Retratos sociais de personagens hugolianas em Machado de Assis
Resumos
Our study juxtaposes three characters. Jean Valjean in Les Miserables (1862) and Gwynplaine in The Man who Laughs (1869), by the French author Victor Hugo appear to have served as inspiration for the dichotomy and internal battle encountered by the third character Bento de Alburquerque Santiago (Bentinho), in Dom Casmurro (1899) by Machado de Assis. The three men bring to light evidence of strong social repression and reveal that moral commitment is stronger than sexual drive. This moral value limits the pleasure of a relationship between two persons, whether of the same sex, or two people outside of marriage.
The society and its morality fulfill or deform these characters. In particular our study will focus on the character of Bentinho to characterize this aspect of literature produced in the second half of the 19th century.
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Os sonhos são uma pintura muda, em que a imaginação à portas fechadas, e às escuras, retrata a vida e a alma de cada um, com as cores das suas ações, dos seus propósitos e dos seus desejosi
1Nosso estudo aproxima três personagens. Duas do escritor Victor Hugo, Jean Valjean, de Os Miseráveis (1862) e Gwynplaine do livro O homem que ri (1869) que parecem SER inspiradoras da dicotomia e da luta interna vividas mais tarde por Bento de Alburquerque Santiago, o Bentinho, de DomCasmurroii, de Machado de Assis. Os três homens trazem à tona indícios de uma forte repressão social revelando que o compromisso moral é mais forte do que a pulsão sexual. Este valor castra o prazer de uma relação entre duas pessoas, sejam elas do mesmo sexo, ou duas pessoas fora do casamento. A sociedade e suas normas enformam, ou deformam, estas personagens. Em especial enfocaremos a personagem de Bentinho para caracterizar este aspecto da literatura produzida na segunda metade do século XIX.
2Personagens socialmente representativas de sua época, Gwynplaine no século XVII, na Inglaterra, Jean Valjean no século XIX, na França, e Bentinho no século XIX, no Brasil, são elas o mesmo reflexo do comprometimento social face aos valores morais dos quais a sexualidade é um fator tabu a ser discutido, ou escondido, ou, digamos, retratado nas entrelinhas. Assim, para falar especificamente desta abordagem escondida no texto, aceitamos nas obras dos dois autores os preceitos da teoria de Diderotiii. Uma natureza sem limites, ou seja: « il n’y a rien de précisennature »iv que se alia àquela de Rousseauv do homem natural em seus instintos, ou seja: « lepenchant de l’instinctest indéterminé »vi.
3Gwynplaine, por uma série de circunstâncias que o leva a uma existência de certa forma reclusa e protegida dos ataques das regras da moralidade, seria ele o que menos teria sofrido por não compreender ou questionar a sua própria sexualidade. Portanto, de uma forma mais simples, sem valores a apreender ou a defender, ele vive a sua sexualidade de maneira menos duvidosa, dolorosa ou questionadora. É verdade que ele não se interroga sobre ela, somente sobre o desejo em si. Como várias personagens de Victor Hugo, incluindo Jean Valjean, Gwynplaine, esta mistura de homem e monstro capaz de incitar ora o desejo assim que a repugnância, não fala de ato sexual, não chega a ter relações sexuais, não deixa descendentes sobre a terra. Ele chega a ser comparado a um santo.
4Quanto a Jean Valjean, ele foi exaustivamente analisado por Pierre Gripari em Sexualitéettradition, publicado na RevueRebis, número 12, de 1987. Um dos interessantes pontos abordados, e que nos interessa neste artigo, é o contexto social no qual Valjean exprime a sua sexualidade.
5Portanto, o perfil proposto para Jean Valjean também destaca um homem sobretudo ciumento. Segundo o autor, sendo Valjean extremamente ciumento, ele é capaz de casar a sua filha ao homem de seus desejos só para te-lo perto de seus olhos. Então, destacamos:
La jalousie de Jean Valjean, comme toutes les jalousies du monde, comporte également une bonne dose d'homosexualité refoulée, le raisonnement subconscient étant à peu prés celui-ci: cet homme est séduisant, il m'attire; il doit donc l'attirer, ELLE aussi... De fait, la suite nous le démontrera, Jean Valjean est vraiment amoureux de Marius, d'une façon contradictoire, violente, mais certainevii
6Mesmo a sexualidade de Jean Valjean sendo reprimida e consequentemente reduzida ao latente e ao secreto por uma imposição social, parece ser ele mesmo quem faz questão e acha por bem relegá-la. A sua preocupação era ter uma filha por adoção e se ocupar da educação dela. Ser único e a parte na sociedade, ele jamais teve namoradas ou foi casado. Personagem de vida social atribulada, ele amargou anos na prisão por ter roubado um pão. Escondendo a sua vida anterior de presidiário, transformou-se em uma outra pessoa, com um outro nome, digamos uma nova identidade, e viveu no seio da sociedade, chegando mesmo a ser um homem político exemplar.
7Percebemos que Valjean como Gwynplaine são um tipo de personagem multifacetada. E é esta semelhança de ser complexo que nos faz retornar às similitudes expressas na personagem carioca. Bentinho é personagem capaz das pulsões sexuais mais secretas. Desejos intimidados pelos valores sociais e asfixiados por uma educação religiosa e moral estritas.
8Dom Casmurro é aquele que vive a recordação do amigo Escobar. Ele mantém a foto do mesmo em um porta-retrato que ganha grande importância por ficar em seu escritório, bem ao lado do retrato de sua mãe, « a santa [...]santíssima »viii, demonstrando enorme respeito e nostalgia pelas duas paixões fundadas em seu ser desde a infância de Bentinho e a adolescência de Santiago: respectivamente a mãe e Escobar. Capitu? Entendemos que a vizinha de Bentinho era uma fiel amiga para brincar de missa. O amor a ela dedicado foi mais uma de suas descobertas dentro do universo dos valores sociais. Falaram que ele a amava, então ele a amou.
Revelar os instantâneos da vida
9Assim, as três personagens hugolianas e machadianas aqui reunidas são constituídas de desejos reprimidos, e para esta afirmação nos valemos de Dom Casmurro ao confesar que « a vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente. »ix
10Para entrar na intimidade de Bentinho (criança), de Santiago (homem) e de Dom Casmurro (velho), uma especial atenção será dada aos retratos, como aquele de seus pais, na parede da sala, primeiro a aparecer na estória, assim como o de Escobar no escritório. Exemplo do qual ja falamos. Enfocaremos a carga emocional e o valor simbólico destas imagens, ou seja, destas pessoas presentes, não mais existentes em carne e osso, mas habitantes do mundo psicológico do narrador.
Retratos na parede, retrato sobre à mesa, retratos da imaginação
11Isto posto, falemos da intimidade psicológica da personagem no momento em que ela esta escrevendo. Dom Casmurro, o velho,x nos confia o que ele quer fazer: um balanço existencial, uma catarse. E esta vem em forma de um relato, um lamento, um monólogo de reminicências de uma tarde, dentro de sua casa reconstituída. Um retorno ao fio do passado com uma maior amargura e dificuldade em compreender e seguir o fio do futuro. A vida passada e a vida futura é uma só nesta linha reta do existir. Existência com suas imposições e escolhas, anseios e acertos e, óbvio, com suas consequências, ou seja, felicidades, dores, perdas, ganhos, recordações, projeções e esperanças.
12O ponto fulcral do questionamento pessoal de Dom Casmurro não é o temporal e sim o espacial. Ele não tenta fazer um balanço existencial cronológico a partir de Bentinho em Passa-cavalos; Santiago no seminário e como homem recém-casado morando na Glória ; Dom Casmurro protegido em seu casarão de Engenho Novo. Seguir por esta leitura no tempo seria pegar o caminho equivocado. Seria ter a interpretação mais simples e seguir por uma via que leva a um penhasco nebuloso. Dom Casmurro faz um questionamento que busca o seu interior e se serve de sua existência para explicá-lo. O ponto forte é a catarse a se produzir, mostrando o seu mundo interior em contraste com o mundo exterior. O mundo de dentro, o psicológico, oposto ao mundo de fora, o social ou moral. Este outro caminho tortuoso se apresenta e se mostra possível quando Dom Casmurro nos diz que « Enfim, agora, como outrora, há aquí o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa. »xi Desde sempre a vida é a mesma. « Agora » e « outrora », ela é uma, única. É a vida da personagem. Não é a análise da infância, da adolescência, da idade adulta e da velhice como muitos poderiam pensar. São o seu eu interior e a imagem externa de seu eu que estão em foco. Esta dualidade é reforçada pelos adjetivos que qualificam a maneira pacata acreditada à vida interior de um lado, assim como à maneira ruidosa dispensada à vida exterior do outro.
13Este enfoque nāo se serve da oposição entre as fases da vida mas, bem ao contrário, se serve delas para expressar o monologo da personagem: « O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. »xii Fazer essa restropectiva da vida é insistir em colocar as emoções em ordem. É tentar conciliar-se com seus sentimentos, com seus fantasmas. É vasculhar a intimidade interna e externa de seu ser. E, é, na velhice, após reedificar a casa, seu útero material, que Dom Casmurro se vê tentado reabilitar, fazer um ajuste de contas em sua vida, desde a sua infância, através da procura de um certo acerto íntimo, introspectivo, doloroso e rasgado : um livro.
14Assim, para esta leitura, seguindo os ensinamentos de AntonioCandido que no Esquema de Machado de Assis confia-nos parâmetros a respeitar na leitura deste mestre, temos por referência os questionamentos de cunho existencial: « Quem sou eu? O que sou eu? Em que medida eu só existo por meio dos outros? Eu sou mais autêntico quando penso ou quando existo? Haverá mais de um ser em mim? »xiii
15A primeira questão é ontológica e a segunda é material. Delas se desprende a terceira como uma interrogação altruísta. Da possível violência gerada ao relacionar-se com o outro surge a quarta questão como um propulsor que nos direciona à duplicação do ser e à dúvida de sua génese profunda, de sua autenticidade. Aceitando e interrogando os possíveis estados de alma (ser autêntico, justo, verdadeiro, dissimulado) é na quinta questão que duvidamos se somos um único ser, ou um ser único, ou se somos um ser multifacetado.
16Portanto, existiria mais de um ser em Bentinho? Intrigante questão que não duvidamos da resposta. Até o seu nome é muitos e demonstra cronologicamente suas fases. E Dom Casmurro continua a nos munir e nos punir com informações precisas, preciosas e fluídas: « Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui »xiv. Ele faz uso do tempo, dos anos que se passaram para este balanço pessoal a procura de sua essência e não um balanço de suas fases de vida. Ele é um senhor e não conseguiu ainda reabilitar o que foi a sua vida e qual pessoa ou multitudes ele foi. É uma procura interna, psicológica. É uma « recomposição » de seu eu complexo, do seu ser, e não de suas fases. É uma procura através das experiências acumuladas na vida e não o contrário. Ainda neste jogo perigoso, nesta obra esmeradamente lapidada, -não querendo parafrasear Vergílio Ferreira que diz que as palavras trazem veneno-, Dom Casmurro, expondo a sua sexualidade, joga com o tempo, esfumaça os sentimentos, dissimula o social e esconde aspectos psicológico de suas fases em suas frases.
17Este baile de máscaras, esta procura insistente de sua alma, este mostrar-se encondendo-se, esta procura perturbada por um falso sossego psicológico se mistura, se embaralha, quando ele diz que « em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. »xv Primeiramente somos levados a pensar no tempo que passa, na sua juventude, na sua fase adulta e na sua velhice. Somos levados a ver o rosto e suas marcas físicasestigmatizadas pelo tempo. Pensamos nas rugas. Mas ele fala da fisionomia. É ela que traz as cicatrizes e expressões. Não são as rugas do tempo, mas as cicatrizes feitas pela alma, pelos seus desejos, pelo agir de seu eu. Rancor, ódio, alegria, inveja, ciúmes, perdas, desejos. Estes são alguns dos traços que a fisionomia mostra. Estamos falando de seu estado de alma e não de seu físico. Seu físico responde pela estampa de sua alma. Portanto, estamos constantemente falando do psicológico analisado a partir do tempo e não sobre o tempo e suas ações sobre o psicológico. Dom Casmurro fala de suas paixões e completa este entendimento mostrando que o importante não é a procura do homem em si, seu corpo, sua matéria, seus anos mas, sim, a procura do entendimento de seu interior: « Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. »xvi
18Este homem ensimesmado faz uma procura interior e não de sua trajetória de vida. A trajetoria é o meio, não o fim. Ele se considera resistente à perda e à ausência das pessoas. Mas consolar-se mais ou menos é tolerar a perda e não admití-la em toda a sua magnitude, estrago e dor. Dom Casmurro fala em um momento em que várias perdas já teve. Pai, mãe, tios, primas, agregado, Escobar, Capitu e Ezequiel são habitantes de sua memória. Eles são seres espectrais que visitam a sua consciência. Ele admite, de alguma maneira ele se convence destas perdas. Ele confessa, mas ele nos confia a tolerância não a aceitação da perda. Ele demonstra somente o seu esforço para compreender esta convivência com ela. Mais do que a separação dos entes queridos, ele perdeu a si. Ele se procura. Ele é o ser humano e traz estampado no rosto estes retratos do viver. Por analogia Victor Hugo no livro de Gwynplaine (O Homem que ri) nos confia a importância da fisionomia como retrato da alma: « la physionomie humaine est faite par la conscience et par la vie, et est la résultante d’une foule de creusements mystérieux. »xvii
19Neste jogo perigoso de palavras envenenadas ou venenosas, Dom Casmurro nos mostra uma direção dúbia. Ele procura entender a sua alma de ser « recluso e calado » que vive dentro de uma « caverna », mas que visita a « cidade », que vai ao « teatro », que tem amigo que vem para « jantar » no domingo. Ele é este ser que viaja para ver os amigos, homem que tem uma vida social comum. Homem que faz alusão a uma vida sexual ativa quando, pela boca de terceiros, um amigo lhe faz o convite escrito em que diz :« venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça. »xviii Notamos uma série de situações de abertura e fechamento. A cidade é sempre citada como algo separado de seu retiro. Rio é a cidade aberta e Engenho Novo é a caverna fechada. Seus contatos sociais permitem uma abertura e seu retiro permite um fechamento. A cidade símbolo de seus compromissos mundanos lhe propõe uma abertura, sobretudo, na verdade, o espõe. Sua casa e suas introspeções lhe propõem um fechamento, que por sua vez, o esconde. Assim, o seu interno de alma briga com o seu aberto das imposições sociais. A máscara e a fisionomia.
Pura pulsão sexual pré-Freud
20Este homem tentando convencer a si mesmo quer convencer a seus leitores. Ele diz viver, comer e dormir bem, mas, logo em seguida, se mostra pessimista nesta análise de seus dois mundosxix e confessa estar exaurido pela monotonia que o corrói. Vemos que escrever um livro é a açãocatártica sugerida pelos homens-mito (César, Augusto, Nero e Massinissa que, como Henrique VIII), estes fantasmas fixados na parede de sua casaxx. Mas também sabemos que esta inspiração vem de sua própriaconsciênciaperturbada onde Fausto, um outro fantasma, o critica e ronda sua memoria. Pressionados pelo tempo, o externo e o interno se encontram novamente.
21Estes fantasmas que acompanham desde sempre Dom Casmurro são personagens masculinas, seres investidos de valores sociais e morais machistas. Elas são um acalanto, uma lição seguida, um suporte para a auto-estimaruída por ciúmes e desejos reprimidos, uma vez que os fatos de adultério, existente ou não, foram resolvidos em todas estas estórias com a punição da mulher. Nada mais gratificante e consolador de ver cotidianamente os seus heróis. Eles são imagens que Dom Casmurro prefere carregar por toda a vida. Fonte inspiradora ou mestres, eles são aconchego, cúmplices, refúgio de uma alma perturbada. E, olhando e falando com os homens-mito, que o acompanha desde a casa de sua infância, ele começa a escrever a sua purgação e seu álibi existencial.
22Dom Casmurro traz na sala de sua casa o retrato de sua mãe e de seu pai em cena de casal socialmente feliz, homem e mulher conjugados pelo matrimônio. O quadro é um fantasma que o persegue como uma regra social ideal a ser respeitada. O pai, esta imagem que sempre lhe perseguiu com os olhos e lhe fez medo em infância é cultuada ao lado daquela da mãe. Eles representam o casal feliz. A felicidade conjugal eternizada no retrato, -e somente no retrato e naquele momento-, é um contrato social, uma « sociedade » estabelecida entre um homem e uma mulher. Eles « são como fotografias instantâneas de felicidade »xxi, ou mais do que isto, são : « billhete comprado de sociedade. »xxii Homem e mulher juntos, símbolo forte da família e dos bons costumes. Valores que Bentinho, sob os olhos do pai e sob a rígida educação vinda da mãe, logo expressou firmando o pacto de casar-se somente com Capitu.
23Quando criança ele foi inseguro e diminuído por ter medo de montar a cavalo. Equitação como um símbolo de virilidade e independência o pertubava intimamente, porque « é preciso que monte a cavalo [...] se quiser florear como os outros rapazes »xxiii. Montaria é coisa que ele só aprendeu bem mais tarde para respeitar à imposição social que ditava a regra machista de que após este fato « agora é que ele vai namorar deveras »xxiv. E neste contexto, é também na infância que ele se faz feliz em acreditar que passou a responder à dúvida de que era um « homem » em razão ter beijado Capitu. Insinuavam que ele não era um homem, então agora ele já era um.
24Mas as impressões de mundo infantil começam a mudar. Este negativo fotográfico começa a revelar um outro retrato. Quando Bentinho vai para o seminário, ele sai do seu mundo fechado de criança. Ele deixa a educação repressiva recebida entre quatro paredes em casa e passa a uma outra de adolescente no seminário. Seus valores se ampliam.
25Vemos que códigos sociais que perturbam nossa personagem desde a infância se fazem explicitamente por um embasamento sexual ditado pela visão machista da mãe agravado pela ausência masculina do pai. Como resume Christiane Carrijo :
A pulsão sexual estaria, desde o início da vida do indivíduo, submetida a um sistema de representações inconscientes porque o auto-erotismo é estruturado pelos objetos de satisfação originais – mãe – e estes sempre teriam estado submetidos às fantasias das crianças. A pulsão sexual na espécie humana estaria relacionada a fantasias desde o auto-erotismo da infância até a sexualidade genital adulta e poderíamos dizer que a capacidade de submeter e associar a sexualidade a um sistema de representações inconscientes é uma característica específica da espécie humana.xxv
26Assim, distante da redoma familiar, no seminário ele vai descobrir os sonhos eróticos. Esses gerados em razão de ter presenciado a queda de uma transeunte na rua, ou melhor, de uma senhora, e de ter visto suas pernas adornadas com ligas de seda azuisxxvi. « Dali em diante, até o seminário, não vi mulher na rua, a quem não desejasse uma queda »xxvii. Essas reações de desejo íntimo são constantes na nossa personagem de grande imaginação e introspectividade para quem batinas de religiosos se misturam a saias de senhoras. O masculino e o feminino não tem idade ou credo religioso, somente a conotação sexual responde à suas fantasias. A sua sexualidade segue fluxo livre, sem limites, sem gênero : « No seminário, a primeira hora foi insuportável. As batinas traziam ar de saias. [...] De noite, sonhei com elas. »xxviii Mas os sonhos que possibilitam uma evasão livre de preceitos ou preconceitos morais duram pouco e a proibição e auto-punição recaem sobre Santiago, pois: « Uma multidão de abomináveis criaturas veio andar a roda de mim, tique-tique...Eram belas, umas finas, outras grossas, todas ágeis como o diabo. »xxix Vemos aqui uma constante briga entre o prazer representado pelo sonho erótico puro e simples e a punição representada pelo conceito de pecado do sexo. Nesta interessante mistura dançante de prazer e pecado, o adolescente do sonho fala de beleza física, da sensualidade das indumentárias. Já o adolescente dos valores repressores fala de criaturas, de seres abomináveis, diabólicos. Sua imaginação varia entre o deleite e a proibição:
Acordei, busquei afugentá-las com esconjuros e outros métodos, mas tão depressa dormi como tornaram, e, com as mãos presas em volta de mim, faziam um vasto círculo de saias, ou trepadas no ar, choviam pés e pernas sobre a minha cabeça.[...] Não dormi mais; rezei padre-nossos, ave-marias, e credos[...]xxx.
27No sonho as mulheres e as pernas são belas, finas, grossas. De olhos abertos Santiago se coloca a rezar para tentar fugir do mundo onírico e da liberdade possibilitada pela fantasia erótica:
Vindo o mal pela manhã adiante, tentei vencê-lo [...]Não podendo rejeitar de mim aqueles quadros, recorri a um tratado entre a minha consciência e a minha imaginação. As visõesfeminis seriam de ora avante consideradas como simples encarnações dos vícios, e por isso mesmo contempláveis, como o melhor modo de temperar o caráter e aguerrí-lo para os combates ásperos da vida.xxxi
28Dom Casmurro nos revela as tristes artimanhas das quais sempre se serviu na vida. Neste capítulo chamado « O tratado » ele explica o acordo feito entre sua consciência (moralidade) e a sua imaginação (liberdade). Tendo a sua sexualidade vista como vítima das « encarnações dos vícios » representadas pelo sexo feminino, ele se reprime servindo-se do que chama de consciência (controle moral ou social) e interdita o livre expressar de sua imaginação (pulsão sexual).
Cinestesias na imagem
29Isto posto sobre Bentinho e Santiago, sabemos que Dom Casmurro tambem é extremamente sensível ao visual e ao tátil. Ele é observador e cria uma linguagem para tentar decifrar todas as formas de olhares de seus próximos. Desde cedo a sua grande sensibilidade visual e tátil o faz entregar-se e mergulhar nos olhos de ressaca de Capitu, assim como lhe faz penteá-la « saboreando pelo tato »xxxii seus cabelos.
30Portanto, para a sexualidade de Dom Casmurro, ver, apreciar com os olhos, é manter-se no limite da consciência. Tocar é ousado, quase proibido. Seus contatos são tímidos e cheios de precauções. No máximo, ele timidamente ousa tocar mãos. Ele se contenta de ver os movimentos do corpo. « A imaginação foi companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida »xxxiii, diz Dom Casmurro. Toda a sua sexualidade se constitui de modo comedido, sem ultrapassar barreiras, tentando dosar o máximo de equilíbrio entre consciência e imaginação. Um certo tipo de acordo entre estar consciente do limite social de até onde pode-se tocar e o limitar-se pelo olhar abundante para, sem limites, imaginar.
31Entendendo assim o mecanismo da sexualidade de Dom Casmurro, voltamos à fase de Santiago. É neste período, no seminário que ele conhece Escobar:
Chamava-se Ezequiel de Sousa Escobar. Era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. (...) as mãos não apertavam as outras, nem se deixavam apertar delas, porque os dedos, sendo delgados e curtos, quando a gente cuidava té-los entre os seus já não tinha nada.[...]. O sorriso era instantâneo. Era mais velho que eu três anos.xxxiv
32Podemos notar que a maioria das observações de Santiago sobre Escobar é referente ao visual e ao tátil em puro efeito de sensibilidade e, sobretudo, sensualidade pueril.
33Ainda nesta fase de transição da personagem, veremos que Santiago vai hesitar entre novas sensações e o tal amor (compromisso) prometido a Capitu. Escobar fala de sua irmã demonstrando-a como um anjo em bondade e beleza a Santiago que comovido revela « capaz de acabar casando com ela, se não fosse Capitu. »xxxv Acrescentamos este exemplo para especular sobre a veracidade dos sentimentos do adolescente que apreende o mundo pela sensualidade que o reprime. Suas colocações são sempre pensamentos, imaginações (ele nunca viu a irmã de Escobar, a qual logo faleceu). E é nesse mundo castrador que sua sexualidade vai se formando e traçando o seu caminho.
34Voltando ao seu contato com Escobar podemos perceber que a amizade entre estes dois jovens em formação tornou-se mais intensa:
Escobar veio abrindo a alma toda [...] Eu não era ainda casmurro, nem dom casmurro; o receio é que me tolhia a franqueza, mas como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las, e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou, até que…xxxvi
35Sabemos que após a saída do Seminário a amizade entre ambos continua. Escobar casa-se com Sancha a melhor amiga de Capitu e Santiago, já advogado, é ajudado por Escobar no início na careira no Rio. « Demais, as nossas relações de família estavam previamente feitas; Sancha e Capitu continuavam depois de casadas a amizade da escola, Escobar e eu a do seminário. »xxxvii Escobar e Sancha tinham uma filha chamada por « Capituzinha »xxxviii, em homenagem a Capitu. O filho de Santiago demorou a chegar e recebeu o nome de Ezequiel, em homenagem a Escobar, e « assim se formam as afeições e os parentescos, as aventuras e os livros. »xxxix
36Assim, como a sua mãe, Santiago negociava com Deus milagres. Pagavam em dinheiro para ter dádivas recebidas. A Dona Glória, apóssugestão de Escobar, negociou a educação de um outro seminarista no lugar do filho Bentinho. É verdade que existe uma grande chance de que na negociação, no momento da promessa, a mãe pensou que iria ter uma filha e não um filho e ficaria livre da promessa de dar um padre à Igreja. Quanto a Santiago, este pagava suas promessas para ter um filho. E, ele e Capitu, tomados pela inveja, pediam a morte da pequena Capituzinha, filha do casal amigo: « e nós,[...]vínhamos suspirando as nossas invejas, e pedindo mentalmente ao Céu que no-las matasse... »xl
37Estas surpreendentes negociações com o divino revelam o íntimo querer das personagens dentro de um quadro social em que as paixões mal resolvidas tendem a ser anuladas, apagadas da vida de Dom Casmurro. Tudo o que incomoda, ele tenta apagar de sua existência. Ciumento confesso desde criança, ficou furioso ao saber da possibilidade de Capitu estar livre para encontrar outro pretendente enquanto ele estava « preso » no seminário. Suas crises de ciume são constantes e o perseguem por toda a vida. Ele o confessa várias vezes, como os quatro exemplos abaixo justificam:
Tal foi o segundo dente de ciume que me mordeu.xli Os meus ciúmes eram intensos, mas curtos; com pouco derrubaria tudo, mas com o mesmo pouco ou menos reconstruiria o céu, a terra e as estrelas.xlii Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos.xliii O meu velho ciume.xliv
38Portanto quando as situações lhe fogem ao controle da compra e impregnam a sua imaginação, ele parte compulsoriamente para uma outra possível solução: a morte. A pulsão de morte vem à tona. Matando as pessoas, elas deixariam de causar problemas (mas não em sua imaginação). Falando de Capitu e do filho ele confessa que: « eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada. »xlv
Instantâneos de vida
39Ainda sobre esses retratos de vida e morte, um de grande importância é a fotografiaxlvi de Escobar oferecida a Santiago em 1870, menos de um ano antes de sua morte. Esta atitude denota a intimidade guardada entre os dois amigos pela presença mutua. Esta fotografia exerce um forte valor sentimental para as personagens. Simbolicamente a fotografia carrega o peso da presença constante de um na vida do outro e estabelece uma relação de possessão entre ambos. Sabemos que a fotografia fica no « gabinete » de Santiago, sobre a sua mesa de trabalho, ao lado da foto de sua mãe : « o retrato de Escobar, que eu tinha ali, ao pé do de minha mãe, falou-me como se fosse a própria pessoa. »xlvii
40« Ao meu querido Bentinho o seu querido Escobar »xlviii é a dedicatória que Santiagolê para recordar-se do amigo na tentativa de fugir da atração sexual exercida por Sancha ou quando havia decidido tomar veneno para se matar (acompanhado da leitura de Plutarcoxlix). Esta relação de morte, posse e sexualidade reprimida é nítida quando eleconfesa que « estas palavras fortaleceram-me os pensamentos daquela manhã, e espancaram de todo as recordações da véspera. »l A dedicatória da fotografia é mais do que alarmante, ela é reveladora. Ela não se refere a um amigo, a um camarada, a um colega ou a um irmão, por exemplo. Ela se serve dos adjetivos possessivos presentes em uma única frase (e não da ambivalência de possíveis duas frases). Nessa frase se estabelece um só entendimento de posse que é recíproco na ação. O jogo estabelecido na frase tende a embaralhar o sujeito. Pensamos na recordação oferecida e não na intimidade da reciprocidade compactuada e revelada. Temos um de « mim » para um « você ». Escobar se oferece a Bentinho. O meu é para o seu. Eu sou teu, você e meu. Ao meu querido o seu querido.
41É na mesma intimidade de seu gabinete, lugar singular e próprio para suas elucubrações, que Santiago se perde em suas divagações, tomado pela presença de Escobar, este fantasma saído e proporcionado pela fotografia. Em uma primeira vez, submergido em uma crise shakespeariana de ciume por Capitu, ele pensa que a solução é se matar e, depois, acha por bem matar a ela. Em uma segunda vez, ele luta contra a atração por Sancha, antes e depois da viuvez, mas insiste em admitir que « a viúva era realmente amantíssima »li (ainda que seja mais uma das tantas repetições do pensar de seu agregado Dias e não o seu especificamente). Atração sexual, traição sexual e interdição sexual, são o mote de seu desespero. Estando frente à foto de Escobar, o fantasma deste se faz presente para si e se personifica em Ezequiel. As ações de seu filho fazem de Escobar um fantasma vivo.
42Santiago, dentro de semelhantes divagações comparativas, a um dado momento afirma:
todas essas ações eram repulsivas; eu tolerava-as e praticava-as, para me não descobrir a mim mesmo e ao mundo. Mas o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim, que vivia mais perto de mim que ninguém.lii
43O seu mundo é habitado pela presença proibida de Escobar, presença que ele tenta dissimular. Antagônicasaçõesperturbam a sua sexualidade feita de privações e de interdição. É uma visão pessimista do exercíciocotidiano da dominação social onde o sensível é subjulgado pelo inteligível, onde o prazer é sobreposto pela razão. Abaixo daremos mais dois exemplos para ilustar a tal situação.
Abrindo o album de família
44Discorremos sobre a sensualidade que aflora à sexualidade de Dom Casmurro. Falamos do tátil e do visual formatando o seu prazer sensual e sexual. Portanto, abordemos agora suas atrações e fantasias sexuais dando nome aos seus objetos de prazer: Uma vez atraído sexualmente por Sancha, ele toca o braço de Escobar pensando em tocar à ela. E, uma vez elogiando os olhos de Capitu ele està a dissimular a si mesmo suas intenções e elogia os olhos de Escobar. Transposições reprimidas por condicionamentos morais que mais tarde Freud chamaria de « moral sexual civilizada »liii.
45Primeiro retomamos o tátil. Sabemos de sua atração por braços e vários exemplos mostram esta sensualidade exercida pelos braços. (Como o capítulo CV « Os braços »). A experiência de Santiago com Escobar é a seguinte:
Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimí-la; era jarretar a verdade. Não só os apalpei com essa idéia, mas ainda senti outra coisa; achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar.liv
46Longe de estamos falando de Sancha, uma mulher, estamos falando de dois homens. Tudo é virilidade, força e desejo sob o prisma de um subterfúgioinconsciente (ou quase). Uma representação quase insuportável em admitir ao seu consciente a presença prazerosa e máscula do amigo íntimo que invadiu a sua alma desde a adolescência.
47Como segundo exemplo, servimo-nos do visual. Santiago sempre afirmava que o seu filho Ezequiel tinha os olhos de Escobar. Quando Capitu confirmou que os olhos de Ezequiel eram parecidos com os do « defunto Escobar », Santiago participa afirmando a semelhança : « Aproximei-me de Ezequiel, achei que Capitu tinha razão ; eram os olhos de Escobar »lv. Em seguida, nessa transposição de Escobar para Ezequiel e de Ezequiel para Capitu que retorna a Escobar, ele confirma seus fantasmas: « dizendo-lhe eu que, na beleza, os olhos de Ezequiel saiam aos da mãe, Capitu sorriu, abanando a cabeça com um ar que nunca achei em mulher alguma. »lvi
48A realidade interna, aquilo que Dom Casmurro esconde, tem medo, o inibe, é dissimulada no mundo externo. Essa é a ligação das duas pontas da mesma via. Uma grande viagem pela sua sexualidade e as implicações que isto gerou. O símbolo feminino é um simulacro de seu consciente capaz de camuflar a pulsão sexual masculina em seu inconsciente. Seguindo por esta vertente, lamenta-se que obras como a de Helen Caldwell tenha chegado tão tarde. Relato oras « tradicional », mas ao menos ela nos deixa o entendimento de que a paixão humana estará sempre presente na modernidade machadianalvii. Outro lamento, mais do que isto, uma lacuna, é a « interdição » da obra de Maria Lúcia Pinheiro Sampaiolviii, esquecida durante uma década. Fatos como esses de escassez de interpretações diversas deixaram as leituras de Dom Casmurro a rodopiar hermeticamente como uma ciranda de cinco ou seis temáticas.
A verdade é que fiquei mais amigo de Capitu [...] Escobar também se me fez mais pegado ao coração. As nossas visitas foram-se tornado mais próximas, e as nossas conversações mais íntimas.lix
49Por revelação como esta de Dom Casmurro temos simbolicamente uma fotografia de um quadro de família. O valor simbólico da fotografia de Escobar sobre a mesa do gabinete de Bentinho não revelaria um entrelaçamento destas verdades não ditas? Por um outro lado, Capitu poderia ter percebido o sofrimento de Bentinho em sua relação com Escobar no seminário. Ela poderia ter ajudado a amiga Sancha a se casar com Escobar para deixar Bentinho livre para ela. Capitu, que falava pouco, poderia muito bem agir de forma a amenizar o sofrimento do marido Santiago, dissimulando e estimulando situações. Portanto, o fatídico cruzamento de olhares de Capitu com o olhar da foto de Escobar, com o olhar de Santiago, não seria uma forma de dizer a Santiago que ela conhecia, lamentava e sofria por sua verdade reprimida?
50Assim, o contexto de imposição social e repressão no qual as personagens de Victor Hugo e de Machado de Assis nascem, são educadas, vivem e se escondem, é exaustivamente exemplificado por Dom Casmurro que nos confessa: « tudo é culpa de nosso sexo, que perturbava assim a adolescência de um pobre seminarista. »lx Como Jean Valjean e Gwynplaine, Dom Casmurro se vitima em sua sexualidade proibida. Humanamente vividas e sentidas, essas personagens sempre estiveram por ai, na realidade, em constante procura da « paixão humana ».
51No meio de amálgamas de patéticas máscaras impostas pelos padrões sociais, frente a confissões de prazeres proibidos, nesse jogo de trocas entre escritor e leitor, podemos indagar sobre o que disse Dom Casmurro no século XIX, em seu humano lamento de (d)escrever o retrato de sua identidade sexual plena, e compreender nas entrelinhas que: « tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo, Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas. »lxi
Notas
i Padre Vieira, « Sermão de São Francisco Xavier Dormindo », Sermões. Porto: Lello & Irmão, 1959, p. 38.
ii Todos os nossos exemplos foram tirados da obra digital de Machado de Assis, Dom Casmurro, Texto de referência: Obras Completas de Machado de Assis, vol. I, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994. Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899. Trabalho elaborado pelo Núcleo de Pesquisas em Informatica, Literatura e Linguística – NUPILL, do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina, disponibilizada no « Machado de Assis: obra completa », do Ministério da Educação, pelo portal Domínio Público - Biblioteca digital, desenvolvida em sofware livre. http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm08.pdf As seguintes referências à obra serão feitas pelo nome do romance, seguido do referido número de página.
iii Denis Diderot (1713–1784), na sua obra O Sonho d’Alembert (1769) afirma sua teoria de que « Tout est en un flux perpétuel… Tout animal est plus ou moins homme; tout minéral est plus ou moins plante; toute plante est plus ou moins animal. Il n’y a rien de précis en nature… » Nossas três personagens respondem a esta natureza. Nada é imutavel no mundo. Não existe essência e sim existência. Não existe uma essência na natureza. Assim, a linearidade da vida é feita por ações vividas nas várias fases da existência e, por si, permitem a evolução. Dentro deste trajeto os valores morais tem seu peso e contam no resultado final onde as paixões podem exercer um papel preponderante ou, ao contrário, anular-se.
iv Não existe nada de específico na natureza. Tradução nossa.
v Jean Jacques Rousseau (1712-1778) no seu livro Émile, ou de l’Éducation (1762) nos fala que o instinto é indeterminado e que, ao contrário, o amor é um resultado da razão. « L’instinct est indéterminé » e « on n’aime qu’après avoir jugé, on ne préfère qu’après avoir comparé. Ces jugements se font sans qu’on s’en aperçoive, mais ils n’en sont pas moins réels. » Não se fala em instinto em Dom Casmurro como se falava na época de Rousseau. Obra já próxima das futuras teorias de Freud, Dom Casmurro fala de « sensações », « emoções », « sonhos eróticos » se aproximando daquilo que Freud chamaria de « pulsões sexuais ».
vi « A propensão do instinto é indeterminada. » Traduçāo nossa.
vii Além da fonte da revista acima citada, podemos encontrar o texto de Pierri Gripaldi na internet. Disponível em http://frounch.blogspot.com/2008/03/jean-valjean-homosexuel.html?zx=97b20f3ac3ece697. Acessado em 05 de maio de 2011.
viii DomCasmurro, pp. 123-124.
ix DomCasmurro, p. 65.
x Apesar de ter apenas 57 anos. Este fato nos transporta dentro da realidade e contexto da época em que a estória se dá: Rio de Janeiro, seculo XIX. Não é a nossa época atual na qual vários valores sociais e morais foram abandonados, tantos outros edificados e pela qual podemos constatar que muitos outros atravessaram os séculos.
xi DomCasmurro, p. 2.
xii Dom Casmurro, p. 2.
xiii Candido, Antonio, « Esquema de Machado de Assis », In Vários escritos, São Paulo: Duas cidades, 1970, p. 23.
xiv DomCasmurro, p. 2.
xv DomCasmurro, p. 2.
xvi DomCasmurro, p. 2.
xvii « A fisionomia humana é feita pela consciência e pela vida, e é a resultante de uma multidão de escavações misteriosas. »Tradução nossa.
xviii DomCasmurro, p.1.
xix O pessimismo ao conceber um mundo interior e um mundo exterior se faz presente na obra tanto de Victor Hugo quanto de Machado de Assis, seu tradutor no Brasil. Sobre este assunto ler artigo de Ravel Giordano Paz, Duas montanhas, quatro abismos: as « filosofias da natureza » de Victor Hugo e Machado de Assis. In Estudos Avancados, Volume 17, Número 47, São Paulo.
xx « Nos quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. »Dom Casmurro, p. 2.
xxi DomCasmurro, p. 7.
xxii DomCasmurro, p. 7.
xxiii DomCasmurro, p, 6.
xxiv DomCasmurro, p, 6.
xxv Carrijo Eckhardt Mouammar, Christiane, A importância da definição freudiana do conceito de pulsão sexual para a compreensão do conceito de sexualidade humana , in Revista AdVerbum, V. 5 (2), Ago a Dez de 2010, pp. 52-60. Disponível em linha :
http://www.psicanaliseefilosofia.com.br/adverbum/vol5_2/05_02_02importdefinicaofreudiana.pdf
xxvi Rousseau, em seu livro Émile, ou de l’Éducation, nos diz que o nascimento do desejo sexual na adolescência permite a entrada ao mundo moral. É do desejo sexual que serão estabelecidos os valores para a luta entre prazer e a punição social.
xxvii DomCasmurro, p. 57.
xxviii DomCasmurro, p. 57.
xxix DomCasmurro, pp. 56-57.
xxx DomCasmurro, p. 57.
xxxi DomCasmurro, p. 58.
xxxii DomCasmurro, p. 33.
xxxiii DomCasmurro, p. 41.
xxxiv DomCasmurro, p. 56.
xxxv DomCasmurro, p. 56.
xxxvi Em um outro trecho Dom Casmurro nos adverte do uso intensional das reticências: « Vou esgarçando isto com reticências, para dar uma idéia das minhas idéias, que eram assim difusas e confusas ». DomCasmurro, p. 57.
xxxvii DomCasmurro, p. 95.
xxxviii DomCasmurro, p. 99.
xxxix DomCasmurro, p. 91.
xl DomCasmurro, p. 99.
xli DomCasmurro, p. 71.
xlii DomCasmurro, p. 98.
xliii DomCasmurro, p. 85.
xliv DomCasmurro, p. 122.
xlv DomCasmurro, p. 116.
xlvi « Era uma bela fotografia tirada um ano antes. Estava de pé, sobrecasaca abotoada, a mão esquerda no dorso de uma cadeira, a direita metida ao peito, o olhar ao longe para a esquerda do espectador. Tinha garbo e naturalidade. A moldura que mandei pôr não encobria a dedicatória, escrita embaixo, não nas costas do cartão ». Dom Casmurro, p. 110.
xlvii Dom Casmurro, p. 109.
xlviii Dom Casmurro, p. 110.
xlix A ética de Plutarco baseia-se na convicção de que, para alcançar a felicidade e a paz, é preciso controlar os impulsos (as pulsões) das paixões.
l Dom Casmurro, p. 110.
li Dom Casmurro, p. 113.
lii Dom Casmurro, p. 116.
liii « Freud, em Moral sexual « civilizada » e doença nervosa moderna (1908), comentava, aliando-se às ideias do professor de filosofia de Praga, Christian von Ehrenfelds, que a moral sexual civilizada necessitava de reformas, visto que o cumprimento de seus preceitos frequentemente produzia sérias neuroses. As restrições feitas à atividade sexual tanto dos homems quanto das mulheres – proibições de toda relaçao sexual, exceto dentro do casamento monogâmico – trazem para a saúde e a eficiência dos individuos grandes prejuizos, podendo até comprometer a própria cultura no futuro. Contudo, é a mulher a que mais sofre essas restrições, pois, como disse Freud, há que se admitir uma moral dupla. » Freitas, Luiz Alberto Pinheiro de, Freud e Machado de Assis: uma interseção entre psicanálise e literatura, Rio de Janeiro: Mauad, 2004, p 82.
liv Dom Casmurro, p. 109.
lv Dom Casmurro, p. 116.
lvi Dom Casmurro, p. 116.
lvii « e somente através do conhecimento do eu, Machado crê, que os seres humanos podem, com propósito e esforço, melhorar. Assim, encontramos em toda a sua obra, quase como um motivo, a idéia de que as restrições impostas pela sociedade brasileira do dezenove, com sua tradição de devoção católico-cristã, fazendo-se passar por piedade cristã, não diminui a força da paixão humana, apenas modifica sua manifestação – e os novos meios de manifestação não são necessariamente mais aceitáveis que os anteriores. » Caldwell, Helen, O Otelo Brasileiro de Machado de Assis, São Paulo : Ateliê Editorial, 2002, p. 158.
lviii Para a autora, nossa professora de Teoria Literária nos idos anos oitenta, era patente que : « Por detrás da estória da « traição » de Capitu, Machado escreveu um outro romance, mais denso, mais enigmático, dominado por poderosos impulsos inconscientes. Eros e Thanatos se digladiam nesse romance onde o personagem central empreende uma busca frustrada do prazer. » Esse assunto fascinava a nós alunos, mas o livro só foi publicado em final em 1989.
lix Dom Casmurro, p. 98.
lx Dom Casmurro, p. 62.
lxi Dom Casmurro, p. 58.
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Referência eletrónica
Silvio Santos da Silva, «Retratos sociais de personagens hugolianas em Machado de Assis», Amerika [Online], 7 | 2012, posto online no dia 21 dezembro 2012, consultado o 09 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/amerika/3638; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/amerika.3638
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