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O boom do dendê na microrregião de Tomé-Açu, na Amazônia paraense

L´essor de la palme à huile dans la micro-région amazonienne de Tomé Açu, Pará
The oil palm boom in the brazilian amazon region of Tomé-Açu, Pará.
João Santos Nahum et Cleison Bastos dos Santos

Résumés

Cet article se concentre sur l´espace agraire de la micro-région de Tomé-Açu, État du Pará, en Amazonie. On met en relief les conditions politiques qui ont permit l´essor de l´huile de palme dans cette partie de l´Amazonie, la nouvelle signification des usages du territoire dans ces lieux, surtout dans la configuration spatiale e et la dynamique sociale, ainsi que la formation du circuit spatial de cette production. On part de l'usage du territoire, puisque l'on considère comme indissociables l'espace et ses usages, ce qui nous permet de comprendre la culture de la palme à huile comme un événement et affirmer que l'on est dans une période où se forment des circuits spatiaux. Au-delà des références bibliographiques, on a basé sur la recherche sur des interviews, récolté de donnés primaires et secondaires et mené des travaux de terrain dans les municipes concernés par ce processus.

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Amazon, territory, peasant, oil palm

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Amazônia, território, agricultor familiar, dendeicultura
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Crédits : Hervé Théry

Artigo fruto do projeto de pesquisa Dendeicultura, comunidades tradicionais e segurança alimentar na Amazônia paraense, contando com apoio do CNPq, por meio do edital de Apoio a Projetos de Pesquisa / Chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas

1Na década de 2004 a 2013 a Amazônia paraense conhece o boom do dendê (Elaeis guineensis Jacq.). Neste intervalo a produção de óleo, segundo dados da FAOSTAT(http://faostat3.fao.org/​home/​E), salta de 142 mil/ton para 340 mil/ton. Aceitando-se uma produtividade média de óleo entre 4 a 5 toneladas por hectares (SILVA, 2006), passamos de 35,5 mil/ha para 85 mil/ha. Em 2004 cultivados pela Agropalma, Marborges, Dentaua e Palmasa restringiam-se aos municípios de Moju, Acará, Tailândia, Santo Antônio do Tauá e Igarapé-Açu, nos dez anos seguinte Biopalma, Petrobras/Biocombustível, Belém Bioenergia, ADM (Archer Daniels Midland Company), dentre outras empresas, passam também a produzir o cultivo nos municípios de Baião, Abaetetuba, São Miguel do Guamá, sendo Tomé-Açu e Concórdia do Pará as grandes frentes de expansão da cultura. A agricultura familiar do dendê antes resumiam-se aos experimentos do Grupo Agropalma, expandindo-se na década seguinte, de modo que podemos encontrar projetos de agricultura familiar por muitas empresas.

2O cultivo do dendê constitui um evento, pois reorganiza a paisagem, a configuração territorial, a dinâmica social, enfim o espaço geográfico ou território usado (NAHUM; BASTOS, 2014). Evento possibilitado por pesquisas tecnológicas acerca das condições edafoclimáticas necessárias e propícias a sua produção em grande escala; por um conjunto de políticas de Estado que presidem, sustentam e estruturam a difusão e utilização dessa monocultura; por fim, pelo crescente consumo dos óleos do dendê na indústria de alimentos, cosméticos e de sua biomassa na composição do biodiesel.

3Analisamos o boom do dendê tendo como ponto de partida e proposição metodológica o território usado, isto é a área e seus usos (GOTMMAN, 1973; SACK, SANTOS; SILVEIRA, 2001). Isso nos permite passar do nível da contemplação paisagística da distribuição dos plantios e plantas industriais para investigar a produção do espaço, adentrando nos meandros de sua interlocução com a esfera política, e, assim, descortinar as relações de dominação e subordinação no arranjo espacial; por que e como isso se reproduz, em suma, ressaltar os diferentes, desiguais e contraditórios usos do território pelos grupos e classes sociais. Desse modo, o território usado nos ajuda a compreender a produção e reprodução das bases materiais e imateriais das classes sociais no espaço.

4Para tanto, revisitamos literatura e legislação concernente ao tema, bem como mapeamos as áreas de plantação de dendê na microrregião de Tomé-Açu. Mas isso seria insuficiente sem intenso trabalho de campo, que além de coletar dados primários, permitiu-nos visualizar o cenário dos lugares e da dendeicultura antes de 2004 e desde então sua expansão, pontuar as modificações nos usos da terra e da força de trabalho, isto é no território usado. Perguntávamos apenas como era o lugar antes do dendê, como essa atividade chegou e que mudanças significativas podem ser identificadas. Assim, passamos além dos números acerca da rentabilidade econômica, produtividade, mercado consumidor, balanço energético (FURLAN JÚNIOR, et al 2006), dentre outras variáveis que explicam e justificam porque o consumo de derivados do dendê cresce na indústria de alimentos e cosméticos, seus principais destinos, mas sem se perguntar sobre a reorganização espacial inerente a esse processo (RIVAL, LEVANG 2014; SHEIL, et al 2009; RUEDA-ZÁRATE, 2015; WWF, 2013).

5Realizamos trabalho de campo nas empresas Marborges, Biopalma, Agropalma, Petrobrás Biocombustível e Dentaua, envolvendo o espaço agrário dos municípios de Moju, Acará, Tailândia, Concórdia do Pará, Tomé-Açu e Santo Antônio do Tauá, onde entrevistamos agricultores produtores de dendê, representantes das associações das comunidades e das empresas integradas a cadeia produtiva, bem como a EMATER, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Secretaria de Agricultura. A todos nosso profundo agradecimento por nos receberem e dialogarem conosco.

Políticas para o dendê

6A utilização do dendê para biodiesel constitui um dos momentos mais enigmáticos de reprodução do capital no espaço agrário na Amazônia paraense, posto que reedita fatos e discursos típicos do ufanismo do I PDA (1972-74), que representava a região como fronteira agrícola e atraía o capital financeiro de bancos e multinacionais do setor automobilístico para o meio rural (NAHUM, 2012). Enigmático, pois sob o discurso de dendê para o biodiesel cresceu a área plantada, a produção de óleo, o número de empresas no setor, projetos de agricultura familiar e municípios que integram esta cadeia produtiva. Mas, de acordo com os dados de 2008 a 2015 do boletim mensal da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), nos 83 boletins examinados, o percentual de dendê na composição do biodiesel nunca ultrapassou 1% do total dos 5% de combustíveis não fósseis.

7A tabela 1, a partir dos dados publicados pela ANP, expõe a média anual de participação de óleo de palma na composição do biodiesel. Em 2008, não encontramos dendê na composição do biodiesel produzido no Brasil; no ano seguinte, em 2009, essa matéria prima contribuiu com 0,36%; em 2010, com 0,33%; em 2011; com 0,32%; em 2012, com 0,71%. Em 2013, registrou-se o maior percentual do óleo de dendê na composição da produção de biodiesel, 1%; no ano seguinte, o percentual decaiu para 0,06%. Em 2015, segundo os dados do boletim dos meses de janeiro a agosto do mesmo ano, o óleo de palma contribuiu com 0,13%.

Tabela 1: Percentual médio de Óleo de Palma na composição do Biodiesel produzido no Brasil (2008 a 2015).

Ano

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Percentual (%)

0%

0,36%

0,33%

0,32%

0,71%

1%

0,06%

0,13%

Fonte: Boletins Mensais da ANP 2008-2015. Organizados pelos autores.

8O discurso do dendê para o biodiesel lembra-nos a ideologia da fronteira agrícola, que ressaltava o espaço vazio e os incentivos para torná-lo economicamente rentável. Os número acima evidenciam que as motivações da expansão não estão no uso do dendê para o biodiesel, que é tão somente um discurso incoerente com os dados da ANP. Mas isso é objeto de reflexão de outro texto.

9Na Amazônia paraense, o estímulo ao cultivo sustenta-se em políticas de estado que atendem anseios do setor privado, sobretudo aqueles expressos em Políticas Públicas na Agroindústria do dendê na Visão do Produtor (VEIGA, FURLAN JÚNIOR, KALTNER, 2005), onde caracterizam-se as versatilidades econômicas desta cultura “que se presta não somente como matéria-prima para a indústria de alimentos como também na óleo-química, onde é utilizado em produtos de beleza e higiene; lubrificantes; sabões; detergentes e muitos outros (...) a alta produtividade faz da cultura do dendezeiro um candidato ideal para produção do biodiesel”(VEIGA, FURLAN JR, KALTNER, 2005. pp.10-11); aponta-se que na Amazônia “pelo menos 70 milhões de hectares [Acre, 2,5; Amapá, 0,5; Amazonas, 54; Pará, 5,0; Rondônia, 2,0; Roraima, 4,0; Tocantins, 1,0 (...) dispunham de condições agroecológicas adequadas para o estabelecimento da palma” (Idem, p.12); expõe-se a situação da cultura do dendezeiro no Brasil, caracterizando seu enorme potencial (Idem, p.13).

10Em seguida elenca fatores limitantes como legislação ambiental, trabalhista, carga tributária, custo amazônico. Compreendem que “a legislação ambiental restritiva e equivocada, as vezes frontalmente oposta à expansão da agroindústria da palma, obrigando ao empresário rural a ser, antes de tudo, um guarda florestal, uma vez que deve preservar e cuidar da floresta nativa em 80% de sua área” (Idem, p.16). Esse percentual foi retificado pelo novo código florestal Lei nº 12.651/12. Desde então, na Amazônia Legal, o guarda florestal terá seu trabalho reduzido se o estado realizar o Zoneamento Ecológico-Econômico. Segundo o inciso I do Art. 13, poderá reduzir para até 50% (cinquenta por cento) da propriedade, excluídas as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos e os corredores ecológicos (BRASIL, 2012).

11VEIGA, FURLAN JUNIOR, KALTNER (2005) indicam como fator limitante ao desenvolvimento do dendê, a ausência do Zoneamento Agroecológico – ZAE da Cultura da Palma de Óleo. Limitação removida quando o decreto nº 7.172, de 7 de maio de 2010 aprova o zoneamento e dispõe sobre o estabelecimento pelo conselho monetário nacional de normas referentes às operações de financiamento ao segmento da palma de óleo. Igualmente amparado no projeto de lei da câmara, nº 119 de 2013, que versa sobre a criação do Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma no Brasil, estabelece diretrizes para o ZAE e dá outras providências.

12Em relação as limitações vistas na legislação trabalhista, pode-se dizer que esta deixa de ser objeto de preocupação de muitas empresas, que mantêm nos seus quadros funcionários de comando e gestão. Terceirizam serviços de campo, transporte de funcionários dos setores técnico/administrativo/fabril, transportes dos CFF (Cachos Frutos Frescos), bem como serviços de caminhões tanques e as balsas para o transporte do óleo de palma que trafegam pelo rio Moju e Acará, alimentação de funcionários dos setores campo/técnico/administrativo/fabril e os serviços de segurança.

13Em entrevistas com trabalhadores em Tomé-Açu, em outubro de 2015 ouvimos que “a terceirizada [que presta serviço para a Biopalma] fornece equipamentos de segurança de péssima qualidade, raramente novos. Mas o pior é quando elas somem sem depositar nossos direitos trabalhistas” (Entrevistado 1). Isso também ouvimos quando entrevistamos representantes do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tomé-Açu, que se mostraram preocupados, pois “temos uma quantidade de trabalhadores que recorrem ao sindicato para receber na justiça seus direitos, porque muitas empresas declaram falência, mas antes mudam de endereço e razão social, o que torna difícil responsabilizá-las diante do poder público” (Entrevistado 2).

14Além dos obstáculos ambientais e trabalhistas, VEIGA, FURLAN JR, KALTNER (2005, p.17) reclamam do “custo Amazônico, isto é, falta de infraestrutura básica e de apoio nas regiões distantes das cidades”. Mas, realizando-se a configuração espacial prevista pelo Programa de Óleo de Palma do Pará, onde se prevê construir 676, 27 quilômetros de rodovias, distribuídas pela PA 252, PA 256 e PA 124; seis pontes, abrangendo 1.949,88m e cinco portos, provavelmente, a cadeia produtiva do dendê terá mais fluidez e menos custos.

15 O Estado cria reserva de mercado por meio da Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que estabelece a obrigatoriedade da adição de um percentual de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor, em qualquer parte do território nacional. O percentual obrigatório em 2012 alcançou 5%, havendo um percentual intermediário de 2% três anos após a publicação da mesma. Sendo que,

Desde 1º de novembro de 2014, o óleo diesel comercializado em todo o Brasil contém 7% de biodiesel. Esta regra foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que aumentou de 5% para 7% o percentual obrigatório de mistura de biodiesel ao óleo diesel. O Brasil está entre os maiores produtores e consumidores de biodiesel do mundo, com uma produção anual, em 2013, de 2,9 bilhões de litros e uma capacidade instalada, no mesmo ano, para cerca de 7,9 bilhões de litros (ANP, 2014).

16Em 2004, antes do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel e do Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, o Grupo Agropalma praticamente monopolizava a cadeia produtiva do dendê na microrregião de Tomé-Açu e seus produtos destinavam-se à indústria de alimentos. A partir destas políticas de estado, sobretudo com o apoio do Decreto nº 7.172, de 7 de maio de 2010, que aprova o ZAE, a BIOPALMA, a PBIO, a portuguesa GALP Energia, a ADM (Archer Daniels Midland Company) dentre outras também cultivam dendê na região. Isso porque o anexo do decreto mostra que 23.276,73 km² de área preferencial para o cultivo da palma, distribuídos por 53 munícipios, e 69.999,88 km² de área regular, distribuídos por 66 municípios (BRASIL, 2010).

17Cultivo precedido pelo aquecimento no mercado de terras nos municípios da mesorregião do Nordeste Paraense, pois, segundo o Art. 4º do Programa “Fica vedada, a partir da vigência desta Lei, a supressão, em todo o território nacional, de vegetação nativa para a expansão do plantio de palma de óleo”. Segundo o decreto 7.172 de 07 de maio de 2010, nos municípios da microrregião Tomé-Açu encontramos 395.120,88 ha preferencias e 112.5211,68 ha regulares para o cultivo do dendê.

Os territórios-rede do dendê

18Na segunda década do século XXI, multinacionais como a Vale e a Petrobrás, que, historicamente, tem seu foco em setores não-agrícolas, orientam recursos técnicos, humanos e financeiros para produção de óleo de dendê, edificando empresas como BIOPALMA e Petrobrás-Biocombustíveis/GALP. Políticos, empresários e comerciantes regionalmente conhecidos promoveram varredura fundiária em busca de imóveis rurais potencialmente qualificados para o cultivo (NAHUM; MALCHER, 2012). Fazendas agropecuárias, sítios, chácaras, produtivos ou não, foram negociados, impulsionando o capital especulativo alicerçado na terra.

19Trata-se de áreas antropizadas até 2007, pois antes a microrregião de Tomé-Açu conheceu outros produtos e atividades em função das quais reproduziu a dimensão espacial da vida cotidiana. A extração de madeira, pecuária extensiva, a cultura da pimenta, da mandioca, a policultura de frutas, dentre outras, possibilitara aos municípios ter na agropecuária um forte setor de seu produto interno bruto, sempre associadas ao forte setor de serviços e ao fraco setor industrial, somados aos impostos e fundo de participação municipal, compunham o PIB (HOMMA, MENEZES, MORAES, 2014; REBELLO, SANTOS, HOMMA, 2004; ALMEIDA, 2015).

20Isso é ressaltado no estudo de Almeida (2015), que analisa as trajetórias na cobertura vegetal e no uso da terra na microrregião de Tomé-Açu, principalmente nos municípios de Tailândia, Acará e Moju que são, respectivamente, os principais produtores de dendê do estado do Pará (IBGE, 2014). A metodologia usada pela autora focou uma área, que denominou de região do Moju, em função da presença do cultivo de palma de óleo; e, da intensa fragmentação. A análise multitemporal da área abrangeu o período de 1991-2013, portanto, num intervalo de 22 anos. Por meio de classificação e análise de imagem de satélite o estudo constatou que durante esse período houve mudanças significativas na cobertura vegetal e uso da terra nesta região. O trabalho revelou o intenso processo de conversão da floresta primária (FP), floresta degradada (FD), floresta secundária (FS), agropecuária (AG) para áreas com cultura de palma de óleo (OP) foi a seguinte:

21a trajetória de FP-OP contabilizou 12% de conversão no período de 1991 a 2001 e a trajetória FP-AG-OP obteve 8% no período de 1991, 2001 e 2005, respectivamente. Outras trajetórias relevantes foram AG-OP (6%) no período de 1991 a 2001 e OP-OP (7%), este último se caracteriza pela permanência do dendezeiro no período de 1991 a 2003 (ALMEIDA, 2015, p. 44).

22No entanto, se levarmos em conta apenas os percentuais das trajetórias para OP referente à área de detalhe de 680,00 km no período de 1991 a 2013 a partir das classes FP, OP e AG, entre 1991 a 2013, na referida região teremos o seguinte resultado.

23A primeira trajetória apresentou 66% de FP (1995) sendo convertida para AG (2001) e logo em seguida para OP (2010). Outra trajetória expressiva foi a conversão de 23% de FP em 2001 para AG em 2005 e em seguida para OP em 2010. Somente duas trajetórias tiveram valores inferiores a 2%. Ressaltando que 100% das trajetórias são provenientes de FP. Esse comportamento da área de detalhe caracteriza trajetórias no início do processo de implantação da palma de óleo no Pará (ALMEIDA, 2015, p. 45).

24O zoneamento reedita a ideia de espaço vazio e a ideologia da fronteira, tal como descritos em (NAHUM, 2012), criando condições para que empresas adquiram terras para dendeicultura. O boom do dendê aprofunda a histórica concentração de terra, que se tornou assunto esquecido, sufocado pelo discurso do desenvolvimento territorial rural, da geração de emprego e renda, da inclusão social, da recuperação de áreas degradadas pela pecuária. Na contabilidade das vantagens comparativas a concentração de terra aparece como um mal necessário e menor.

25O Cadastro Ambiental Rural(CAR) da Secretaria de Meio Ambiente do estado do Pará, permite-nos verificar, por exemplo, dados de propriedades em nome da BIOPALMA. Segundo o CAR das 111 propriedades em nome da empresa (tabela 2) 92 são declaradas fazendas; 10 sítios e 9 propriedades particulares. Indicando que a expansão da dendeicultura no nordeste paraense promove mudanças no uso da terra e, por conseguinte, nas formas de trabalho.

Tabela 2- Propriedades da empresa Biopalma no nordeste paraense

Tabela 2- Propriedades da empresa Biopalma no nordeste paraense

Fonte: http://monitoramento.sema.pa.gov.br/​simlam/​index.htm. Acesso 14/10/2015. Dados organizados pelos autores.

26Formam-se territórios-rede do dendê possibilitados por políticas estatais associadas a interesses empresariais (HAESBAERT, 2004; NAHUM, SANTOS, 2013). Políticas que tornaram possível um conjunto de infraestrutura rodoviária, portuária, energética, além de incentivos fiscais que permitiram a densificação da dendeicultura no nordeste paraense, sobretudo, na microrregião de Tomé-Açu. A descontinuidade de plantações e projetos de agricultura familiar é mantida pela unicidade de comando e normas organizacionais, onde cada campo de dendê constitui um ponto na rede, unificados por um comando exógeno. O tamanho e quantidade dos pontos dependem da envergadura e natureza do capital acionado para transformar extensas terras em monoculturas (figura1). Portanto, nem toda empresa tem condições políticas, econômicas e espaciais para construir seu território-rede.

27Em 2015, como ilustra o mapa, essa atividade é desenvolvida pela MARBORGES, cuja sede administrativa, planta industrial e campo principal encontram-se em Moju, além disso, produz dendê em Garrafão do Norte; a AGROPALMA tem plantações no Moju, Acará e Tailândia, núcleo mais antigo e consolidado da dendeicultura no estado, onde encontramos planta industrial, com produção de derivados de óleo de palma, tais como margarina vegetal. Em Belém a empresa mantém uma planta piloto de esterificação de ácidos graxos, é a única empresa que tem certificação da RSPO (Roundtable on Sustainable Palm Oil).

Figura - Dendezal da MARBORGES, Moju. jul.2013.

Figura - Dendezal da MARBORGES, Moju. jul.2013.

Créditos: GDEA.

28O mapa indica que a BBB/PETROBRAS/GALP, a Petrobras Biocombustível e a Galp Energia, por meio da Belém Bioenergia Brasil (BBB), estão presentes nos municípios de Baião, Mocajuba, Cametá, Igarapé-Miri, Abaetetuba, Moju, Tailândia, Acará, Bujaru, Tomé-Açu e Concórdia do Pará. Encontram-se aqui cultivos recentes, frequentemente a partir de 2011/2012/2013/2014, que nascem sob o signo o discurso do biodiesel, há duas usinas esmagadoras em fase de construção nos polos de Tailândia e Tomé-Açu. Mas a BBB objetiva produzir óleo de dendê no Brasil e exportá-lo via Porto do Conde, em Barcarena, para Portugal, onde situa-se a planta industrial da GALP que fará a transformação do óleo bruto em biodiesel. A BBB diferentemente da Agropalma, Marborges e Biopalma não trabalha com plantios próprios, apenas com áreas arrendadas; a ADM(Archer Daniels Midland Company) produz dendê em terras arrendadas nos municípios de São Domingos do Capim, São Miguel do Guamá, Irituia e Mãe do Rio, ainda não dispõem de planta industrial;  a DENTAUA cultiva dendê em Concórdia do Pará e em Santo Antônio do Tauá, onde possui uma planta industrial, que processa os frutos frescos seus e de outras empresas; a Guanfeng Group, cultiva dendê no Moju e Abaetetuba e a PALMASA em Igarapé-Açu.

29A Biopalma, ilustra o mapa, possui plantações distribuídas em quatro polos. O polo Moju que abrange os municípios de Moju, Abaetetuba, Igarapé-Miri e Barcarena; o polo Vera Cruz no município do Acará; o polo Tomé-Açu, em Tomé-Açu e o polo Concórdia do Pará em Concórdia do Pará, Bujaru e São Domingos do Capim. Moju recebeu, em 2012, a primeira das duas unidades previstas pela empresa para o estado. A planta industrial que estava prevista para ser instalada em Tomé-Açu foi transferida para o município de Acará, está em fase de construção. A produção deve ser processada no máximo em 24 horas para se obter óleo com melhores propriedade físico-químicas e alto valor no mercado. Assim, entre as empresas mantem-se redes de solidariedades organizacionais, posto que a produção cresce exponencialmente, mas não é acompanhada na mesma velocidade pela formação de plantas industriais capazes de processar o CFF (Cacho Fruto Fresco). Até 2013 Marborges, Agropalma e DENTAUA eram responsáveis pela totalidade do processamento do fruto, posteriormente a Biopalma inaugura sua planta industrial no município de Moju.

Ressignificações dos lugares.

30O boom do dendê reorganiza a vida cotidiana de comunidades rurais que singularizavam-se pelo envolvimento consigo mesmo, onde as relações sociais eram predominantemente construídas no entorno, alicerçadas em unidades familiares que cultivavam, produziam, criavam e extraíam da terra o necessário para a reprodução de suas vidas; o dinheiro ainda não era o principal mediador das relações de trabalho, prevaleciam laços de solidariedade orgânica e organizacional que alicerçavam mutirões e troca de dias de trabalho.

31Esta dinâmica se estende até a metade do século XX, quando a abertura de estradas emerge sob o comando imperativo da ação estatal para reprodução do capital na Amazônia oriental. Por essas vias transportaram-se pessoas e muitos componentes dos sistemas técnicos que edificaram Tucuruí, Carajás e Albrás/Alunorte, bem como escoam madeira, carvão e gado. Nas suas margens brotaram cidades do campo, agrovilas e muitos projetos de colonização emergiram. Seguindo a densidade, diversidade e intensidade do capital, a abertura de rodovias como BR 153, 158 e BR 222, no sudeste paraense, PA 124, 127, 136 e PA 140, nordeste paraense, reinventaram municípios como Redenção, Santana do Araguaia, Marabá - São Geraldo do Araguaia, Dom Eliseu, Capanema, Igarapé-Açu, Castanhal, dentre outros, tornando-se a principal via de circulação, o que não acontece com municípios como Juruti e Santarém, no oeste paraense, cuja circulação de pessoas, bens e serviços ainda subordina-se ao tempo dos rios e dos transportes hidroviários.

32Em 1979, quando a REASA (Reflorestadora da Amazônia S/A) começa o cultivo do dendê às margens da PA 252, ela ainda não era política de estado, mas exige grandes extensões de terra para formar um arranjo espacial composto de plantios com diferentes idades, áreas de expansão, de reserva, viveiros, estradas e a infraestrutura da agroindústria que, dentre outras, inclui um parque industrial, com máquinas, veículos, equipamentos e habitações para os recursos humanos. A dinâmica dos lugares se altera.

33Em 2009, o simples disse me disse que antecedeu a chegada da BIOPALMA, da Petrobras Biocombustível, da ADM (Archer Daniels Midland Company) nos municípios de Moju, Acará, Tailândia, Tomé-Açu e Concórdia do Pará foi o suficiente para fomentar especulação imobiliária, fluxos de capital e mão de obra, que independentemente de plantarem em área legalmente permitida ou mesmo em terra ilegal, desencadeiam impactos socioambientais.

34O lugar torna-se des-envolvido, subordinado e dependente de comandos exógenos aos locais onde o complexo produtivo do dendê se implanta. Encontramos esse des-envolvimento na vila Forquilha em Tomé-Açu na PA-140 que nos últimos cinco anos se metamorfoseou de comunidade camponesa em comunidade rural, cuja reprodução espacial alicerça-se no circuito inferior da economia criado para atender de modo imediato às demandas dos assalariados das empresas do dendê.

35Em outubro de 2015, durante trabalho de campo neste lugar, percorrendo a parte central, num trecho de aproximadamente dois quilômetros às margens da rodovia (figura 2), nos deparamos com paisagens rurais contendo hotel, dois postos de combustíveis, três lanchonetes, três restaurantes, duas farmácias, duas lojas agrícolas, loja de informática, de material de construção, móveis, de variedades, duas oficinas de moto, depósito de bebidas e um supermercado. Adentrando as ruas transversais contamos mais de trinta conjuntos de quitinetes, isto é, pequenos apartamentos horizontais (quarto, sala, cozinha e banheiro) criadas a partir de 2010 para abrigarem a força de trabalho envolvida direta ou indiretamente nos campos de dendê. Tudo construído a partir da chegada da Biopalma.

Figura 2- Vila Forquilha, Tomé-açu, out.2015.

Figura 2- Vila Forquilha, Tomé-açu, out.2015.

Créditos: GDEA.

36Altera-se a configuração territorial, pavimentam-se estradas e ramais que permitem a entrada e a saída da produção, como a PA 140 e a 150; modifica-se também a dinâmica social, predominando empregado rural, localmente chamado fichado da empresa. Nos campos de Tomé-Açu e Concórdia do Pará observamos no comportamento de empresas terceirizadas práticas de subordinação e dependência comuns aos campos do dendê no Moju, Acará e Tailândia, da década de 1980, quando as primeiras monoculturas de dendê se estabeleceram na região, o que demandava intensa mão de obra, frequentemente fornecida pelos gatos, codinome de pessoas respeitadas localmente capazes de recrutar trabalhadores para as empresas. Entre o gato, a força de trabalho e a empresa desenvolvem-se um conjunto de constrangimentos econômicos manifestados num leque de precarização do trabalho que não respeita as demandas do corpo, tampouco a legislação trabalhista.

37A reprodução espacial dos lugares próximos as monoculturas de dendê, tais como a Forquilha, é alicerçada fundamentalmente em aposentadoria rural, bolsa família, assalariamento rural, servidores públicos, comércio, prestação de serviços, arrendatários, assalariados rurais e agricultores familiares produtores de dendê. Nos territórios do dendê desencadeiam-se processos de descampesinização. Senão vejamos, a BIOPALMA, segundo BASA (2012), tinha por meta plantar 80 mil hectares, sendo 60 mil/ha próprios, praticamente adquiridos, e 20 mil/ha em associação com a agricultura familiar (tabela 3). Abrangendo 2 mil famílias pelos municípios de Abaetetuba, Acará, Concórdia do Pará, Moju e Tomé-Açu.

Tabela 3- Metas da empresa BIOPALMA para a agricultura familiar do dendê

Fonte: Biopalma, 2013

38No entanto, em trabalho de campo em 2013, responsáveis pelo setor na empresa informaram-nos que esta repensou suas metas para agricultura familiar. Segundo nosso entrevistado, neste segmento a empresa deparou-se com dificuldades relacionadas como áreas impróprias para o cultivo, pendências na documentação da terra com o ITERPA(Instituto de Terras do Pará) ou INCRA(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), débitos no BASA(Banco da Amazônia S/A) e Banco do Brasil decorrentes de projetos passados para cultivo de pimenta-do-reino, maracujá e mandioca; problema no Cadastro de Pessoa Física com problemas na Receita Federal e, sobretudo, as inadimplências no SERASA (Centralização de Serviços dos Bancos) e SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Assim, de acordo com este representante da Biopalma a meta da empresa para o final de 2012/2013 era de celebrar 1.700 famílias, num total de 170 mil/ha. Por ocasião da entrevista em novembro de 2013, a empresa tinha apenas 275 projetos aprovados.

39Dois anos depois, nos trabalhos de campo no município de Tomé-Açu, em outubro de 2015, visitamos o escritório da empresa Biopalma na modalidade Agricultura Familiar (Polo Tomé-Açu) e, constatamos que as metas acima também não serão cumpridas. Na tabela 3 que nos foi apresentada em 2013 a meta da empresa para o ano de 2015 era associar ao cultivo de dendê da BIOPALMA 5.000 famílias de agricultores. No entanto, o analista da empresa nos informou que ela conta com apenas 600 famílias integradas, distribuídas pelos 4 polos: Polo Moju, Polo Vera Cruz (Acará), Polo Concórdia e Polo Tomé-Açu, neste último há 126 agricultores produzindo dendê. Número explicado por nosso entrevistado em função dos problemas acima elencadas, acrescido das precárias vicinais de acesso às propriedades, bem como aos atrasos na liberação dos financiamentos. A meta de 2.000 famílias foi novamente revista e, atualmente, a Biopalma tem por finalidade integrar 1.000 famílias, num total de 10 mil hectares.

40Os números decorrem da contabilidade gerencial das empresas, segundo a qual, para ser lucrativo, o empreendimento deve manter o patamar de um trabalhador a cada 10 hectares, ou seja, cada trabalhador e unidade familiar cuidará de 1.430 plantas. Isso torna o trabalho na dendeicultura profundamente exaustivo, pois desde a aquisição e transporte das mudas, preparo de área, plantio, tratos culturais, colheita, transporte até a agroindústria e processamento tudo demanda esforço físico.

41Considerando-se os números do BASA acerca das operações e área financiada para agricultura familiar, as metas de inclusão social de unidades familiares por meio da dendeicultura de energia ainda estão demasiadamente distantes. Segundo os dados fornecidos pelo BASA os contratos do PRONAF no intervalo de 2005 a 2009 abrangiam os municípios de Moju, com 248 contratos, e Tomé-Açu 1, contrato; no período de 31/07/2010 a 31/07/2014 o número de contratos cresce para 1608, bem como amplia-se para 18 os municípios onde temos agricultura familiar.

42A dendeicultura não se sustenta do trabalhador coletivo das unidades familiares. Este contingente é pequeno comparado a quantidade de trabalhadores individuais. Mas é importante componente do discurso de responsabilidade socioambiental, geração de emprego, renda e inclusão social, transformando o tradicional camponês em agricultor familiar associado a dendeicultura.

43A unidade produtiva inserida nos programas de agricultura familiar tem a possibilidade de cultivar dendê consorciado com mandioca, melancia, feijão, por exemplo, mas somente no primeiro ano de plantio da palma, quando as raízes ainda não estão completamente desenvolvidas e permite o plantio de culturas que não são de raízes profundas. Entretanto, provavelmente, lhe faltaria energia física para essas atividades, visto que a mesma foi utilizada no empreendimento do dendê. A pluriatividade característica da unidade familiar camponesa, provavelmente, tende a ceder espaço para a especialização produtiva, predominando o que Bernstein(2011) chama de mercantilização da sobrevivência, ou seja, “[a] mercantilização é o processo pelo qual os elementos de produção e reprodução social são produzidos para troca no mercado e nele obtidos e que os sujeita às suas disciplinas e compulsões.” (BERNSTEIN, 2011, p.125).

44Em trabalho de campo realizado pela turma de geografia da UFPA, em agosto de 2013, nas unidades familiares que plantam dendê associadas à BIOPALMA em Tomé-Açu, os produtores ressaltaram que (entrevistado 3):

o cultivo do dendê é mais uma alternativa de produção boa, pois tem comprador certo. Mas é difícil para uma só pessoa trabalhar os 10 hectares, ele precisa contar com a ajuda de vizinhos amigos. Só ele não dá. Além do que hoje nós compramos muitas coisas do que a gente plantava antes (Informação verbal).

45Noutra entrevista ouvimos as vantagens e dificuldades da associação como relata o entrevistado 4, que trabalha no terreno do sogro de 25 hectares e plantou dendê em 10 hectares,

decidi plantar dendê pela vida prolongada e alta produtividade do dendê que nos primeiros anos é de 3 ton/ha e depois pode chegar a produzir até 5 ton/ha, e também porque o terreno é muito úmido e por isso improdutivo para o plantio da mandioca (Informação verbal).

46O entrevistado 5 menciona que a família deixou de cultivar outras culturas (pimenta e mandioca que produziam antes) para se dedicar ao dendê, ele trabalha sozinho no dendezal e não tem tempo de trabalhar no roçado. “Agora temos que comprar tudo o que antes eles produziam (feijão, arroz, farinha). Até o momento a vida da família não melhorou, mas espero que no futuro melhore, estamos até pensando em voltar a produzir a cultura familiar” (Informação verbal).

47Apesar disso as unidades familiares são atraídas para a dendeicultura, pois as empresas oferecem apoio ao produtor tanto da porteira para dentro quanto da porteira para fora, seja na gestão dos créditos do PRONAF-ECO, na forma de alocação desses recursos para custeio e capital, seja prestando assistência técnica, treinamento, monitoramento, garantia de compra. Apoio que ele nunca conheceu na sua história de vida no campo. Ou melhor, o único apoio decorria do atravessador, responsável por escoar para o mercado produtos do campesinato tradicional. A dendeicultura não precisa da figura do atravessador, historicamente responsável pela circulação e comercialização dos produtos do camponês, visto que a precariedade infraestrutural da estrada, associadas à ausência de linhas regulares de transporte colocam o produtor rural refém dos atravessadores. A empresa torna-se o atravessador, mediador entre o produtor e o mercado.

48As unidades produtivas associadas aos projetos de agricultura familiar não perdem a propriedade jurídica da terra, tampouco as pessoas tornam-se assalariados das empresas; em suma, continuam proprietárias da terra enquanto meio de produção e força produtiva e sua força de trabalho não é vendida à empresa. Porém, quem determina e comanda os usos dessa terra são as empresas; a terra, por meio de contratos entre partes “juridicamente iguais” e em comum acordo, transformou-se em território usado pelo dendê. Igualmente a força de trabalho de todos que adentram os campos é treinada, comandada e utilizada exclusivamente para a cultura da palma africana.

Considerações finais

49Na fronteira amazônica do início do século XXI o cultivo da palma pede uma análise geográfica, cujos traços esboçamos neste texto. Focar na dimensão espacial da sociedade proporciona uma visão da totalidade dos processos, permitindo que se avalie as atividades produtivas para além de sua rentabilidade e produtividade, desvendando metamorfoses da renda da terra em capital por meio da dendeicultura. Ajuda-nos a entender que a geração de emprego e a inclusão de agricultores familiares é um caminho para o desenvolvimento rural, mas não pode ser o único. Sobretudo mostra-nos que as externalidades econômicas são eufemismo para os riscos e impactos socioespaciais inerentes as monoculturas, são o preço da riqueza.

50O espaço agrário contém múltiplas possibilidades, sobretudo se concebido numa perspectiva territorial, consideradas a configuração espacial e as dinâmicas sociais que usam o espaço, territorializando ações. Espaço caracterizado pelo uso da terra, como principal força produtiva e meio de produção, por diferentes e divergentes grupos e classes sociais, uns concebendo-o eminentemente como setor produtivo da economia, outros como lugar singularizado por seu modo de vida, o espaço rural é palco, produto e condicionante de lutas entre classes sociais para territorializar seus interesses, isto é, seus usos do território.

51Em se tratando do espaço amazônico oriental, desconfiamos do boom do dendê que promete sustentabilidade ambiental, rentabilidade econômica, inclusão social de agricultores familiares, soberania e segurança energética e alimentar, sem que se esclareça para quem e como. Trata-se isto sim de mais um capítulo da economia espacial na Amazônia, onde as virtudes de um produto (drogas do sertão, borracha, manganês, ferro, bauxita, energia, gado) mostraram-se insuficientes para assegurar espaços menos desiguais e mais justos. Forma-se isto sim verdadeiros processos de des-envolvimento de comunidades rurais tradicionais, campos descampesinizados, espaços mais e mais esquizofrênicos, posto que organizados segundo comandos exógenos e não daqueles que cotidianamente os vivem.

52A dendeicultura não é a solução, nem é a causa dos males que afligem o espaço agrário nas áreas antropizadas. É preciso superar a tradição política que subordina o desenvolvimento da Amazônia à ascensão e queda de um produto no mercado mundial, que deposita todas as esperanças ou mesmo amaldiçoa determinado produto; política sem compromisso com as gerações futuras, que se regozija ao dizer nossos minérios, nossa floresta, nossas riquezas ou mesmo que repete o mito do desenvolvimento em muitos adjetivos, regional, sustentável, territorial, participativo. Sempre mais do mesmo. Esquecendo-se de perguntar quem usufrui das riquezas, sejam elas essências florestais, borracha, madeira, minérios, energia hidroelétrica e dendê. Dendê para quem? Dendê por quê? Dendê para quê?

53Portanto, é preciso perguntar quem ganha com a dendeicultura, pois tão importante quanto ressaltar as potencialidades econômicas, ambientais e sociais do dendê, faz-se necessário considerar quem usufrui os dividendos dessas potencialidades, ou seja, quem fica com a renda da terra e se beneficia do território; refletir sobre a reprodução do modo de vida do lugar onde o dendê se implanta e expande; e, fundamentalmente, sobre o quanto e como isso compromete as gerações futuras nos espaços onde o boom do dendê ainda tem seus dias de prosperidade.

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Table des illustrations

Titre Tabela 2- Propriedades da empresa Biopalma no nordeste paraense
Crédits Fonte: http://monitoramento.sema.pa.gov.br/​simlam/​index.htm. Acesso 14/10/2015. Dados organizados pelos autores.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/10536/img-1.jpg
Fichier image/jpeg, 24k
Titre Figura - Dendezal da MARBORGES, Moju. jul.2013.
Crédits Créditos: GDEA.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/10536/img-2.jpg
Fichier image/jpeg, 172k
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/10536/img-3.jpg
Fichier image/jpeg, 440k
Titre Figura 2- Vila Forquilha, Tomé-açu, out.2015.
Crédits Créditos: GDEA.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/10536/img-4.jpg
Fichier image/jpeg, 92k
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Pour citer cet article

Référence électronique

João Santos Nahum et Cleison Bastos dos Santos, « O boom do dendê na microrregião de Tomé-Açu, na Amazônia paraense »Confins [En ligne], 25 | 2015, mis en ligne le 08 novembre 2015, consulté le 01 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/10536 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.10536

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Auteurs

João Santos Nahum

Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Federal do Pará, prof.joaonahum@gmail.com

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Cleison Bastos dos Santos

Professor da Rede Estadual de Ensino, mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará, cleison.bastos@bol.com.brResumo

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