcação com base na companhia aérea; demarcação com base na aeronave; demarcação com base nos aeroportos e demarcação com base na ligação aérea.
- 2 A essencialidade do setor de transporte aéreo na Região Norte é definida, sobretudo pela Amazônia b (...)
14Dentre esses critérios acrescentamos ainda a demarcação das ligações de maior densificação por região. Caracteristicamente, o Brasil possui regiões com distintas peculiaridades que definem o setor de transporte aéreo regional de forma diferenciada. Algumas regiões têm no modal aéreo uma forma de conexão rápida e precisa aos fatores de deslocamentos com fins econômicos, de negócios etc., como na região Sudeste; outras regiões necessitam deste modal como fundamental meio de locomoção, ou seja, como forma de se integrar territorialmente ao restante do país, sendo que na maioria das vezes esse modal se caracteriza como intrínseco à "diminuição" do isolamento territorial, como por exemplo, na Região Norte2.
15Há ainda regiões em que o setor aéreo funciona como um fator preponderante à movimentação da econômica local, regional em que o setor turístico fortemente integrado às cidades, às áreas de exploração do turismo etc., necessitam do transporte aéreo como forma de agregar valor a este setor econômico.
16No entanto, mesmo em decorrência das diferentes razões e necessidades da prestação do serviço de transporte aéreo, particularmente do segmento regional, os estudos da Região de Influência das Cidades (Regic) mostram que a preponderância da região Centro-Sul define, em grande medida, a utilização e densificação das ligações aéreas no Brasil:
As redes de ligações aéreas refletem as concentrações de população e de riquezas no território, ligando as cidades brasileiras mais ativas em termos econômicos. Embora o país tenha passado por diversas mudanças socioespaciais ao longo das últimas décadas, incluindo o próprio setor da aviação comercial, o padrão de conexão via transporte aéreo demonstra a tendência estrutural da rede urbana de permanência de sua forma. Assim, os pares de ligação que correspondem aos maiores valores de pessoas e cargas transportadas são primeiramente aqueles das capitais do Centro-Sul entre si, seguidas pelas ligações destas com as do Nordeste (REGIC, 2010: s/p).
17Tal fato pode ser comprovado pelo Mapa 01 que mostra as ligações aéreas no Brasil por passageiro no ano de 2010, o que permite observar que estas ligações estão hierarquicamente concentradas na Região Centro-Sul, bem como o número de passageiros está relacionado também a esta mesma lógica, articulando prioritariamente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, considerando o volume de ligações nacionais e regionais realizadas entre esses estados.
Mapa 01 - Brasil - Ligações aéreas por passageiros (2010)
Fonte: Região de Influência das Cidades (Regic/IBGE), 2010
18A partir desse mapa pode-se se visualizar que as ligações aéreas estão presentes em todo o território nacional, o que diferencia é a densidade do número de passageiros e a densidade das rotas, comprovando que a expressividade da operacionalização das companhias está na região concentrada do país. Nota-se ainda que as ligações são cada vez mais rarefeitas na medida em que se afastam dessa região, demonstrando o caráter concentrador das ligações aéreas e a quase ausência de ligações entre as cidades que não estão localizadas na região Centro-Sul do país. De acordo com Théry (2015: 163) "a complexidade da rede atual é fruto de uma evolução que a fez passar de um embrião – principalmente a ponte aérea Rio de Janeiro-São Paulo – até uma cobertura relativamente completa – apesar de desigual – do território nacional".
19A densificação dos fluxos aéreos no país é nitidamente centralizada. Théry (2003: 19) assevera que os mapas de fluxos aéreos no Brasil desenham de forma muito clara as redes hierarquizadas, revelando a estrutura de centralização econômica e política do país, que obviamente está localizada na região Centro-Sul e, mais precisamente, na metrópole de São Paulo.
20Há uma interconexão via aérea bem articulada no país, que notadamente prioriza esta região. Percebe-se que o estado de São Paulo se constitui como um nó da rede geográfica estratégica para o transporte aéreo que projeta hierarquicamente a maior demanda de fluxos, centralizando a operacionalização dos voos, nesse sentido, na medida em que se afasta dessa região concentrada, os fluxos tornam-se menos densos.
21Em decorrência desta hierarquia de localidades que empreendem uma maior vivacidade a determinados centros urbanos, o que se pode destacar é que o segmento regional tem, na prática, apresentado uma dinâmica contraditória a sua importância econômica, principalmente em termos de cidades servidas.
- 3 Informações disponíveis em "Brasil será 4º mercado mundial de voos regionais em 2030". Disponível e (...)
22Segundo os estudos de previsibilidade da Global Market Forecast (GMF)3 o mercado de voos regionais no Brasil será o quarto maior do mundo em 2030, atrás dos Estados Unidos, China e a Índia pelo cálculo de passageiro quilômetro pago transportado (RPK, na sigla em inglês), mas o que se nota é que este crescimento está cada vez mais concentrado, com uma baixa distribuição geográfica.
23Mesmo considerando o atual crescimento do segmento regional, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Aéreo Regional (ABETAR), na atualidade a aviação regional tem o menor número de companhias aéreas e a mais tímida contribuição para o setor aéreo em toda a sua história. O número de cidades atendidas pelo setor aéreo no país também encolheu, de cerca de 400, nos anos 1960, para 122 cidades, em 2012. Destaca-se ainda que as empresas aéreas regionais responderam no ano de 2012, por 0,68% da demanda doméstica, comparado ao fim de 2006, ano em que existiam 13 empresas aéreas de pequeno porte, que representavam 2,61% do mercado.
24Ressalta ainda que entre os anos de 2008 e 2014 diminuiu consideravelmente o número de passageiros transportados e, concomitantemente, o segmento apresentou um decréscimo na quantidade de empresas operantes, sendo que em 2008 existiam 13 empresas, enquanto que em 2014 apenas três estão em operação:
Tabela 01 - Empresas aéreas regionais em operação por número de passageiros (2008 - 2014)
EMPRESAS
|
2008
(Nº DE PAX)
|
2014
(Nº DE PAX)
|
ABAETÉ
|
3.010
|
-
|
WEBJET LINHAS AÉREAS
|
930.595
|
-
|
META
|
33.234
|
-
|
NHT
|
75.900
|
-
|
RICO
|
71.286
|
-
|
PUMA AIR
|
7.921
|
-
|
TAF
|
61.345
|
-
|
PANTANAL LINHAS AÉREAS
|
204.180
|
-
|
TRIP LINHAS AÉREAS
|
1.376.635
|
-
|
TEAM LINHAS AÉREAS
|
14.589
|
-
|
AIR MINAS LINHAS AÉREAS
|
62.870
|
-
|
PASSAREDO LINHAS AÉREAS
|
140.642
|
824.291
|
SETE LINHAS AÉREAS
|
23.485
|
68.740
|
MAP LINHAS AÉREAS
|
-
|
16.223
|
Fonte: Dados Econômicos/ANAC, 2015
25Para compreender os números da tabela anterior é importante acrescentar que dentre as empresas operantes em 2008, três operaram em 2013 juntamente associadas, fusionadas ou foram adquiridas pelas grandes companhias aéreas brasileiras, sendo justamente aquelas companhias que transportavam um maior número de passageiros: a Pantanal Linhas Aéreas que foi adquirida pela TAM, a WEBJET foi adquirida pela GOL e a TRIP Linhas Aéreas se associou a AZUL. O número de passageiros transportado por essas três companhias no ano de 2013, principalmente da TRIP, explica, em grande medida, a expressividade desse número em relação às demais regionais.
- 4 Embora a AVIANCA Brasil (antiga OCEANAIR) ainda se apresente expressivamente no setor aéreo regiona (...)
26Nessa mesma perspectiva de analisar os dados estatísticos numa escala de voos nacionais (em que atuam empresas de grande, médio e pequeno porte) dividimos dois grupos de empresas que define melhor a preponderância das grandes companhias aéreas do setor. De um lado se encontram tipicamente empresas com perfil regional, que geralmente atendem um ou dois estados da federação, enquanto que o grupo das grandes companhias do setor realizam voos nas três escalas territoriais de atuação, possuem uma malha aérea extensa pelo território nacional, oferecendo voos para todas as regiões do país, sobretudo naqueles aeroportos com maior densidade de tráfego, que são as companhias: TAM Linhas Aéreas, GOL Linhas Aéreas Inteligentes, AZUL Linhas Brasileiras e AVIANCA Brasil4, juntas representaram 98,9% dos passageiros transportados.
27A Tabela a seguir elucida numericamente o número de passageiros transportados pelas grandes companhias aéreas nacionais, considerando o mesmo ano de análise das regionais:
Tabela 02 - Empresas aéreas nacionais em operação por número de passageiros (2008 - 2014)
- 5 De líder do mercado no final dos anos de 1990, com mais de 50% de participação no mercado doméstico (...)
EMPRESAS
|
2008
(Nº DE PAX)
|
2014
(Nº DE PAX)
|
TAM Linhas Aéreas
|
22.797.135
|
33.178.532
|
GOL Linhas Aéreas Inteligentes
|
17.509.147
|
35.276.702
|
AZUL Linhas Aéreas Brasileiras
|
11.555
|
19.332.697
|
AVIANCA Linhas Aéreas
|
1.382.798
|
6.827.183
|
VRG Linhas Aéreas5
|
3.119.498
|
-
|
Fonte: Dados Econômicos/ANAC, 2015
28Dada essa comparação, é possível visualizar a partir do Mapa 02 que não apenas a preponderância das grandes marcas do mercado domina em relação ao número de passageiros transportados no país, mas principalmente no que tange a densificação das malhas aéreas, o que reflete na atualidade a dominância da TAM, GOL, AZUL e AVIANCA. São companhias que estão presentes em todas as regiões do país, oferecem voos ora diretamente pela empresa, ora com marcas regionais, mediante acordos de cooperação. De forma geral, têm maior participação em aeroportos com alta demanda de passageiros, tais como os aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Brasília, onde as estratégias competitivas são preponderantemente mais agressivas e onde as companhias possuem um maior market share, além desses aeroportos constituírem-se como nós da rede aérea brasileira, permitindo uma distribuição estratégica das rotas regionais, nacionais e internacionais (CAMILO PEREIRA, 2014):
Mapa 02 - Malha aérea das companhias aéreas (2015)
29Diante do exame das tabelas e mapas apresentados, corrobora-se que há uma sazonalidade das companhias regionais, as contradições entre as expectativas de crescimento que priorizam a região concentrada do país em detrimentos de outras é evidente, a preponderância da atuação das grandes companhias aéreas em todo o território brasileiro arrefece a atuação das regionais; contudo a maior implicação da dinâmica do setor aéreo brasileiro, considerando as grandes marcas do mercado e as pequenas/médias companhias, é a especificidade da atual função do segmento regional para a aviação comercial brasileira, ou mais propriamente, a importância das companhias aéreas regionais brasileiras na lógica da dinâmica de mercado. Em outras palavras, como e onde estas empresas aéreas têm atuado e de que forma as mesmas tem se mantido no setor.
30O transporte aéreo regional ramifica-se a partir de polos definidos por meio da demanda pelo modal, orientando assim os nós de conexão e as redes de transporte. Desta forma, o segmento regional realiza a função particular no setor aéreo brasileiro que se respalda pelas ações estratégicas entre as companhias aéreas e que confere um ritmo diferenciado entre estas empresas e entre os aeroportos, o que em grande medida, tem como definidor a hierarquia urbana e aeroportuária, que se orienta também por uma hierarquia empresarial.
31Em outras palavras, a hierarquia urbana projeta os mapas de influência territorial que incidem diretamente na importância de cada aeroporto e na programação operacional de cada empresa aérea, e nesse ponto, tanto os aeroportos se distinguem pela sua importância na rede urbana brasileira, como as empresas aéreas se diferenciam pelo poder de reprodução de capital que detém no mercado.
32Em 1991, de acordo com a legislação aeronáutica brasileira, ocorreu o desmembrado do segmento nacional e regional. Segundo Barat (2008), as grandes transformações institucionais que pautaram a aviação civil até a década de 1990 aboliram a delimitação de áreas para a exploração exclusiva das empresas de transporte aéreo regional, permitindo a concorrência direta entre empresas de âmbito nacional e regional.
33Barat (2008) retrata bem essa abordagem, ao enfatizar que:
Se juridicamente a distinção entre empresas aéreas de transporte aéreo regional e de transporte aéreo nacional deixou de existir, na prática, a extinção desse conceito é impossível. Linha aérea regional continua sendo aquela que interliga o aeroporto de uma cidade de pequeno e médio porte com outro de onde partem vôos domésticos nacionais, que por sua vez interligam cidades de grande porte. Ou seja, trata-se de uma hierarquização inevitável do transporte aéreo regular, em razão, de um lado, da própria hierarquia do sistema de cidades e da rede de aeroportos e, de outro, da evolução tecnológica e concepção das aeronaves, em termos de capacidade, velocidade e necessidades de apoio das infra-estruturas aeroportuária e aeronáutica (BARAT, 2008: 50).
34No entanto, se juridicamente a distinção entre empresas de transporte aéreo regional e de transporte aéreo nacional deixou de existir, a extinção desse conceito ainda vigora em termos práticos. O transporte aéreo regional continua operando em linhas de baixa densidade de tráfego, correspondendo a uma complementação do transporte aéreo de âmbito nacional e, por vezes, de âmbito internacional. As grandes companhias aéreas domésticas operam direta/indiretamente em todas as escalas territoriais, seja com aeronaves próprias, seja por meio de acordos com outras empresas.
35Nesse sentido, a caracterização da nomenclatura repousa mais sobre uma questão de hierarquia urbana do que institucional, ou seja, o transporte aéreo brasileiro está inserido em uma rede hierárquica de cidades que incontestavelmente subdivide o setor de transporte aéreo no Brasil. De acordo com os estudos da Regic (2007): "as redes de transporte aéreo são um aspecto indissociável da rede urbana e assumem, em geral, caráter hierárquico" (2007).
36Explicando em outros termos, as empresas aéreas de grande porte objetivamente estão presentes naqueles aeroportos onde há maior potencial de tráfego, ou seja, nas grandes metrópoles, nos centros urbanos de maior pujança econômica, uma vez que é onde a reprodução do capital se faz de forma mais ampliada. As empresas regionais operam naqueles fixos em que a movimentação de passageiros é menos expressiva, geralmente ligam centros urbanos de pequeno a médio porte e servem os hubs das grandes empresas do setor.
37De acordo com Barat (2008), ainda que considere a importância da evolução tecnológica e da concepção das aeronaves, da capacidade, da velocidade e da necessidade de apoio das infraestruturas aeroportuárias e aeronáuticas, destaca que a sistematização do planejamento de linhas e rotas é constituída em razão da própria hierarquia do sistema de cidades e da rede de aeroportos.
Tabela 2 - Aeroportos utilizados por empresa – mercado doméstico, 2012 e 2013
EMPRESA
|
AEROPORTOS UTILIZADOS 2012
|
AEROPORTOS UTILIZADOS 2013
|
AZUL
|
60
|
106
|
GOL
|
57
|
56
|
TAM
|
46
|
44
|
AVIANCA
|
26
|
29
|
REGIONAIS
|
194
|
173
|
Fonte: Anuário Estatístico, 2013
38Vale ressaltar que no final do ano de 2013 quase a totalidade das operações da TRIP havia sido absorvida pela AZUL, ou seja, a grande maioria do número de aeroportos utilizados pelas companhias regionais era da TRIP, que teve essa participação transferida para a AZUL. Em números absolutos, de 173 aeroportos utilizados pelas companhias aéreas regionais, 102 eram da TRIP, que passaram a ser operados pela AZUL. Vale destacar ainda que a Pantanal, embora conste nos anuários estatísticos da ANAC seus voos regionais, esta empresa pertence a TAM, sendo, portanto, seus voos e os aeroportos utilizados designados por esta empresa aérea.
39Conforme dados fornecidos pela Agência Nacional da Aviação Civil, denominados pela fonte de dados APCP/ANAC, é possível observar que dentre as empresas aéreas regionais supracitadas anteriormente, é inexpressiva as operações destas companhias nas principais cidades da rede urbana brasileira, diferentemente da TAM, GOL, AZUL e AVIANCA.
40O Gráfico a seguir demonstra um panorama das ligações aéreas no ano de 2013 entre os aeroportos de maior movimentação de passageiros no Brasil e o cômputo geral das companhias aéreas regionais no comparativo com as grandes empresas aéreas brasileiras. Para isso foram selecionados os aeroportos de Congonhas, Guarulhos/Cumbica, Viracopos/Campinas no estado de São Paulo, Brasília no Distrito Federal, Santos Dumont e Galeão no estado do Rio de Janeiro.
Gráfico 01 - Número de passageiros nas principais ligações aéreas por empresas regionais e grandes companhias aéreas brasileiras (2013)
Fonte: Dados Estatísticos/ANAC, 2015. Organização: CAMILO PEREIRA, 2015
41Ao nos depararmos com a substancial diferença entre o número de passageiros nas principais ligações aéreas realizadas no Brasil em relação às empresas regionais e as grandes companhias brasileiras, percebe-se a reduzida participação desse segmento e das empresas. Todavia, a importância da aviação regional e das empresas aéreas regionais brasileiras é relativizada quando se considera a extensão do mercado. Estas empresas aéreas e suas estratégias podem não ser impactantes em termos de reprodução do capital, mas sua importância em relação à integração territorial e a articulação com as grandes companhias aéreas do país são tão decisivas quanto qualquer outra estratégia de mercado e se colocam como elementos intrínsecos à dinâmica empresarial do setor em termos de atuação direta/indireta nas diferentes escalas.
42Portanto, quando se trata das escalas territoriais no setor de transporte aéreo brasileiro, é necessário compreender que não há uma relação hierárquica de importância em termos territoriais (pelo menos na teoria), mas sim em relação ao poder de reprodução capitalista que as companhias aéreas têm e que, sistematicamente, subordina uma escala a outra, uma empresa aérea a outra e, sobretudo, subordina os aeroportos em relação a localização no país.
43Considerando a lógica de integração territorial o modal aéreo insere-se em um setor de grande influência para a dinâmica econômica do país e para a organização do território. A importância do setor de transporte aéreo reside muito mais em seus encadeamentos e no potencial de estímulo a outros setores, do que na sua participação no conjunto do valor adicionado, o que permite avaliar o quanto é necessário o efetivo funcionamento deste meio de transporte como insumo para o aumento de produção em outros setores (ABETAR, 2009).
44No caso do segmento regional essa importância ganha ainda mais relevo, uma vez que este segmento possui uma "pseudoestratégia", qual seja: alimentar as rotas das grandes companhias aéreas, como forma de manter a sobrevivência das empresas regionais no mercado de transporte aéreo brasileiro.
45Se estas empresas aéreas regionais atuam numa escala limitada de operações, geralmente ligando cidades com baixo potencial de tráfego; se estão submetidas a uma hierarquia urbana e aeroportuária e se há uma contraditória estratégia de sobrevivência, uma "conexão" é necessária nesse voo para compreender o inevitável: de onde vem, para onde vão essas companhias regionais?
46As ilustrações observadas no Mapa 01 e 02 revelam nitidamente a determinação territorial dos fluxos aéreos no Brasil. Ao se concentrar nessa análise, depara-se com a principal função definida pela atuação das companhias aéreas regionais no país em relação, sobretudo, às grandes empresas aéreas domésticas que atuam nas três diferentes escalas territoriais, mas que principalmente se valem da alimentação de seus principais hubs, geralmente realizada pelas companhias de menor porte.
47Primeiramente, para além de estarem inclusas nas estratégias das grandes companhias aéreas brasileiras, as empresas regionais possuem uma dinâmica própria que é intrínseca ao segmento que operam, ou seja, cumprem uma função de ligar pequenas/médias cidades que possuem reduzida demanda, realizam em alguns casos a função de interligar localidades de difícil acesso e que muitas vezes só tem o transporte aéreo como alternativa de deslocamento, outras vezes até atuam na região concentrada do país, mas com irresoluto poder de mercado se comparado as grandes empresas.
48Nessa ilógica lógica estratégica, o que nos compele a examinar a atuação dessas empresas aéreas é a função de articulação estratégica com as grandes companhias aéreas, que na maioria das vezes se dá pela estratégia de alimentação via cooperação.
49Em outras palavras, a dinâmica do capital é empreendida de forma que as líderes do mercado centralizam suas operações nos principais aeroportos do país, naqueles aeroportos de maior rentabilidade, onde há uma maior demanda de passageiros. No entanto, uma vez que as escalas territoriais são complementares, ou seja, não há passageiros somente entre os principais aeroportos do país, as companhias aéreas regionais cumprem uma função estratégica, servem de alimentadoras das linhas principais das grandes companhias aéreas, sobretudo para a TAM e a GOL, que são aquelas rotas de maior lucratividade e, por conseguinte, de maior potencial de reprodução do capital. Essa lógica de mercado ocorre porque os passageiros provêm de diferentes regiões brasileiras e utilizam a aviação regional para seus deslocamentos até os principais e maiores aeroportos do país, com a finalidade de realizar uma viagem nacional ou internacional.
50Para Coutinho e Ferraz (1994), a emergência de novas formas de concorrência, por meio da proliferação de redes de cooperação, alianças tecnológicas e outras alianças, sintetizam perfeitamente a dimensão sistêmica da concorrência entre as empresas brasileiras no momento atual. Assim, num primeiro momento essas ações correspondem ao compartilhamento de voos e/ou a alimentação das linhas de maior densidade (que são mais lucrativas) e que, em geral, pertencem às grandes companhias aéreas, contudo, posteriormente, o que se tem observado é que esses acordos/parcerias ou como definimos cooperação tem promovido um processo de centralização e concentração do capital (AGLIETTA, 1986; LENCIONI, 2008), compelindo estas empresas aéreas regionais e fazendo com que o mercado torne-se cada vez mais concentrado e com um menor número de empresas aéreas.
51Nessa contraditória lógica de mercado, em que rivalidade não é o distintivo da concorrência, mas sim a cooperação, vale destacar o caso da companhia AZUL, que até o momento é uma particularidade no setor, já que sua proposta de dinamização do segmento regional tem permitido a esta companhia aérea uma vantagem competitiva frente às líderes, ou seja, a TAM, a GOL e, em menor proporção, a AVIANCA.
52A AZUL tem expandido suas ligações aéreas regionalmente e, ao mesmo tempo, vem definindo sua malha aérea nacionalmente, isto é, em ligações onde se centralizam as operações da TAM e da GOL. Desse modo, a companhia aérea deixa de utilizar a estratégia de cooperação, porque efetua individualmente o papel realizado pelas companhias aéreas regionais (em ligações de menor tráfego) e pelas grandes empresas aéreas (em rotas de tráfego constante), intensificando a rivalidade nos dois sentidos, isto é, com as regionais e com as líderes nacionais.
53Essa ação estratégica da AZUL em atuar regional e nacionalmente isolada, sem acordos com outras empresas aéreas, emerge de duas maneiras: 1.) a companhia aérea consegue realizar sozinha o que a TAM e a GOL realizam conjuntamente, promovendo, por um lado, uma maior competitividade com estas empresas aéreas, e por outro, expandindo sua malha territorialmente; 2.) ao focar o segmento regional, esta empresa aérea por ser potencialmente capitalizada concorre com companhias aéreas de pequena expressão no mercado, que como já foi salientado, possuem um poder de mercado e uma dinâmica territorial totalmente limitados, o que reverte para a AZUL passageiros tanto regionais, como nacionais, isto é, sua ação estratégia é retro-alimentadora, diferente da TAM e da GOL que utilizam as regionais para alimentar seus hubs principais.
- 6 Os acordos interlines caracterizam-se pela venda de passagem entre diferentes empresas aéreas que p (...)
- 7 Codeshare caracteriza-se como uma prática de mercado na qual as companhias aéreas compartilham aero (...)
54O que se nota atualmente é que as companhias aéreas que possuem um perfil regional, ou seja, aquelas que atuam em uma determinada região, não operam voos nacionais e, menos ainda, voos internacionais. Porém, o contrário é natural, as grandes companhias operam em mercados regionais, naquelas ligações de baixa à média densidade de fluxos, seja diretamente mediante a oferta de voos com equipamentos próprios ou por meio de estratégias de cooperação (como por exemplo, por interlines6 ou codeshare7) com companhias aéreas regionais.
55O que se pode destacar é que esse segmento tem se caracterizado pelas as estratégias de cooperação que são definidas como forma de se promover a consolidação das líderes de mercado e apenas a permanência temporária das empresas aéreas de menor porte, o que confirma a contradição dessa estratégia, dito em outras palavras, num setor que hipoteticamente se tem como acirrado, o que se percebe é a constante necessidade de se aliar para sobreviver no mercado.
56Além dessa lógica estratégica relacionada a funcionalidade das companhias aéreas que operam regionalmente no Brasil, é preciso considerar uma questão essencial nessa análise, que está relacionada a função estratégica e empresarial de alimentação da rede aérea brasileira, em outras palavras, torna-se inerente nessa abordagem compreender que para além de um viés concorrencial, há também uma vertente de graduação correlacionada a lógica urbana, ou seja, a hierarquia urbana justaposta a hierarquia aeroportuária que coaduna com o poder de mercado que cada companhia aérea exerce territorialmente.
57É inegável a essencialidade do segmento aéreo regional para o Brasil, tanto em termos de atendimento de localidades isoladas, como para a própria dinâmica do setor nos mercados mais atrativos. Mas, o segmento aéreo regional se faz ainda mais importante para a lógica estratégica do mercado empresarial, que contraditoriamente se reproduz mediante a sobrevivência de umas e a consolidação de outras.
58Desse modo, é crucial enfatizar que a discussão sobre a relevância do segmento aéreo regional para o país merece uma atenção maior dado, sobretudo, sua funcionalidade, além disso, não se pode eximir que o Governo tem investido aportes significativos para a viabilização desse segmento, constituído ainda que indiretamente nas concessões aeroportuárias dos principais aeroportos brasileiros, ou seja, um percentual da arrecadação dessas concessões é redirecionado para os aeroportos secundários do país por meio do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac).
59Ainda vale ressaltar, o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional, criado em julho de 2014 que dentre outros objetivos, prevê o aumento do acesso da população brasileira ao sistema aéreo de transporte; a integração de comunidades isoladas à rede nacional de aviação civil; a facilitação do acesso às regiões com potencial turístico; o aumento do número de municípios e rotas atendidos por transporte aéreo regular de passageiros; e a ampliação do número de frequências das rotas regionais operadas regularmente são mecanismos fundamentais ao crescimento deste segmento e a operacionalização das companhias aéreas regionais.
60No entanto, ainda que os planos e propostas de viabilização do segmento aéreo regional brasileiro tenham encontrado, nos últimos anos, um maior incremento, esse segmento ainda é subutilizado e carente de investimentos dado, principalmente a infraestrutura sucateada dos aeroportos regionais e a falta de investimentos nos mesmos e incentivos à operacionalização das companhias aéreas regionais, que sem distinção jurídica, concorrem diretamente com empresas potencialmente capitalizadas capazes de exercer um poder de atuação sobre aquelas a ponto de imporem a necessidade de sobrevivência por meios de acordos, cooperação e alimentação de suas rotas mais lucrativas.
61Em síntese, temos que essa cronológica ascensão e descensão do setor e das companhias aéreas brasileiras em suas diferentes escalas e portes se dão prioritariamente por uma lógica de mercado que determina, em grande medida, os rumos da aviação comercial no Brasil, definitivamente concentrada e centralizada. Todavia, essa mesma lógica não pode estar separada das estratégias que, mais do que empresariais, são também hierarquicamente territoriais. Nesse sentido, é imprescindível entender que a atuação das diferentes companhias está diretamente relacionada a hierarquia urbana, a hierarquia aeroportuária e, principalmente se processa por uma hierarquia empresarial contraditória e privilegiadora da reprodução do capital das grandes companhias aéreas do mercado.
62De onde vem, para onde vão? Mesmo considerando a importância dessas companhias regionais para o setor aéreo brasileiro, sumariamente, este segmento não tem alçado altos voos, voando baixo vem e vai ao mesmo lugar.
63Nota da redação: A tese de Ana Paula Camilo Pereira, da qual este artigo é parte, é agora disponível na forma de livro Asas da centralidade em céus conhecidos, AnnaBlume, São Paulo, 2016, 334 p., ISBN 978-85-391-0803-9