Vidal, Vidais
Haesbaert R., Nunes Pereira S., Ribeiro G. (dir.), 2012, Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 464 p.
Notes de la rédaction
Este texto é o prefácio do livro, reproduzido com a permissão do autor
Texte intégral
1Paul Vidal de la Blache desempenhou papel fundamental na evolução da Geografia em finais do século XIX e início do século XX. Era um homem modesto e um grande trabalhador. Tinha fé na ciência e, mais particularmente, na disciplina que modelava (com outros) e à qual consagrava todos os seus esforços: a Geografia Humana. A ascendência que tinha sobre seus estudantes era considerável. A publicação do Tableau de la géographie de la France lhe valeu o reconhecimento do público erudito.
2Foi dele que a Escola Francesa de Geografia recebeu seus princípios e orientações; ela lhe deve a consideração obtida no exterior até os anos 1950. Sua influência se fazia sentir através de suas publicações e da tradição oral inaugurada por seus ensinamentos. Como de hábito, essa última revelou-se simplificadora (enfatizando mais as ideias iniciais da carreira de Vidal que as contribuições mais originais de seus últimos anos) e infiel: o Vidal de que falavam meus professores era o apóstolo de uma abordagem regional que conhecia apenas a região natural. Eles abafavam o interesse que ele concedia à dinâmica econômica de seu tempo e ao seu impacto sobre a organização do espaço. Ignoravam o profundo engajamento político de um homem que amava seu país, apoiava sua expansão colonial e queria contribuir para seu esplendor.
3Há uma geração, opera-se um retorno à obra de Vidal. Rogério Haesbaert, Sérgio Nunes e Guilherme Ribeiro participam dessa retomada através da publicação desta coletânea que mostra quem era Vidal através de uma seleção de seus textos essenciais. Eles são ordenados segundo três eixos: o primeiro evidencia o que era a Geografia Humana de Vidal de la Blache, o segundo retraça a evolução de sua reflexão sobre os recortes regionais e o terceiro enfatiza o aspecto político de sua obra.
4Historiador de formação, Vidal transforma-se em geógrafo no início dos anos 1870. Passa vinte anos percorrendo a França e a Europa, dotando a geografia de um instrumento fundamental – o Atlas general – antes de publicar textos sobre a natureza e a epistemologia da geografia. A Geografia humana que ele elabora se apóia nos mestres alemães aos quais ele rende homenagem – Carl Ritter, em particular – , desenvolvendo-se como ressonância daquela que Friedrich Ratzel lançara na Alemanha dez anos antes.
5A Geografia não é apenas uma descrição do mundo: ela tem uma dimensão geral. O princípio de conexão evidenciado por Ritter faz lembrar seu alcance filosófico. Desenvolvida no momento de triunfo do evolucionismo, é uma ecologia do homem muito próxima das ciências da vida. Ela trata de fatos sociais. Dois elementos contribuem para sua especificidade: o lugar que confere às paisagens e, numa escala que não é mais a da observação direta, mas a do mapa, a atenção concedida às formações de densidade, que fascinam os geógrafos franceses desde as análises pioneiras de Émile Levasseur.
6Há uma Geografia regional vidaliana? Sim, no sentido de que a descrição da diversidade terrestre está no coração de seu projeto. Não, na medida em que suas ideias evoluem: sob a influência dos geólogos, ele parte de uma concepção que privilegiava o subsolo, o relevo e o clima. Ela esclarece bem os traços da geografia francesa do passado, mas não é suficiente para explicar nem as grandes divisões apresentadas pelo Tableau e nem a diversidade de pays, cujo aspecto se deve tanto à história e à cultura quanto à natureza. O mundo que então se instala é industrial. Uma viagem que faz aos Estados Unidos em 1905 revela-lhe o papel organizador ali efetuado pelas ferrovias e pelas grandes cidades. É o ponto de partida de suas reflexões sobre a relatividade das divisões regionais, sobre o modo pelo qual a Alsácia-Lorena foi construída e sobre as regiões francesas que importam no começo do século XX.
7Mais difícil é apreender a dimensão política da obra de Vidal, pois ele pouco escreveu nesse domínio. Um dos méritos de Guilherme Ribeiro foi ter reencontrado os relatos que ele consagra, no decorrer do tempo, à obra de Friedrich Ratzel, ao contestado franco-brasileiro, à missão militar francesa no Peru etc. Esses textos se somam aos livros de objetivo político – seja indiretamente, como no Tableau de la Géographie de la France, seja diretamente, como na France de l’Est, escrito durante a I Guerra Mundial para justificar o retorno da Alsácia-Lorena à França. Os textos escolhidos mostram de forma admirável o contexto nacionalista da época e o apoio que Vidal concedia ao imperialismo francês.
8A Geografia francesa exerceu influência considerável no desenvolvimento da Geografia no Brasil – a partir de Delgado de Carvalho, no começo do século XX, e, sobretudo, a partir de Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines, nos anos 1930. As críticas desenvolvidas na França a partir dos anos 1960 a respeito das abordagens clássicas tiveram ainda maior repercussão no Brasil na medida em que era o momento em que se afirmava a atração pelas geografias anglo-saxãs, e em que muitos brasileiros sonhavam com abordagens mais radicais.
9A publicação em português de uma coletânea de artigos que destaca a riqueza da obra de Vidal de la Blache, renovando-a a partir de seu contexto, é um acontecimento importante: ela ajudará as jovens gerações a compreender melhor no que as atuais orientações de pesquisa ainda são tributárias das intuições do período 1880-1920 e no que elas também parecem profundamente datadas.
Pour citer cet article
Référence électronique
Paul Claval, « Vidal, Vidais », Confins [En ligne], 23 | 2015, mis en ligne le 09 mars 2015, consulté le 21 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/10185 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.10185
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