1A segurança alimentar e nutricional (SAN) é compreendida neste estudo como um direito humano fundamental, que envolve o acesso regular e permanente a uma alimentação saudável de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, respeitando as diversidades culturais e sendo sustentável do ponto de vista socioeconômico e agroecológico (Brasil 2006). No entanto, muitas pessoas em todo o mundo enfrentam obstáculos sociais, físicos e econômicos que dificultam a garantia desse direito.
2Na contemporaneidade, observamos uma série de transformações significativas nas formas de produção e consumo de alimentos da população em todo o mundo. Essas mudanças são impulsionadas por uma combinação de fatores sociais, econômicos, tecnológicos e culturais, e têm impactos na saúde pública e nos sistemas alimentares. A urbanização crescente e o estilo de vida acelerado levaram a um aumento no consumo de alimentos rápidos, convenientes e refeições prontas para consumo, muitas vezes considerados menos saudáveis de um ponto de vista nutricional (Portilho et al. 2011) e associados a inúmeros resultados adversos à saúde (Lane et al. 2023) e a condições de insegurança alimentar e nutricional, uma vez que o modelo de sistemas alimentares responsáveis por disponibilizar esses produtos alimentícios está vinculado ao acesso inadequado à comida e desrespeito à soberania alimentar (Nogueira, Pereira, Carrara 2022).
3No processo de urbanização, a industrialização de alimentos tem impactos significativos nas questões de gênero na sociedade, dado que está associada à redução do tempo necessário para preparar refeições. Isso libera tempo para as pessoas se dedicarem a outras atividades, como educação e trabalho fora de casa, especialmente as mulheres, que tradicionalmente ficam responsáveis pelas atividades relacionadas à alimentação nos espaços privados (Segal e Demos 2016). Ao mesmo tempo, Contreras (2005) argumenta que, nesse processo, o comer juntos durante as refeições teve seu valor reduzido.
4Um dos aspectos que vêm sendo tratados na literatura acadêmica para a promoção de práticas alimentares saudáveis é a valorização, no cotidiano, da prática de cozinhar no ambiente doméstico, sob a perspectiva do cuidado consigo e com o outro (Castro et al. 2007, Oliveira e Castro 2022). O domínio das habilidades culinárias e a capacidade para superar obstáculos econômicos, físicos e sociais são consideradas formas de empoderamento no preparo de refeições e práticas promotoras de saúde em casa.
5Outro importante pilar para pensar os desafios da SAN é a precarização do trabalho, uma vez que isso afeta, direta e indiretamente, o acesso das pessoas a alimentos adequados e nutritivos (Tavares et al. 2018). A precarização do trabalho refere-se à condição de trabalho caracterizada por instabilidade, baixa remuneração, falta de benefícios sociais e falta de segurança no emprego (Antunes 2001). Estes fatores podem levar à flexibilidade com horários de trabalho irregulares e muitas vezes em longas jornadas, redução do poder de compra, e à falta de tempo para outras atividades, além de estresse e impactos na saúde mental.
6Helena Hirata (2011) aponta para uma tendência à precarização do trabalho, associada, sobretudo, às mulheres. Danièle Kergoat (2021) argumenta que o trabalho é um conceito central para os estudos de gênero. A autora entende o trabalho como um mediador das relações entre indivíduo e sociedade, em que as práticas sociais a ele relacionadas auxiliam a apreender, de forma concreta, as relações sociais. A posição das mulheres nas relações de trabalho está no cerne das formas de exploração, com ênfase na distinção entre trabalho remunerado e não remunerado como um ponto fundamental na separação entre espaços de poder.
7Segundo Carole Pateman (2018), a dicotomia existente entre espaço público e espaço privado ocupa um papel central na teoria feminista. As principais críticas a essa cisão apontam que a separação entre o âmbito público e o privado, acompanhada da criação de estereótipos e papéis para cada gênero, acaba por provocar diversos impactos e obstáculos na participação das mulheres no mercado de trabalho. Uma das consequências provenientes da atribuição do âmbito privado para as mulheres está representada sob a forma da divisão sexual do trabalho.
8O conceito de divisão sexual do trabalho foi extensamente trabalhado por Helena Hirata e Danièle Kergoat (Hirata 2011, Hirata e Kergoat 2007, Kergoat 2009) e pode ser definido como “a forma da divisão social do trabalho decorrente das relações sociais de sexo” (Kergoat 2009, 67). Uma de suas características principais é a orientação prioritária dos homens para uma esfera social considerada economicamente produtiva e das mulheres ao trabalho reprodutivo, que é aquele entendido não apenas como a reprodução biológica, mas como todo trabalho de reprodução social da vida, ou seja, os chamados afazeres domésticos, como limpar, lavar, cuidar e cozinhar.
9O aprofundamento sobre a divisão sexual do trabalho revela que ela opera tanto pelo princípio da “separação”, marcado pela noção de que existem trabalhos de mulheres e trabalhos de homens, quanto pela “hierarquização”, que atribui maior valor social e econômico ao trabalho dos homens, marcadamente dos homens brancos. Entende-se também a existência da “segregação horizontal”, que advém do fato de haver uma concentração de mulheres e homens em profissões ou setores de determinada atividade econômica ou cargos específicos, e da “segregação vertical”, também conhecida como “teto de vidro” ou ainda como segregação hierárquica, que aponta para a existência de obstáculos que levam ao índice menor de mulheres em cargos de poder e tomada de decisão (Laufer 2002).
10Importante pontuar o impacto dos arranjos privados e da divisão sexual do trabalho no âmbito público e laboral. Um dos slogans do movimento feminista é a frase “o pessoal é político”, que representa a noção de que as condições da vida pessoal impactam na vida pública e vice-versa e, por essa razão, não podem ser consideradas questões apenas de esfera íntima.
11A pesquisadora Mabel Gracia-Arnaiz (2009) aborda como algumas mudanças estruturais na sociedade espanhola nas últimas décadas afetam essa relação na responsabilidade feminina sobre a alimentação doméstica e a multiplicação de atividades fora do lar, apresentando uma dificuldade em conciliar as tarefas culinárias cotidianas com o trabalho realizado fora de casa. No Brasil, realidade semelhante também é observada com uma ampliação considerável da participação das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, porém sem ser acompanhado pela ruptura das fronteiras da divisão do trabalho na esfera doméstica (Ávila e Ferreira 2014).
12A crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho vem alterando profundamente a estrutura nuclear da família heterossexual. Se antes os homens eram considerados os provedores financeiros, com seus salários sustentando economicamente as famílias, atualmente boa parte das casas têm por sustento a renda advinda do trabalho da mulher. Entretanto, além de trabalhar de forma remunerada no mercado de trabalho, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas de alimentação, limpeza e, principalmente, pelos filhos. Por essa razão, as mulheres acabam por exercer duplas ou triplas jornadas de trabalho, como demonstram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2018, que indicam que, no Brasil, as mulheres dedicam, em média, 10,4 horas semanais a mais que os homens aos chamados afazeres domésticos, não remunerados (IBGE 2018). Na Espanha, realidade similar é observada, com as mulheres dedicando mais do que o dobro de horas que os homens nas atividades domésticas em geral e nas de preparo de alimentos (Ministerio de Igualdad 2024).
13No entanto, essa relação não acontece de forma homogênea entre a população. Apesar das possibilidades de mudanças do lugar da mulher, a percepção da equidade dos papéis de gênero não parece ainda ser alterada com a inserção da mulher no mercado de trabalho, em especial entre mulheres das camadas mais populares. A visão de que cabe aos homens o sustento da família parece começar a mudar em gerações mais recentes. Ainda assim, há uma valorização positiva da inserção feminina no mundo do trabalho devido a possibilidades de adquirir uma independência financeira diante do marido ou demais parentes, mesmo que seja difícil e cansativo conciliar o trabalho com as tarefas domésticas (Machado e Barros 2009).
14Em relação ao trabalho culinário remunerado, exercido no setor de restaurantes, observamos uma série de problemas, como a baixa remuneração financeira, longas jornadas de trabalho, não pagamento de horas extras, atividades que exigem muito esforço físico, em geral exercidas em pé, alta rotatividade de funcionários, insalubridade e periculosidade, entre outras características que estão vinculadas a um mercado de trabalho precário em nível global (Borba 2015). O trabalho precário afeta de forma mais intensa as mulheres, devido às estruturas de desigualdade de gênero nas sociedades e nos mercados de trabalho. Isso porque que elas ocupam postos de menor capacidade técnica e prestígio na hierarquia profissional, recebem piores remunerações salariais e estão mais expostas à informalidade e ao desemprego (Alcañiz-Moscardó 2017, Brito 2000).
15Quanto as questões de gênero no trabalho em cozinhas, observamos com frequência uma segregação horizontal do trabalho, com maior participação das mulheres nas áreas de cozinha fria ou da confeitaria e dos homens nas áreas da cozinha quente e de manipulação de carnes. Já sobre o aspecto da segregação vertical, também conhecida como “teto de vidro”, observamos menos mulheres nas posições de chefia na cozinha (Briguglio 2020). As mulheres também enfrentam disparidades salariais, baixa projeção e baixo reconhecimento de seu trabalho, tanto na mídia quanto nas premiações internacionais e nacionais, destacando-se aqui que as poucas que têm seu trabalho reconhecido são esmagadoramente as mulheres brancas.
16A partir dessas perspectivas, interessou-nos olhar para mulheres trabalhadoras de cozinhas profissionais em restaurantes comerciais e as estratégias de produção e consumo de alimentos no domicílio. Essas sujeitas são consideradas detentoras de saberes e práticas culinárias e estão expostas aos efeitos da precarização no trabalho. Sabe-se também que à figura feminina atribui-se a responsabilidade pelo espaço culinário e que a prática de cozinhar em casa não é apenas uma questão de habilidade mecânica.
17Desse modo, um caminho que vislumbramos para contribuir com o debate dessa temática específica e avançar nas discussões que se centram nas habilidades individuais e nos aspectos técnicos do preparo de refeições como estratégias para alcançar SAN foi compreender como trabalhadoras expostas a um contexto global de precarização em um setor com duras condições laborais, desenvolvendo um trabalho culinário remunerado em suas carreiras profissionais, bem como não remunerado em suas vidas pessoais, buscam estratégias para obter e oferecer alimentos à família.
18A partir de dados de pesquisa com mulheres trabalhadoras de cozinhas de restaurantes no Brasil e na Espanha, o artigo analisa de que forma essas mulheres conciliam suas carreiras remuneradas com os afazeres domésticos, especialmente a produção de alimentos em casa.
19São protagonistas desta pesquisa empírica 24 mulheres trabalhadoras de cozinhas de restaurantes. Dessas, 10 estavam atuando como manipuladoras de alimentos em restaurantes na cidade do Rio de Janeiro (Brasil) e 14 na cidade de Barcelona (Espanha). Consideramos como manipuladoras de alimentos pessoas que estivessem ocupando cargos de auxiliar de cozinha, cozinheira, subchefe ou chefe.
20As cidades do Rio de Janeiro e de Barcelona foram escolhidas para a realização desta investigação por terem sido consideradas comparáveis em alguns aspectos, embora apresentem algumas diferenças. As cidades se distanciam em seus contextos sócio-histórico-culturais, enquanto suas similaridades estão no fato de serem cidades litorâneas e turísticas, com cenas culturais ricas e vibrantes, cosmopolitas, com vida noturna e mercado de bares e restaurantes com enorme variedade e reconhecimento internacional. Assim, seus mercados gastronômicos foram considerados comparáveis para os propósitos deste estudo.
21Foram incluídas na amostra mulheres entre 18 e 60 anos que tivessem trabalhado no setor por pelo menos três anos, com experiência majoritária em restaurantes com fins comerciais, excluindo-se, assim, restaurantes como os universitários, os destinados a funcionários de empresas e os hospitalares. Também eram restaurantes de culinária diversa, não especializada (ou seja, sem ser de uma regionalidade ou tipo de comida específica), com serviço à la carte ou de buffet, excluindo-se lanchonetes e serviços de fast food. As entrevistas individuais e em profundidade foram feitas durante o período de 2022 a 2023.
22A pesquisa usou a técnica de construção de trajetórias profissionais a partir de relatos biográficos. A escolha pelo método biográfico (Muñoz 1992) foi feita por permitir a convergência de testemunhos subjetivos de indivíduos à luz de suas trajetórias, experiências e visões de mundo, com a construção de um reflexo de valores compartilhados com a comunidade da qual a/o sujeita/o faz parte, neste caso, o setor de restaurantes.
23As vantagens do uso dos relatos biográficos são inúmeras, devido à riqueza de detalhes e camadas e à profundidade dos testemunhos que nos permitem conhecer como operam as variáveis de interesse em casos concretos. O método possibilita adentrar com profundidade o universo das relações sociais até as relações familiares ou de sociabilidade em geral, integrando esferas sociais e de atividades diferentes (família, trabalho e amizade, por exemplo), em trajetórias concretas e não em abstrações estruturais.
24O método baseia-se no relato das próprias pessoas sobre seu cotidiano e ações que já ocorreram, buscando compreender a definição dos próprios indivíduos. Assim, torna-se possível compreender as ações, os aspectos subjetivos e os sentidos dados pelas entrevistadas, permitindo identificar como a experiência de vida e os valores influenciaram seus modos de existência, estratégias e resistência ao longo do tempo.
25A coleta de relatos biográficos múltiplos em paralelo permite fazer comparações, categorizações e estabelecer hipóteses, validando-as mediante o acúmulo de evidências e realizando generalizações sobre uma determinada questão. Com uma análise construtiva, permite que as descrições contidas nos relatos sejam o revestimento que configura uma imagem geral dos fenômenos estudados.
26A seleção de sujeitas foi feita pela técnica de amostragem por cadeia de referência, também chamada de “bola de neve” (Bienarcki e Waldorf 1981). Assim, a seleção iniciou-se por contatos primários com pessoas próximas, que indicaram mais duas pessoas para participar da pesquisa, que foram indicando mais pessoas, sucessivamente. Para determinar o tamanho final da amostra, trabalhamos com a saturação temática, que emprega a regra geral de que quando se constrói a compreensão do fenômeno, os dados devem ser reunidos até que cada tema esteja saturado (Creswell 2014).
27Para o método de saturação temática, deve-se produzir um acúmulo de relatos de indivíduos de um mesmo setor, comparando cada relato com o seguinte para selecionar elementos coincidentes e seguir, até que qualquer nova narrativa não seja mais capaz de introduzir novos elementos. Assim, é possível construir uma só história a partir de muitos relatos diferentes, o que confere validade científica pela observação de regularidades empíricas ao se estabelecer características estruturais (Muñoz 1992).
28As entrevistas em profundidade foram guiadas pela pergunta central da pesquisa, sem estar estruturada para permitir a descoberta de novas ideias e temas. O guia de perguntas sofreu modificações a cada entrevista para refinar mais as perguntas que não tivessem propiciado as informações pretendidas e para refletir as categorias e os conceitos que requeriam maior desenvolvimento (Creswell 2014). Todas as entrevistas foram realizadas por uma única entrevistadora, em português ou espanhol, conforme o idioma de preferência das sujeitas de pesquisa. Cada entrevista teve uma duração média de uma hora, e todas foram gravadas e transcritas na íntegra para que se prosseguisse com as análises.
29A análise dos dados consistiu em uma microanálise, em duas etapas, para todas as entrevistas, de forma a assegurar que nenhum constructo importante tivesse sido esquecido, conforme explicado a seguir. A primeira etapa da análise das entrevistas consistiu em uma categorização temática mais ampla, que resultou na identificação de nove grandes temas, sendo um deles o de “conciliação da carreira com vida pessoal/alimentação em casa”, o qual é objeto de apresentação de resultados deste artigo.
30A segunda etapa buscou refinar as análises, aprofundando-as e detalhando-as, a partir da criação de códigos para cada nova categoria dentro dos grandes temas identificados. Desse modo, falas com naturezas similares foram agrupadas e integradas para formar o aparato analítico para a compreensão dos fenômenos. Na sequência da descrição deste percurso metodológico, o artigo analisa os dados construídos à luz da reflexão sobre a conciliação da vida pessoal com a carreira, com enfoque na produção de alimentos em casa.
31Cabe esclarecer que esta pesquisa faz parte de uma pesquisa mais ampla, que buscar investigar outros aspectos relacionados às questões de gênero no trabalho profissional em cozinhas. A pesquisadora principal possui experiência profissional em produção de refeições em restaurantes e trabalha na área de gastronomia há mais de 15 anos, o que lhe confere uma proximidade e familiaridade com o tema de pesquisa, o que ajudou a compreender as linguagens e realidades apresentadas pelas interlocutoras. A pesquisadora e entrevistadora percebeu uma grande receptividade por parte das sujeitas de pesquisa, o que acredita estar relacionado com sua posicionalidade enquanto ex-cozinheira e professora de gastronomia.
32Para manter o anonimato das interlocutoras, seus nomes foram substituídos por nomes comuns de mulheres em cada um dos países. O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Pedro Ernesto (HUPE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob o número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética 54089121.3.0000.5259.
33Entendendo a imbricação entre a esfera privada e a esfera pública não como correspondendo a “lugares” e “tempos” distintos, mas formada como um complexo diferenciado de relações, de práticas e de direitos permanentemente interligados, torna-se interessante a investigação da conciliação desses espaços nesta pesquisa, uma vez que os efeitos das relações de poder em uma esfera são sentidos na outra.
34Assim, a possibilidade de conciliação da vida pessoal, descanso e tarefas domésticas com as longas jornadas e a atuação exaustiva do trabalho profissional em cozinha é uma das questões fundamentais dos desafios no trabalho, especialmente para as mulheres, que ainda acumulam mais funções de trabalho reprodutivo não remunerado no âmbito doméstico. Com as longas jornadas de trabalho relatadas pelas trabalhadoras desta pesquisa, em especial com o turno partido, como chamado na Espanha, ou intermitente, como chamado no Brasil, é comum que elas fiquem mais de doze horas por dia no trabalho ou em função dele, deixando pouco ou nenhum tempo para outras atividades da vida cotidiana.
35Dentre as interlocutoras de Barcelona, 5 eram brasileiras, 5 argentinas, 3 espanholas e 1 uruguaia. Todas eram mulheres brancas, heterossexuais, de classe média, que entraram na profissão como escolha de carreira e não por necessidade, e que passaram por capacitação formal na área (com exceção de duas, que vêm de famílias com restaurante e se inseriram na profissão sem um curso formal). Seis delas tinham filhos, enquanto as demais não. Já as do Rio de Janeiro eram todas brasileiras, sendo que 2 eram mulheres negras e 8 brancas, 6 eram lésbicas ou bissexuais e 4 heterossexuais. Apenas duas tinham filhos. A classe social também variou entre classe média e média baixa, com apenas uma entrando na profissão “por acidente”, em suas próprias palavras, enquanto as demais entraram na profissão como escolha de carreira e não por necessidade. Todas, em momentos distintos de suas carreiras, passaram por capacitação formal na área.
36As análises dos relatos biográficos coletados na pesquisa revelaram uma série de códigos que fundamentaram a reflexão sobre o tema de conciliação da vida pessoal com a carreira, com enfoque na produção de alimentos em casa: cansaço e a falta de tempo; rede de apoio ou terceirização do trabalho doméstico; estratégias para alimentar-se; comer no trabalho; e alimentação ruim.
37As fontes de autorrealização e as potencialidades femininas não estão circunscritas ao universo doméstico e são marcadas por tônicas de individualidades que explicam seus afastamentos em relação às redes sociais e à família, ainda que revelem um dilema nos princípios pautados na ideia de cuidado de si e prazer. Esse dilema também foi observado em mulheres em estudo de Machado e Barros (2022), na busca de uma carreira que atenda aos projetos individuais, procurando unir princípios de prazer com a segurança da independência financeira. Essa combinação também é encontrada entre esse grupo de trabalhadoras que mostra seguir o desenho da cultura hierárquica e reafirma o valor-família, que, a partir de uma perspectiva dual, podemos qualificar como ethos feminino. Essa forma de existir no mundo deriva de tensões perversas entre vínculo x circulação, analisadas por Salem (2006) como vetores estruturantes da fabricação do masculino nas classes populares.
38Esses “dilemas” são incorporados nos corpos e causam sofrimento entre essas mulheres, ao buscarem a conciliação da vida pessoal com a profissional. No entanto, o cansaço e a falta de tempo derivados do trabalho precarizado são percebidos como os causadores do sofrimento. Um aspecto muito marcante nas falas das entrevistadas foi a descrição do sofrimento com jornadas de trabalho pesadas e uma remuneração baixa, não condizente com o volume de trabalho. Foram diversos momentos em que o tema “jornada de trabalho” foi mencionado. A partir de suas experiências, ficou evidenciado o estabelecimento de uma cultura de exaustão, através da qual a mão de obra é utilizada ao máximo por esses locais de trabalho.
39Algumas questões tiveram destaque nas falas das interlocutoras, como a prática de dois turnos de trabalho – manhã e noite – relatadas pelas trabalhadoras da Espanha, de tal forma que o dia de trabalho era dividido por algumas horas de “descanso” durante a tarde, mas que, às vezes, eram feitas no próprio local de trabalho. A entrega à cozinha, que era uma exigência dessa lógica sobrecarregada, foi colocada como um problema para a saúde dos relacionamentos fora do ambiente de trabalho, como família e amigos, como aponta Carmen (Barcelona), ao solicitar a seu chefe uma folga para um evento social de uma amiga.
“Você acha que teria como você me dar folga neste sábado? Na sexta-feira, eu vou vir, mas sábado eu queria ir na formatura”. E ele falou: “olha, você que sabe, na sua vida como cozinheira você não vai ter tempo de formatura, você não vai ter casamento, você não vai ter aniversário, você não vai ter aniversário dos seus pais, dos seus filhos, a decisão é sua”. E eu não fui na formatura. (Carmen, Barcelona).
40Ao mesmo passo, Laura (Barcelona) diz buscar formas de conciliar trabalho e família, pois isso é muito difícil, assim como Lucía (Barcelona), que também entende que essa distância do ciclo social impacta no trabalho. Além dessa questão social, percebeu-se a compreensão de que a jornada de trabalho não acontece somente na cozinha, de modo que o tempo de deslocamento até o trabalho faz parte desse cálculo e aumenta ainda mais essa carga horária. Assim, essa percepção foi apontada como um contexto desumano, que muitas vezes é normalizado.
41Por trabalhar com horário intermitente, Carmen (Barcelona) relata sua “exaustão” e a “frustração” que a faziam acordar já chorando todos os dias e diz que nessa época não tinha nada de vida pessoal. Martina (Barcelona) também diz que não havia tempo físico para se dedicar a outra atividade fora do trabalho, que descansava pouco e sentia doer seus pés e pernas, mas que tinha que voltar com muito esforço.
A gente não tem força mesmo. [...] Sábado e domingo eu tô morta. (Sara, Barcelona).
Minha mãe fala que eu tenho que fazer um exercício, mas quando? Não dá! Para fazer no meu intervalo eu estou morta. A única coisa que eu quero é ficar com os pés para cima. (Sara, Barcelona).
Nos primeiros três meses, a gente trabalhava de 8 da manhã até 1 da manhã. (Carmen, Barcelona).
42Quando conseguem ter dois dias de folga ou ao menos fazer um turno contínuo de trabalho, as trabalhadoras acreditam que podem “se recuperar” (Isabel, Barcelona) ou que estão no “melhor momento” (Pilar, Barcelona) de suas vidas profissionais.
43Morar longe do trabalho também foi uma questão que limitava o tempo para se dedicar a outras atividades de que elas gostavam. Quando morava longe do trabalho e tinha que pegar o metrô lotado todos os dias, Francisca (Rio de Janeiro), por exemplo, diz que sofria muitas crises de ansiedade e que o dia a dia era muito ruim pelo estilo de vida que a cansava muito. Quando recebeu uma proposta para voltar a trabalhar no Rio de Janeiro, após um período trabalhando em São Paulo, uma de suas condições para voltar foi a de ter um salário que a possibilitasse morar perto do trabalho para poder ter tempo e energia para outras atividades. Francisca (Rio de Janeiro) lamenta ainda que seu estilo de vida dificulte ser saudável e que perca muito tempo de convívio com a família, mas para ajudar financeiramente em casa, não pode renunciar ao seu emprego.
44O excesso de trabalho, inclusive pelo acúmulo de dois turnos, demandava um esforço adicional de Maria (Rio de Janeiro) para conseguir fazer qualquer atividade extra da vida pessoal. Ela diz que o trabalho nesse período significava abrir mão 100% de outros aspectos da vida, de uma maneira muito forte, para buscar construir seu caminho profissional. Essa entrega excessiva a fez entrar em uma crise sobre se fazia sentido tamanha abdicação para focar na carreira, principalmente sabendo das frustrações que o mercado impõe nesse setor.
Eu percebi que, apesar de querer muitas coisas que precisam de um comprometimento muito grande, que precisam de uma entrega muito grande profissionalmente, eu não quero abrir mão da minha vida, sabe? Do meu bem-estar. E não só virando e falando da minha vida pessoal, mas do bem-estar mesmo. Tipo, eu não quero chegar lá na frente e ver que eu só trabalhei. Que eu fiz tudo só por trabalho e não fiz pelas outras coisas. Querendo ou não, no final, o trabalho completa a gente, faz a gente se sentir mais preenchido na vida. E também eu gosto do que eu faço. Tipo assim, eu sinto bem-estar muitas vezes com as coisas que eu faço, mas, ao mesmo tempo, tipo assim, não quero chegar lá na frente e ver que eu só fiz isso, que eu não fiz mil outras coisas que eu gostaria de fazer, que são, tipo, ter uma vida realmente, com outras pessoas do meu lado. Eu tenho vontade de ter um relacionamento duradouro, de ter uma estabilidade, assim, de família mesmo. (Maria, Rio de Janeiro).
45Observar o setor e ver que muita gente renuncia a muitos aspectos da vida para ter sucesso e que isso não necessariamente se reverte em uma estabilidade profissional e financeira fez Maria (Rio de Janeiro) começar a questionar muito como ela deveria levar sua própria trajetória. Ela vê que isso pode ser uma realidade para outras profissões também, em um mundo capitalista com uma cultura focada em trabalhar muito, algo que a incomoda bastante. Ela vê o trabalho como apenas um dos aspectos da sua vida para conseguir conquistar outros objetivos, e entende ser muito frustrante dedicar-se e não ver o retorno financeiro e de reconhecimento é algo que a frustra muito.
46Ana (Rio de Janeiro) lamenta a falta de tempo e energia para cuidar do corpo e fazer exercício. Ela percebe que precisa de um esforço “descomunal” para sair de casa e fazer um exercício físico ou ir ao médico e classifica como uma relação “não saudável” a divisão de vida pessoal e trabalho. Em relação à vida social, ela também se sente muito triste em ver que, quando as pessoas estão saindo para se divertir, ela nunca está junto e, mesmo quando consegue ir, está sempre cansada e nunca está 100% no local. O trabalho é considerado um “sequestro da vida particular”
47Quando possível, algumas interlocutoras buscam trabalhar menos dias por semana para poder ter tempo e energia para outras partes de sua vida. Hoje Ana (Rio de Janeiro) sente que a vida é muito mais fácil em seu trabalho atual, em comparação a outros lugares em que já trabalhou, pois tem duas folgas semanais, começa a trabalhar na parte da tarde e consegue tirar uma hora de horário de almoço, algo que nunca havia conseguido antes. Adriana (Rio de Janeiro) trabalha em um restaurante que funciona de segunda a sexta em horário de almoço. Ela diz que no início não sabia nem o que fazer no fim de semana, pois nunca havia tido tanto tempo livre. Afirma que agora tem “vida” e uma rotina boa, conseguindo fazer exercícios físicos e ainda cozinhar quando chega em casa.
48Em relação às atividades de produção de alimentos no lar, Patrícia (Rio de Janeiro) cita o ditado popular “casa de ferreiro, espeto de pau”, ao afirmar que, pelo cansaço e pela falta de tempo, quase nunca cozinha em casa. Ela diz detestar cozinhar em casa e que só cozinha quando sua filha e companheira, que são as pessoas que mais cozinham em casa, pedem muito, por sentirem a falta de seu tempero. Diz que faz outras atividades domésticas, como lavar roupa e limpar a casa, mas que cozinhar é muito raro, pois passa o dia todo na cozinha.
49Ana (Rio de Janeiro) brinca que sua irmã sempre reclama que mora com uma cozinheira, mas que quem faz a comida em casa é ela. Quando acorda “inspirada”, o que ocorre pontualmente, ela até faz comida, mas isso é raro em sua rotina. Francisca (Rio de Janeiro) vive sozinha e tenta com esforço manter sua casa e suas roupas limpas, mas diz que em sua geladeira só tem requeijão e manteiga. Ela relata ter ido à feira para comprar frutas e legumes, mas que a maior parte do que comprou se estragou. Pelo estresse do trabalho, ela diz ter desenvolvido alcoolismo e que o álcool e a compulsão alimentar são suas válvulas de escape.
50Adriana também relata não ter vontade de cozinhar em casa, por fazer essa atividade o dia todo no trabalho. Ela diz que a “lenda de que cozinheiro não faz comida em casa” se aplica muito bem à sua realidade. Júlia relata não cozinhar só para ela, mas que, quando recebe alguém em casa, tem o maior prazer em cozinhar uma variedade de preparações.
51O cansaço e a falta de tempo das sujeitas desta pesquisa revelam como a precariedade de seus trabalhos remunerados limita, inclusive, a apropriação do trabalho doméstico não remunerado. Na busca pela autonomia financeira, as mulheres privilegiam o trabalho precarizado e são exauridas por um sistema de exploração do trabalho humano, que, no caso das mulheres, se transforma em uma dupla exploração (Federici 2019), uma vez que as responsabilidades do trabalho reprodutivo também são colocadas para elas, como os cuidados alimentares. Observamos o impacto do capitalismo na vida das mulheres, evidenciado por Silvia Federici (2019), ignorando o sofrimento ao qual essas mulheres são submetidas. A autora defende a importância da remuneração, valorização e a socialização do trabalho reprodutivo como parte de uma luta mais ampla por justiça social e igualdade de gênero, e como ação essencial para a transformação das relações sociais e econômicas.
52Observa-se que, em algumas situações, as mulheres podem usar redes de apoio e outras estratégias para desafiar as normas de gênero e a divisão desigual do trabalho doméstico. Isso pode incluir compartilhar tarefas com outros membros da família, recusar-se a realizar certas tarefas, buscar ajuda externa ou adotar uma diversidade de arranjos familiares.
53Algumas delas contam com uma rede de apoio ou a terceirização do trabalho doméstico. A rede de apoio familiar atua nas tarefas domésticas gerais e nas de produção de alimentos, enquanto a terceirização é acionada principalmente para as tarefas de limpeza da casa, já que apenas Lucía (Barcelona) disse ter tido uma pessoa contratada para a produção de comida em casa quando tinha filhos pequenos. Inclusive, Veronica (Barcelona) fez questão de enfatizar que tem ajuda com a limpeza, mas que da comida sempre se ocupou.
Esse ano eu até contratei uma pessoa para cuidar de casa, porque realmente eu não estava dando conta. (Sara, Barcelona).
Hoje em dia eu tenho uma moça que vem uma vez por semana e organiza a casa, porque antes quem organizava a casa era eu e o [ocultado o nome do marido]. (Carmen, Barcelona).
Uma vez na semana, vem gente em casa para limpar, mas a gente tem que manter. (Marta, Barcelona).
54Ter uma rede de apoio é fundamental para parte das interlocutoras conseguirem gerenciar aspectos da vida doméstica e pessoal, ainda que muito pouco tenha sido falado sobre a participação de companheiros ou terceiros na produção de comida. Dolores (Barcelona) diz que tem a “sorte” de sempre ter compartilhado as tarefas com seu marido. Ele fica responsável pelo café da manhã das crianças, horários em que ela já está no trabalho. Como as crianças almoçam na escola e ela no trabalho, ela faz o jantar à noite, mas seu marido limpa a cozinha. Assim, acredita que em casa tem muita “ajuda”. Sara (Barcelona) também diz que come em casa quando o marido prepara, porque ela mesma não faz, assim como Lucía, que diz que só come em casa quando o marido prepara.
55Ana (Rio de Janeiro) mora com sua irmã e diz poder contar com seu apoio e ajuda para as tarefas domésticas. Quando morava sozinha, chegava em casa cansada do trabalho e tinha que fazer comida, lavar louça, arrumar a casa e lavar roupa, aproveitando a adrenalina que ainda tinha quando saía do trabalho, adotando uma rotina noturna que ela diz ser contrária à rotina da maior parte das pessoas. Hoje, com a ajuda da irmã, ela se sente mais amparada por ter uma pessoa que entende sua rotina, o que ela considera um privilégio.
56Márcia (Rio de Janeiro) mora com sua irmã e a sobrinha de um ano. Isso a motiva a cozinhar mais vezes em casa, mas ainda assim diz não estar conseguindo cozinhar fora do trabalho pelo excesso de carga. Às vezes, ela deixa de dormir um pouco mais para conseguir ajudar um “mínimo” em casa, pois sabe que isso é importante para auxiliar a irmã, buscando estabelecer uma troca que não fique pesada para nenhuma das duas.
57Em uma interpretação a partir da divisão sexual do trabalho (Kergoat 2009), observamos uma apropriação das mulheres para o trabalho doméstico, em que os homens atuam como apoio, uma “ajuda” a uma responsabilidade que não é atribuída a eles. Ainda que elas não se coloquem totalmente disponíveis para o trabalho reprodutivo, reportarem-se à divisão de tarefas como uma mera “ajuda” mostra que não há uma equivalência entre homens e mulheres na família e na sociedade e pode revelar que as mulheres não têm posse de si, já que a reponsabilidade sobre o trabalho doméstico, inviabilizado e desvalorizado, é sempre feminina e que há uma naturalização das relações sócio-históricas construídas que sustentam as hierarquias entre homens e mulheres.
58Para romper com as assimetrias no espaço privado, são necessárias mudanças não somente no espaço público, como a adoção de medidas relativas à licença-maternidade, creches e serviços de cuidado de idosos, que podem influenciar a divisão do trabalho doméstico ao criar ou limitar as opções de apoio disponíveis para as famílias; como também a desconstrução dessas relações sociais hierárquicas que mantêm as desigualdades de gênero e a valorização de atividades fundamentais, sobretudo no âmbito da reprodução. Em relação à terceirização do trabalho doméstico, cabe destacar, que há diferenças entre o Brasil e a Espanha devido a diversos fatores, incluindo os contextos cultural, econômico, político e jurídico. O emprego doméstico é mais comum e historicamente mais aceito no Brasil, em especial em classes sociais com maior renda.
59Sherry Ortner (2007) critica como as teorias da “coerção” entendiam o comportamento humano como “plasmado, moldado, ordenado, definido, etc., por forças e por formações sociais e culturais externas: cultura, estrutura mental, capitalismo” (Ortner 2007, 20). Embora sustente as coerções estruturais como reais, alerta para que teorias baseadas unicamente na coerção, sem considerar nem a agência humana nem os processos que produzem e reproduzem essas coerções são cada vez mais problemáticas. Assim, a teoria da prática assumiu o desafio de superar uma suposta oposição entre estrutura e agência dos sujeitos.
60A noção de estratégia de Sherry Ortner (2007) é a de que é uma forma de agência, ou uma forma de agir no mundo, que é moldada pelos recursos e restrições de um determinado contexto social e cultural. A estratégia é uma forma de ação tanto criativa quanto adaptativa, permitindo que os indivíduos façam o melhor uso dos recursos disponíveis para alcançar seus objetivos. Assim, as sujeitas desta pesquisa, acionaram estratégias para alimentar-se, dentro de suas possibilidades concretas de vida, construindo alternativas que fragmentam e criam lacunas nas estruturas que as pressionam em sentido contrário.
61Carmen (Barcelona), por exemplo, relata que embora goste de cozinhar em casa, não consegue fazê-lo, brincando com o ditado popular de que “santo de casa não faz milagre”. Ela e seu marido se alimentam a maior parte do tempo no restaurante. Quando estão com fome fora desse espaço, recorrem a ofertas na rua, como churrasquinho ou hambúrguer ou compram comidas semiprontas para finalizar em casa. Ela considera muito ruim não cozinhar em casa e acredita que tem perdido muito como cozinheira por não ter esse momento para “refrescar a cabeça” e “sair da caixinha”.
62Os relatos sobre fazer preparações simples, rápidas e fáceis para conseguir comer em casa ou de pedir comida por entrega foram frequentes. Cristina (Barcelona) fala que no jantar era sempre uma “gororoba”, como salada de atum, sacola de folha já lavada ou um macarrão rápido. Martina (Barcelona), quando não comia fora, comprava comidas semiprontas ou fazia coisas rápidas, como uma salada ou sopa.
Aí eu sempre peço alguma coisa pelo delivery mesmo. (Sara, Barcelona).
Às vezes, durante à tarde, eu fico perto do meu trabalho mesmo. Sento em um café e como alguma coisa no café mesmo. (sobre o tempo de descanso do horário intermitente, Sara, Barcelona).
Mal a gente faz compra aqui para casa. Às vezes, eu pego o bico de estar no supermercado fazendo compra para o restaurante e falo “ah, está precisando de cebola” e coloco lá a cebola. (Carmen, Barcelona).
Comia fora. [...] Cozinhar só para mim me dava um pouco de preguiça. (Martina, Barcelona).
63A reorganização da rotina alimentar para adequar-se aos horários de trabalho foi acionada por Sofia (Barcelona). Ela trabalhava no restaurante de um hotel até meia-noite, chegava em casa e preparava a comida para comer com seu companheiro, que trabalha com coquetelaria e chegava em casa por volta de 4 horas da manhã. Em geral, acordava ao meio-dia, arrumava coisas em casa e entrava no trabalho às 4 horas da tarde. Ela classifica essa época como a mais confortável de sua vida, pois tinha duas folgas semanais e conseguiu estabelecer alguma rotina.
64Apesar de muitas delas negligenciarem a saúde para poder seguir com uma rotina possível, o cuidado com a saúde foi destacado por Isabel (Barcelona), que enfatizou que, ainda mais com a pandemia, tratou de pensar na questão da imunidade e em ter coisas-chave na alimentação para estar “forte”.
65O fato de ter filhos motiva Dolores (Barcelona) a cozinhar em casa, porque sair para comer ficaria limitado pelos horários e porque “a gastronomia não é pensada para crianças”, tecendo críticas sobre as limitações de ofertas dos menus infantis. Ela considera importante também que os filhos provem comida e sente que tem a responsabilidade de ensiná-los a comer e provar alimentos diferentes e alternativos, como os produtos 100% de origem vegetal que prepara em sua confeitaria.
66Os filhos também foram fator motivador para Lucía (Barcelona), que diz que nem que tivesse de dormir menos ou “o que fosse”, mas fazia de tudo para que a comida fosse bem estruturada quando os filhos eram pequenos. Antes de ir ao restaurante, à noite, jantavam todos juntos em casa. Além da contratação de uma pessoa para ajudar em casa, diz que aproveitou a experiência com a logística de produção de comida no restaurante para organizar essa tarefa em casa. Um dia da semana, cozinhava todas as bases e depois tirava partes das bases para fazer as preparações, da mesma maneira como cozinha no restaurante. Tinha que ser muito “rigorosa” e nunca “improvisar” para dar certo.
67A estratégia de planejamento e organização prévia também é acionada por Veronica (Barcelona), que diz que planeja o que vai comer na semana e deixa algum refogado pronto ou alguma preparação congelada para poder comer quando estiver com menos tempo. Organiza ainda as compras e o pré-preparo de alimentos, como a limpeza das verduras.
68Para não comer qualquer alimento, Carla (Barcelona) diz que tem que ter muita disciplina e organização. Ela vai ao mercado quase todos os dias, pois gosta de comer verduras e peixe frescos, adianta o preparo na noite anterior e termina de cozinhar de manhã para levar marmita para o trabalho.
69Marta (Barcelona) diz que sempre comiam na rua, mas que ela e o marido conseguiram organizar a rotina para cozinhar dois dias da semana e comer essa comida ao longo dos dias, além de preparar o café da manhã cortando frutas ou preparando sanduíches no dia anterior. A preparação de comida é responsabilidade dela, enquanto a limpeza da casa fica com o marido.
70Se por um lado o tempo dedicado ao trabalho dificulta o acesso a uma alimentação adequada em casa, a característica das atividades laborais dessas mulheres propicia uma “comida de verdade”, em contraposição aos ultraprocessados concebidos pela indústria de alimentos (Nestle 2019). Pela facilidade em preparar refeições nos restaurantes, comer no trabalho é uma realidade frequente para grande parte das/os trabalhadoras/es do setor. Em geral, prepara-se uma comida para a equipe, diferente das comidas servidas aos clientes. A refeição é feita logo antes de o restaurante abrir as portas, quando o serviço permite que se pare um tempo para comer.
71No restaurante em que Isabel (Barcelona) trabalha, conseguem comer juntos a “comida do pessoal”, o que vê como uma maneira de unir e que seria “como a família quando se junta à noite”, proporcionando um momento de relaxamento, compartilhamento e conversa. Além disso, diz que tem que provar comida o tempo todo, o que considera positivo por ter acesso a comer muitas opções de alimentos. Nuria (Barcelona) também relata que suas refeições mais estruturadas aconteciam “com a família no restaurante” nos almoços e que “a família do restaurante se tornou bastante próxima”, inclusive saindo muito entre eles para atividades de lazer. Esses relatos nos fazem refletir sobre a transposição da noção de família do espaço doméstico para o espaço laboral a partir da intensidade do convívio e do hábito de comerem juntos, dentre os elementos da comensalidade. A comensalidade é uma prática de relevância social ligada à identidade cultural. Comer junto e compartilhar refeições desempenha um papel fundamental no senso de pertencimento, podendo fortalecer laços e transmitir valores culturais e sociais (Contreras e Gracia-Arnaiz 2011) como a ideia de comer junto à família.
72Com uma equipe muito antiga, que trabalha junta há anos, Lucía (Barcelona) diz que passaram de colegas e amigos a uma “família”. Comem todos juntos a mesma comida, em uma refeição que dura 10 minutos, antes de abrirem o restaurante. Essa proximidade com os colegas de trabalho, que jantavam juntos antes de começar o serviço, também foi destacada por Martina (Barcelona), que vivia sozinha em Barcelona e se relacionava mais com as pessoas do trabalho.
73A comensalidade também reflete e reproduz hierarquias e relações de poder dentro ou fora da família. Assim como quem se senta à mesa principal ou quem serve a comida pode refletir as dinâmicas de poder em um grupo social (Contreras e Gracia-Arnaiz 2011), decidir fazer ou não a comida para um grupo também revela essas relações, como visto no restaurante em que Cristina (Barcelona), chefe de cozinha, trabalhava na ocasião. Em função de uma briga que teve com a chefe do salão, Cristina decidiu que não faria mais comida para os funcionários e, a partir disso, cada um passou a levar sua comida de casa. Ela mesma, após essa decisão, teve que levar sua comida e relata que as marmitas eram “tristes”, uma “gororobinha”, sanduíches ou alguma comida fácil de preparar.
74Uma alta frequência de relacionamentos afetivos com outras pessoas do setor também foi notada para as trabalhadoras de ambas as cidades. Ana (Rio de Janeiro) comenta que quando se trabalha em cozinha, acaba-se passando mais tempo com seus/suas colegas do que com qualquer outra pessoa de sua vida, o que as/os leva a desenvolver relações mais próximas. Francisca (Rio de Janeiro) também relata que suas relações fora do trabalho são muito restritas, vendo as amigas com intervalo de meses, pois acaba tendo maior contato e relação com pessoas do setor, que têm o mesmo estilo de vida, os mesmos horários e tipos de folga e que entendem o que ela vive.
75Comer no trabalho foi identificado como a principal forma de conseguir algum tipo de estrutura na alimentação cotidiana. Mesmo quando o local de trabalho não oferece alimentação para a equipe, por trabalharem na cozinha, com alcance direto aos alimentos, sentem-se autorizadas a comer o que quiserem, algo que remete à frase de Maria (Rio de Janeiro): “quem trabalha na cozinha, acaba comendo”.
Muita coisa sobrava. Muita coisa ficava. Então, tipo assim, as pessoas não jogavam fora, as pessoas dividiam entre os funcionários, comiam e tal. Então, tipo assim, acabava que a gente, como trabalhava na cozinha, comia. [...] Isso era porque a gente não ligava para o fato de não poder, entendeu? A gente tem a nossa cabeça de: “A gente trabalha em cozinha, sempre foi assim, e vai continuar sendo assim”. E as pessoas precisam comer enquanto, né? Nesse período de trabalho, porque a gente trabalha no horário que as pessoas comem. Então, não existe isso, a gente não tem tempo pra cozinhar. (Maria, Rio de Janeiro).
76Em um local em que trabalhou, Maria (Rio de Janeiro) não recebia alimentação para funcionários/as, mas recebia uma cesta básica todo mês. Por não ter tempo para cozinhar, muitos itens da cesta sobravam, e ela chegou a doar alimentos algumas vezes. Nesse período, ela acumulava outro trabalho e emendava dois turnos. Mesmo comendo na cozinha, apesar da proibição, acabou perdendo muito peso e diz que não cuidou muito da saúde durante esse tempo.
77Francisca (Rio de Janeiro) tem oferta de refeição no trabalho, mas, pelo excesso de funções, quase nunca consegue parar para comer no refeitório. Acaba comendo umas “coisinhas” no trabalho e doces. Sua estratégia é tomar um bom café da manhã em casa antes de sair para trabalhar.
78Ana (Rio de Janeiro) também diz que a única refeição que consegue fazer em casa é o café da manhã e que nunca cozinha em casa. Comer no trabalho é sua solução para conseguir se alimentar bem. Ela diz que como são os próprios cozinheiros que fazem a comida de funcionários/as no restaurante, eles fazem questão de fazer comida boa, por isso ela classifica sua alimentação no restaurante como muito boa.
79Compreender mais a fundo como se dão as dinâmicas de alimentação entre as equipes de trabalho parece ser um interessante caminho de pesquisa não explorado nesta investigação. A comensalidade é governada por normas culturais e regras sociais, que variam amplamente entre as culturas e grupos sociais; e compreendê-la, pode auxiliar a entender melhor as complexidades da vida social de determinados grupos.
80Se por um lado, o comer no trabalho propicia o acesso à “comida de verdade”, por outro, o trabalho precarizado que exercem nesses espaços as fazem, por vezes, ter uma alimentação consideradas pelas interlocutoras como uma alimentação ruim, tendo que negligenciar, por vezes, segundo uma delas, a saúde. Pilar (Barcelona) ressalta como a gastronomia a “fundiu” e que não tem tempo para nada, com muitas horas de trabalho, em que acaba comendo em pé ou de maneira ruim no pouco horário que tem livre. Assim, percebe que a casa fica relegada, e que é sorte quando consegue comprar água ou um pouco de tomate, o que classifica como “desastroso”.
81Os relatos de Nuria (Barcelona) também apresentam um cenário difícil quando estava trabalhando na alta temporada e chegou a ficar dois meses sem um único dia de folga. Diz que perdeu muito peso, pois, apesar de almoçar no restaurante em que trabalhava, à noite comia apenas uma fruta, e que nem se lembra de ter usado a cozinha de casa nesse período. Conclui dizendo que isso acontece muito com cozinheiros em geral, que passam o dia cozinhando, mas não cozinham em casa.
82Carolina (Rio de Janeiro) diz que criou o hábito de comer apenas sanduíches ou preparações rápidas quando está sozinha. Ela avalia que poderia se organizar melhor e deixar comidas preparadas e congeladas, mas como está sempre cansada, quando chega em casa, não quer cozinhar de novo. Ela diz que nesse tipo de trabalho, sempre comeu mal, que comia em pé no serviço e que em casa acabava também não comendo sentada, fatos que a fizeram emagrecer muito.
83Por gastar muito tempo no deslocamento casa-trabalho e ficar o dia todo em pé, Adriana (Rio de Janeiro) diz que mal conseguia comer quando chegava em casa. Vivia com a sua mãe na época, e ela fazia a comida, mas tinha vezes que a mãe levava seu prato para o quarto, ela comia e deixava a louça ao seu lado, voltando a dormir em seguida, tamanha a sua exaustão.
84Em casa, Fernanda (Rio de Janeiro) prepara apenas alimentos simples, como um ovo ou uma tapioca, classificando sua alimentação como muito ruim, tendo ganhado mais de 10 quilos desde que entrou para a profissão de cozinha. Ela diz que é comum ficar mais de 12 horas sem comer nada e que quando tem fome acaba beliscando algo que esteja ao alcance no trabalho apenas para “tapar o buraco”, o que influencia na sua saúde física, emocional e mental.
85Esses relatos corroboram as reflexões que são feitas sobre as relações de trabalho e saúde em que as condições econômicas e sociais dentro da exploração do trabalho remunerado e não remunerado influenciam não apenas o acesso a alimentos saudáveis, mas também a capacidade das pessoas de dedicar tempo e energia ao cuidado da alimentação. Em muitos casos, alimentos processados e de baixo custo são mais acessíveis e convenientes do que alimentos frescos e nutritivos. Trabalhadores que enfrentam jornadas extenuantes podem recorrer a opções alimentares rápidas e convenientes, que nem sempre são as mais saudáveis (Nestle 2019).
86De uma maneira geral, o cansaço e a falta de tempo foram fatores preponderantes nas dificuldades de conciliação da vida pessoal com a profissional. As atividades de lazer e sociais foram muito negligenciadas, porém, para a alimentação, impossível de ser excluída da vida, houve a presença de alguns caminhos possíveis de conciliação. O fato de comerem no trabalho mostrou-se fundamental para manterem um mínimo de estrutura na alimentação, sendo a produção doméstica a maior dificuldade. Mesmo que muitas tenham recorrido às preparações rápidas e fáceis e aos serviços de entrega, ainda foi possível observar um uso do conhecimento profissional para organizar a logística de preparos em casa, ainda que de maneira limitada.
87No quesito de conciliação entre vida profissional e pessoal, não pareceu haver diferenças nas experiências das trabalhadoras de ambas as cidades. Gerenciar tempo de descanso e lazer é um dos maiores desafios para a elaboração de estratégias em um contexto de longas jornadas e carga excessiva de trabalho. Os relatos de cansaço e exaustão dão o tom das dificuldades em exercer qualquer atividade além da remunerada.
88O fato de terem acesso a alimentos no trabalho e de poder comer nos restaurantes em que trabalham foi o principal fator para que consigam ter alguma estrutura na alimentação cotidiana. Nessa dinâmica, o comer em família é transposto ao espaço do trabalho, e as maneiras de comer no espaço privado adaptam-se às circunstâncias possíveis, em geral, preparando-se coisas simples e rápidas ou consumindo alimentos prontos.
89O domínio das habilidades culinárias tem sido tratado recentemente na literatura como uma das formas para acessar uma alimentação adequada e saudável, especialmente impulsionado pela publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira (Brasil 2014). As habilidades culinárias domésticas compreendem “ações de planejamento do cardápio, seleção, combinação, corte e cocção dos alimentos, capacidade de realizar tarefas concomitantes ao ato de cozinhar e confiança para práticas culinárias” (McGowan et al. 2017). Nesta pesquisa, observamos que, mesmo possuindo habilidades culinárias avançadas, as trabalhadoras não conseguem manter práticas alimentares entendidas como saudáveis, sugerindo que não basta saber como gerenciar as atividades de produção de alimentos no lar, mas é preciso ter tempo e energia para isso.
90O trabalho culinário é uma ferramenta de ação social e política das trabalhadoras que o exercem, e compreender suas condições de trabalho é fundamental para pensar meios mais justos de realizar um trabalho essencial para a manutenção da sociedade (Machado 2022). A apropriação capitalista do trabalho reprodutivo não remunerado segue sendo uma das principais barreiras para que as mulheres possam ter uma vida plena e autônoma. O tempo necessário para cozinhar vai além do ato em si, passando por atividades de planejamento, compra, limpeza, armazenamento, limpeza e gestão de resíduos. Negligenciar o tempo nas políticas de saúde é não reconhecer o trabalho doméstico invisível e não remunerado.
91A posição das mulheres nas relações de trabalho está no cerne das formas de exploração, com ênfase na distinção entre trabalho remunerado e não remunerado como um ponto fundamental na separação entre espaços de poder. Para Heleieth Saffioti (1997), em nenhuma sociedade se concretizou a projeção de Marx de que o primeiro dos direitos do capital é a igualdade na exploração da força de trabalho, dado que essa exploração é distinta em termos de gênero e raça. A autora explica que o capital não tem alcance suficiente para equalizar todas as forças de trabalho ou de prescindir do trabalho doméstico gratuito.
92Para abordar os efeitos negativos da precarização do trabalho na segurança alimentar, é necessário adotar abordagens integradas que incluam políticas de emprego e salário mínimo digno, bem como programas de assistência alimentar e nutricional para famílias em situação de vulnerabilidade. É fundamental reconhecer a interconexão entre o mercado de trabalho e a segurança alimentar e buscar soluções que abordem essas questões de forma holística.
93Esta pesquisa apresenta algumas limitações, como as relacionadas à impossibilidade de observação direta das dinâmicas familiares nas residências, a discussão mais aprofundada das relações de migração e da experiência de mulheres estrangeiras na Espanha, a não inclusão da perspectiva dos homens nas observações feitas, bem como de pessoas transgênero ou não binárias.
94O objetivo desta pesquisa limitou-se a buscar compreender como essas trabalhadoras conciliam seus trabalhos remunerados com o trabalho culinário doméstico. No entanto, as respostas das interlocutoras apontaram que há muitos caminhos interessantes de investigação sobre a compreensão mais aprofundada dessa relação. Mesmo que as respostas revelem a dificuldade de ter tempo e energia para produzir comida em casa, o hábito de comerem no trabalho e fora dele, assim como as maneiras pelas quais produzem sua comida, apresenta-se como um campo de investigação frutífero.
95Doutora em Alimentação, Nutrição e Saúde (Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ) e em Antropologia e Comunicação (Universitat Rovira i Virgili - URV). Professora Adjunta no curso de bacharelado em Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Editora da Revista Mangút: Conexões Gastronômicas. Email: daniela.minuzzo@ufrj.br
96Doutora em Ciências (UERJ), modalidade sanduíche no Departamento de Antropologia Médica (URV, Espanha). Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde (UERJ) e do Núcleo de Estudos sobre Cultura e Alimentação e integrante da coordenação da Rede Ibero Americana de Pesquisa Qualitativa em Alimentação e Sociedade. Email: fkraemer@uerj.br
97Daniela Alves Minuzzo participou das etapas de conceitualização, planejamento da pesquisa, desenho da metodologia, condução da pesquisa empírica, tratamento e análise dos dados, escrita do manuscrito original.
98Fabiana Bom Kraemer participou das etapas de conceitualização, planejamento da pesquisa, desenho da metodologia, supervisão do projeto, revisão da análise dos dados, revisão e edição do manuscrito.