- 1 Ao longo deste trabalho, assume-se uma consideração diferenciada dos termos castelhano e espanhol (...)
1Quando, no século xvi, arranca o processo de gramatização do português, a noção de diglossia, concebida de acordo com a formulação de Joshua Fishman (1967: 29), descreve, em termos sociolinguísticos, a relação desta língua com a castelhana1. Como se expõe nos estudos de Luciana Stegagno-Picchio (1982 [1959]), Maria Leonor Carvalhão Buescu (1983: 215-236) e Fernando Vázquez Corredoira (1998), é precisamente o caráter diglóssico da relação entre os dois idiomas que está na origem da particular conformação da “questão da língua” em Portugal.
Ora o binómio português / castelhano, aparentemente adversativo do binómio latim / português traz, afinal, a neutralização deste, na medida em que a posição em relação ao castelhano releva duma praxis: apresenta a iminência de um risco que os humanistas pressentem. O do predomínio de uma língua competitiva, forma de expressão de uma nação de algum modo rival – em termos objectivos mais poderosa – no plano político interno e também no plano duma política expansionista e imperial.
Assim a reaproximação com o latim representa o estreitamento de um vínculo que, sendo tutelar, é também libertador” (Buescu 1983: 225).
- 2 Estes trabalhos incidem prioritariamente sobre a gramaticografia do português europeu. Para a apl (...)
2A aplicação à realidade portuguesa deste conceito originariamente associado à emancipação do vulgar em Itália (Picchio 1991[1972]; 1978) é, assim, descrita por Buescu como a superação do processo de afirmação perante o Latim, pela reorientação defensiva para o castelhano e consequente reaproximação ao latim, com as consequências daí decorrentes em termos de opções de gramatização. O conflito linguístico subjacente a esta situação não se esgota, contudo, no período inicial da gramaticografia portuguesa e nos textos que o consubstanciam, estudados desde esta perspetiva específica por autores como José Luís Rodríguez (2005) e Miguel Gonçalves (2010). Embora, posteriormente ao século xvi, a relação entre os dois idiomas venha a assumir outros contornos, faz sentido estudar a presença e representações do castelhano nos textos metalinguísticos portugueses subsequentes, como, aliás, fizeram já Maria Filomena Gonçalves (2000), Antonio Martínez González (2002), Rogelio Ponce de León Romeo (2006) e García Martín (2007)2, evidenciando, nalguns destes casos, que o discurso metalinguístico desse período revela que o condicionamento do processo de gramatização da língua pelo referido quadro conceptual se estende até ao século xviii.
- 3 A informação da data é extraída a partir da dedicatória da obra.
- 4 Os objetivos da autora perspetivam-se de forma mais abrangente: «tornar mais acessível ao leitor (...)
3Tal é o que se pretende também aqui demonstrar, através do estudo específico do Antidoto da Lingua Portugueza (Amsterdão [1710]3), publicado por José de Macedo (1667-1717) sob o pseudónimo de António de Mello da Fonseca. Aqui se dará particular destaque à informação constante no capítulo III, intitulado «Comparase a nossa lingua com a Castelhana em algumas meudezas», onde Fonseca dedica atenção isolada ao castelhano, promovendo o elogio do português por comparação com aquele. Observe-se ainda que é precisamente pela nota de superioridade perante o castelhano que o texto é mencionado em trabalhos de historiografia gramatical dedicados à relação entre estas duas línguas ibéricas (Vázquez Corredoira 1998: 55; Ponce de León Romeo & Duarte 2005: 374). Faltam, contudo, estudos especificamente dedicados à obra em questão, constituindo o de Ana Maria Leite (2002) uma exceção a destacar, embora, no estudo introdutório que faz à sua edição deste texto, não se centre sobre a abordagem que aqui se pretende levar a cabo4.
- 5 Silva (1860: IV, 428) informa ainda de um conjunto de poesias de José de Macedo, que terão sido, (...)
- 6 Sobre a receção do texto em outros autores, ver Silva (1860: IV, 428-429).
4No tocante aos dados biobibliográficos sobre o autor em estudo, o já referido trabalho de Leite (2002: 11-12) recolhe a maior parte da informação a este respeito, a partir dos dados coligidos, por sua vez, por Inocêncio Silva (1860: IV, 428-429). Como tal, não parece pertinente redundar aqui sobre esta matéria. Segundo os dados recolhidos, a obra em estudo é a única obra publicada de José de Macedo5. Parece significativo que tal seja feito fora de Portugal e sob pseudónimo, no entanto, a bibliografia consultada não esclarece esta questão, embora Leite (2002: 12) levante hipóteses sobre essa circunstância estar relacionada com eventuais ligações do autor ao judaísmo ou aos seus praticantes, ou ainda com o seu compromisso com o programa iluminista de D. João V, a quem vai dedicada a sua obra. No que toca especificamente à opção por um pseudónimo, com efeito, como informa Gonçalves (2003: 895), “a ocultação do nome era frequente, por razões de ordem diversa, com destaque para a perseguição política e religiosa”. Outra hipótese que cabe ainda levantar é que tal se prenda com a expectativa do autor relativamente a uma má receção da obra –um receio que, aliás, se explicita nos textos preambulares do Antidoto e noutros pontos do mesmo6.
- 7 Não obstante a dimensão variável dos diferentes capítulos, já observada por Leite (2002: 13), com (...)
5Como é observável no quadro 1, no qual se organizam os dados recolhidos em Leite, a obra em análise encontra-se dividida em quarenta e dois capítulos numerados e um não numerado, perfazendo um total de quatrocentas e vinte e seis páginas, dentro das quais o capítulo em foco ocupa pouco mais de duas (p. 8-10)7.
Quadro 1: estrutura da obra segundo Leite (2002: 13-17)
I – Problema da Língua
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Cap. I
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II – Elogio da língua
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Caps. II-XII
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III – A obsessão do ditongo “ão”
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Caps. XIII-XXIII
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IV – Reforma da língua e Camões
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XXIV-XXXXII e Capítulo último
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6O conjunto dos capítulos que integram o encómio servem, naturalmente, o propósito global da obra, ou seja, a apologia da eliminação do ditongo nasal. Tal objetivo é exposto por Macedo no Prólogo.
- 8 Nas transcrições da obra em estudo, procedeu-se em dois casos a uma modernização dos grafemas: i) (...)
Com tres dissertaçoẽs variamente aberrantes do meu instituto, e estudiosamente dilatadas, tentei, como veràs temperar neste livro, ou obumbrar alguma parte das grandes insulsidades, que o vulgo reprehensor acerrimo e constante dellas, com taõ insulsa, como iniqua temeridade, considera no escopo delle; que he o exterminio do ditongo aõ, e de outros, de que usamos frequentemente (Fonseca [1710]: [VII-VIII])8.
Considerando o objetivo global anteriormente identificado, a comparação realizada com o castelhano, condescende em que, como se enuncia logo no Prólogo, a questão do ditongo é a única em que há certo reconhecimento da argumentação em favor do tópico da inferioridade do português.
Eu nunca me descontentei tanto da nossa Lingua, como se descontentaõ muitos grammaticos, que affirmaõ temerariamente, que ella he muito peor que a Castelhana, sendo tal a ignorancia, de que nelles procede esta affirmaçaõ, que o mais que dizem, se saõ examinados os fundamentos della, he sò, que a grande frequencia, com que usamos do ditongo aõ, faz a nossa Lingua mui tosca e mui grosseira. Isto confesso, que nunca nella me pareceu bem; mas nem basta, para que eu a julgue inferior a alguma das vulgares, nem cuido, como o cuidaõ geralmente todos os Portuguezes, que he irremediavel este defeito; e por isso me resolvi a declarar aqui, qual me parece, que pode ser o remedio delle (Fonseca [1710]: [V-VI]).
- 9 Entre os quais destaca, por exemplo, os portugueses João de Barros e Frei Bernardo de Brito, mas (...)
Contudo, em termos globais, como o autor procura sublinhar desde o início do texto e, em especial, no capítulo III, apoiando-se no testemunho de autores que o precederam9 e na sua própria apreciação dos resultados da comparação das duas línguas, o cotejo não é favorável ao castelhano, mas sim ao português. Acresce ainda que, apesar do reconhecimento da vantagem na inexistência do citado ditongo, a solução que Macedo propõe para substituição do mesmo não coincide inteiramente com a existente em castelhano, embora este sirva de referente pontual, como expõe o autor neste ponto:
Primeiramente advirto, que innumeraveis palavras; que nos acabamos em aõ, acabaõ os Castelhanos em N; e que ainda que a grande affinidade, que a nossa Lingua tem com a sua, nos pode facilmente cauzar dezejo de os imitar para melhoramento da nossa, dizendo por exemplo, como elles, Occasion, Perdon, Ladron, por Occasiaõ, Perdaõ, Ladraõ, &c. melhor pareceria com tudo, que por fugir do vicio, já acima commemorado, de acabar duramente com a Letra N, muitas palavras, chegados huma vez a tomar a generosa resolução de alterar nisso a nossa Lingua: a alterassemos de outro modo mais suave e mais agradavel, como irei declarando (Fonseca [1710]: 64).
[…] Porque naõ he preciso, que sigamos as pisadas dos Castelhanos exactamente; e basta, que sigamos o Latim nas palavras, em que elle nos ensina a converter o aõ em one, ude, e ade (Fonseca [1710]: 69).
Tal situação relativiza o valor dessa vantagem, juntamente com o facto de que a referência mais constante e, enfim, a última, mesmo nos casos de coincidência com a solução castelhana, é, na verdade, o latim, como se ilustra na segunda passagem transcrita.
7Centrando-nos então sobre o cotejo dos dois idiomas e sobre o capítulo que lhe é especificamente dedicado, o início deste, como é visível na passagem abaixo transcrita, coincide com a sua própria justificação, pela referência à especificidade da relação com o castelhano.
[…] mas vendo que naõ falta, quem tenha por peor a nossa que a Castelhana, e que a Castelhana he tida geralmente por melhor que todas as vulgares; com ella só a compararei, para mostrar, quanto lhe excede em varias circumstancias, ainda que naõ muito consideraveis, advertindo desde logo nesta comparaçaõ, que sendo taõ semelhantes estas duas linguas, que as entendem reciproca e facilissimamente, sem o minimo estudo, os legitimos donos de cada huma tanto parece, que se enganaõ os grandes Aristarchos, que affirmaõ, que a Castelhana he claramente muito mais elegante que a Portugueza, como parece, que he difficil que sendo duas Damas mui semelhantes, seja huma dellas claramente muito mais formosa (Fonseca [1710]: 8).
- 10 Na tradição portuguesa, este último encontra-se, contudo, mais frequentemente restringido à língu (...)
8Advirta-se que os fundamentos apresentados na mesma coincidem, em grande medida, com os veiculados pelo discurso metalinguístico da tradição precedente, os quais se podem encontrar recolhidos nos estudos de García Martín (2005) e de Rodríguez (2005): i) o pressuposto da necessidade de afirmação do português ii) o estereótipo da facilidade e mútua compreensão, intimamente associado ao da semelhança entre ambas as línguas e ao da prescindibilidade do seu estudo formal10.
- 11 Em Espanha, como afirma Rodríguez (2005: 599) a propósito dos textos quinhentistas castelhanos, a (...)
9Contudo, apesar de partir do pressuposto da estreita semelhança entre os dois idiomas, o corpo do capítulo centra-se sobre os factos de língua que os separam. A este respeito cumpre aferir aqui duas questões: i) que fenómenos dão continuidade à tradição anterior em termos dos factos de língua em contraste; ii) que juízos linguísticos explícitos, no sentido de Paiva (2004), se formulam no quadro desse cotejo e que representações sobre o castelhano se inferem daí e como se situam face à tradição precedente. Tal tradição é aqui entendida como o conjunto da produção gramaticográfica, ortográfica, apologética e tratadística dos séculos xvi‑xvii referente ao português enquanto língua materna e escrita por autores portugueses11. Concentrar-me-ei aqui nos textos impressos identificados nos seus trabalhos por Leonor Buescu (1978), Rolf Kemmler (2001) e Maria do Céu Fonseca (2006), seguidamente elencados no quadro 2:
Quadro 2: corpus selecionado
Fernão de Oliveira
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Grammatica da Lingua Portuguesa (Lisboa, 1536)
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João de Barros
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Gramática e Dialogo em Louvor da Nossa Linguagem (Lisboa, 1540)
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Pero de Magalhães Gândavo
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Regras que ensinam a maneira de escrever e orthographia da lingua Portuguesa com hum dialogo que a diante se segue em defensam da mesma lingua (Lisboa, 1574)
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Duarte Nunes de Leão
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Ortographia da Lingoa Portuguesa (Lisboa, 1576) Origem da lingoa portuguesa (Lisboa, 1606)
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Manuel Severim de Faria
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«Das partes que há-de haver na linguagem para ser perfeita, e como a portuguesa as tem todas e algũas com eminência de outras línguas», in Discursos Vários Políticos (Évora, 1624)
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Álvaro Ferreira de Vera
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Orthographia ou modo para escrever certo na lingua Portuguesa (Lisboa, 1631)
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Bento Pereira
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Regras gerays breves, & comprehensivas da melhor ortografia (Lisboa, 1666)
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João Franco Barreto
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Ortografia da Lingua Portugueza (Lisboa 1671)
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10No capítulo em foco, o contraste resume-se a umas poucas questões de grafia e fonética, o que é coerente com a apreciação encontrada em obras da especialidade (Vázquez Corredoira 1998: 54-56; Sousa 2005; Fonseca 2006: 29) sobre a ortografia enquanto espaço privilegiado de diferenciação do português face ao castelhano. Seja como for, o próprio autor, antecipando a desvalorização dessas questões, no capítulo subsequente, onde trata de matérias ditas “maiores” (Fonseca [1710]: 10), precisa o valor das diferenças encontradas e sublinha o seu contributo particular em as apontar, criticando, inversamente, uma tradição anterior onde tais diferenças teriam sido esquecidas.
Mas se disser alguém, que as differenças todas; em que eu digo, que a Lingua Castelhana he excedida da Portugueza, naõ saõ mais que meudezas de pouca importancia; e que em diversas cousas mais graves e mais substanciaes devem ser comparadas estas duas linguas, para que nessa comparaçaõ conheçamos, qual dellas fica superior: respondo primeiramente que, sendo a lingua Castelhana na mais geral opiniaõ dos homes doutos, a melhor, que hoje se falla vulgarmente no mundo, naõ he pouco, que a nossa logre nessas meudezas qualquer superioridade; nem que eu pudesse notar isto mais ampla e mais distinctamente que outros curiosos, sendo taõ grande, como he, o numero daquelles, que o naõ tem notado ( Fonseca [1710]: 10).
11As diferenças referidas por Macedo incidem sobre os seguintes aspetos: i) o que autor apresenta como terminações em <–a>», em que se discorre, fundamentalmente, sobre o ditongo nasal; ii) processos de ditongação vs. monotongação; iii) terminações em <–d>.
Quadro 3: fenómenos em contraste (I).
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Castelhano
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Português
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Págs.
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Terminação em <-a>
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«[…] grande familiaridade […]». «innumeraveis nomes, como pan, Capitan, desden, ladron, ocasión […], e algumas propofiçoẽs como en, sin, con, e todas as terceiras pessoas do plural de todos os verbos em todos os modos e tempos, como aman, amavan, amaron, amaran, amen, amassen […]».
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«[…] muitas dessas palavras acabamos nos em aõ […]».
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8
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Ditongação vs. monotongação
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«[…] puerta, puerto, huevo, nuevo, tuerto, muerte, suerte, fuerte, fuente, puente, fuego, cuerpo, cuervo, fuera […]». «[…] merienda, cierto, ciervo, ciego, siempre, vientre, ciento, miedo, tiempo, viento, tierra, fiera, miel, diente, impedimiento […]». «[…] puerta e portero, fuerte e fortaleza, fuerça e forçoso, muerte e mortaja, duele e dolor, cuento e contar, suelto e soltar, duerme e dormia, puede e podia, muerde, e mordia, quiere, e queria, tiene e tenia, viene e venia, tiembla e temblava, suena e sonava, hazer e satisfazer, dicho e maldicho e mil outras cousas, como estas, he vicio entre os Castelhanos frequentissimo […]».
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«[…] porta, porto, ovo, novo, torto, morte, sorte, forte, fonte, ponte, fogo, corpo, corvo, fora […]». «[…] dizendo nós também tudo isto mais Latina, e por isso menos corruptamente, e com pronunciação mais clara, mais aberta, mais desembaraçada, e mais facil, sem este I, que nisto he ociosissimo». «[…] entre nòs rarissimo».
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8-9
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Terminação em <-d>
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«[…] Verdad, falsedad, magestad, dignidad, caridad, liberalidad, ciudad, virtud, salud, e outras muitas […]».
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«[…] que he certo, que nòs pronunciamos muito mais elegante e mais brandamente com o E, que no fim lhe acrescentamos».
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9
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- 12 O tratamento do primeiro destes aspetos encontra-se, portanto, presente ao longo da maior parte d (...)
12De entre estas diferenças, por diferentes razões, cabe destacar a que surge apontada em primeiro lugar na tabela: i) porque se prende com a utilização do ditongo cuja censura consiste no principal objetivo desta obra; ii) por, decorrente do anteriormente exposto, entre as três notas contrastivas, ser a situação que mais vezes é recuperada ao longo da obra12; iii) por se afigurar, dos três aspetos contrastados, como o de maior enraizamento na tradição, como se demonstrará aqui, e de cuja controvérsia, como adverte Vázquez Corredoira (1998: 55, n.89), dão testemunho textos não gramaticográficos de autores coevos de José de Macedo, como é o caso do Verdadeiro Método de Estudar (Valença, 1746) de Luis António Verney (1746: 25-28), e estudos ortográficos atuais como os de Gonçalves (2003: 465-466) e Kemmler (2007, 340-347).
13Para além dos aspetos identificados neste capítulo, ao longo da obra, surgem ainda de forma pontual outras referências contrastivas às duas línguas. Curiosamente, embora não beneficiem do destaque que lhes conferiria a integração no capítulo III, estas outras notas constituem um grupo mais numeroso e mais diversificado de fenómenos contrastivos, que também aqui se procurou sistematizar (quadro 4), e que, tal como as questões tratadas no capítulo em foco, constituem, na sua maioria, matérias de ortografia, embora também se contemplem algumas questões de morfologia (tempos verbais), de sintaxe (concordância) e relativas ao léxico (formação de palavras).
Quadro 4: fenómenos em contraste (II).
- 13 Ver também passagem a este respeito nas páginas 14 a 15 do mesmo texto.
- 14 Ver também passagem a este respeito na página 133 do mesmo texto.
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Castelhano
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Português
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Págs.
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Betacismo
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«[…] São mutuamente confundidos, e equivocados o V consoante com o B […]».
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não referido
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16
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Zetacismo
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«[…] [São mutuamente confundidos, e equivocados] o S e o C com o Z […]».
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não referido
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16
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Guturalização
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«[…] [São mutuamente confundidos, e equivocados] o I com o X e com o G, o G com o H […]».
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não referido
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1613
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<ll> vs. <lh>
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«[…] Os castelhanos escrevem com dois LL […]».
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«[…] e nós com LH[…]».
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1614
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Fricatização (<f>) vs. aspiração (<h>)
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«[…] Eles corrompem grandemente com as suas aspiraçoês».
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«[…] Filho, Folha, Ferro, Femea, Fumo, Fuso, Fel, Fede, Figo […], e muitas outras semelhantes […]».
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19
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Pretérito mais que perfeito simples
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«[…] Só com os verbos auxiliares o podem significar […]».
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«[…] Temos também, como os Latinos, o preterito plusquamperfeito do Indicativo […]».
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46-47
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Pretérito perfeito /definido
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«[…] Cousa, com que também os Castelhanos se mostrão muitas vezes menos imitadores do que nós da Latinidade; porque ordinaria e reprehensivelmente dizem, usando do mesmo preterito: Nunca he visto, ni oido, ni imaginado etc. […]».
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«No uso do preterito perfeito temos tambem a singularidade de imitar os Latinos, dizendo puramente com elle o que os Franceses, e as outras naçoẽs de Europa dizem inutil e importunissimamente com o preterito, que os mais doutos gramaticos chamão definido. [...] Dizendo nòs muito mais elegante e simplesmente: Nunca vi, nem ouvi, nem imaginei etc.»
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47
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Concordância de género
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«Os Castelhanos tambem dizem El alma, El almohada, El alcova […]».
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«[…] Mas nòs nunca dizemos coisas semelhantes».
«Observamos tambem com taõ inviolavel diligencia a regularidade de concordar legitimamente os adjetivos com os Substantivos […]».
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49
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<nh> / <ñ>
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«[…] Os Castelhanos sò com huma pequena linha sobre o N […]».
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«[…] nós com o N antes do H significamos […]».
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133
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Léxico (formação)
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«A Lingua Castelhana conforma se tanto com a nossa, em que naõ lhe pode ser [como ja tenho dito] muito desigual: mas parece, que a nossa na copia e formusura dos diminutivos lhe he superior e que nehuns no mundo melhor que os nossos, merecem ser chamados Ypocoristicos […]»
«Sobre isto disse galantemente Pedro de Magalhaẽs Gandavo no seu Dialogo, que seria conveniente, que os Castelhanos dissessem Ojar, já que dizem Ojos, ou já que dizem Mirar, chamassem a os olhos Miros, para que acerca disto naõ vissemos a dissonancia, que vemos na sua lingua».
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«Primeiramente em nehuma Lingua se formaõ, nem se podem formar taõ facil, taõ regular, e taõ elegantemente os nomes dimunutivos, como na nossa […]».
« […]De Olho derivamos o verbo Olhar[…]».
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41-42; 45;
53
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14A respeito do tratamento contrastivo destas questões na tradição metalinguística precedente, cabe destacar, como já foi referido, o ditongo nasal como o facto contrastivo mais partilhado pelos textos em cotejo.
Quadro 5: fenómenos em contraste (III).
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Oliveira 2012 [1536]
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Barros 1971 [1540]
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Gândavo 1981 [1574]
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Leão 1983 [1576]
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Leão 1983 [1606]
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Faria 1999 [1624]
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Vera 1631
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Pereira 1666
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Barreto 1671
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Terminações com a letra
<-a>
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p. 95; 97
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p. 90-92; 94
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p. 305-306
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p. 86-87; 90-91
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f. 25-26
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p. 65-67
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p. 100; 104-105; 152; 192‑193
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Ditongação vs. monotongação
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p. 71
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p. 306
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p. 104
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Terminações com a letra <-d>
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p. 85
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f. 7;
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p. 124
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Betacismo
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p. 90
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f. 6
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p. 114; 171
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Zetacismo
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p. 90
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Guturalização
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p. 64
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p. 90-91
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<ll> vs. <lh>
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p. 64-66
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p. 310
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f. 13
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p. 56
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p. 135
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Fricativa vs aspiração
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p. 67
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f. 9-10
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p. 53
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p. 126-127
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Pretérito mais que perfeito simples
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Pretérito perfeito/indefinido
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Concordância de género
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<nh> vs. <ñ>
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p. 67-68
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p. 57
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p. 135
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Léxico (formação)
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p. 49
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p. 84
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15No que respeita aos autores que integram essa tradição, realça-se o trabalho de Gândavo, por ser o único citado no capítulo em foco.
Naõ fallarei tambem no celebre dialogo; que escreveu o nosso Portuguez Pedro Magalhaẽs Gandavo sobre a grande excellencia da Lingua Portugueza, e os varios fundamentos, com que se pode provar, que ella he mais excellente, que a Castelhana, porque ainda que ali dos dois altercadores, que saõ hum Portuguez e hum Castelhano, que largamente se empenhaõ com aquella controversia na investigaçaõ da verdade, o Castelhano he o vencido, e o Portuguez o vitorioso, com pouca astrologia e pouca habilidade se pode adivinhar, que outro caminho bem differente tomaria a victoria em semelhante colloquio, se delle fosse autor algum Castelhano. Mas ainda que naõ baste aquelle dialogo, para persuadir a os amantes da Lingua castelhana, que ella naõ he taõ boa, como a Portugueza, cuido eu que bem pode ao menos bastar, para que eles vejaõ, que ainda que lhes pareça peor a Portugueza que a Castelhana, naõ podem affirmar, que o he taõ conhecidamente, que naõ tenhamos muitas e boas rasoẽs para o duvidar, nem encontremos muitas e boas difficuldades nesta questaõ, ou devamos suppor, como elles facilmente suppoem, que na verdade ella naõ he taõ ardua, que naõ possa justamente ser decidida como elles querem, sem o impedimento de largas controversias e muito justas opposiçoẽs (Fonseca [1710]: 9-10).
Gândavo constitui ainda fonte expressa para os juízos sobre o castelhano noutro ponto da obra, como se dará conta mais adiante, a respeito das apreciações sobre a formação de palavras em cada língua (ver quadro 8). No que toca ao valor atribuído por Macedo ao texto de Gândavo, como se pode extrair do fragmento acima transcrito, se, por um lado, relativiza a sua eficácia argumentativa por motivos de parcialidade, por outro, reforça o seu valor na questionação da superioridade do castelhano.
- 15 De entre estes, o mais citado é Francisco Sánchez de las Brozas, o qual, segundo Ponce de León (2 (...)
16Ainda sobre os autores antecedentes, cabe igualmente salientar que, dos cotejados, como ilustra o quadro, apenas Barreto partilha a abordagem da totalidade das situações apontadas no capítulo em foco, sendo ainda, globalmente, o autor em cuja abordagem contrastiva se detetam mais aspetos em comum com o autor do texto em estudo e aquele que, cronologicamente, se aproxima mais de Macedo. Apesar de a referência expressa a Barreto no quadro da comparação das duas línguas (Fonseca [1710]: 16) revelar o conhecimento da obra daquele, os fragmentos cotejados não permitem por si só determinar se houve consulta direta do texto. Observe-se que, apesar de várias referências a autores espanhóis ao longo da obra15, no que se refere aos factos linguísticos em cotejo, as fontes metagramaticais expressas são maioritariamente portuguesas. Para além de Gândavo e de Barreto – já mencionados –, dos autores do corpus do presente estudo, o Antidoto alude ainda a Barros (Fonseca [1710]: 20), Leão (Fonseca [1710]: 16) e Vera (Fonseca [1710]: 16).
17Em segundo lugar, importa então avaliar que juízos linguísticos e que representações se constroem sobre os fenómenos contrastivos identificados e como se situam face à tradição. Considere-se previamente a proposta de apreciação que Macedo estabelece genericamente para qualquer língua e perante a qual situa a relação do português com o castelhano, como se pode ver na última passagem de cada um dos grupos de citações seguidamente apresentados:
Quadro 6: representações e juízos linguísticos (I)
Formosura exterior
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«A formosura exterior, ou superficial de huma Lingua consiste em duas cousas: a primeira he a facilidade e doçura da pronunciaçaõ, a segunda a justa concordancia da pronunciação com a orthografia» (Fonseca [1710]: 14).
«A orthografia Castelhana, posto que he muito mais pura que a Italiana, e que a de todas as outras linguas vulgares, naõ he tão pura, como a nossa» (Fonseca [1710]: 16).
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Formosura interior
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«[…] A formosura interior (que he a mais nobre, a mais amavel, e mais preciosa que os amantes de alguma lingua podem dezejar nella) consiste e resplandece na propriedade, facilidade, simplicidade, jucundidade, concinnidade, naturalidade, viveza, clareza, pureza, nobreza, delicadeza, belleza, graça, harmonia, elegancia e perfeição, com que nessa lingua pode, por beneficio della ser ao entendimento dos ouvintes representado aquillo, que queremos que elles entendaõ, quando fallamos” (Fonseca [1710]: 17).
«Agora digo, que para a perfeita operação deste ministerio, querem os Autores; que falaõ nesta materia, que tenha a boa Lingua tres qualidades principalmente. A primeira, que seja copiosa de palavras, a segunda, que nella se possa dizer tudo com grande brevidade; e a terceira, que seja apta para todos os estilos» (Fonseca [1710]: 17-18).
«Nesta espiritual e mais generosa formosura das Linguas, naõ esperem os curiosos, que eu mostre, que he mais formosa com grande excesso a nossa que a Castelhana; pois que já tenho ditto, que sendo a castelhana taõ formosa, com he, e sendo a nossa e ella taõ parecidas, e taõ reciprocamente conformes e consoantes, não só nas palavras, mas tambem nas frases, e em quasi todas as outras propriedades, que nellas podemos considerar: naõ he facil mostrar na nossa, grande superioridade» (Fonseca [1710]: 17).
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18Entendendo-se por “formusura interior” a qualidade da representação do significado e, por “formusura exterior”, a qualidade da pronunciação e ortografia, observa-se que, segundo Macedo, é sobretudo neste último plano que se afirma a superioridade do português. Em concreto, relativamente aos fenómenos que são objeto do capítulo em destaque, o autor identifica no castelhano os seguintes traços, discriminados no quadro 7: > aspereza; > corrupção; < clareza; < facilidade; < analogia; < brandura; < elegância.
Quadro 7: representações e juízos linguísticos (II).
Terminação em <-a>
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«[…] Porque esta letra posta no fim de qualquer palavra causa bastante aspereza na sua pronunciaçaõ» (Fonseca [1710]: 8).
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> aspereza
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Ditongação
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«[…] Onde a nossa mais elegante, mais facilmente e mais propinqua ao Latim, diz […]» (Fonseca [1710]: 9)
«[…] Dizendo nós tambem tudo isto mais Latina, e por isso menos corruptamente, e com pronunciaçaõ mais clara, mais aberta, mais desembaraçada, e mais facil, sem este I, que nisto he ociosissimo» (Fonseca [1710]: 9).
«Alem disto a errada analogia de dizer puerta e portero […] e mil outras cousas, como estas, he vivio entre os castelhanos frequentissimo, e entre nòs rarissimo» (Fonseca [1710]: 9).
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< elegância
< facilidade
> corrupção
< clareza
< analogia
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Terminação em <-d>
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«Pois a aspereza dignissima de reprehensaõ, de acabar muitas palavras na letra D, que no fim dellas se naõ pode pronunciar sem violencia e difficuldade […], que he certo que nòs pronunciamos muito mais elegante e mais brandamente com o E, que no fim lhe acrescentamos» (Fonseca [1710]: 9).
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< elegância
< facilidade
> corrupção < clareza
< analogia
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19Estes mesmos parâmetros de apreciação –e outros– aparecem ainda a propósito dos restantes fenómenos sobre os quais o autor oferece notas contrastivas fora do capítulo em foco.
Quadro 8: representações e juízos linguísticos (III).
Betacismo e Zetacismo
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«A orthografia Castelhana, posto que he muito mais pura que a Italiana, e que a de todas as outras linguas vulgares, naõ he taõ pura, como a nossa; e disto naõ pode haver melhores testemunhas que o Padre Frei Francisco de Robles, e Mateo Aleman, ambos Castelhanos, com os livros, que fizeraõ da orthografia da sua lingua; onde dizem, que tanto na escritura, como na pronunciaçaõ, saõ mutuamente confundidos, e equivocados o V consoante com o B, o I consoante com o G, o G como o H, o S e o C com o Z [...]» (Fonseca [1710]: 16).
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<pureza;
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Guturalização
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Ver também citação anterior.
«E he certo, que naõ se pode dizer o mesmo de muitas palavras Castelhanas, que acabaõ em D, como hazed, dezid, merced, Ciudad, Creed, &c, nem do modo affectado, violento, e desagradavel com que os Castelhanos pronunciaõ a letra G, e o I consoante, e o X, como se vê nas palavras ageno, enagenar, genero, gente, gigante, vermejo, trabajo, trabajar, axar, encaxar, baxar, linage, bagage, salvage, lenguage, e outras semelhantes, que saõ innumeraveis naquella lingua. Isto conheceremos mui bem, se virmos algum Castelhano lendo em vox alta alguma das suas comedias; ou algum livro dos seus; porque veremos claramente, que nisso trabalha mais com a garganta, e bóle mais agitadamente com a lingua e labios, do que nós, quando lemos os nossos livros; porque a nossa pronunciaçaõ he mais fluida, mais facil; mais branda; mais suave, mais clara mais formosa, e mais natural. Esta mesma opinião me parece, que teve Miguel de Cervantes; porque fallando das excellencias de Valença, e da Lingua Valenciana, diz isto, Con quien sola la Portugueza puede competir en ser dulce y suave.
Para isto contribue consideravelmente na Lingua Castelhana a aspereza notável, que nella nasce da copia grande de palavras Mouriscas; de que ella he certamente muito mais abundante que a nossa, como será patente a quem ler as poesias de Dom Luiz de Gongora, e os livros de Miguel de Cervantes, principalmente o das suas novellas, e outros muitos, e com elles conferir os nossos» (Fonseca [1710]: 14-15).
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>afetação
<pureza
<fluidez
<clareza
<brandura
<suavidade
<facilidade
> aspereza
< pureza
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<ll> vs. <lh>
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«Tambem naquellas palavras que os Castelhanos escrevem com dois LL, e nós com LH, como batalha, Cavaleiro, maravilha, &c. he melhor, do que a sua, a nossa orthografia, como affirmão Duarte Nunes de Leão, Alvaro Ferreira de Vera e Joaõ Franco Barreto. E nas que nós e elles escrevemos com dois LL, como Villa, donzella, ella, bella, estrella, cavallo, cabello, etc. muito melhor he, do que a sua, a nossa pronunciaçaõ» (Fonseca [1710]: 16).
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apreciação genérica
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Aspiração
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«Esta mesma excellencia, posto que mais coarctada, diraõ, os Castelhanos amigos da verdade, que tem a nossa lingua comparada com a sua; porque primeiramente na nossa muitas palavras saõ mais Latinas, do que na sua; como Filho, Folha , Ferro, Femea, Fumo, Fuso, Fel, Fede, Figo, Feno, Fado, Fundo, Fervor, Ferver, Ferir, Fugir, Farto, Fartar, Furto, Furtar, Fallar, Fazer, Forno, Formiga, Formoso, e muitas outras semelhantes, que elles corrompem grandemente com as suas aspiraçoês» (Fonseca [1710]: 19).
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>corrupção
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Pretérito mais que perfeito simples
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«Temos também, como os Latinos, o preterito plusquamperfeito do Indicativo; que falta nas outras Linguas de Europa; as quáes só com os verbos auxiliares o podem significar; como vemos, que significa tambem a Castelhana ordinariamente» (Fonseca [1710]: 46-47).
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>corrupção
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Utilização do pretérito definido em lugar do perfeito
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«E no uso do preterito perfeito temos tambem a singularidade de imitar os Latinos, dizendo puramente com elle o que os Franceses, e as outras nações de Europa dizem inutil e importunissimamente com o preterito, que os mais doutos gramaticos chamaõ definido. Cousa, com que tambem os Castelhanos se mostraõ muitas vezes menos imitadores do que nós da Latinidade; porque ordinaria e reprehensivelmente dizem, usando do mesmo preterito: Nunca he visto, ni oido, ni imaginado etc. Dizendo nòs muito mais elegante e simplesmente: Nunca vi, nem ouvi, nem imaginei etc.» (Fonseca [1710]: 47).
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<pureza
< elegância
<facilidade
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Concordância de género
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«Observamos tambem com taõ inviolavel diligencia a regularidade de concordar legitimamente os adjetivos com os Substantivos, que nunca vemos na nossa Lingua a ridicula impropriedade, com que com que os Franceses dizem Meu alma, Meu espada, Meu esperança. [...] Os Castelhanos tambem dizem El alma, El almohada, El alcova, como os Franceses dizem Meu esperança; mas nòs nunca dizemos cousas semelhantes».
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<regularidade
<propriedade
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<nh>/<ñ>
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«Sobre isto he indubitavel, que se considerarmos a grande barbaridade das diferenças, que a falta de letras proprias para significar estes dois sons, e a ignorancia do remedio della introduziu nas Linguas da nossa Europa facilmente veremos, que elles naõ podem sem letras novas ser propriamente significados; porque se fosse possivel essa comodidade, já naõ veriamos os absurdos, com que a vemos sollicitada; pretendendo os Franceses e Italianos significar com o G antes do N o som, que nós com o N antes do H significamos (de que he exemplo a palavra Espagnol) e os Castelhanos sò com huma pequena linha sobre o N, sem escrever H nem G, significar o mesmo» (Fonseca [1710]: 133).
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=barbaridade
=falta de propriedade
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Léxico (formação)
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«Sobre isto disse galantemente Pedro de Magalhães Gandavo no seu Dialogo, que seria conveniente, que os Castelhanos dissessem Ojar, já que dizem Ojos, ou já que dizem Mirar, chamassem os olhos Miros, para que acerca disto naõ vissemos a dissonancia, que vemos na sua lingua. Em que também vemos outras semelhantes a esta; como he a de dizer Mermelada, dizendo Membrillo, e parecendo facilmente, que se dissessem Membrillada, nisso veriamos maior conveniencia» (Fonseca [1710]: 45).
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<analogia
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20Dos juízos acima discriminados, o relativo à maior ou menor corrupção/pureza surge ainda no quadro de uma perceção genérica, ou seja, não associado diretamente a um facto de língua em concreto. Tal acontece na sequência da citação, através de Severim de Faria, de uns versos que percorrem a tradição gramatical portuguesa desde João de Barros para ilustrar a maior proximidade da língua portuguesa com a latina, e consequentemente, enaltecê-la.
A isto, que aqui diz Manoel Severim de Faria, podemos acrescentar; que facilmente nos mostrão estes cinco disticos, quanto maior he a Latinidade da nossa Lingua, do que a da Castelhana; porque sendo patente, que todos elles saõ Portuguezes, tambem o he, que nelles, nem hum só observamos, que seja Castelhano (Fonseca [1710]: 32).
21Para além das noções que, no quadro 8, suportam a apreciação contrastiva das duas línguas, cabe ainda referir outra que, tal como no caso anteriormente referido, também não se encontra vinculada a nenhum facto linguístico em concreto. Trata-se da perceção, relativamente ao castelhano, de menor brevidade.
O Doutissimo Padre frei Bernardo de Britto fallando nesta materia contra os insignes conselheiros que o exhortavaõ a escrever os seus Livros em Castelhano, para que fossem mais celebres e mais elegantes, diz assim no prologo da sua Monarchia Lusitana: Mas como esta opiniaõ era taõ mal fundada, que nem sombra tinha de boa, nunca fiz rosto a quem me persuadia, vendo, que a primeira rasaõ me arguia de interesseiro em pretender gasto da impressaõ, e a segunda de indigno de nome portuguez em ter taõ pouco conhecimento da Lingua propria, que a julgasse por inferior á Castelhana: Sendo pello contrario, que não há Lingua no mundo (tomada nos termos que hoje vemos) mais digna de se estimar para historia, que a portugueza; pois ella, entre as mais he a que em menos palavras descobre mores conceitos, e a que com menos rodeios, e mais graves termos dá no ponto da verdade (Fonseca [1710]: 55).
22Para entender como a apreciação subjetiva do castelhano levada a cabo por Macedo se enquadra na tradição precedente, é útil ter em conta, por um lado, o trabalho de García Martín, sobre as tipologias de qualificativos em que se organizam os estereótipos sobre o português (séculos xvi‑xviii) e, por outro lado, o de Rodríguez, sobre a argumentação por detrás das representações do castelhano em autores portugueses quinhentistas.
Quadro 9: representações e juízos linguísticos na tradição precedente (I).
Em estudos sobre o Português
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Em estudos sobre o Castelhano
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1. De ordem estrutural 1.1 rica vs. pobre; 1.2. regular, larga vs. irregular, curta, breve; 1.3. fácil vs. difícil, escabrosa. 2. De ordem genética nobre antiga, ensinada. 3. De ordem sensorial grave, suave vs. áspera, grosseira. 4. De ordem moral Varonil, honesta, casta, pura. García Martín (2005: 27)
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1. A maior extensão do castelhano. 2. O facto de ser língua mais clara e fácil. 3. O facto de ser língua mais rica e trabalhada. 4. O ser sinónimo de cortesania, de elevação social. Rodríguez (2005: 592)
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23O levantamento realizado a partir do texto de Macedo e aqui apresentado anteriormente revela que no seu discurso estão presentes, aplicadas ao Espanhol, muitas das tipologias que García Martín identificou nos textos metalinguísticos por si estudados, bem como a contraposição a algumas das representações identificadas por Rodríguez no seu corpus. Sendo certo, como afirma García Martín (2005: 27) sobre o discurso apologético e gramaticográfico dos séculos xvi a xviii, que o mesmo se constrói no quadro de uma reação aos estereótipos sobre o português, será justo explicitar igualmente que eles produzem, como reverso da medalha, uma tradição de representações estereotipadas sobre o castelhano. E é perante a mesma que se procurou situar aqui o discurso de Macedo, não obstante a dificuldade levantada por algumas variações de autor para autor, na compreensão dos ditos qualificativos.
Quadro 10: representações e juízos linguísticos na tradição precedente (II).
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Oliveira 2012 [1536]
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Barros 1971
[1540]
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Gândavo 1981
[1574]
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Leão 1983
[1576]
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Leão 1983 [1606]
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Faria 1999
[1624]
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Vera 1631
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Pereira 1666
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Barreto 1671
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>aspereza
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>corrupção
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<clareza
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<facilidade
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<analogia
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<brandura
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<elegância
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<abundância
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<propriedade
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<brevidade
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24Neste quadro ilustra-se mais pormenorizadamente em que medida as apreciações de Macedo têm (ou não) precedente na tradição anterior, no âmbito do comentário contrastivo português/castelhano dos factos de língua destacados no Antidoto. Daqui se pode concluir que, tal como se verificou no enquadramento historiográfico dos fenómenos linguísticos alvos de contraste, também no que se refere aos juízos linguísticos expressos, é sobretudo na tradição ortográfica e apologética que se encontram dados explícitos sobre as questões enunciadas por Macedo, sendo o tópico da maior corrupção do castelhano/menor corrupção do português aquele que se destaca como mais recorrente nos textos em confronto, apontando para uma persistência do quadro conceptual da questão da língua e da estratégia argumentativa subjacente ao mesmo. No tocante aos autores, salienta-se, que, diferentemente do que se observou relativamente as factos de língua, já não é Barreto o autor que mais partilha os dados recolhidos em Macedo, mas sim Severim de Faria.
25Para além da perceção do autor sobre a língua castelhana, o Antidoto, oferece ainda notas acerca da perceção coletiva predominante e da manutenção das contradições que a marcam desde o século xvi: atribuindo-lhe, por um lado, o lugar de língua de prestígio, mas, por outro, manifestando certa reserva e até hostilidade norteadas pelo quadro teórico da questão da língua.
No plural dizem os Castelhanos Opiniones, e Divisiones, etc, e naõ se pode negar que estas palavras saõ mais limadas, e melhores, e de mais doce pronunciaçaõ que as nossas acabadas em ões. Pois se isto assim he, para que dezejamos, que as nossas sejaõ mais toscas? Se a Lingua Castelhana nos parece formosa, e agradavel; e dizèmos que naõ ha Lingua no mundo, que a iguale; e que por isso nos deleitamos muito, quando lemos os livros escritos nella; porque a não imitaremos nisto? Se nisto he melhor que a nossa, que ganharemos em consentir que sempre o seja? (Fonseca [1710]: 75-76).
Mas se naõ queremos imitar os Castelhanos, porque naõ imitaremos os Latinos (Fonseca [1710]: 76)?
[…] Tanto erraria quem disto se descontentasse só por querer, que a nossa Lingua, naõ fosse menos differente da Castelhana, do que agora he, como erraria hum anaõ ou hum corcovado, que só para ser differente dos homes de legitima e bem proporcionada estatura estimasse e louvasse como cousa preciosa, a conservaçaõ da sua deformidade (Fonseca [1710]: 124).
Alguns [vocábulos], como Primor, saudade, magua, Alvoroço, Atinar, e outros que naõ saõ muitos, tem já tomado os Castelhanos do nosso idioma; e usaõ hoje delles, porque os achaõ mui elegantes e mui significativos. E consta, que os tem tomado, porque naõ he este uso tão antigo nos livros daquella lingua, nem taõ frequente ainda, como nos nossos.
Daqui podemos inferir duas cousas: a primeira, que não he pequena a gloria que tem a nossa Lingua em poder dar estes baratos a outra taõ excelente, como he a Castelhana. A segunda, que se os Castelhanos se naõ envergonhaõ de tomar da nossa Lingua aquillo, com que podem enriquecer na sua: também nós naõ devemos envergonharnos de tomar da Castelhana, e da Italiana, e principalmente da Latina tudo o que nellas virmos conveniente para condecorar e enriquecer mais a nossa.
Nos fragmentos acima transcritos, a dimensão estratégica que esse quadro conceptual de referência assume para o autor é visível na forma como aquele intencionalmente se apropria do dito quadro para desmontar resistências, atribuindo ao castelhano, nos aspetos em que pretende que este sirva de modelo, uma maior proximidade ao latim e, portanto, maior autoridade nesta questão em concreto.
- 16 Um exemplo destas críticas e da complexidade da posição de Macedo, relativamente ao castelhano é (...)
26Do anteriormente exposto se conclui como o papel do castelhano enquanto referente contrastivo no texto de Macedo é bastante complexo. Por um lado, no tocante à eliminação do ditongo nasal, oferece-se como modelo de prestígio estrategicamente integrado num propósito reformador global; por outro lado, não só se escolhem, em alguns dos casos estudados, outros modelos que não o castelhano, como ainda se criticam pontualmente casos concretos de imitação dos castelhanos16. Além disso, se, por um lado, se sublinha o seu lugar de prestígio, por outro, a comparação serve em termos últimos o enaltecimento e afirmação do português, especialmente quando comparado com o castelhano.
27Como se observa nas passagens seguidamente transcritas, nesse exercício de comparação, há que ver ainda que, se, por um lado, relativiza as críticas ao castelhano, por outro, revela maior exigência para com o mesmo, como quando, por exemplo, a respeito da terminação em <-d>, afirma o seguinte:
[…] Naõ he pequeno inconveniente em qualquer Lingua: e por isso o podemos sem duvida chamar maior naquella em cujas raras excellencias parece na verdade que he menos temeraria, que justificada, a majestosa confiança, com que pretende o titulo de Princesa das outras (Fonseca [1710]: 9).
Nem eu dezejo agora parecer empenhado em dizer mal da Lingua Castelhana mas somente em mostrar, que sendo ella estimada por melhor que todas, naõ he a nossa menos formosa (Fonseca [1710]: 9).
28O castelhano aparece ainda tido em conta no texto numa perspetiva didática e instrumental. É o que se observa na alusão ao seu papel na aprendizagem do português, ilustrada, a propósito das regras de formação do plural nos vocábulos terminados em ditongo nasal, como se pode ler na seguinte passagem:
[…] Porque primeiramente esta regra he breve, e facil, e mais universal e capax de ser entendida e observada de todas as pessoas, que não souberem Latim, nem Italiano, nem Castelhano […] (Fonseca [1710]: 69).
Se bem que, desde Barros (1971[1540]: 317) até Barreto (1671: 190-193), existe uma tradição de sistematização das referidas regras assente no conhecimento do castelhano, a opção de Macedo é por esquemas que, alternativamente, dispensem o conhecimento de outras línguas, com vista à facilitação da aprendizagem.
29Em conclusão, após o levantamento e análise dos dados aqui esboçados, importa vincar o modo como Macedo relativiza a inexistência do ditongo “ão” enquanto uma vantagem do castelhano sobre o português, reforçando o propósito global de elogio e afirmação da sua língua materna, por meio de um discurso que revela a manutenção de representações e recursos argumentativos presentes na tradição textual que conforma a questão da língua em Portugal.