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O novo mapa da população rural brasileira

La nouvelle carte de la population rurale du Brésil
The new map of Brazil's rural population
Alexandre Gori Maia et Antonio Marcio Buainain

Résumés

Cet article analyse les principaux changements démographiques survenus dans les zones rurales entre 1991 et 2010. Les résultats mettent en évidence que, en dépit d’un léger ralentissement dans les années 2000, l'exode rural persiste sur l’ensemble du territoire, même dans les zones rurales les plus traditionnelles, qu’elles soient dynamique ou pauvres. Le niveau d'instruction des personnes est un facteur déterminant de l'exode rural, car il renforce la propension des jeunes et des femmes à quitter les zones rurales à la recherche de meilleures occasions d'emploi, de revenu et de stabilité sociale. Il apparaît une nouvelle configuration de la famille rurale, actuellement caractérisé par un couple avec un seul enfant en âge scolaire et une plus grande dépendance envers les personnes âgées, qui bénéficient d’une pension de retraite. Enfin, cet article examine les implications de ces changements sur la durabilité de l'activité agricole sur le moyen et long terme, en particulier pour les unités de production familiale petites et vulnérables.

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migração, êxodo rural, demografia, desigualdade, agricultura
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Agricultores do Pontal do ParapanemaAfficher l’image
Crédits : Hervé Théry
  • 1 Ver, por exemplo, os trabalhos de Camararo & Abramovay (1999) e Brito (2006).
  • 2 Estimativa que considera apenas os residentes em domicílios particulares. Segundo a definição do IB (...)

1Apesar das inerentes dificuldades e controvérsias na delimitação do espaço rural, estudos apontam para um acelerado processo de redução da população rural brasileira, sobretudo a partir dos anos 601. Entre 1970 e 2010, a participação da população rural caiu de 44% para 15,6%, o que qualifica a velocidade do processo de urbanização no Brasil. Ainda assim, em termos absolutos a população rural brasileira continua expressiva, totalizando 30 milhões de pessoas em 20102, contingente superior ao de praticamente todos os países da América Latina, exceto a Argentina.

2Vários fatores podem ser apontados como determinantes da expressiva redução da população rural. Por um lado, há os fatores endógenos à estrutura familiar, como a queda da fecundidade e a fragmentação das famílias (Sakamoto & Maia, 2013). Há uma rápida redução da participação do tipo tradicional de família nuclear (pais com filhos), assim como do tamanho médio das famílias brasileiras. Por outro lado, há os fatores exógenos à estrutura familiar, como a modernização da agricultura e as extremas desigualdades territoriais. As melhores oportunidades de emprego e renda nos grandes centros urbanos tendem a atrair um expressivo contingente de mão de obra às grandes e médias cidades (Anjos & Caldas, 2005). Apesar de avanços importantes no que se refere aos ganhos de produtividade e rendimento das ocupações agrícolas, é nas áreas urbanas que se concentram as ocupações mais promissoras no que se refere ao destino socioeconômico das pessoas, seja pela perspectiva de estabilidade econômica, seja pelo próprio prestígio social das ocupações (Quadros & Maia, 2010).

3O que se observou nas últimas décadas foi que, nos centros urbanos, a falta de um planejamento adequado gerou grandes aglomerados populacionais, caóticos em provisão de infraestrutura e qualidade de vida. Ainda assim continuaram atrativos para os jovens rurais, posto que no meio rural a modernização limitou-se, em grande medida, às unidades produtivas, não tendo alcançado a infraestrutura. Nas áreas rurais, a falta de sucessores para a atividade agrícola ameaça a sustentabilidade da pequena unidade produtiva familiar em médio e longo prazo. O desequilíbro entre o crescimento das populações urbanas e rurais também tende a gerar distorções nos níveis salariais e de empregos face aos ganhos de produtividade das atividades agrícolas e não agrícolas. Nas áreas rurais, a escassez de mão de obra pode, em longo prazo, pressionar os salários na agricultura, setor ainda caracterizado pelo baixo valor adicionado por trabalhador. Nas áreas urbanas, as desigualdades sociais tendem a se acentuar, como consequência da crescente oferta de mão de obra de baixa qualificação em ocupações de serviços de baixa remuneração em um contexto de redução da demanda de mão de obra desqualificada devido à modernização dos setores intensivos em mão de obra, como a construção civil.

4O deslocamento da população rural também tende a gerar contornos distintos entre as regiões, os níveis de qualificação, a idade e mesmo em relação à razão de gêneros da população. Por exemplo, em função da etapa de transição demográfica, os jovens são os que mais vêm deixando o meio rural e, entre esses, é preponderante a participação das mulheres (Camararo & Abramovay, 1999). A escolaridade também define as perspectivas de empregos nos setores mais desenvolvidos das áreas urbanas e cumpre um papel importante, tanto na decisão de migrar quanto nas oportunidades criadas e nos resultados da migração dos residentes rurais. Como consequência da migração seletiva nas áreas rurais, com o fluxo predominante de jovens mais escolarizados e do sexo feminino, vem se intensificando o processo de envelhecimento e a masculinização da população rural, comprometendo a reprodução das famílias e da sociedade rural “tradicional”.

5Neste contexto de expressivas mudanças na economia agrícola e na sociedade rural, este trabalho analisa as principais mudanças demográficas no meio rural entre os anos de 1991 e 2010. Destacam-se as mudanças no número e participação dos residentes rurais, na distribuição de suas características socieconômicas, distribuição regional e a nova configuração da família rural. As análises baseiam-se em informações dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

6Os domicílios foram classificados como urbanos ou rurais segundo as denominações de sua unidade territorial estabelecidas pelo IBGE (IBGE, 2010). Domicílios urbanos são aqueles localizados em setores classificados como área urbanizada de vila ou cidade, área não urbanizada de vila ou cidade, ou área urbanizada isolada. Domicílios rurais são aqueles localizados em setores classificados como rural de extensão urbana, povoado rural, núcleo rural, aglomerado rural, ou rural excluindo os aglomerados rurais. A menor unidade de desagregação territorial é a microrregião, definida por um conjunto de municípios limítrofes com especificidades quanto à organização do espaço. A dinâmica dos indicadores quantitativos nas microrregiões foi analisada por mapas coropléticos e de nuvem de pontos (Archela & Théry, 2008). As razões e participações relativas foram representadas por tonalidades de cores e as populações absolutas (pessoas) por pontos que correspondiam, cada um, a um conjunto de 5 mil pessoas. Manteve-se o mesmo padrão de representação das cores e pontos nos dois períodos (1991 e 2010) para permitir a comparabilidade das concentrações relativas e absolutas no tempo.

O esvaziamento demográfico rural

7A dinâmica demográfica das populações urbanas e rurais entre 1991 e 2010 indica a continuidade da tendência de esvaziamento demográfico rural no Brasil, mesmo que em ritmo mais ameno na última década (Tabela 1). Enquanto a população urbana cresceu 2,5% ao ano nos anos 90 e 1,6% nos anos 2000, a população rural passou de 35,7 milhões de pessoas em 1991 para 29,7 milhões em 2010, queda de 1,0% ao ano. A redução foi mais acelarada nos anos 90: 3,9 milhões de pessoas deixaram de residir em domicílios rurais, ou 11% da população de 1991. Na primeira década dos anos 2000 a população rural diminuiu em 2,2 milhões de pessoas, o que corresponde a 7% da população de 2000. A desaceleração está provavelmente associada a dois fatores preponderantes e que se reforçam: o próprio envelhecimento da população, com a redução relativa do contingente de “migrantes potenciais”, os jovens; e a contínua expansão do alcance dos benefícios dos instrumentos de proteção social, notadamente a aposentadoria.

Tabela 1 – População segundo situação do domicílio – Brasil, 1991, 2000 e 2010

Ano

Urbano

Rural

Pessoas (mil)

%

Domicílios (mil)

Pessoas / Domicílio

Pessoas (mil)

%

Domicílios (mil)

Pessoas / Domicílio

1991

110.423

75,6

27.248

4,1

35.714

24,4

7.633

4,7

2000

137.434

81,2

37.516

3,7

31.848

18,8

7.508

4,2

2010

160.438

84,4

49.296

3,3

29.655

15,6

8.131

3,6

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria.

8Um aspecto relevante desta dinâmica demográfica rural é que o número de domicílios rurais cresceu ligeiramente nesses 20 anos, o que se traduz em redução expressiva do número médio de membros por domicílio rural. Em 1991, eram 4,7 membros por domicílio nas áreas rurais e apenas 3,6 em 2010, queda de 22%. Fenômeno análogo foi observado nas áreas urbanas, em ritmo um pouco menos acelerado: o número médio de membros por domicílio passou de 4,1 em 1991 para 3,3 em 2010, queda de 20%.

9A expressiva redução do número de membros domiciliares estaria associada a dois fatores principais: i) a recente queda da fecundidade e as mudanças ocorridas na estrutura das famílias; ii) o êxodo de membros do domicílio. Segundo dados do Departamento de População e Indicadores Socioeconômicos do IBGE, a taxa de fecundidade total brasileira, que era de aproximadamente 4 filhos por mulher em 1981, caiu para 1,71 em 2011, valor abaixo da taxa de reposição da população brasileira (correspondente ao nível de 2,2 filhos por mulher). Sakamoto e Maia (2013) destacam ainda que, além da redução da taxa de fecundidade das mulheres, ocorreram importantes mudanças na estrutura das famílias brasileiras nas últimas décadas. De um lado, houve uma forte redução da família nuclear (constituída por casais com filhos) e, de outro, uma expansão das famílias formadas por membros individuais e por casais sem filhos. Essas mudanças foram mais acentuadas nas áreas urbanas, em função do estágio mais avançado de desenvolvimento da estrutura demográfica, mas também expressivas nas áreas rurais. Por exemplo, entre 1981 e 2011, a participação das famílias nucleares caiu de 74% para 58% do total de famílias e aumentou em 8 pontos percentuais (de 4% para 12%) a participação dos casais sem filhos nas áreas rurais (Sakamoto & Maia, 2013).

10Além das mudanças no interior das famílias, a migração de residentes rurais para os centros urbanos também deve ser apontada como importante determinante da redução do número de membros nos domicílios rurais. O desencontro entre o ritmo de recriação da força de trabalho e a disponibilidade de trabalho e ocupação no campo é uma hipótese apontada como a principal determinante deste fenômeno. As transformações produtivas, que geram ritmos diferenciados de crescimento da renda e do emprego nas áreas urbanas e rurais, impulsionam os deslocamentos dos trabalhadores e geram uma nova configuração da população rural no território. Outra hipótese, levantada por Buainain et. al. (2013), é que a migração tenha se descolado, pelo menos parcialmente, da disponibilidade de trabalho e ocupação no campo, e que a decisão de migrar esteja mais associada às assimetrias estruturais entre a qualidade de vida nas áreas urbanas e rurais.

11A participação dos residentes rurais diminuiu em praticamente todo o território brasileiro, especialmente em áreas tradicionais de população predominantemente rural. Por exemplo, na região do oeste de Santa Catarina e leste de Tocantins, os percentuais da população rural, que eram superiores a 60% em 1991, passaram a variar entre 15% e 45% em 2010 (Figura 1). Visualmente, observa-se um novo padrão de concentração da população rural em 2010, agora muito mais restrito a bolsões da região Nordestina. Por sua vez, embora o contingente da população rural nos estados da região Sul, Minas Gerias, Espírito Santo e Rio de Janeiro ainda seja representativo, sua participação relativa esmaece gradativamente.

Figura 1 – Mapa de densidade para o percentual (cores) e número (pontos) de residentes rurais – Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

Figura 1 – Mapa de densidade para o percentual (cores) e número (pontos) de residentes rurais – Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.

12O fenômeno do êxodo rural pode ser melhor compreendido a partir da razão entre as populações de dois censos consecutivos com idades equivalentes (RIS, abreviação de Razão Intercensitária de Sobrevivência). O RIS foi calculado para as populações rurais das microrregiões com idade entre 0 e 59 anos no período de referência. Isso significa, por exemplo, que o RIS para o período de 2000 a 2010 é a razão da população rural entre 10 e 69 anos em 2010 com a população rural entre 0 e 59 anos em 2000 (referência). Para o período de 1991 a 2000, o RIS é a razão das populações rurais entre 9 e 68 anos em 2000 e entre 0 e 59 em 1991. Valores de RIS inferiores a uma unidade podem ser devido a três fatores: i) fluxo migratório negativo; ii) mortalidade; iii) definição do que é espaço urbano e rural. Entretanto, padrões focalizados de distribuição da RIS no território oferecem importantes elementos para compreender o maior ou menor dinamismo do êxodo rural nas microrregiões.

13Em praticamente todo o território, a redução da população rural foi mais intensa nos anos 90 (Figura 2). Nesta década, diversas áreas apresentaram valores da RIS da população rural inferiores a 0,70. Especialmente no estado de Goiás, Tocantins, na região do oeste Catarinense, oeste do Paraná, oeste de São Paulo, sul de Minas Gerais e em áreas focalizadas da região Nordeste. Isso significa que, do contingente de 0 a 59 anos de idade em 1991, menos de 70% permaneceu residindo nas áreas rurais das respectivas microrregiões em 2000. Nos anos 2000, as microrregiões que permaneciam com valores da RIS inferiores a 0,70 concentravam-se no oeste do Paraná, oeste de São Paulo, Rondônia, sul da Bahia e algumas áreas localizadas na Zona da Mata Nordestina. Ou seja, as áreas do território em que a redução da população rural ainda era intensa.

Figura 2 – Mapa de densidade para o Razão Interncensitária de Sobrevivência (RIS) e diferença no número (pontos) de residentes rurais entre dois censos demográficos – Microrregiões Brasileiras 1991 e 2010

Figura 2 – Mapa de densidade para o Razão Interncensitária de Sobrevivência (RIS) e diferença no número (pontos) de residentes rurais entre dois censos demográficos – Microrregiões Brasileiras 1991 e 2010

Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.

14A dinâmica da população rural no oeste de São Paulo e estado de Goiás apenas consolidou um processo já acelerado de urbanização em 1991. Nos estados de Rondônia e Tocantins, a dinâmica da população rural estaria associada ao avanço da agricultura mecanizada em áreas pouco povoadas. Por sua vez, a redução das populações rurais em regiões consolidadas, como a do oeste de Santa Catarina, oeste do Paraná e sertão Nordestino ocorre em importantes e tradicionais áreas de concentração da agricultura familiar.

15A dinâmica da população rural no Sul merece algumas considerações adicionais, não somente por ser uma região de consolidação da agricultura familiar, mas também pela sua relevância em termos de produção agrícola do país. Essa região apresentou a queda mais acentuada da população residente em domicílios rurais entre 1991 e 2010: 28%. Dois aspectos principais contribuíram para essa dinâmica. Primeiro, a região apresentou a menor taxa de crescimento populacional no país (24% entre 1991 e 2010), refletindo um estágio mais avançado de transição demográfica. Segundo, as expressivas diferenças entre os ritmos de crescimento populacional urbano (42% positivo) e rural (28% negativo) indicam um fluxo ainda persistente e intenso de migração rural-urbano na região. A região Sul apresenta, tradicionalmente, uma agricultura familiar dinâmica e bons indicadores de desenvolvimento humano. A persistência da migração rural-urbano, neste caso, sugere que a migração não pode ser associada unicamente à fuga da pobreza rural, mas também, por exemplo, à atração da população rural pela dinâmica socioeconômica urbana. Também é nesta região que se registram os melhores indicadores sociais da população rural, incluindo o acesso à educação, o que reforçaria a hipótese de que a mudança na equação decisória da migração, com o deslocamento dos tradicionais fatores de expulsão para os fatores de atração.

16Em outro pólo importante da produção agrícola do país, na região Centro-Oeste (exclusive o Distrito Federal), a população rural caiu 13% nos anos 90, mas permaneceu praticamente constante nos anos 2000, próxima de 1,5 milhões de pessoas. Esses resultados indicam que, uma vez consolidada a expansão do agronegócio no território, a dinâmica demográfica da primeira década dos anos 2000 apresentou uma estabilização do fluxo migratório e da taxa de crescimento populacional. Resultados que também refletem os expressivos ganhos de produtividade na última década, permitindo substanciais incrementos da produção agrícola em um cenário de estagnação na oferta de mão de obra nas áreas rurais.

O êxodo rural seletivo

17Para melhor compreender os fatores determinantes do êxodo rural, é necessário conhecer algumas importantes características da população migrante, como a idade, o sexo e a escolaridade. Os jovens à procura do primeiro emprego são os mais propensos a migrarem para os centros urbanos, em busca de melhores oportunidades de emprego e renda. Esse fenômeno pode ser também compreendido analisando a razão entre as populações de dois censos consecutivos com idades equivalentes (RIS). Há um forte declínio do RIS para a população jovem nas áreas rurais, sobretudo para aqueles menores de 25 anos (Figura 3). O menor valor entre 2000 e 2010 é observado aos 16 anos de idade: a razão entre a população rural de 16 anos de idade em 2000 e seu grupo equivalente em 2010 (com 26 anos de idade) era de 0,61. Em outras palavras, a população deste grupo etário em 2010 equivalia a apenas 61% da observada em 2010.

Figura 3 – Razão Intercensitária (RIS) segundo idade e situação do domicílio - Brasil 1991, 2000 e 2010

Figura 3 – Razão Intercensitária (RIS) segundo idade e situação do domicílio - Brasil 1991, 2000 e 2010

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos.Elaboração Própria

18Deve-se destacar que valores da RIS inferiores a uma unidade não podem ser atribuídos exclusivamente ao êxodo migratório, mas também à mortalidade ou à própria mudança da classificação do que é espaço urbano e rural no território. Entretanto, as expressivas diferenças entre as dinâmicas dos grupos etários rurais e urbanos oferecem importantes elementos para identificar aqueles mais e menos sujeitos ao êxodo rural. Por exemplo, as diferenças são mínimas para as pessoas entre, aproximadamente, 40 e 50 anos. Provavelmente associado ao fato de o trabalhador rural se estabilizar em sua atividade agrícola e perder os estímulos para migrar às áreas urbanas. As diferenças voltam a crescer por volta dos 55 anos, sugerindo que muitos idosos, aposentados ou pensionistas, também estariam migrando às áreas urbanas, ou ainda, que a taxa de mortalidade em idosos nas áreas rurais seriam superiores.

19Outro aspecto relevante dessa análise é o fato de os valores da RIS do período 2000/2010 serem ligeiramente superiores aos de 1991/2000 nas áreas rurais, enquanto que são ligeiramente inferiores nas áreas urbanas. Em outras palavras, haveria um arrefeciemnto da migração rural-urbano neste período de duas décadas. A diferença é mais expressiva para o grupo de 20 a 50 anos, ou seja, teria reduzido, sobretudo, a migração rural-urbano dos adultos em idade economicamente ativa.

20Uma consequência direta do êxodo seletivo de jovens é o envelhecimento da população rural. Nas áreas rurais, a população jovem (neste trabalho definida como aqueles com 17 anos ou menos de idade) reduziu de 16,8 milhões em 1991 para 10,4 milhões em 2010 (Figura 4), a população adulta (definida como aqueles entre 18 a 64 anos) parou de crescer (próxima de 17 milhões nas três décadas) e a população idosa (65 anos ou mais) cresceu ligeiramente (de 1,6 milhão em 1991 para 2,2 milhões em 2010). Nas áreas urbanas, o processo de envelhecimento foi menos intenso, uma vez que a população adulta ainda cresceu em ritmo acelerado. Apesar de esta dinâmica significar, em curto prazo, uma menor dependência familiar de jovens em idade escolar, em longo prazo pode significar o comprometimento do processo de sucessão da atividade agrícola familiar.

Figura 4 – População (milhões de pessoas) segundo faixa etária e situação censitária – Brasil 1991, 2000 e 2010

Urbano

Rural

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria.

  • 3 Apesar de o Índice de Envelhecimento ser usualmente calculado pela razão entre a população com 65 a (...)

21O índice de envelhecimento da população rural, que mede a razão entre os idosos com 65 anos ou mais e a população jovem com 17 anos ou menos3, passou de 9,7% em 1991 para 21,4% em 2010. Ou seja, o número médio de idosos para cada grupo de 100 jovens mais que dobrou, passando de 9,7 para 21,4 (crescimento de 11,7 pontos percentuais). Este processo foi mais acelerado nas áreas mais tradicionais de ocupação rural, Sul, Sudeste e Nordeste. De um lado, refleteria o êxodo rural da população jovem e adulta, que foi mais intenso nessas regiões. De outro lado, refletiria a redução mais intensa das taxas de fecundidade, sobretudo nas áreas mais desenvolvidas do território. O fato é que, em 1991, índices de envelhecimento superiores a 20% eram encontrados em poucas microrregiões brasileiras, praticamente todas no estado do Rio Grande do Sul. Em 2010, índices superiores a 25% eram encontrados em boa parte das microrregiões no sul, sudeste e nordeste do país (Figura 5).

Figura 5 – Mapa com distribuição do índice de envelhecimento (%) 1 da população rural– Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

Figura 5 – Mapa com distribuição do índice de envelhecimento (%) 1 da população rural– Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

1 Razão entre a população com 65 anos ou mais e a população com 17 anos ou menos Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.

  • 4 Por exemplo, segundo dados do Censo Demográfico de 2010, a população de recém nascidos (zero anos d (...)

22Outra importante dimensão de análise do êxodo seletivo é a masculinização da população rural. Um indicador para analisá-la é a razão de gênero, quociente entre a população masculina e feminina (Figura 6). Nas áreas rurais, a população masculina é superior à população feminina em todas as faixas etárias (razões superiores ao valor unitário). Nas áreas urbanas, a população masculina é superior à feminina apenas até os 12 anos de idade. Embora, historicamente, nasçam mais homens que mulheres, a prevalência masculina na estrutura etária da população tende a reduzir-se com o passar dos anos, já que a taxa de mortalidade masculina é superior à das mulheres em todas as faixas etárias4. Nas áreas rurais, entretanto, essa dinâmica demográfica não resulta em uma maior proporção de mulheres para as faixas mais elevadas, já que, concomitantemente, muitas dessas migrariam para as áreas urbanas.

Figura 6 – Razão entre população masculina e feminina segundo idade e situação censitária – Brasil 1991 e 2010

Figura 6 – Razão entre população masculina e feminina segundo idade e situação censitária – Brasil 1991 e 2010

Fonte: Censo Demográficos 1991 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria

23Há uma ligeira sobreposição das razões entre gêneros no ano de 2010 em comparação ao de 1991 para praticamente todos os grupos etários, ou seja, a masculinização da população rural era maior em 2010 para todas as idades. No agregado da população rural, a razão entre gêneros passou de 1,078 em 1991 para 1,101 em 2010. Isso significa que havia 78 homens a mais para cada 1000 mulheres nas áreas rurais em 1991, contra 101 em 2010. Nos anos 2000, esse processo foi mais intenso para alguns grupos etários específicos, sobretudo para os adultos de 35 a 50 anos. Uma hipótese para justificar essa dinâmica seria a intensificação do trabalho das mulheres rurais em idade adulta nos centros urbanos, sobretudo no serviço doméstico remunerado, mas também nos serviços públicos em geral.

24Diversos fatores ajudam a explicar esse processo de masculinização da população rural. Primeiro, as transformações das atividades agrícolas, como o uso intensivo de tecnologia e o assalariamento da mão de obra (Anjos & Caldas, 2005). Além de reduzir a exigência de mão de obra, essas transformações privilegiariam a contratação de mão de obra permanente ou temporária masculina, contribuindo para aumentar a segregação de gênero nas atividades agrícolas.

25Essa hipótese é corroborada analisando a distribuição da razão de gênero das populações rurais nas microrregiões brasileiras (Figura 7). Embora a população rural masculina seja superior à feminina em praticamente todas as microrregiões, as diferenças são mais expressivas nas áreas de expansão recente da atividade agropecuária. Em praticamente todas as microrregiões da região Centro-Oeste e Norte (sobretudo em seu extremo Sul), havia 1100 homens ou mais para cada grupo de 1000 mulheres rurais.

Figura 7 – Mapa com distribuição da razão entre a população rural masculina e femininanas áreas rurais –Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

Figura 7 – Mapa com distribuição da razão entre a população rural masculina e femininanas áreas rurais –Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010

Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.

26Segundo, a histórica deficiência de infraestrutura e de serviços sociais nos espaços rurais, que dificultaria as oportunidades de ocupação e trabalho para as mulheres jovens e adultas. Essas dificuldades estão enraizadas no preconceito socialmente estabelecido que atribui à mulher a responsabilidade por uma série de serviços domésticos de reprodução social, como cuidar das crianças e das atividades domésticas.

27Terceiro, o fato de os procedimentos usuais de transmissão do patrimônio familiar entre as populações de agricultores familiares rurais usualmente excluírem a mulher da condição de herdeira potencial dos bens e, fundamentalmente, da terra. Com poucas perspectivas de se estabelecerem profissionalmente no interior da unidade de produção familiar, muitas jovens abandonam a residência rural em busca de melhores oportunidades econômicas nas cidades.

28Finalmente, deve-se também considerar o fato de as mulheres alcançarem maior grau de escolaridade que os homens. Enquanto os homens são muitas vezes forçados a abandonar a escola para se dedicarem às atividades profissionais, sobretudo nos ofícios de suas unidades produtivas familiares, as mulheres alcançam uma escolaridade mais elevada e acabam sendo mais atraídas pelas atividades terciárias nas áreas urbanas (Camararo & Abramovay, 1999).

29Os dados da Tabela 2 reforçam essa hipótese, revelando que os percentuais de mulheres de 18 anos ou mais com 2º ou 3º grau de escolaridade (completo ou incompleto) são superiores aos dos homens em todos os períodos, nas áreas urbanas e rurais. Nas áreas rurais as diferenças são ainda superiores, refletindo a maior evasão escolar dos jovens do sexo masculino para desempenharem as atividades profissionais. Por exemplo, o percentual de mulheres adultas com 2º ou 3º grau de escolaridade em 2010 era 5,3 pontos percentuais superior ao dos homens nas áreas rurais (22,2% contra 16,9%), enquanto que a diferença nas áreas urbanas era de 2,8 pontos percentuais (52,2% contra 49,4%).

Tabela 2 – Percentual de homens (H) e mulheres (M) com 18 anos ou mais de idade segundo grau de escolaridade e situação do domicílio - Brasil, 1991, 2000 e 2010

Escolaridade

Urbano

Rural

1991

2000

2010

1991

2000

2010

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

Sem Escolaridade

13,1

16,0

9,8

11,1

7,4

7,8

42,5

41,8

32,4

29,9

27,0

23,3

1o Grau

59,4

55,9

54,1

50,5

43,2

40,0

53,3

52,8

59,6

59,6

56,1

54,5

2o Grau

17,8

19,1

25,1

26,9

32,3

32,4

3,6

4,7

7,0

9,3

14,7

18,0

3o Grau

9,7

9,0

11,1

11,5

17,1

19,8

0,7

0,8

1,0

1,3

2,2

4,2

Total

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria

30Outros aspectos relevantes da escolaridade dos residentes urbanos e rurais são: i) as expressivas diferenças entre os níveis de escolaridade nas áreas urbanas e rurais; ii) as especificidades da evolução da escolaridade nos anos 1990 e 2000.

31Primeiro, deve-se destacar o fato, já notadamente conhecido, de que a escolaridade nas áreas rurais é expressivamente inferior à das áreas urbanas. Por exemplo, o percentual de pessoas com 18 anos ou mais de idade sem qualquer tipo de escolaridade era de 8% nas áreas urbanas em 2010, enquanto que nas áreas rurais era de 25%. Por outro lado, enquanto que mais de 18% dos residentes urbanos possuía nível superior (completo ou incompleto), nas áreas rurais a participação deste grupo era quase que inexpressiva (apenas 3%).

32Segundo, como consequência das expressivas diferenças de escolaridade entre as áreas urbanas e rurais, há também distintos estágios de evolução dos níveis de escolaridade em cada uma dessas áreas. Por exemplo, nos anos 90 houve um expressivo incremento da participação de pessoas com 2º grau de escolaridade nas áreas urbanas. Nas áreas rurais, a principal mudança observada nesta década foi a maior participação das pessoas com 1º grau de escolaridade. Por sua vez, nos anos 2000, cresceu, sobretudo, a participação das pessoas com 3º grau de escolaridade nas áreas urbanas. Nas áreas rurais o destaque foi o crescimento da participação das pessoas com 2º grau de escolaridade. Em outras palavras, embora as transformações nos níveis de escolaridade das áreas rurais acompanhem aquelas observadas nas áreas urbanas, há uma expressiva defasagem temporal entre essas dinâmicas.

  • 5 A taxa de atendimento escolar é o percentual da população em uma determinada faixa etária que freqü (...)

33Os avanços nos níveis de escolaridade da população adulta refletem as mudanças substanciais observadas nas taxas de atendimento escolar da população jovem nos anos 90 e 20005. O percentual de jovens entre 7 e 17 anos matriculados no ensino fundamental ou médio subiu de maneira expressiva entre 1991 e 2010 (Figura 8). O resultado mais impressionante é, entretanto, a aproximação das taxas de atendimento escolar nas áreas rurais e urbanas, sobretudo para jovens entre 12 e 14 anos de idade. Nesta faixa etária, os percentuais de atendimento escolar são superiores a 90% e a diferença entre os residentes rurais e urbanos não ultrapassa 3 pontos percentuais.

Figura 8 – Percentual de matriculados no ensino fundamental ou médio segundo idade e situação do domicílio – Brasil 1991 e 2010

Figura 8 – Percentual de matriculados no ensino fundamental ou médio segundo idade e situação do domicílio – Brasil 1991 e 2010

Fonte: Censo Demográficos 1991 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria

34É fato que a recente redução do ritmo de crescimento da população jovem representa um alívio ao sistema de ensino. Entretanto, o expressivo crescimento das taxas de atendimento escolar só pode ser explicado pela rápida expansão das matrículas nos ensinos fundamental e médio, em um período de crescimento ainda intenso da população em idade escolar (Rigotti, 2001). No conjunto da população entre 7 e 17 anos, a taxa de atendimento escolar passou de 52% em 1991 para 85% em 2010 nas áreas rurais, e de 80% para 89% nas áreas urbanas. Mesmo nas áreas rurais, onde a população reduziu no período, o número de jovens entre 7 e 17 anos matriculados nos ensinos fundamental ou médio cresceu em aproximadamente 600 mil, de 5,2 milhões em 1991 para 5,8 milhões em 2010.

35A distribuição espacial das taxas de atendimento escolar dos residentes rurais (Figura 9) destaca outras peculiaridades do avanço educacional no território. Apesar de não haver mudanças substanciais na densidade da população jovem rural, houve um expressivo progresso nos percentuais de atendimento escolar em praticamente todo o território. Houve também uma relativa convergência das taxas entre as áreas rurais mais e menos desenvolvidas do território, refletindo a quase universalização do ensino fundamental e médio no país. Em 1991, pouquíssimas áreas rurais apresentavam taxas de atendimento superior a 70%, notadamente no oeste dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 2010, taxas de atendimento superiores a 85% eram observadas em praticamente todo o território. Taxas inferiores a 70% limitavam-se, sobretudo, à região Norte. Políticas sociais de transferência condicional de renda, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família, teriam contribuído para essa dinâmica, reduzindo a repetência, a evasão e, consequentemente, aumentando o atendimento escolar (Glewwe & Kassouf, 2012).

Figura 7 – Mapa de densidade para taxa de atendimento escolar (%) e número de pessoas entre 7 e 17 anos matrículadas no ensino fundalmental ou médio (pontos) – Microrregiões Rurais Brasileiras, 1991 e 2010

Figura 7 – Mapa de densidade para taxa de atendimento escolar (%) e número de pessoas entre 7 e 17 anos matrículadas no ensino fundalmental ou médio (pontos) – Microrregiões Rurais Brasileiras, 1991 e 2010

Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.

A família do novo rural

36Finalmente, deve-se considerar que todas essas mudanças demográficas também implicaram em transformações nas formas de inserção dos integrantes familiares no mercado de trabalho e na sociedade. Por exemplo, ao mesmo tempo que a redução da taxa de fecundidade reduziu a razão de dependência na família, também reduziu a disponibilidade de mão de obra para a atividade agrícola. As informações presentes na Figura 10 sintetizam essas mudanças, classificando os membros do domicílio segundo as seguintes condições socioeconômicas: aposentado (adulto ou idoso que recebe rendimentos de aposentadorias ou pensões públicas), adulto ou idoso economicamente ativo (18 anos ou mais de idade que trabalha ou procura emprego e não é aposentado); adulto ou idoso inativo (18 anos ou mais de idade que não trabalha, nem procura emprego, nem é aposentado); jovem economicamente ativo (17 anos ou menos de idade que trabalha ou procura emprego); jovem inativo (17 anos ou menos que não trabalha, nem procura emprego).

37Primeiro, a queda da fecundidade implicou em expressiva redução no numero médio de jovens inativos por domicílio: de 1,45 em 1991 para 0,87 em 2010 nas áreas urbanas (queda de 40%) e de 1,97 para 1,19 nas áreas rurais (queda de 39%). Também caiu o número de jovens economicamente ativos, embora esses sejam quase que inexpressivos na estrutura familiar. Como destacado anteriormente, um benefício imediato da redução do número de jovens inativos é o aumento da renda per capita familiar. Por outro lado, pode implicar em sérias limitações para a reprodução da população e da atividade econômica, sobretudo nas pequenas unidades produtivas familiares.

38Esta última hipótese –de restrição à reprodução da atividade econômica das pequenas unidades familiares tradicionalmente intensivas em mão de obra— não parece estar se verificando, uma vez que as informações disponíveis sobre a evolução da produção familiar indicam crescimento desde que os dados passaram a ser contabilizados, no Censo Agropecuário de 1995/96. O crescimento da produção, apesar da redução do tamanho da família, reflete dois fatores: de um lado, a elevada subocupação que sempre caracterizou o meio rural, de outro, a forte presença de políticas de apoio à agricultura familiar –o Pronaf— que vem promovendo uma “modernização técnica” e elevação da produtividade do trabalho também neste segmento.

39Esse cenário fica mais evidente analisando a dinâmica do número médio de adultos e idosos economicamente ativos por domicílio rural. Houve uma queda expressiva, de 1,37 membro por domicílio em 1991 para 1,08 em 2010. Em outras palavras, o número médio de membros que contribuem para a atividade econômica no domicílio rural reduziu em 21%. Sobretudo, jovens adultos que, ao alcançarem um nível intermediário de escolaridade, migram para as áreas urbanas em busca de melhores oportunidades de trabalho. Como consequência, as famílias ficaram menores, agora caracterizadas por um adulto contribuindo para a atividade econômica, um adulto inativo (usualmente a esposa, responsável pelos atividades domiciliares) e um jovem ainda em idade escolar. As perspectivas de sucessão da atividade produtiva familiar ficam mais estreitas, com maior probabilidade de o único sucessor finalizar o ensino básico e migrar para as atividades urbanas melhor remuneradas.

40Outro aspecto relevante da dinâmica domiciliar, sobretudo nas áreas rurais, é o expressivo crescimento do número médio de pessoas com rendimentos de aposentadorias e pensões públicas. Nas áreas rurais, quase que dobrou o número médio de aposentados ou pensionistas (de 0,25 membro por domicílio em 1991 para 0,46 em 2010). Este resultado reflete as importantes mudanças implementadas no sistema de aposentadoria rural na Constituição de 1988, que ampliou a expansão dos benefícios e favoreceu principalmente as populações mais pobres do país (Maia, 2010).

Figura 10 – Número médio de pessoas no domicílio segundo condição econômica e situação do domicílio, Brasil

Urbano

Rural

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria

41Há ainda diferenças relevantes das características das famílias rurais nas grandes regiões. Em virtude do estágio de transição demográfica, as famílias são maiores nas regiões menos desenvolvidas, notadamente Norte (4,31 pessoas por domicílio em 2010) e Nordeste (3,81). Apesar do maior número de membros por domicílio, essas regiões apresentam os menores números de adultos e idosos contribuindo para a atividade produtiva, reflexo do mercado de trabalho agrícola pouco dinâmico. No Nordeste, a alta inatividade no domicílio é compensada, pelo menos parcialmente, pelo elevado número médio de aposentados: quase um para cada dois domicílios. Por outro lado, apesar de os domicílios rurais das regiões mais desenvolvidas, Sul, Sudeste e Centro Oeste, apresentarem menor número de integrantes, possuem em média mais adultos contribuindo para a atividade econômica (mais de 1,15 por domicílio). Nas regiões Sul e Sudeste, o número médio de aposentadores por domicílios também é elevado (0,58 e 0,45, respectivamente), contribuindo para aumentar o rendimento domiciliar per capita e reduzir os índices de pobreza.

Figura 11 – Número médio de pessoas no domicílio segundo condição econômica, região e situação do domicílio – Brasil, 1991, 2000 e 2010

Figura 11 – Número médio de pessoas no domicílio segundo condição econômica, região e situação do domicílio – Brasil, 1991, 2000 e 2010

Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria

Considerações finais

42A primeira questão que surge na análise da dinâmica demográfica rural é a própria definição de espaço rural. Neste trabalho, as análises basearam-se na classificação estabelecida pelo IBGE, que considera como rural as áreas externas ao perímetro urbano das sedes municipais ou distritais e também externas às áreas urbanas isoladas definidas por Lei Municipal (IBGE, 2010). Uma limitação desta classificação é que as estimativas das populações urbanas e rurais acabam influenciadas pela delimitação administrativa dos poderes públicos locais, muitas vezes dissociadas das características estruturais ou funcionais do território. Também podem ser afetadas pelo processo de emancipação municipal, que, ao criar novas sedes municipais, transforma muitas vezes uma população antes rural em urbana. Critérios alternativos são propostos na literatura nacional, por exemplo, considerando como rurais os residentes de municípios que apresentem pouca população, baixa densidade e não pertençam a grandes aglomerações metropolitanas (Veiga, 2005). Apesar de prezar pela simplicidade analítica, esta definição também implicaria em limitações na análise da dinâmica demográfica, uma vez que inviabilizaria a captação de fluxos de mobilidade intra-municipais.

43Em que pese as limitações impostas pelo critério de classificação, os resultados apresentados neste trabalho indicam importantes mudanças no padrão e dinâmica das famílias residentes em domicílios denominados rurais e urbanos. Primeiro, destaca-se o fato de que, embora a população rural tenha reduzido em ritmo acelerado nos anos 90 e 2000, o número de domicílios rurais apresentou ligeiro crescimento no mesmo período. Essas dinâmicas opostas estão associadas a importantes mudanças no interior das famílias brasileiras, que passaram a ser menores e com membros familiares mais velhos. Como destacam Sakamoto e Maia (2013), reduziu a participação de famílias nucleares (constituída por casais com filhos) e aumentou, sobretudo, a participação, de casais sem filhos. Embora relevante para compreender esta dinâmica, a queda da fecundidade não é única responsável pela redução do número médio de membros familiares. A persistência do histórico êxodo da população rural para as áreas urbanas mais desenvolvidas é um importante fator a ser considerado.

44Como as informações do censo demográfico não permitem um acompanhamento direto dos fluxos entre áreas urbanas e rurais, não é possível uma mensuração exata deste saldo líquido migratório. Entretanto, estimativas indiretas podem ser obtidas a partir das tendências de crescimento de determinados grupos populacionais. Por exemplo, a menor participação relativa de jovens entre 20 e 29 anos na estrutura etária da população rural sugere um fluxo de jovens em busca de melhores oportunidade de emprego e renda nos centros urbanos. Há ainda uma sub-participação das mulheres não áreas rurais, já que essas, por inúmeros fatores, são mais propensas a migrar das áreas rurais para as áreas urbanas. A escolaridade das pessoas é outro importante determinante do êxodo rural, já que a obtenção de um diploma de segundo ou terceiro grau aumentaria as chances de a pessoa obter melhores oportunidades ocupacionais nos centros mais desenvolvidos. Deve-se recordar que nas áreas rurais a oferta de empregos qualificados e de elevada remuneração é restrita –em muitas até mesmo inexistente.

45Todos os indicadores analisados neste trabalho sinalizam para a persistência do êxodo rural, embora também sugiram um tênue arrefecimento da tendência nos anos 2000. A família rural, que em 1991 caracterizava-se por um casal com dois filhos, agora caracteriza-se por um casal com um filho em idade escolar. Se persistirem as tendências observadas nas últimas décadas, há ainda uma grande probabilidade de este jovem alcançar níveis mais elevados de escolaridade que seus pais e obter um emprego melhor remunerado no setor de serviços das áreas urbanas. Por outro lado, tem aumentado expressivamete a participação de idosos com rendimentos de aposentadorias nas áreas rurais. Resultado da política de garantia de direitos sociais aos trabalhadores rurais da Constituição de 1988.

46De maneira geral, os ganhos de produtividade da atividade agrícola observados nas últimas décadas atenuaram os impactos da redução da oferta de mão de obra no setor, como a maior valorização dos salários na agricultura e os limites ao crescimento da produção. Entretanto, a dinâmica demográfica nas áreas rurais coloca sérias questões sobre sustentabilidade da atividade agrícola em médio e longo prazo, sobretudo para as mais vulneráveis pequenas unidades produtivas familiares, nos moldes tradicionais. A tendência é a da persistência dessa dinâmica, sobretudo no médio prazo, já que mudanças na dinâmica populacional costumam levar tempo para ocorrer. Este tempo de maturação do esvaziamento oferece oportunidade para a política pública intervir de forma virtuosa neste processo, em duas direções: de um lado, organizando-o tanto no sentido de criar as condições para a reprodução da unidade familiar como sustentar o crescimento da produção agropecuária em um ambiente de restrição na oferta de mão de obra; de outro lado, qualificando a mão de obra rural, em particular os jovens, para tomar a decisão sobre migrar ou ficar, e leva-la adiante com maior probabilidade de sucesso.

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Bibliographie

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Notes

1 Ver, por exemplo, os trabalhos de Camararo & Abramovay (1999) e Brito (2006).

2 Estimativa que considera apenas os residentes em domicílios particulares. Segundo a definição do IBGE (2010), o domicílio particular é aquele que foi construído a fim de servir para habitação, seja de forma exclusiva (particular permanente) ou não (particular improvisado) e que, na data de referência, tinha a finalidade de servir de moradia a uma ou mais pessoas. Adicionalmente, o IBGE também considera em suas pesquisas os domicílios coletivos, instituições ou estabelecimentos onde a relação entre as pessoas esteja restrita a normas de subordinação administrativa (asilos, orfanatos, alojamentos, presídios, entre outros).

3 Apesar de o Índice de Envelhecimento ser usualmente calculado pela razão entre a população com 65 anos ou mais de idade e a população com 14 anos ou menos de idade, este trabalho adotou como referência a população com 17 anos ou menos de idade por praticidade analítica, uma vez que este grupo jovem será também referência para análise da população em idade escolar.

4 Por exemplo, segundo dados do Censo Demográfico de 2010, a população de recém nascidos (zero anos de idade) era de 1,390 milhões de crianças do sexo masculino e 1,339 milhões do sexo feminino.

5 A taxa de atendimento escolar é o percentual da população em uma determinada faixa etária que freqüenta escola (Jannuzzi, 2001). Em geral, considera-se a faixa etária de 7 a 14 adequada para se cursar o ensino fundamental e de 15 a 17 para o ensino médio.

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Table des illustrations

Titre Figura 1 – Mapa de densidade para o percentual (cores) e número (pontos) de residentes rurais – Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010
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Crédits Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.
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Titre Figura 2 – Mapa de densidade para o Razão Interncensitária de Sobrevivência (RIS) e diferença no número (pontos) de residentes rurais entre dois censos demográficos – Microrregiões Brasileiras 1991 e 2010
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Crédits Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.
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Titre Figura 3 – Razão Intercensitária (RIS) segundo idade e situação do domicílio - Brasil 1991, 2000 e 2010
Crédits Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos.Elaboração Própria
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Crédits Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria.
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Titre Figura 5 – Mapa com distribuição do índice de envelhecimento (%) 1 da população rural– Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010
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Crédits 1 Razão entre a população com 65 anos ou mais e a população com 17 anos ou menos Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.
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Titre Figura 6 – Razão entre população masculina e feminina segundo idade e situação censitária – Brasil 1991 e 2010
Crédits Fonte: Censo Demográficos 1991 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria
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Titre Figura 7 – Mapa com distribuição da razão entre a população rural masculina e femininanas áreas rurais –Microrregiões Brasileiras, 1991 e 2010
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Crédits Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.
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Titre Figura 8 – Percentual de matriculados no ensino fundamental ou médio segundo idade e situação do domicílio – Brasil 1991 e 2010
Crédits Fonte: Censo Demográficos 1991 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria
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Titre Figura 7 – Mapa de densidade para taxa de atendimento escolar (%) e número de pessoas entre 7 e 17 anos matrículadas no ensino fundalmental ou médio (pontos) – Microrregiões Rurais Brasileiras, 1991 e 2010
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Crédits Fonte: Microdados dos Censos Demográficos 1991 e 2010. Elaboração própria com Philcarto.
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Titre Figura 11 – Número médio de pessoas no domicílio segundo condição econômica, região e situação do domicílio – Brasil, 1991, 2000 e 2010
Crédits Fonte: Censo Demográficos 1991, 2000 e 2010. Exclusive residentes em domicílios coletivos. Elaboração própria
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Pour citer cet article

Référence électronique

Alexandre Gori Maia et Antonio Marcio Buainain, « O novo mapa da população rural brasileira »Confins [En ligne], 25 | 2015, mis en ligne le 19 novembre 2015, consulté le 07 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/10548 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.10548

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Alexandre Gori Maia

Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), gori@eco.unicamp.br

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